sábado, fevereiro 29, 2020

Amy Winehouse, 2003

Descobertas/redescobertas no labirinto da Net... Eis uma preciosidade do arquivo do programa de Jools Holland, Later... (BBC), com data de 2003: Amy Winehouse (1983-2011) interpretando Stronger Than Me, tema do seu álbum de estreia, Frank, também de 2003.

sexta-feira, fevereiro 28, 2020

Taylor Swift: #HeToo

Há em Taylor Swift uma espécie de desespero militante. Em vez de explorar a sua dimensão mais sóbria, artisticamente mais interessante (recorde-se o seu solo na NPR), persiste numa pop cuja energia interpretativa não chega para ocultar o esquematismo das suas matrizes. Assim volta a acontecer com a canção de The Man, sugestiva divagação anti-machista, (sobre-)produzida em tom exuberante no seu mais recente álbum, Lover, mas que se afigura muito mais interessante na versão acústica ao vivo recentemente divulgada.
O teledisco de The Man, revelado a 27 de Fevereiro, vem introduzir um delicioso grãozinho de areia na arquitectura iconográfica do seu marketing. Num labor eminentemente pessoal (é a sua estreia como realizadora, a solo, de um dos seus clips), Swift conduz a ambiguidade da canção a um desmascaramento burlesco, por certo cedo pressentido pelo espectador, mas que se apresenta sustentado por um salutar humor.
A propósito, vale a pena lembrar que, em princípio, as militâncias, mesmo quando se simplificam em discursos esquemáticos (like a virgin, hélas!), não têm nada a perder com algum gosto metódico da irrisão — eis a prova.

O futebol dos pequenitos

[28 Fev. 2020]
1. Pergunta perversa: será que ao fazerem o balanço da eliminação das equipas portuguesas da Liga Europa, os responsáveis do jornal A Bola reflectiram sobre o facto de estarem a aplicar uma expressão — Portugal dos Pequenitos — que nos remete directamente para a história cultural do Estado Novo?

2. Quero acreditar que sim. Por isso mesmo, creio que devemos saudar a agilidade mental de A Bola, contrariando esse preconceito político (em grande parte posto a circular pela minha geração, demitindo-se das suas próprias memórias) que faz com que seja corrente evocar a ditadura salazarista apenas através de noções estupidamente abstractas: "andávamos todos calados e medrosos... e depois veio o 25 de Abril..."

3. Foi uma ditadura, é verdade. A minha geração, em particular, conheceu o assombramento de ir, ou poder ir, para os cenários de uma guerra colonial. Apesar disso — aliás, precisamente por causa disso —, importa não tratar as referências nominais ou simbólicas do Estado Novo como se fossem excrescências de linguagem que não podem ser apropriadas, aqui e agora, pelas nossas próprias linguagens.

4. Aquilo que se consagra na manchete de A Bola é, justamente, a alegria de um gesto criativo capaz de promover um sugestivo efeito de deslocação de significados e significações: a designação de um espaço institucional que nasceu para celebrar a diversidade daquilo que, para o melhor e para o pior, foi o império português, surge reconvertida em descrição literária da hecatombe protagonizada por Benfica, Porto, Sporting e Braga.

5. Enfim, ninguém é perfeito: podemos acrescentar que o rótulo de "pequenez" para descrever tal hecatombe reforça, também perversamente, essa visão infantil (jornalisticamente dominante) segundo a qual o futebol português é o melhor do mundo, apesar de, de vez em quando, lhe acontecerem estes desastres... Por mim, diria apenas que não temos equipas para lidar com a maior parte dos adversários que encontramos nas competições europeias — mas isso é um desabafo de quem já não é pequenito.

Césars evocam Anna Karina

Hoje é dia dos Césars, os prémios anuais do cinema francês, atribuídos pela respectiva Academia. Por vezes referidos como os "Oscars franceses", inserem-se, na verdade, num contexto de produção (nacional e cultural) bem diverso, este ano assombrado por questões delicadas que vão desde o vazio criado pela demissão do conselho de administração da Academia até às polémicas em torno das nomeações atribuídas ao filme J'Accuse, de Roman Polanski (o cineasta anunciou, aliás, que não estará presente na cerimónia).
Seja como for, registe-se a singeleza do cartaz oficial dos Césars, homenageando Anna Karina, recentemente falecida — no meio das convulsões, há valores cinéfilos que resistem.

quinta-feira, fevereiro 27, 2020

A purificação de Dumbo

Dumbo e os corvos:
quais os limites figurativos a que deve obedecer um "elefante que voa"?
Dumbo é um dos clássicos de Walt Disney que está a ser objecto de uma “reconversão” dos sentidos ideológicos das suas imagens. Quem promove tal reconversão são os próprios estúdios Disney — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Fevereiro).

