segunda-feira, março 24, 2025

George Clooney na Broadway

Foi um dos grandes filmes de 2005, sendo também um dos momentos mais altos da carreira de George Clooney, aqui acumulando tarefas de produtor, realizador, argumentista e intérprete: Boa Noite, e Boa Sorte evoca a saga do jornalista da CBS Edward R. Murrow que, em 1953, através do seu programa na CBS, teve a coragem de denunciar as manobras do senador Joseph McCarthy e a "caça às bruxas" que, em nome de uma sinistra "depuração" ideológica, dilacerou muitos sectores da vida americana (incluindo Hollywood).
Pois bem, reactivando os ecos simbólicos de Good Night, and Good Luck, Clooney surge agora, na Broadway, com a versão teatral do seu filme. A esse propósito, deu uma entrevista a Jon Wertheim, para o programa 60 Minutes (CBS) — uma boa reportagem e também um conjunto de oportunas pistas de reflexão sobre a arte e a política, ou melhor, sobre a dimensão inevitavelmente política do trabalho de artistas e jornalistas.
 

sábado, março 22, 2025

Dia Zero ou o apocalipse político

Simplifiquemos: no seu muito elaborado brilhantismo, a série Dia Zero [Netflix] é uma variação de invulgar contundência e eficácia sobre as matrizes da clássica ficção liberal do (também clássico) cinema de Hollywood.
A saber: uma personagem que encarna a Lei e, mais do que isso, emana dos seus valores — o ex-Presidente dos EUA interpretado por Robert De Niro — assume uma missão em que, precisamente, a pureza da aplicação dessa mesma Lei pode ser prevertida.
Com uma dinâmica realização da veterana Lesli Linka Glatter, Dia Zero integra diversos elementos (a aliança política/televisão, a ditadura dos "fazedores" de opinião, a vertigem tecnológica, etc.) que espelham as atribulações do nosso presente, sem nunca ceder a sermões politicamente correctos. E também mostrando que as lições do thriller mais sofisticado constituem uma herança a ter em conta para lidar com o apocalipse do próprio conceito (também clássico) de política.

Bringing It All Back Home faz 60 anos

É o album de Bob Dylan que abre com a canção Subterranean Homesick Blues, filmada por D. A. Pennebaker num lendário teledisco, antes de haver telediscos [video]. Com um lado A eléctrico e um lado B acústico — e com as polémicas que tudo isso desencadeou, aliás evocadas no documentário Dont Look Back, de Pennebaker. Bringing It All Back Home foi lançado no dia 22 de março de 1965 — faz hoje 60 anos.

Vijay Iyer e Wadada Leo Smith
— o piano e o trompete

Vijay Iyer e Wadada Leo Smith

O piano de Vijay Iyer e o trompete de Wadada Leo Smith prosseguem, renovam e reinventam a sua mágica aliança. Com chancela da ECM, aí está Defiant Life, álbum liminarmente introspectivo com uma abrangência a que apetece chamar sinfónica — jazz em estado puro. Eis o tema Procession: Defiant Life.
 

quinta-feira, março 20, 2025

Ravel por Seong-Jin Cho

Seong-Jin Cho
[ FOTO: Christoph Köstlin / Deutsche Grammophon ]

Nascido em 1994, em Seul, Seong-Jin Cho foi o primeiro sul-coreano a vencer o Concurso Internacional de Piano Frédéric Chopin, em 2015. De então para cá, os seus concertos, a par de um frondosa discografia com chancela da Deutsche Grammophon (além de Chopin, também Handel, Brahms, Schubert, etc.), transformaram-no numa referência incontornável da arte pianística contemporânea. O seu álbum mais recente é dedicado a composições de Maurice Ravel (1875-1937) e corresponde a uma estreia pessoal: pela primeira vez, Seong-Jin Cho grava uma obra completa de solos para piano.

>>> Jeux d'eau + uma breve apresentação de Ravel pelo próprio pianista.
 


quarta-feira, março 19, 2025

Kiarostami & Godard
— o cinema para lá da morte

Caçadores na Neve (1565), de Bruegel, o Velho:
uma pintura que Kiarostami reinventa através da manipulação digital

Deixou de ser uma presença significativa no mercado, mas o DVD não desapareceu. Agora, uma edição muito especial traz-nos os filmes póstumos de dois autores que marcaram de forma decisiva a história do cinema nas últimas décadas: o iraniano Abbas Kiarostami e o francês Jean-Luc Godard —˜este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 março).

