quarta-feira, setembro 27, 2023

Ted K - O Unabomber
ou o pesadelo do bom selvagem

Sharlto Copley no papel de Ted Kaczynski:
entre a utopia e o crime

O filme Ted K - O Unabomber, de Tony Stone, retrata a saga de Ted Kaczynski, um eremita que combateu os avanços da tecnologia através de vários actos terroristas perpetrados entre 1978 e 1995: é um exemplo invulgar do melhor cinema independente dos EUA — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 setembro).

Tony Stone
Num contexto mediático em que proliferam os filmes “baseados em factos verídicos”, qualquer aproximação de um desses filmes corre o risco de ficar bloqueada no realismo pueril do jornalismo mais sensacionalista: “sim, foi exactamente assim que aconteceu” ou “não, os factos foram abusivamente dramatizados”… Ted K - O Unabomber, de Tony Stone, é um desses filmes, por certo dos mais perturbantes, quanto mais não seja pela identidade da sua personagem central: Ted Kaczynski (1942-2023), terrorista doméstico rotulado de “Unabomber” que, entre 1978 e 1995, assombrou os EUA com uma série de atentados, quase sempre perpetrados através de bombas enviadas pelo correio, de que resultaram três mortos e mais de duas dezenas de feridos.
Lembremos, por isso, uma verdade rudimentar da história do cinema, hoje em dia minimizada pela selvajaria cognitiva que o Big Brother e, de um modo geral, a Reality TV impôs no nosso quotidiano: nenhum filme (como nenhum “conteúdo” televisivo) existe como mera “transcrição” de algo que aconteceu. Dito de outro modo: mesmo no interior das mais didácticas formas de realismo — lembremos a herança modelar do mestre italiano Roberto Rossellini (1906-1977) —, filmar é escolher matérias, organizar narrativas, construir pontos de vista, numa palavra, dramatizar.
O caso de Kaczynski afigurava-se tanto mais complexo e intrigante quanto a sua identidade, sobretudo a sua história antes dos atentados, estava longe de ser uma matéria muito documentada. Com uma excepção: o seu manifesto Industrial Society and its Future, escrito em 1995, que Kaczynski “ofereceu” ao jornal The Washington Post, garantindo que, depois da sua publicação, abandonaria a actividade terrorista.

Que utopia?

A publicação do manifesto aconteceu, de facto, e seria a “chave” para a sua prisão. Kaczynski vivia, desde 1971, como um eremita, numa zona florestal de Lincoln, no estado de Montana, falando esporadicamente, via telefone, com o irmão David Kaczynski (n. 1949); ao tomar conhecimento do texto, David reconheceu a escrita e as ideias de Ted, acabando por fornecer ao FBI as pistas que permitiram a sua captura a 3 de abril de 1996. Condenado a prisão perpétua, foi encontrado morto na sua cela há pouco mais de três meses, a 10 de junho, tendo os serviços prisionais considerado a sua morte um acto suicida — sofria de cancro terminal e contava 81 anos.
Como transformar “isto” num filme? Tony Stone, realizador da área independente norte-americana, terá pressentido na tragédia de Ted Kaczynski as marcas de uma nostalgia da natureza como elemento primordial de uma utopia que resiste aos avanços da tecnologia. Aliás, o tema está também presente no documentário que Stone realizou em 2016, Peter and the Farm, sobre o proprietário de uma quinta, no estado de Vermont, que se define como uma espécie de derradeiro agricultor empenhado na gestão das suas ovelhas e vacas sem ferir o equilíbrio dos elementos naturais… Com uma diferença que, obviamente, está longe de ser banal: Kaczynski mata pessoas para proclamar os seus ideais.
Daí o bizarro visual de Kaczynsci, tal como filmado por Stone em Ted K - O Unabomber. Por um lado, há nele qualquer coisa que o aproxima das figuras erráticas que povoam o cinema de Hollywood depois do período clássico, enfrentando a “selva urbana” em filmes como O Cowboy da Meia-Noite (1969), de John Schlesinger; por outro lado, a sua solidão radical remete-nos para a memória dos pioneiros de alguns “westerns” modernos, incluindo a personagem de Jeremiah Johnson interpretada por Robert Redford em As Brancas Montanhas da Morte (1972), de Sydney Pollack. Dir-se-ia que o seu sonho se propaga enquanto pesadelo, reduzindo a zero as ilusões redentoras de um qualquer bom selvagem.