A aceleração mediática em que vivemos criou uma nova retórica da catástrofe: tudo pode estar contaminado por alguma ameaça. De tal modo que nem mesmo a meteorologia se satisfaz com o anúncio de ventos fortes ou chuvas intensas — passou a haver “alertas” (amarelo, laranja, etc.).
Os acontecimentos noticiados podem ser, e muitas vezes são, perturbantes ou ameaçadores. Mas a linguagem dominante deixou de conceber a possibilidade de qualquer acalmia: se saímos de uma alerta é apenas porque outro está à beira de ser anunciado. Há mesmo quem, celebrando o mundo como permanente apocalipse, tenha substituído as notícias de “última hora” pela proliferação de alertas. Seja porque vem aí uma tempestade que vai alagar as nossas cidades, ou porque Jorge Jesus vai aparecer em directo, há sempre motivos para estarmos em estado de alerta.
A infantilização pelo alarmismo é uma velha prática dos políticos que se assumem com anjos da guarda das nossas imperfeições. No domínio das imagens, a sua vocação cumpre-se com obstinado espírito purificador: ciclicamente, há campanhas para tentar “normalizar” as imagens de “sexo & violência”, projecto tanto mais patético quanto tais imagens (interessantes ou não) lidam com temas e matérias que, por definição, contornam as certezas das normas.
Dito isto, convenhamos que não seria fácil estarmos preparados para receber o modo (“purificador”, precisamente) como o império Disney está a lidar com algumas das imagens mais célebres do seu imenso e fascinante património. São notícias da Disney+ (ou Disney Plus), a plataforma de “streaming” dos estúdios Disney já disponível nos EUA e Canadá, com lançamento anunciado para março em alguns países europeus e na Índia.
Assim, alguns títulos do vasto património legado por Walt Disney (1901-1966) e seus herdeiros artísticos estão a ser apresentados aos consumidores com um aviso profilático, tendo em conta, em particular, as formas de representação que neles se apontam como imagens de inspiração racista. Nos ecrãs dos assinantes, na entrada de filmes como Dumbo (1941), Peter Pan (1953), O Livro da Selva (1967) ou Os Aristogatos (1970), surgem estas palavras: “Este programa é apresentado tal como foi originalmente criado. Pode conter representações culturais que estão ultrapassadas [outdated]”.
Alguma imprensa americana tem dado especial destaque ao exemplo de Dumbo, mais concretamente à cena dos corvos que cantam, troçando do “elefante que voa”, mas, de facto, ajudando-o a levantar voo (chegou-se a especular que a Disney iria suprimir a cena, mas tal não se verificou). Associados a estereótipos de figuração dos afro-americanos, os corvos têm um líder chamado Jim Crow, nome que remete para as infames “Leis Jim Crow” que, no século XIX e princípios do século XX, estabeleceram e ajudaram a reforçar muitas formas de segregação racial.
Ninguém parece disponível para, pelo menos, admitir parar para pensar: talvez que a complexidade figurativa das personagens de Dumbo seja, no mínimo, ambivalente… Mas não é esse o meu ponto. Podemos até concluir que os corvos arrastam um discurso racista… Mas também não é esse o meu ponto. Mesmo que a nossa boa consciência democrática acabe por penalizar o filme, vale a pena formular uma pergunta: que tipo de efeito ideológico está a ser normalizado através de avisos como aquele com que são confrontados os consumidores da Disney+?
A meu ver, em muitos domínios da nossa vida social, estamos a assistir à metódica instalação de um dispositivo policial de indexação das imagens. Uma coisa é disponibilizar informação e pensamento para situar Dumbo no contexto histórico em que surgiu (é mesmo essa, curiosamente, uma das mais ancestrais tarefas da crítica de cinema). Outra coisa é criar um sistema de sinalização figurativa que carrega e sobrecarrega os filmes com um “sentido” antecipado, definitivo, exterior às próprias convulsões da história colectiva.
E o espectador? Porque não valorizar a possibilidade de o cidadão exercer a sua inteligência e assumir as suas responsabilidades face àquilo que está a ver? No limite, purificam-se os filmes para desreponsabilizar os espectadores — eis uma bizarra via de pedagogia democrática.

terça-feira, fevereiro 25, 2020

Miles Davis — imagens e sons

Lançado em Sundance, exibido no IndieLisboa, Miles Davis: Birth of the Cool (2019) é um documentário de Stanley Nelson sobre Miles Davis (1926-1991) cuja banda sonora ("música de e inspirada por...") pode ser escutada como uma metódica iniciação ao génio do criador de Kind of Blue — uma colecção de faixas emblemáticas ('Round Midnight, Tutu, etc.) surgem pontuadas por breves testemunhos de, entre outros, Herbie Hancock, Gil Evans e Wayne Shorter. Eis Hail To The Real Chief, um registo inédito; em baixo, o trailer do filme, pontuado pela voz mágica de Miles.



Jean Seberg, aliás, Kristen Stewart

Kristen Stewart
Actriz americana consagrada pela Nova Vaga francesa, Jean Seberg surge agora interpretada por Kristen Stewart num filme evocativo do período em que foi objecto de apertada vigilância pelo FBI: o resultado é um filme fora de moda, de tocante verdade humana — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Fevereiro), com o título 'Quem se lembra de Jean Seberg?'.