Para muitos responsáveis pelos circuitos do mercado audiovisual, o DVD acabou — passámos a viver na idade das plataformas e afins. Se olharmos em redor, não há dúvida que alguma razão lhes assiste, mas convenhamos que as notícias da morte do DVD são um pouco exageradas... Observemos, pelo menos, as excepções que vão resistindo. Exemplo? Esse pequeno grande acontecimento que é a edição em DVD, com chancela da Midas Filmes, de dois filmes póstumos com assinatura do iraniano Abbas Kiarostami (1940-2016) e do francês Jean-Luc Godard (1930-2022).
AK + JLG
A circunstância de estarmos perante filmes que só foram divulgados depois da morte dos respectivos autores parece acrescentar (mais) uma nota fúnebre à edição, mas só mesmo por cinismo mercantil poderemos seguir tal sugestão: 24 Frames, de Kiarostami, e Filme Anúncio do Filme “Drôles de Guerres”, de Godard, são objectos de calorosa celebração do cinema e como tal foram tratados em sessões realmente especiais do Festival de Cannes: o primeiro foi exibido em Cannes, em 2017, no âmbito das comemorações da 70ª edição do festival (a par, por exemplo, dos dois primeiros episódios da sequela da série Twin Peaks, de David Lynch); o segundo, em 2023, integrou uma secção de tributo a Godard (numa das sessões foi projectado com As Filhas do Fogo, a curta-metragem de Pedro Costa).
O cinema que aqui reencontramos é uma arte que afirma as suas especificidades, ao mesmo tempo que mantém um diálogo vivo sobre os seus próprios limites materiais e espirituais. No caso do cineasta iraniano, tal postura criativa é tanto mais importante quanto 24 Frames integra, com contagiante alegria, aquilo que, por certo, muitos espectadores não associam ao seu trabalho. A saber: a manipulação digital.
Kiarostami define o seu projecto a partir de uma curiosa afirmação: “Notei muitas vezes que não somos capazes de olhar para o que temos à nossa frente, a não ser que esteja dentro de um enquadramento.” Que é, então, esse enquadramento, designado pela palavra inglesa frame? Pois bem, é aquilo que nos propõe uma “fatia” do mundo que se oferece à nossa contemplação, eventualmente à nossa interpretação crítica.
E que faz Kiarostami com tais pressupostos? Começa por nos mostrar imagens de um célebre quadro (Caçadores na Neve, pintado por Bruegel, o Velho, em 1565) e, depois, fotografias várias de cenas que podem ir de uma paisagem vista a partir do interior de um automóvel até um grupo anónimo a contemplar a Torre Eiffel. A pouco e pouco, como se fossem discretos incidentes poéticos, algo nas imagens fixas começa a mover-se: o fumo de uma chaminé, os pássaros que assomam a uma janela, a neve que não pára de cair...
Redescobrimos o olhar realista de Kiarostami seduzido por um aparato técnico que lhe permite “adivinhar” o movimento que as imagens fixas sugerem e, num certo sentido, já contêm. No caso de Filme Anúncio do Filme “Drôles de Guerres”, a proposta é bem diferente, quanto mais não seja porque é mesmo um trailer (com 20 minutos de duração) para um filme que nunca se concretizou.
Os resultados são indissociáveis do labor de Fabrice Aragno, colaborador de longa data de Godard (que apresentou uma exposição sobre a sua obra na edição de 2023 do LEFFEST, sendo também um dos responsáveis de uma outra exposição dedicada a Godard, patente na Casa do Cinema Manoel de Oliveira até 15 de junho). Trata-se de regressar à dimensão artesanal do universo do autor de Pedro, o Louco (1965) e Eu Vos Saúdo, Maria (1985), dando a ver imagens, palavras e frases que lhe serviam como verdadeiros argumentos. Como o título sugere, em foco estariam as convulsões bélicas do mundo contemporâneo, afinal transversais a toda a filmografia godardiana e à sua pulsação, tão mal reconhecida, de genuíno humanismo.

Que futuro para o DVD?

Vistos ou revistos em DVD, os trabalhos de Kiarostami e Godard são também “mensageiros” de uma verdade que importa não escamotear. Assim, podemos e devemos não minimizar os valores da nossa relação com os filmes na clássica sala escura — essa é, de facto, uma experiência insubstituível. Ao mesmo tempo, não faz sentido aceitarmos a versão preguiçosa segundo a qual nos tornámos apenas consumidores de plataformas.
Em diversos mercados, o DVD continua a ser uma fonte importante, ainda que minoritária, de conhecimento do cinema, em particular das suas memórias clássicas, com edições que desapareceram do mercado português, incluindo a variante tecnicamente mais avançada do Blu-ray. Porquê? Em grande parte, sejamos claros, porque a prática de preços exorbitantes por alguns agentes do mercado fez com que o consumidor rapidamente se apercebesse de uma realidade rudimentar: era mais barato encomendar um Blu-ray do estrangeiro do que comprá-lo numa loja portuguesa... Enfim, as heranças de Kiarostami e Godard garantem-nos que nem tudo está perdido.

terça-feira, março 18, 2025

O Rapaz e a Garça em DVD

Eis uma boa notícia, em primeira mão: O Rapaz e a Garça, de Hayao Miyazaki, vai reaparecer no mercado português (estreou-se nas salas a 9 de novembro de 2023), agora em edição em DVD, com chancela da Outsider.
Para lá do reencontro com a obra do mestre japonês da animação [estúdios Ghibli], neste caso com a longa-metragem que revogou a notícia da sua retirada profissional, eis um acontecimento que confirma que, apesar do enquistamento do mercado audiovisual (nem tudo são plataformas...), o DVD continua a ser uma boa alternativa, ainda que minoritária, para um público disponível. Será preciso relembrar que a vitalidade desse mercado passa sempre pela sua capacidade de diversificação? 

segunda-feira, março 17, 2025

domingo, março 16, 2025

Na companhia dos livros com Patti Smith

Das notas privadas de Wittgenstein ao desejo infantil de ser uma cientista, podemos reencontrar Patti Smith na plataforma Substack. Neste caso, a deambulação errática (mas não errante), incluindo a dificuldade de encontrar os óculos adequados a cada momento, oscila entre revelações recentes e memórias antigas, num ziguezague de maravlhosos 20 minutos em video — ela pede desculpa pela longa duração, mas nós não levamos a mal.

Dreams of science by Patti Smith

Wittgenstein's work ethic, Leeuwenhoek and the lens

Read on Substack

Marianne Faithfull: um EP póstumo

Falecida no passado dia 30 de janeiro, contava 78 anos, Marianne Faithfull tinha ainda canções por revelar. De tal modo que a Decca vai lançar no Record Store Day, 12 de abril, um EP com quatro canções em que ela trabalhou no ano anterior à sua morte — Burning Moonlight, tema-título, é um pequeno prodígio de cristalina intimidade.