Tecnologia e liberdade

O manifesto de Ted Kaczynsci tinha tanto de esquemático como de inequívoco: “A tecnologia moderna é a pior coisa que aconteceu ao mundo. Promover o seu progresso é nada menos que criminoso.” Aliás, a lógica da sua saga “purificadora” está bem expressa na sequência em que descobre, com ambígua curiosidade, o “progresso” que lhe é oferecido pela novidade dos computadores. Ao mesmo tempo, ele é o primeiro a ter consciência do individualismo fechado do seu discurso, reconhecendo que muitos sentirão repulsa face aos seus crimes e à “liberdade” que, na sua perspectiva, tais crimes procuram defender. A ponto de considerar que os “inimigos da liberdade” poderão usar os seus actos terroristas como “argumento para justificar o seu controle do comportamento humano”.
Elemento fundamental para o invulgar poder dramático de Ted K - O Unabomber é a composição de Sharlto Copley, também um dos produtores do filme, na personagem de Kaczynski. Vêmo-lo como paciente artesão de uma vivência de sistemática exclusão de qualquer contacto humano, ao mesmo tempo reflectindo um mal-estar que, apesar do seu delírio vingativo, é transversal a toda a sociedade. Por tudo isso, este é um filme realmente invulgar (e realmente independente) no actual panorama da produção dos EUA — foi revelado há mais de dois anos, no Festival de Berlim de 2021, mas apesar de tudo chegou às salas portuguesas.

terça-feira, setembro 26, 2023

[ideias] Literacia visual

[ The Criterion Collection ]

Que mostra um filme? Não poucas vezes, por distração ou ignorância, a pergunta recalca outra: como é que um filme mostra aquilo que mostra?
Neste depoimento para a Edutopia (fundação para a educação, online, de que George Lucas foi um dos fundadores), Martin Scorsese lembra o facto de não haver reprodução de uma qualquer realidade, mas produção de imagens dessa realidade. Daí a importância de espectadores que conheçam, e desejem conhecer, as especificidades das linguagens dos filmes — literacia, portanto, agora em termos visuais.
 

segunda-feira, setembro 25, 2023

[ideias] Sexo e género


Eis uma boa ideia para, aqui no Sound+Vision, começar uma secção sobre... ideias.
A saber: ver e escutar uma reflexão de Judith Butler no canal Big Think do YouTube. À partida, estão em jogo as noções de sexo e género, centrais no seu trabalho e, em particular, nos seus dois livros mais famosos: Problemas de Género e Corpos que Contam. Ou como as palavras, porventura sem sexo, instauram géneros de pensamento — são 13 minutos fascinantes, além do mais conscientes do meio de comunicação em que, com invulgar agilidade, sabem integrar-se.
 

terça-feira, setembro 19, 2023

Jorja Smith, Opus 2

Está quase a chegar (29 set.) o segundo álbum de originais da britânica Jorja Smith, por certo fiel às suas raízex R&B, num registo cuja depuração não renega uma sensibilidade serenamente pop — chama-se Falling or Flying e este é o tema-título.

sábado, setembro 16, 2023

Kevin Spacey nunca existiu

Kevin Spacey e Jeff Goldblum
Speed-the-Plow em Londres (2008), no palco do Old Vic

Nas redes a que chamam “sociais” reina a obscenidade: um acusado é automaticamente tratado como culpado — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 setembro).