Saudemos um ovni cinematográfico. De facto, num tempo em que as gerações mais jovens são (des)educadas para pensar que o cinema começou quando os estúdios Marvel começaram a contratar técnicos de efeitos especiais, há um evidente risco comercial em produzir e difundir um filme como Seberg - Contra Todos os Inimigos, realizado por Benedict Andrews, sobre uma actriz tão esquecida como a americana Jean Seberg (1938-1979).
Afinal, quem se lembra de Jean Seberg? De forma breve, mas sugestiva, o começo do filme coloca-a no contexto em que nasceu a sua carreira, e também a sua mitologia. Descobrimo-la, assim, a interpretar Joana d’Arc, estreante, aos 19 anos, em Santa Joana (1957), sob a direcção de Otto Preminger. Depois, são evocadas outras referências fundamentais da sua filmografia, incluindo, claro, o filme-farol da Nova Vaga francesa: À Bout de Souffle/O Acossado (1959), de Jean-Luc Godard (citado pelo título inglês: Breathless).
Em qualquer caso, não estamos perante um banal inventário filmográfico: trata-se de expor as convulsões de uma personagem que, num misto de voluntarismo e ingenuidade, se envolveu na agitação política de um tempo dramático da sociedade norte-americana, em plenos anos 60, com a guerra do Vietname como perturbante pano de fundo.
No centro dos acontecimentos narrados pelo filme está o facto de Jean Seberg, na sequência das suas tomadas de posição em defesa dos direitos dos afro-americanos — e, em particular, do seu apoio ao partido Panteras Negras —, ter sido sistematicamente vigiada pelo FBI. Mais do que isso: a agência de investigação e segurança dos EUA difundiu informações no sentido de desacreditar a sua personalidade, facto que levaria mesmo o marido de Seberg, o escritor Roman Gary (interpretado no filme por Yvan Attal), a considerar que a acção do FBI terá sido um factor decisivo na eclosão dos muitos problemas psicológicos da actriz e, por fim, na sua morte prematura (provável suicídio, nunca esclarecido), contava 40 anos.
O filme, entenda-se, não é uma “tese” sobre esta colecção de factos (as referidas declarações de Gary nem sequer são citadas). Aquilo que lhe confere uma especial qualidade evocativa, a que talvez possamos chamar “psicológica”, é o facto de lançar pistas sobre esta complexa teia de personagens, sem santificar umas ou demonizar outras. Nesta perspectiva, o infeliz subtítulo português ('Contra Todos os Inimigos') ignora os contrastes afectivos e emocionais que são, em boa verdade, a matéria principal do filme, a ponto de personagens como o militante Hakim Jamal (Anthony Mackie) ou o investigador do FBI Jack Solomon (Jack O’Connell) serem tratadas muito para lá de qualquer cliché dramático ou ideológico.
Tudo isto passa, como é óbvio, pela composição de Kristen Stewart, assumindo a figura de Jean Seberg muito para lá de qualquer mimetismo simplista (mesmo se o cabelo curto ou o vestido às riscas de O Acossado são inevitáveis referências iconográficas). É também um labor de risco, já que se trata de encontrar uma verdade humana que ilumine a herança mitológica de Seberg, sem a remeter para uma abstracção sem espessura histórica. Enfim, são elementos que confirmam o estatuto de Seberg - Contra Todos os Inimigos como um peculiar objecto fora de moda.

JEAN SEBERG
(1938 - 1979)

domingo, fevereiro 23, 2020

A IMAGEM: Chris Steele-Perkins, 1985

CHRIS STEELE-PERKINS / Magnum
Margaret Thatcher / Conferência do Partido Conservador
1985

"Against the Wind", 40 anos

Foi há 40 anos, mais precisamente a 25 de Fevereiro de 1980: Against the Wind, 11º álbum de Bob Seger, quarto com a Silver Bullet Band, surgia nas lojas (não havia streaming...), acabando por se impor como uma das referências nucleares de um rock ligado a raízes made in USA que, historicamente, lhe valeram o cognome de Heartland Rock. Para comemorar a efeméride desta canção sobre a passagem do tempo, Seger relançou-a com a marca destes tempos — um lyric video.

sábado, fevereiro 22, 2020

Agnes Obel, opus 4

Um rosto filtrado por uma rede, imagem difusa de uma presença ausência... Assim é a capa do quarto álbum da dinamarquesa Agnes Obel, intitulado Myopia — questão de visão, como se prova, aventura de imaginação e experimentação. Entramos neste universo de contemplação activa como quem procura vislumbrar a fronteira do sonho que a música desenha, porventura perdendo-se no fogo do argumento que a canção Camera's Rolling anuncia — teledisco realizado por Alex Bruel Flagstad.

The script is burning
On heavy fuel
No time to lose
What will you do?

Camera's rolling
What will you do?
What will you do?
That you can't undo?

The gun is loaded
What will you do?
Cruel gifted fool
What will you do?

Dan Deacon, místico e familiar

Depois de Sat by a Tree e Become a Mountain, Dan Deacon tem mais um teledisco para o quinto álbum da sua discografia, com título a celebrar a estranha transparência do seu mundo alternativo: Mystic Familiar. O tema chama-se Fell Into The Ocean e volta a servir de pretexto para um teledisco recheado de enigmas mais ou menos irónicos — electrónica em imponderabilidade urbana.

sexta-feira, fevereiro 21, 2020

Vasco Pulido Valente (1941 - 2020)

Escritor, ensaísta, historiador, foi sobretudo como cronista político que se tornou conhecido do grande público: Vasco Pulido Valente faleceu no dia 21 de Fevereiro, em Lisboa — contava 78 anos.
Na sequência das eleições legislativas de 1979, no VI Governo Constitucional dirigido por Francisco Sá Carneiro, foi secretário adjunto do primeiro-ministro, acumulando as funções de secretário de Estado da Cultura. Como comentador da cena política, colaborou, por exemplo, em O Independente, Expresso, Diário de Notícias, Público e Observador — a partir de 2017, razões de saúde levaram-no a interromper a produção regular de textos. Foi também comentador do Jornal Nacional (TVI). A sua escrita sempre se distinguiu por uma visão contundente da vida política, muitas vezes acompanhada por desencantados retratos dos respectivos protagonistas.
Em cinema, colaborou nos argumentos de O Cerco (1970), de António da Cunha Telles, e Aqui d'El Rei! (1992), de António-Pedro Vasconcelos; mais tarde, em 2002, adaptou O Delfim, de José Cardoso Pires, para o realizador Fernando Lopes. Entre os muitos livros que publicou, incluem-se O poder e o povo: A revolução de 1910 (1976), Estudos sobre a crise nacional (1980) e Glória: biografia de J. C. Vieira de Castro (2001).