Revejo Kevin Spacey e Jeff Goldblum numa imagem tão próxima e, ao mesmo tempo, tão distante, a ponto de ter adquirido qualquer coisa de surreal. Para mim, começa por transportar uma memória de 2008, tecida de admiração e fascínio: a descoberta da representação, em Londres, no palco do Old Vic, de Speed-the-Plow, a peça de David Mamet, encenada por Matthew Warchus, sobre três personagens dos bastidores de Hollywood (na altura, Spacey era director artístico do Old Vic). A sua estreia acontecera em 1988, em Nova Iorque, com interpretações de Joe Mantegna, Ron Silver e Madonna.
Com esplendorosa ironia e crueldade, Kevin Spacey e Jeff Goldblum interpretavam dois produtores cinematográficos. Sagazes e oportunistas, discutem estratégias que reforçavam a implacável visão de Hollywood que, em diversos livros, ensaios e entrevistas, Mamet sempre exprimira, escalpelizando as zonas mais obscuras de uma indústria a que, para todos os efeitos, também pertence através de uma filmografia de invulgar brilhantismo — incluindo alguns títulos mais “ligeiros” que parecem existir apenas como projectos banalmente comerciais, como é o caso de Spartan - O Rapto (2004).
Ao lado das personagens de Spacey e Goldblum está uma secretária não tão estúpida como o cliché dramático que serve de motor ao seu aparecimento no interior da peça. Era interpretada pela talentosa Laura Michelle Kelly, actriz mais conhecida através do teatro musical (incluindo My Fair Lady, em 2003) que surgira, um ano antes, na versão cinematográfica de Sweeney Todd, realizada por Tim Burton. Na primeira representação londrina de Speed-the-Plow, em 1989, essa personagem fora interpretada por Rebecca Pidgeon, casada com Mamet desde 1991.
Na altura, Spacey era, por certo, um dos actores mais populares em todo o mundo, em particular através dos filmes que lhe tinham valido Oscars: Os Suspeitos do Costume (1995), de Bryan Singer, e Beleza Americana (1999), de Sam Mendes, respectivamente como intérprete secundário e principal. Nove anos mais tarde, isto é, a partir de 2017, seria alvo de várias acusações de abuso sexual, com consequências directas no seu trabalho, incluindo a decisão da Netflix de o afastar da temporada final da série House of Cards (2013-2018). Em dois julgamentos, viria a ser ilibado dessas acusações: primeiro em Nova Iorque, em 2022, depois em Londres, há pouco mais de um mês.
O surreal de tudo isto envolve a obscena desproporção entre os múltiplos julgamentos públicos a que Spacey foi sujeito na Internet (e também em alguns meios de comunicação, sobretudo de língua inglesa) e a virginal contenção com que, na maioria dos casos, foi noticiado o facto de os tribunais o terem reconhecido como inocente. São dados reveladores das nossas misérias civilizacionais, em grande parte geradas, consumadas e multiplicadas pela democracia da estupidez que comanda a lógica quotidiana das redes (ditas) sociais.
Como noutros exemplos de histeria purificadora, por vezes vergonhosamente empolada pela baixeza moral de algumas formas de jornalismo, a perversidade de tudo isto é clara no caso de Spacey. Assim, basta uma acusação pública (e publicitada) para que qualquer presunção de inocência (ou mesmo a simples avaliação da coerência ou da consistência das acusações) seja anulada. Com que consequências? O espaço mediático passa a ser dominado por discursos de difamação e ódio contra alguém inapelavelmente tratado como culpado, sem direito a qualquer tipo de recurso.
Perante o discreto peso de muitas notícias sobre a conclusão do mais recente julgamento, tudo se passa como se Kevin Spacey nunca tivesse existido, a não ser como marioneta de um conceito de justiça legitimado (entenda-se: que se auto-legitima) através do ruído “social” que consegue promover com assustadora facilidade. Por uma ironia muito amarga, a peça de Mamet é (também) um texto admirável sobre a violência moral do imaginário machista.
Convém, por isso, não reduzir a uma caricatura o facto de, agora, muitas vozes que se exprimem (?) nos canais “sociais” — ou em caixas de “opinião” de alguns jornais — encararem o encerramento legal do caso como uma impostura: afinal, proclamam esses cidadãos, quem tem dinheiro para advogados mais ou menos hábeis acaba sempre por “safar-se”… Não é uma citação; se fosse, seria ainda mais grosseiro.
Porque é que isto não é uma caricatura descartável? Porque tais reacções envolvem uma visão, não apenas anti-democrática, mas de total desumanização do espaço público: a execução da lei — com os seus valores, as suas exigências de prova, eventualmente a sua morosidade — acaba por ser considerada dispensável e, pior um pouco, irrelevante porque a única coisa que conta é o achincalhamento público do acusado (sempre tratado como culpado). Não será o fascismo enquanto sistema político, mas a impunidade da sua prática promove uma metódica fascização das mentalidades.

sexta-feira, setembro 15, 2023

SOUND+VISION Magazine
— Telediscos (HOJE, 16 setembro)

Voltamos à FNAC para propormos uma história breve (necessariamente breve, brevíssima...) dos telediscos. Mais exactamente: uma pequena colecção de referências, para lá do óbvio, sobre as relações da música com as imagens animadas que "encenam" essa mesma música.

* FNAC / Chiado: sábado, dia 16 (17h00).

quinta-feira, setembro 14, 2023

Woody Allen
— um americano apaixonado pela Europa

Vittorio Storaro e Woody Allen
durante a rodagem do novíssimo Golpe de Sorte

À beira de celebrar 88 anos de idade, Woody Allen regressa a Portugal como músico de jazz, poucos dias depois da revelação, em Veneza, do seu 50º filme como realizador. A sua filmografia revela-nos um criador sempre ligado ao imaginário americano e, ao mesmo tempo, fortemente marcado pelo cinema europeu — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 setembro).