>>> Ando a ler uma “História do Cristianismo – Primeiro Milénio”, que tem 1 100 páginas e ajuda muito quando se tem de esperar. É um interesse antigo que os meus compatriotas não partilham. Verdade que Saldanha, o da estátua, conseguiu fazer o maior discurso do Parlamento português sobre o Concílio de Niceia, mas não era inteiramente bom da cabeça e era Presidente do Conselho e comandante-em-chefe do exército. Os católicos nunca se interessaram muito pela origem ou pela teologia da sua fé. Hoje nem sequer há uma boa tradução da Bíblia (tirando talvez a do Novo Testamento, directamente traduzida do grego por Frederico Lourenço, que saiu esta semana). O próprio Patriarca deu a entender a uma amiga minha que não estava muito satisfeito com esta situação. A Universidade Católica não se interessa e só se preocupa com as suas ninhadas de economistas, de gestores e daquelas criaturas que se auto-proclamam “cientistas” políticos. O que estará na cabeça do católico indígena, fora meia dúzia de orações e de rituais, e de uma vaga crença no Céu e no Inferno?

VPV
16 Out. 2016

>>> À conversa com Pedro Rolo Duarte [Falatório, RTP, 1997].


>>> Obituário no Diário de Notícias.

quinta-feira, fevereiro 20, 2020

Jean Daniel (1920 - 2020)

Nome grande do jornalismo francês, observador e pensador das grandes clivagens políticas do século XX, Jean Daniel faleceu no dia 19 de Fevereiro, em Oslo — completaria 100 anos a 21 de Julho.
A revista de actualidade Le Nouvel Observateur (actualmente: L'Obs) é o emblema exemplar da sua trajectória: fundou-a, em 1964, com o industrial Claude Perdriel, segundo um princípio de análise e intervenção para o qual todos os domínios, a começar pelo político, são de natureza cultural. A sua vida pública ficou marcada por relações de cumplicidade e confronto com personalidades como Albert Camus, Michel Foulcault ou François Mitterand, preservando sempre os valores de um humanismo tecido de contundência moral e compaixão — no livro Jean Daniel, Observateur du Siècle (2003), Hubert Védrine definiu-o através de uma fórmula sugestiva: "Jean Daniel comportou-se no domínio do jornalismo como um homem de Estado."
Autor de mais de três dezenas de livros, escreveu, por exemplo, L'Ère des Ruptures (1973) Les Religions d'un Président : Regards sur les Aventures du Mitterrandisme (1988) e Demain la Nation (2012). L'ami Anglais, uma colecção de crónicas históricas romanceadas, valeu-lhe o Prémio Albert Camus em 1994.

>>> A verdade segundo Jean Daniel [Arquivo INA].


>>> Video de L'Obs anunciando a morte de Jean Daniel.


>>> Obituário em L'Obs.
>>> Memória de Jean Daniel por Bernard-Henri Lévy.
Libération, 21 Fev. 2020

quarta-feira, fevereiro 19, 2020

"The Truman Show", aqui e agora

Jim Carrey em The Truman Show (1998):
ou como a "vida em directo" passou a ser um princípio central
na nossa relação com as imagens
A actualidade do filme The Truman Show é, de uma só vez, cristalina e perturbante: o modelo corrente dos “reality shows” tende a contaminar o modo como vemos e vivemos o mundo à nossa volta — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Fevereiro), com o título 'A síndrome de Truman'.

Chegou às salas de cinema Sonic: o Filme, adaptação banal de um videojogo centrado na figurinha de um ouriço azul com poderes supersónicos. Em qualquer caso, assumindo o papel do Dr. Robotnik, arqui-inimigo de Sonic, nele podemos reencontrar esse actor genial que é Jim Carrey.
A pretexto do filme, numa entrevista ao Collider (site de cinema e televisão), Carrey comentou a possibilidade de voltar a interpretar alguma das suas personagens mais emblemáticas. Porventura contra as expectativas do entrevistador, não citou títulos como A Máscara (1994) ou Grinch (2000). Lembrando que se fizeram algumas sequelas sem ele, já que “não estava para aí virado”, citou uma possibilidade: The Truman Show, a produção de 1998, realizada por Peter Weir, em que interpreta Truman Burbank, um vendedor de seguros que descobre que a sua vida é toda ela forjada por um aparato de câmaras e figurantes — ele é, afinal, o incauto protagonista de um “reality show” transmitido para todo o mundo.
Carrey explicou a actualidade de The Truman Show através de palavras incisivas: “Creio que The Truman Show é algo que existe, agora, a nível microscópico. Era uma história que acontecia num nível global, mas agora todos assinam algum canal. Todos têm o seu pequeno mundo à maneira do Truman Show.”
Dir-se-ia que a dimensão de ficção científica que alguns apontaram ao filme de Weir parecia resumir as nossas angústias de fim de século. Agora, o aparato técnico e narrativo que o filme encena existe como modelo de consumo e consciência a que, de uma maneira ou de outra, todos somos impelidos. O subtítulo português do filme, A Vida em Directo, adquiriu mesmo um perverso suplemento semântico: mais do que observar a vida dos outros em directo, a nossa vida parece só adquirir informação, consistência e transcendência quando assistimos às imagens de um qualquer directo.
Patologia comunicacional? Podemos dizê-lo. Há pouco mais de uma década, os americanos Joel Gold e Ian Gold (irmãos, o primeiro psiquiatra, o segundo investigador de neurologia) cunharam a expressão “ilusão Truman Show”, ou “síndrome de Truman”: os respectivos pacientes tendem a imaginar-se personagens de uma grande encenação que não controlam, no limite entendendo tudo o que acontece como resultado de alguma manipulação de imagens. Há cerca de sete anos, num artigo sobre estas questões, publicado na revista The New Yorker (9 set. 2013), Andrew Marantz evocava alguns casos de jovens com boa formação escolar, tratados por Joel Gold no ano que se seguiu aos atentados de 11 de Setembro de 2001 — um desses jovens, suspeitando que se tratava de um golpe narrativo no “seu” programa de televisão, fez uma grande viagem para, em Manhattan, confirmar se as Torres Gémeas ainda estavam de pé.
Marantz tem o cuidado de lembrar o mais rudimentar: não se trata de apontar The Truman Show como “causador” do que quer que seja. Com toda a pertinência, recorda também que O Enviado da Manchúria (1962), notável filme de John Frankenheimer sobre um grupo de soldados americanos sujeitos a uma lavagem ao cérebro que os coloca ao serviço de uma conspiração comunista, não pode ser apontado como “motivo” da Guerra Fria. O que importa compreender é a transfiguração das nossas relações com as imagens.
Escusado será dizer que não é fácil pensar, desde logo descrever, essa transfiguração. Não é possível sair do mundo das imagens (e dos sons, já agora) para o observar como um objecto exterior — pertencemos à sua dinâmica e, no limite, vivemos as imagens como método, signo ou prova de conhecimento.
A certa altura, numa cena de The Truman Show, já depois de saber do dispositivo de encenação em que está inserido, Truman exprime o seu desespero, perguntando a Christof (Ed Harris) se, afinal, em tudo aquilo “não havia nada de real”. Christof responde: “Tu eras real. Era por isso que era tão bom olhar para ti.” A sua justificação é, afinal, o princípio sensual de uma nova ditadura do olhar: para além da tua imagem, não tens valor, talvez nem sequer existas.