Nasceu a 30 de novembro de 1935, em Nova Iorque. A poucas semanas de celebrar o seu 88º aniversário, Woody Allen está de volta a Portugal, não exactamente como cineasta, mas músico: com dois concertos na agenda, ele vem celebrar o jazz e, em particular, os sons da tradição de Nova Orleães tão frequentemente ouvidos nas bandas sonoras do seus filmes.
Ligado a um imaginário americano em que a iconografia de Nova Iorque ocupa um lugar central, ele é também um autor cuja cinefilia mantém laços fortes com a Europa, com o cinema europeu e alguns dos seus autores mais emblemáticos. Ironicamente, nos últimos tempos, pode dizer-se que Woody Allen tem trabalhado quase como um realizador “europeu”; aliás, a par da sua actual digressão, esteve há poucos dias no Festival de Veneza para apresentar, extra-concurso, a sua 50ª longa-metragem, Coup de Chance, o seu primeiro filme falado em francês.
No plano profissional, o seu trabalho há muito deixou de ser uma prioridade dos grandes estúdios de Hollywood: títulos como Annie Hall, Intimidade, Manhattan e Stardust Memories/Recordações, todos feitos na segunda metade da década de 1970 com chancela da United Artists, correspondem a uma “idade de ouro” de produção que os tempos decompuseram — em boa verdade, a United Artists já nem sequer existe. Agora, Coup de Chance, porventura o ponto final da sua filmografia, além de falado em francês, é também o seu primeiro título com produção cem por cento europeia. Entretanto, os conflitos familiares com Mia Farrow deixaram marcas na percepção de Woody Allen por muitas pessoas, quer nos EUA, quer na Europa: foi acusado de abuso de uma das filhas do casal, depois ilibado pelos tribunais e condenado por algumas investigações jornalísticas (incluindo a mini-série Allen v. Farrow, disponível na HBO Max).

Comédia & drama

A imagem de cómico foi aquela que começou por definir a identidade de Woody Allen, o seu prestígio e a sua popularidade — com o cinema sempre enredado com o teatro. Estreou-se no cinema como argumentista e intérprete de Que Há de Novo, Gatinha? (1965), comédia burlesca dirigida por Clive Donner, com um elenco que integrava Peter Sellers, Peter O’Toole, Romy Schneider e Ursula Andress. Nesse período inicial, obteve um grande sucesso na Broadway com a peça Don’t Drink the Water, uma sátira em ambiente de Guerra Fria, estreada em 1968. Um ano mais tarde, protagonizava e realizava Take the Money and Run (entre nós O Inimigo Público), retrato “documental” de um desastrado ladrão de bancos: o humor nascia de diálogos tão curtos quanto desconcertantes, a par de uma metódica criação de situações de glorioso absurdo.
Seguiram-se comédias como O ABC do Amor (1972), uma bizarra enciclopédia sobre os mistérios do sexo, inspirada num “best-seller” da época, ou Nem Guerra, Nem Paz (1975), variação sobre as guerras napoleónicas, parodiando a herança de Tolstoi. Na sua ambígua ligeireza e elegância narrativa, Annie Hall (1977) recuperava modelos da comédia dramática de Hollywood e ficou como uma espécie de primeiro inventário de alguns temas obsessivos de Woody Allen: as relações sempre equívocas entre homens e mulheres, a discussão da identidade judaica e a constante sedução do pensamento psicanalítico.
Ironicamente, todo estes modos de ser um autor e actor cómico terão contribuído para nem sempre se dar a devida atenção ao facto de, muito cedo, a obra de Woody Allen exibir algumas radicais componentes dramáticas. Assim, em 1978, apenas um ano após o impacto de Annie Hall, ele escrevia e dirigia o seu primeiro filme em que não participava como actor: Intimidade (título original: Interiors). A dissecação das contradições e fantasmas de uma família, além de sustentada por um elenco de luxo (Diane Keaton, Geraldine Page, Mary Beth Hurt, Maureen Stapleton, Sam Waterston, etc.), revelava um Woody Allen que se assumia como discípulo de um mestre europeu: Ingmar Bergman.
Isto sem esquecer que Intimidade é também um dos momentos fulcrais da relação criativa com um dos génios da fotografia no cinema americano: Gordon Willis, responsável pelas imagens dos dois primeiros capítulos de O Padrinho (1972 e 1974). Em 1979, de novo com Willis, Woody Allen realizava Manhattan, desta vez num prodigioso preto e branco (em formato largo, “scope”), com a inesquecível integração de uma obra clássica da música “made in USA”: Rhapsody in Blue, de George Gershwin, num registo da Filarmónica de Nova Iorque sob a direcção de Zubin Mehta.