terça-feira, fevereiro 18, 2020

The Strokes — mais uma canção...

Menos sintetizadores, mais guitarras... Depois de At the Door, a nova canção de The Strokes, Bad Decisions, faz-nos reencontrar o som clássico da banda, neste caso encenado através de um sugestivo teledisco que os representa como encarnações de infinitas clonagens — talvez uma metáfora para a sua capacidade de repetição & reinvenção.

A IMAGEM: Craig F. Walker, 2020

CRAIG F. WALKER
Memorial do Holocausto, Nova Inglaterra
The Boston Globe [27 Jan. 2020]

Sonic vs. Jim Carrey

Jim Carrey
Na história das adaptações dos videojogos ao cinema, Sonic: o Filme é mais um exemplo rotineiro: nas aventuras do ouriço azul, dotado de velocidade supersónica, apenas se destaca Jim Carrey, afinal um actor de outra tradição — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Fevereiro), com o título 'Muitos efeitos de videojogo, quase nada de cinema'.

Com a estreia de Sonic: o Filme, uma realização de Jeff Fowler a partir do videojogo Sonic the Hedgehog, criado em 1991, assistimos a mais um passo desesperado da indústria do “lazer” para rentabilizar referências (ou como se diz na linguagem dos tecnocratas: “franchises”) vindas de outras áreas do mercado do espectáculo. Porquê desesperado? Porque, na maior parte dos casos, a adaptação dessas referências se faz, não a partir de qualquer conceito cinematográfico, apenas tentando “repetir” num ecrã de cinema os mecanismos específicos do videojogo.
Sonic: o Filme não escapa a esse problema e, em boa verdade, não apresenta qualquer ideia consistente para o resolver. À boa maneira das sagas centradas em heróis solitários, o filme começa com a definição de um trauma identitário: vivendo num cenário ameaçado, o herói, um pequeno ouriço azul dotado de espantosa velocidade de locomoção (supersónica, precisamente), é compelido a viajar através do seus anéis mágicos para as paisagens do planeta Terra; aí irá enfrentar a maldade do Dr. Robotnik, um cientista louco...
Acontece que a narrativa cinematográfica não consegue encontrar qualquer “equivalência” com os sobressaltos do jogo. Em boa verdade, o jogo é mesmo estranho ao espírito fílmico, já que, como é óbvio, acontece através da intervenção mecânica e mecanizada do próprio jogador.
Poderia ser interessante a convivência da figurinha digital de Sonic com os actores, mas aí o problema amplia-se, já que James Mardsen, no papel do humano que acolhe Sonic, é um caso dramático de falta de carisma. Ainda assim, o principal trunfo do filme é a presença de um actor tão talentoso e versátil como Jim Carrey, assumindo a figura de Robotnik. O que, entenda-se, rapidamente instala um efeito de estranheza: as aventuras de Sonic pertencem a um sistema visual (e sonoro) concebido para a agitação “jogável” do ecrã, enquanto Carrey (A Máscara, O Melga, Homem na Lua, etc.) provém da mais nobre tradição burlesca, recriando a herança de Buster Keaton, Charles Chaplin e Irmãos Marx.
No plano histórico, vale a pena recordar que a relação da produção cinematográfica com os videojogos se tem mantido em paralelo com os filmes inspirados na BD de super-heróis: o primeiro título marcante inspirado num videojogo, Super Mário, tem data de 1993. O certo é que a indigência narrativa de Super Mário se mantém em filmes como Sonic: muitos efeitos dependentes da lógica do videojogo, escasso trabalho de argumento, carência de um conceito consistente de espectáculo.

segunda-feira, fevereiro 17, 2020

Nova canção de The Strokes

Quem melhor para revisitar a memória de The Strokes? Pergunta de algibeira, com resposta militante: The Strokes! Aí está At The Door, primeira canção da banda em quase quatro anos, a anunciar o opus 6, The New Abnormal (10 Abril). Teledisco a condizer: misterioso e envolvente, a acompanhar guitarras tardias e sintetizador a abrir.

domingo, fevereiro 16, 2020

Sintaxe [citação]

>>> Cada uma das línguas humanas desafia a realidade de uma maneira única e que lhe é própria. Há tantas constelações de relação com o futuro, de esperança, de projecções religiosas, metafísicas e políticas, de "antecipação onírica", como formas verbais optativas e contrafactuais. A esperança é potenciada pela sintaxe.

GEORGE STEINER
in Os livros que não escrevi
[tradução: Miguel Serras Pereira]
Gradiva, 2008

sábado, fevereiro 15, 2020

Nada Surf, opus 9

Sempre houve qualquer coisa de deliciosamente inclassificável nos novaiorquinos Nada Surf. Desde a estreia, com o álbum High/Low (1996), até ao recente Never Not Together, nº 9 na discografia da banda, a sua singeleza pop parece ligada a uma sensibilidade dos anos 60, de alguma maneira revista e transfigurada por bandas como The Replacements ou The Lemonheads — tudo encenado num lirismo envolvente, sem angústias.
O novo registo não servirá para desmentir o seu conservadorismo. É, aliás, a sua serena fidelidade às origens que lhe traz uma renovada sedução. Com o gosto de desafiar as fronteiras entre o video tradicional e o lyric video — eis Something I Should Do.

Os Oscars perdidos

Joe Pesci e Martin Scorsese
— rodagem de O Irlandês
Já tinha acontecido com Gangs de Nova Iorque: um filme de Martin Scorsese (agora, sucedeu com O Irlandês) obtém uma dezena de nomeações, incluindo a de melhor do ano, e sai da cerimónia dos Óscares sem qualquer prémio: a memória dos que perderam faz também parte da história e do imaginário de Hollywood — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Fevereiro), com o título 'Um zero para Scorsese'.

Lembrar os que não ganharam Oscars é, nestas ocasiões, uma espécie de vício cinéfilo. Benigno, entenda-se, sobretudo se for entendido, não como uma “culpabilização” dos que votaram, antes como uma abertura de pontos de vista.
Já sabíamos que Uma Vida Escondida, de Terrence Malick, um dos títulos mais singulares do ano (e, a meu ver, dos mais brilhantes), nem sequer surgia nas nomeações. Quanto ao filme de Clint Eastwood, O Caso de Richard Jewell, nobre representante do classicismo de Hollywood e da sua vocação política, estava presente em apenas uma categoria — melhor actriz secundária, através de Kathy Bates — e perdeu.
Em qualquer caso, deparamos com um incómodo vazio: O Irlandês, um dos títulos que se apresentava entre os mais nomeados, saíu da cerimónia nº 92 da Academia de Hollywood exactamente como entrou. Ou seja: sem prémios.
Para a estatística, o prodigioso filme de Martin Scorsese ganha lugar numa galeria não muito apetecível. A saber: a dos filmes com pelo menos uma dezena de nomeações que não obtêm qualquer prémio. Scorsese, aliás, já lá estava representado com Gangs de Nova Iorque (2002): dez nomeações, zero Oscars. Nesse domínio, só dois títulos conseguiram “melhor” performance: A Grande Decisão (1977), de Herbert Ross, e A Cor Púrpura (1985), de Steven Spielberg — ambos obtiveram onze nomeações e nenhuma vitória.
Para a Netflix, produtora de O Irlandês, este é um revés importante. E não só pelo dinheiro (159 milhões de dólares) que a plataforma de “streaming” investiu na saga de Scorsese. Sobretudo porque, deste modo, volta a ficar adiado o seu reconhecimento pleno no interior da comunidade de Hollywood, reconhecimento que, como é óbvio, envolve (ou envolverá) a conquista do Oscar máximo.
Ainda assim, quanto mais não seja de um ponto de vista sentimental, o grande derrotado da noite terá sido 1917, de Sam Mendes. Derrota insólita, sem dúvida, mesmo não esquecendo que o épico da Primeira Guerra Mundial conseguiu três Oscars nas categorias técnicas — fotografia, efeitos visuais e mistura de som —, afinal reveladores da complexidade da sua produção. O certo é que, sobretudo depois dos prémios da associação de produtores e do sindicato de realizadores, 1917 parecia ser o vencedor “obrigatório” na categoria de melhor filme do ano.
Enfim, registe-se também que os filmes correntes de aventuras e super-heróis ficaram de fora. Um velho preconceito manda dizer que esses são produtos mal amados pelos críticos… Em qualquer caso, recorde-se que tais filmes quase não surgiram nas nomeações. Os que apareceram — os mais recentes episódios de Avengers e Star Wars, respectivamente com uma e três nomeações —, não receberam qualquer distinção. E não consta que tenham sido os críticos a votar.

OSCARS 2020 — a lenta decomposição

Bong Joon-ho
Num artigo de balanço dos Oscars 2020, sublinhando em particular o facto de as audiências nos EUA terem voltado a baixar, Claudia Eller escreve no Variety: "Na minha juventude, ver os Oscars era um compromisso televisivo: agora, claramente, já não é."
Na sua secura, as palavras de Eller resumem três dramáticas verdades:
— o próprio conceito televisivo da cerimónia está em lenta decomposição (escusado será dizer que a opção por voltar a não ter apresentador é uma "mensagem" de quem não sabe como comunicar com a sua audiência potencial).
— os poderes específicos das plataformas de "streaming" levaram a indústria (e, em particular, a Academia) a demitir-se de pensar sobre o que é, o que pode continuar a ser, uma audiência tradicional de cinema.
— enfim, a dominação dos circuitos de exibição pela Marvel & Cª faz com que, mesmo os títulos mediaticamente mais queridos — incluindo, claro, o quatro vezes premiado Parasitas —, sejam referências vagas (para não dizer inexistentes) para muitos sectores de público.
Tudo isso deixa, enfim, um paradoxo de sabor amargo: por um lado, o triunfo de um filme da Coreia do Sul é um caloroso sinal dos efeitos mais interessantes da globalização; por outro lado, o simbolismo de tais efeitos nem sempre é acompanhado pela dinâmica dos mercados — são temas, aliás, sobre os quais os decisores portugueses, no seu próprio interesse, poderiam reflectir.

sexta-feira, fevereiro 14, 2020

Billie Eilish — a canção de 007

O novo James Bond, No Time to Die, só chega em Abril, mas a respectiva canção-tema já foi divulgada. Aí está Billie Eilish, igual a si própria, subtil e intensa, sem deixar de satisfazer a tradição sonora de 007 [a canção e, em baixo, o poema].