A família como teatro

A relação com alguns notáveis directores de fotografia define mesmo vários “capítulos” criativos na história cinematográfica de Woody Allen. Assim, depois de Gordon Willis, começou um ciclo de colaborações com o italiano Carlo Di Palma, ligado, em particular, à evolução das imagens a cor no trabalho de Michelangelo Antonioni (a partir de 1964, com O Deserto Vermelho). Nesta perspectiva, Ana e as suas Irmãs (1986), primeiro de doze títulos de Woody Allen fotografado por Di Palma — incluindo também uma experiência a preto e branco, Sombras e Nevoeiro (1991), citando a herança visual e temática do expressionismo alemão —, ocupa um lugar charneira na obra do actor/argumentista/cineasta. Muitas vezes citado como um fresco familiar marcado pela herança de Fanny e Alexandre (1982), de Ingmar Bergman, Ana e as suas Irmãs revisita as teias da paixão e da traição, da inocência e da culpa, reafirmando o universo de Woody Allen como um fascinante “teatro” de transfiguração dos actores. No papel das três irmãs, Mia Farrow, Barbara Hershey e Dianne Wiest são figuras de incríveis nuances emocionais, num elenco em que também encontramos, por exemplo, Michael Caine, Maureen O’Sullivan (mãe de Mia Farrow) e o “bergmaniano” Max Von Sydow.
Mais recentemente, a fotografia dos filmes de Woody Allen passou a ser assinada por outro italiano, Vittorio Storaro, mestre da luz e da cor que, para lá da sua múltipla relação com a obra de Bernardo Bertolucci — incluindo O Conformista (1970), O Último Tango em Paris (1972) e O Último Imperador (1987) —, assinou as imagens de Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola, e Reds (1981), de Warren Beatty. A sua relação iniciou-se com Café Society (2016), visão amarga e doce da década de 1930 em Hollywood, prolongando-se até ao novíssimo Coup de Chance — com o título Golpe de Sorte [trailer], a sua estreia portuguesa está agendada para 5 de outubro.

Rolling Stones na FNAC do Chiado

Bons momentos vividos há poucos dias na FNAC do Chiado. Foi a 6 de setembro — o Nuno e eu tivemos a companhia de Rolando Rebelo para conversarmos sobre os Rolling Stones. Motivo próximo: o anúncio do novo álbum da banda, Hackney Diamonds, e a revelação da sua primeira canção e primeiro teledisco.
A presença de Rolando Rebelo foi tanto mais importante quanto ele é autor de um livro de múltiplas qualidades — memória, enciclopédia, álbum fotográfico — que, como o título indica, remete para a "aventura portuguesa" dos criadores de
Sympathy for the Devil: Rolling Stones em Portugal (Zebra Publicações, 2012).
A sessão foi precedida por aquilo que estava anunciado como um grande acontecimento mediático (que, obviamente, também foi): uma conversa em directo, a partir de Londres, de Jimmy Fallon com Mick Jagger, Keith Richards e Ronnie Wood  — sobre a gestação do novo trabalho, a herança de Charlie Watts, etc. — e, no final, a revelação do teledisco de Angry, interpretado por Sydney Sweeney, com realização de François Rousselet.
Eis um teledisco que poucas bandas poderiam protagonizar, quanto mais seja pelo volume e diversidade de memórias que contém. Estamos perante um objecto de contagiante energia visual que propõe uma espécie de viagem nostágica, ma non troppo, pela iconografia dos Stones, afinal uma saga repartida por seis décadas de rock'n'roll — aqui ficam o registo da conversa com Fallon e o novo teledisco.



terça-feira, agosto 15, 2023

Ser ou não ser Zelig

Woody Allen interpretando Leonard Zelig,
ou a comédia da identidade

Há no filme Zelig, de Woody Allen, um jogo entre a verdade e a mentira das imagens que ecoa no nosso presente — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 julho), assinalando a data dos 40 anos do seu lançamento.