Beach Bunny, opus 1

Os Beach Bunny são de Chicago e têm Lili Trifilio, cantora, compositora e guitarrista, como força motriz. Depois de alguns singles e EPs, lançam o álbum de estreia: Honeymoon testemunha o gosto de um pop rock simples e descarnado. O espírito de auto-retrato e ironia está bem patente no desenho da capa do álbum e também no teledisco de Cloud 9.

quinta-feira, fevereiro 13, 2020

Oscars + "Vanity Fair"

É uma tradição da imprensa e, em boa verdade, da mitologia de Hollywood: depois da cerimónia dos Oscars, a revista Vanity Fair organiza uma festa em que (quase) todos, vencedores e vencidos, aparecem. De tal modo que as fotografias do evento ficam como insubstituível memória, factual e simbólica.
Já há alguns anos, os retratos em pose, assinados por Mark Seliger, são um portfolio obrigatório. Em qualquer caso, desta vez, o trabalho específico de reportagem fotográfica, da responsabilidade de Justin Bishop e Landon Nordeman, consegue a proeza de cruzar a espontaneidade do olhar com invulgares arranjos visuais, tudo marcado por um requintado uso do flash — ao todo, são 167 fotografias.

quarta-feira, fevereiro 12, 2020

Claire Bretécher (1940 - 2020)

[FOTO: La Croix]
Personalidade marcante da banda desenhada e da ilustração francesa, Claire Bretécher faleceu no dia 10 de Fevereiro, em Paris — contava 79 anos.
Depois de passar por algumas das publicações mais importantes da BD franco-belga — Record, Tintin, Spirou —, foi-se afirmando como autora das edições para um público adulto, primeiro como colaboradora de Pilote, depois como co-fundadora de L'Écho des Savanes, corria o ano de 1972. Com o título Les Frustrés, as suas páginas na revista Le Nouvel Observateur (uma ou duas por edição, no período 1973-81), foram decisivas para a consolidação de uma metódica e implacável observação dos tipos sociais e geracionais: através de um humor paradoxal, porque discreto e incisivo, Bretécher foi decompondo os comportamentos de uma certa classe média, mais ou menos convencida do seu avanço "cultural", expondo a fragilidade dos seus valores e, por vezes, o cinismo das suas atitudes.
Nesta perspectiva, Bretécher reflectiu com contundência e humor as vagas da contra-cultura dos anos 60/70 que, a partir dos EUA, marcou também a vida cultural da Europa. Seguindo a mesma lógica de observação e distanciação, abordou o mundo da adolescência na série Agrippine (1988-2009). Les Frustrés e Agrippine deram origem a versões de animação, respectivamente em 1975 e 2001.
Uma parte significativa da sua obra foi publicada em regime de auto-edição, o que lhe confere também um papel pioneiro no espaço francófono e europeu. Manteve uma actividade paralela como pintora — a versatilidade do seu labor está registada em diversas edições, com destaque para Claire Bretécher : Dessins et peintures (2011).

>>> Extracto de uma entrevista televisiva, em 1975.


>>> Episódio da adaptação televisiva de Les Frustrés, com as vozes de Michael Lonsdale, Jean-Roger Caussimon e Dominique Lavanant.


>>> Uma página de Bretécher [click para ampliar] + uma capa de Agrippine.


>>> Obituário e memórias nas páginas da France Culture.

Rooney Mara + Joaquin Phoenix

Vale a pena visitar o site de Greg Williams, fotógrafo inglês com especial talento para observar as personalidades do cinema nos mais diversos bastidores da indústria (aos quais consegue, além do mais, privilegiado acesso). Entre as suas imagens da recente noite dos Oscars, surge este delicioso momento de celebração do vencedor na categoria de melhor actor, Joaquin Phoenix, na companhia da namorada, Rooney Mara. Local: Monty’s Good Burger, Los Angeles, especializado em hamburgers vegan.

III Guerra Mundial, o jogo

Não se trata, entenda-se, de perorar em termos genéricos sobre os jogos de video — as generalizações conduzem-nos, quase sempre, a alguma forma de desconhecimento. Porquê? Precisamente porque as singularidades resistem aos resumos globais.
Em todo o caso, registe-se um exemplo (entre muitos possíveis, hélas!) da boçalidade a que chegou a oferta do comércio virtual. A saber: um jogo apostado em recriar o "conflito das nações" e, mais especificamente, a III Guerra Mundial [video promocional]. E recordemos o mais básico: quando tudo é susceptível de ser jogado, nada possui pertinência real ou realista, espessura humana ou expressão humanista. Vogamos no domínio da pura perda de sensibilidade — mesmo a mútua aniquilação é vivida como uma derivação jogável, sem pensamento e sem trauma, no limite, indiferente.

terça-feira, fevereiro 11, 2020

Nova canção de Sharon Van Etten

Autora de Remind Me Tomorrow, um dos grandes álbuns de 2019, a americana Sharon Van Etten está de volta com um single que continua a ilustrar a singularidade da sua posição entre tradição e modernidade: Beaten Down aí está, numa enigmática encenação a preto e branco dirigida por Nicky e Juliana Giraffe.

No ecrã de Kirk Douglas

Kirk Douglas e Lana Turner
A memória de Kirk Douglas remete-nos para um tempo bem diferente de Hollywood e, em boa verdade, de todo o cinema: frequentávamos as salas escuras e não tínhamos telemóveis. Nostalgia? Apenas pedagogia — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Fevereiro).

A morte de Kirk Douglas, contava 103 anos, traz à memória muitos momentos emblemáticos da idade de ouro de Hollywood. Entenda-se: de um cinema que não era gerido por administradores de efeitos especiais, antes vivia alicerçado num complexo sistema de práticas, narrativas e valores.
Lembro-me dele na obra-prima de Vincente Minnelli, The Bad and the Beautiful (1952), visão terna e cruel dos bastidores de Hollywood, entre nós baptizada Cativos do Mal. O papel de Douglas como Jonathan Shields, produtor capaz de reduzir os seus assalariados a meros instrumentos, ecoa de forma muito particular na sua relação com Georgia Lorrison, a actriz interpretada por Lana Turner. A dado momento, comentando um teste feito por Lorrison, Shields diz-lhe: “Sei que tenho razão sobre ti. Não te dei qualquer ajuda. O teste ficou atroz, mas por mau que fosse, provou uma coisa: quando surges no ecrã, independentemente de quem te acompanha, ou do que estás a fazer, o público está a olhar para ti. Isso é a qualidade de uma estrela…”
São palavras que ecoam como marcas de um mapa cinematográfico e cinéfilo que, através da progressiva consagração das nossas relações virtuais, se foi transformando em objecto paralisado no museu do nosso esquecimento. Desde logo, porque o ecrã a que Shields/Douglas se refere não é uma variante primitiva do telemóvel que transportamos no bolso nem do computador que se desdobra em infinitas montras abertas para uma revelação sem transcendência. Nada disso: o cinema, isto é, a sala escura existia como templo ritualizado de adoração desse imponderável ecrã — Lorrison está lá, pode até fixar-se numa utópica quietude, e não há nada que nos faça desviar o olhar.
Será sintoma de uma revolta benigna com que, em boa verdade, já não sei lidar, mas chocou-me a indiferença de alguns discursos jornalísticos face à notícia do falecimento de Kirk Douglas. Não reflectindo qualquer recente convulsão do mundo futebolístico, dir-se-ia que se tratava apenas de cumprir com um mínimo de dignidade o adeus simbólico a alguém que já não pertence a este tempo — “isso não sei, foi antes de eu nascer”, como explicam alguns jovens incautos nos concursos televisivos…
Não nos precipitemos: não é uma questão de culpabilização. Em termos político-mediáticos, perguntar “de quem é a culpa” passou a ser o tique discursivo de quem já não está disponível para pensar o que quer que seja. Nem será um esquemático confronto de valores. Acontece que Douglas pertence a um sistema de linguagens — cinematográficas, mas também narrativas, mas também humanas — que foi metodicamente retirado das nossas formas de conhecimento e comunicação. Para ele, com ele, através dele e dos seus melhores filmes, o ecrã não obedece ao nervosismo táctil do nosso consumo: o ecrã existe como paisagem habitada por imagens sedutoras e intocáveis, tanto mais sedutoras quanto a ideia de as tocar está, por definição, interdita.
Para lá desse misto de assombramento e pudor, amor e desamor, com que The Bad and the Beautiful nos dá a ver os bastidores de Hollywood, lembremos Douglas, por exemplo, enredado nas sombras de Out of the Past/O Arrependido (1947), uma das obras-primas da “Série B” dirigida por Jacques Tourneur. Ou circulando pelos lugares míticos do velho Oeste filmado por Howard Hawks em Céu Aberto (1952). Ou ainda protagonizando o admirável libelo pacifista de Stanley Kubrick, Paths of Glory/Horizontes de Glória (1957), filme que revisita os horrores da Primera Guerra Mundial num registo trágico que, por certo, Sam Mendes estudou para realizar o seu também admirável 1917.
Na prática, com alguns gestos do polegar e do indicador, qualquer um desses títulos pode aparecer, com inusitada rapidez, no ecrã do nosso telemóvel (“smart”, como nos obrigam a dizer). E porque não?… Sim, porque não? Ainda assim, talvez seja pedagógico lembrar que não era desse ecrã que Shields falava à sua Lorrison. E que, em última instância, tudo envolvia uma forma esquecida de religiosidade.

Billie Eilish nos Oscars

Nos Oscars de 9 de Fevereiro, o segmento de evocação dos que faleceram ao longo dos últimos doze meses foi apresentado por Steven Spielberg, com Billie Eilish a interpretar um clássico dos Beatles, Yesterday — foi um dos grandes momentos da noite.

segunda-feira, fevereiro 10, 2020

"Parasitas" vence Oscars

Chegou a idade asiática de Hollywood. Contrariando a maior parte das previsões (finalmente, uns Oscars que não foram a reboque de muitos outros prémios...), o sul-coreano Parasitas conseguiu a proeza, a todos os títulos notável, de arrebatar um quarteto de luxo:

— filme
— realização
— argumento original
— filme internacional

Onde surgiu, então, O Irlandês, de Martin Scorsese? Pois bem, ficou ausente: 10 nomeações, zero Oscars (repetindo a performance do seu Gangs de Nova Iorque, em 2003). Fica, por isso, alguma amargura, mas é um facto que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood deu um curioso sinal de mudança através de um filme que, afinal, possui um apelo genuinamente universal — lista integral de prémios no site da Academia.

domingo, fevereiro 09, 2020

Oscars 2020 na FNAC

Na sessão de domingo, na FNAC / Chiado, percorremos algumas memórias da história dos Oscars, citando também alguns dos principais títulos que estão na corrida deste ano [AMPAS]. A propósito desses títulos, eis alguns dos videos exibidos.
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Próxima sessão:

SOUND + VISION Magazine
Os anos 20 (do século XX)
FNAC / Chiado: 28 Março 2020, 18h30
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>>> A rodagem de 1917, de Sam Mendes.


>>> Testes de Joaquin Phoenix para Joker, de Todd Phillips.


>>> Trailer de Parasitas, de Bong Joon-ho.