A obra-prima de Woody Allen, Zelig, estreou-se há 40 anos, em Nova Iorque, a 15 de julho de 1983. Dois dias mais tarde, no New York Times, Vincent Canby comparava-o com o clássico Citizen Kane/O Mundo a Seus Pés (1941), de Orson Welles: “Zelig é Citizen Kane miraculosamente transformado em delirante comédia.”
O paralelismo está longe de ser um banal juízo de valor. Será preciso lembrar que pensar os filmes é um trabalho que pouco, ou nada, tem a ver com o infantilismo “científico” que, eventualmente, se vai esgotar nas clássicas estrelinhas? A evocação de Welles envolve uma questão cuja perturbação — mediática e política, numa palavra, cultural — continua a pontuar os nossos quotidianos. A saber: não apenas a relação de cada um de nós com a verdade, mas o modo de produção dessa verdade.
Welles encenava a odisseia da personagem que ele próprio interpretava, Charles Foster Kane, um magnate da imprensa com ambições políticas. Em termos esquemáticos, digamos que o filme evolui como um puzzle gerado pela palavra (“Rosebud”) que Kane pronuncia antes de morrer; em sucessivos flashbacks, várias personagens respondem a uma investigação jornalística sobre a identidade de Kane — é um enigma individual que se vai dispersando, não se fixando em nenhuma imagem (nem mesmo através do “esclarecimento” final, dos mais ambíguos que alguma vez foi apresentado por uma narrativa cinematográfica).
Zelig evolui também como um puzzle individual, em torno da figura de Leonard Zelig (interpretado pelo próprio Allen, também responsável pelo argumento). Com uma diferença que está longe de ser secundária: enquanto Kane é aquele que, mesmo com o auxílio de materiais de arquivo e múltiplos testemunhos, se vai escapando a qualquer identificação ou compreensão definitiva, Zelig existe através de uma transfiguração de imagens potencialmente infinita.
Assim, Zelig não se relaciona com os outros, mas com as imagens que os definem. Mais do que isso: Zelig vai existindo através das mais incríveis “duplicações”, adaptando-se, como um camaleão, a qualquer contexto. Vêmo-lo em cenários políticos ou reuniões secretas, assumindo-se como paciente num hospital (veja-se a ilustração deste texto) ou político na Casa Branca, ou ainda gangster num cabaret de duvidosa frequência. A comédia nasce, não daquilo que a personagem faz, mas das “personalidades” que pode assumir para, finalmente, desembocar num mistério romanesco: o amor que encontra na psiquiatra que o trata (Mia Farrow) surge como teste final da sua cura… Será preciso acrescentar que estamos perante uma fábula sobre o ser ou não ser?
Ser ou não ser pessoa, entenda-se, mas também ser ou não ser imagem, filme, transmissão visual. Dir-se-ia que, duas décadas antes da promiscuidade virtual induzida pelo Facebook (e outras redes de discutíveis valores sociais), Allen formula a hipótese de alguém existir apenas através de uma delegação identitária que, em última instância, esvazia a sua dimensão humana — um pouco como as “infuencers” que só existem através das mercadorias que promovem, curiosamente não suscitando qualquer dúvida pedagógica de muitas militâncias feministas.
Há outra maneira de sublinhar a singularidade estética e o génio criativo de um filme como Zelig. Com a fundamental colaboração do director de fotografia Gordon Willis (responsável, por exemplo, pelas imagens da trilogia de O Padrinho), Allen conseguiu uma verdadeira proeza na história dos efeitos especiais. Nada a ver com a destruição de um planeta, cena sim, cena não, à maneira de alguns espectáculos da Marvel & Cª. As imagens (fotográficas e em movimento) de Zelig são trabalhadas para a inserção das várias encarnações da personagem central nos mais diversos cenários, e também para a produção de um efeito de desgaste material (riscos, cortes, etc.) capaz de sugerir o tempo que passou até ao presente do próprio filme.
Esse efeito, de uma só vez dramático e irónico, é tanto mais sugestivo quanto o filme conta com algumas personalidades que aceitaram participar em nome próprio, contribuindo para reforçar a sensação ambígua de assistirmos a um documentário (“mockumentary”, segundo a gíria anglo-saxónica), incluindo Susan Sontag, o nobelizado Saul Bellow e Bruno Bettelheim. Sontag, a primeira a aparecer, coloca mesmo a figura de Leonard Zelig num plano mitológico: “Ele foi o fenómeno da década de 1920. Acreditamos que, nessa altura, era tão conhecido como Lindbergh, o que é realmente impressionante.”
Vale a pena acrescentar algumas palavras da própria Sontag, do seu ensaio “Sobre o estilo” (1965), incluido na colectânea Contra a Interpretação (ed. Gótica, 2004). Resistindo à noção redutora segundo a qual a obra de arte está obrigada a manter alguma proximidade com a nossa “realidade vivida”, diz ela: “Superar e transcender o mundo em arte é também um meio de encontrar o mundo, e de treinar e educar a vontade para estar no mundo.”

“Barbenheimer”:
que fazer com esta palavra?

Margot Robbie (Barbie) e Cillian Murphy (Oppenheimer):
é preciso repensar a distribuição e exibição dos filmes

Os filmes Barbie e Oppenheimer são dois espantosos fenómenos de bilheteira: será que os números chegam para compreender tudo o que está a acontecer? — este texto foi publicado no site da SIC Notícias (31 julho / os números citados das bilheteiras são, obviamente, referentes a essa data).

Assim vai o mundo do cinema: o marketing norte-americano inventou uma palavra (“Barbenheimer”) para “cruzar” dois filmes com lançamento mundial simultâneo — Barbie, de Greta Gerwig, e Oppenheimer, de Christopher Nolan — e os efeitos nas bilheteiras são grandiosos. Nos EUA, o primeiro já arrecadou um pouco mais de 350 milhões de dólares, enquanto o segundo vai nos 174 milhões. Em Portugal, a afluência é também invulgar: 445 mil e 205 mil espectadores, respectivamente, ao fim de duas semanas de exibição (com um total de receitas superior a 4 milhões de euros).
Os resultados são tanto mais surpreendentes quanto estamos perante dois objectos radicalmente diferentes, porventura inconciliáveis. Barbie centra-se numa personagem (boneca, brinquedo da marca Mattel) sem qualquer historial cinematográfico, enquanto Oppenheimer aborda uma personalidade real pouco conhecida do grande público (J. Robert Oppenheimer, líder do Projecto Manhattan que, nos tempos finais da Segunda Guerra Mundial, fabricou as primeiras bombas atómicas), além de ser um filme com a duração de três horas.
Tudo isto me parece muito interessante e, ao mesmo tempo, francamente equívoco. Porquê? Para alinhavar duas ou três ideias, necessito de começar por esclarecer um ponto que considero fulcral (e que tenho repetido vezes sem conta, ao longo de décadas, sendo invariavelmente mal entendido). A saber: não confundo os meus juízos de valor sobre os filmes com as dinâmicas da sua vida comercial.


Ou ainda: Barbie parece-me uma brincadeira fútil, cinematograficamente feita de imitações e citações de filmes bem mais interessantes, enquanto considero Oppenheimer uma das obras mais complexas, impressionantes e perturbantes que vi nos últimos tempos. Mas… e este “mas” é fundamental: a defesa (também de muitas décadas) do cinema como fenómeno específico das salas escuras leva-me a saudar, sem hesitação, o simples facto de, afinal, existirem realmente pessoas que continuam disponíveis para conhecer os filmes (sejam eles quais forem) no lugar original para que foram concebidos — e bem sabemos que esse é um elemento crucial da crise de audiências que todos conhecem e reconhecem.
Daí, creio, a necessidade de lidar com a dimensão (que considero) equívoca do fenómeno. O que está em jogo não é o facto de Barbie ou Oppenheimer serem “melhores” ou “piores” (de acordo com os pontos vista naturalmente — e salutarmente — distintos que vão surgindo). Porquê? Porque o carácter excepcional do fenómeno nos permite perceber que a súbita eficácia desta manobra de marketing acontece depois de muito tempo (duas décadas, pelo menos) em que o marketing mais poderoso — entenda-se: o marketing dos grandes estúdios americanos e seus representantes internacionais — só investiu seriamente na promoção de super-heróis & afins, afunilando a oferta comercial e contribuindo para o desenvolvimento de mercados profundamente desequilibrados. E mais do que isso: mercados em que os filmes mais originais ou, pelo menos, menos típicos eram (e são) sistematicamente secundarizados.


Nesta perspectiva, o que se saúda não é que Barbie tenha estreado em 4243 salas (nos EUA) ou em 183 (em Portugal), como seria normal — ainda bem, é o investimento habitual quando a indústria aposta seriamente num determinado filme. O que realmente se saúda é que Oppenheimer, em vez de ter sido apressadamente rotulado de filme “difícil”, tenha surgido, não em 500 ou 600 ecrãs americanos, mas em 3610 — e que, em Portugal, os mesmos preconceitos não o tenham relegado para duas ou três dezenas de salas, antes acontecendo a sua estreia em 99 ecrãs, subindo para 103 na segunda semana.
Há outra maneira de resumir tudo isto: não basta inventar uma palavra sugestiva (francamente absurda, já agora) para pensar, programar e por em prática uma política coerente e diversificada de distribuição e exibição dos filmes. É preciso começar por avaliar que exposição pública se dá — ou não dá — a cada filme, sobretudo se esse mesmo filme não encaixar nos estereótipos de super-heróis e suas monótonas variações. Como se prova, os espectadores estão disponíveis… Quanto aos decisores da indústria, nos grandes e pequenos mercados, não lhes ficará mal parar um pouco para reflectir — no seu interesse, antes do mais.

* * * * *

>>> Greta Gerwig e Christopher Nolan falam sobre os seus filmes na televisão americana — respectivamente em Good Morning America e Today.



domingo, agosto 13, 2023

A IMAGEM: Martin Parr, 2019

MARTIN PARR
Death by selfie
Índia, 2019

Sob as árvores [citação]

>>> E ao voltar-me vi injustiça em tudo quanto acontecia debaixo do Sol, e olhei, e eram as lágrimas daqueles que sofreram a injustiça, sem ninguém que os consolasse e aqueles que cometeram inustiça em relação a eles eram demasiado poderosos. Então louvei os defuntos que já tinham morrido.
Louvei os mortos. Todas as coisas têm o seu tempo, coser e rasgar, guardar e atirar fora. Louvei os mortos que jazem sob as árvores, dormindo.

Berlim Alexanderplatz
(ed. Dom Quixote, Lisboa, 1992
— tradução de Sara Seruya e Teresa Seruya)

Blur, Opus 9

Chama-se The Ballad of Darren: o nono álbum de estúdio dos Blur tem qualquer coisa de "revisão da matéria", mas está longe de ser uma banal colecção de nostalgias. Numa síntese feliz, no jornal The Guardian, Kitty Empire apresenta-o como um cruzamento de maturidade e melancolia, com tempero de aventura. Aqui fica a canção The Everglades (For Leonard). A ter em conta a foto da capa, assinada por Martin Parr.

terça-feira, agosto 08, 2023

Oppenheimer:
um mar de enganos

J. Robert Oppenheimer, aliás, Cillian Murphy:
elogio do grande plano

A tragédia de Oppenheimer relança a herança de Fausto, redescobrindo o valor cinematográfico do rosto — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 julho).

Na introdução à sua tradução do Fausto, de Johann W. Goethe (Relógio D’Água Editores, 1999), João Barrento escreve que “a obra resulta, na versão definitiva, no milagre de um todo que não é um todo.” Creio que a observação justifica algum paralelismo com o filme Oppenheimer, de Christopher Nolan. Claro que a exuberância do trabalho científico de J. Robert Oppenheimer (1904-1967) e, por fim, a sua condição de “pai da bomba atómica” atraem a classificação de um moderno Fausto. O seu pacto com os Mefistófeles da política — que no filme alguém resume dizendo que “tu és o homem que lhes deu o poder de se auto-destruirem” — coloca-o no centro de uma encruzilhada sem solução: onde acaba a paixão científica do saber e começa a instrumentalização política desse saber?
Escusado será sublinhar que no filme de Nolan ecoam múltiplos e inquietantes cenários da geo-política do nosso século XXI. Ao mesmo tempo, e ao contrário de muitas ficções audiovisuais contemporâneas, a abordagem de uma conjuntura tão delicada — do Projecto Manhattan ao lançamento das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki — não se esgota numa qualquer lição unívoca, porventura redentora, que confunda a experiência cinematográfica com as certezas normativas de muitos talk-shows. Em diversas entrevistas, Nolan tem dito que não faz filmes “didácticos”, antes procura abarcar a complexidade dos temas e situações que aborda — na certeza de que tudo isso pressupõe um espectador não seguidista, capaz de enfrentar um filme que não quer confirmar aquilo que ele já sabe, antes aposta na discussão dos limites, históricos, ideológicos ou simbólicos, que cristalizaram o seu saber.
Daí a sensação de “um todo que não é um todo”. Ao contrário de muitas produções correntes, apostadas em “reconstituições” históricas que se definem apenas pelas suas “semelhanças” com os factos retratados — diversas séries sobre a família real britânica podem servir de modelo desse “naturalismo” sem imaginação —, Oppenheimer é um filme sobre a totalidade de uma experiência cujas derivações não estão esgotadas.
Para lá das muitas diferenças que possamos citar, se há filme recente cuja ambição narrativa envolve a mesma metódica humildade (neste caso, não “a” narrativa sobre Oppenheimer, mas “uma” narrativa sobre Oppenheimer), esse filme será Spencer, de Pablo Larraín, sobre a Princesa Diana. E talvez faça sentido considerar que os desafios enfrentados por Kristen Stewart e Cillian Murphy, respectivamente como Diana e Oppenheimer, são de natureza semelhante. A saber: como representar uma figura cuja identidade histórica parece, ao mesmo tempo, tão evidente e de tão problemática fixação narrativa?
Diz Fausto, a certa altura, respondendo a Wagner que o tenta libertar dos seus tormentos: “Bem feliz é aquele que inda espera / Poder sair deste mar de enganos! / Mas o mais útil é o que se ignora, / E o que se sabe o que nos serve menos. / Mas não deixemos que tal melancolia / Nos venha perturbar tão bela hora! / Repara como o sol ao fim do dia, / No verde e nas cabanas reverbera. / Nasce e apaga-se, mais um dia passou, / Noutros lugares vai nascer nova vida.”
Há uma dimensão contraditória na tragédia de Oppenheimer (enfim, a contradição é mesmo o motor de qualquer tragédia…) que se enraiza nessa tensão entre a utilidade do que ignoramos e a menor pertinência do que já sabemos. O que, em termos cinematográficos, arrasta uma dúvida metódica: até que ponto aquilo que vemos numa personagem — a começar, claro, pelo incrível Cillian Murphy como Oppenheimer — existe como expressão do seu ser ou não passa de uma alternativa mascarada?
Tal interrogação justifica que reavaliemos, por exemplo, a santificação de algumas personagens apropriadas pelas banalidades do politicamente correcto — lembremos o determinismo dramático de A Hora Mais Negra (2017), sobre Winston Churchill, interpretado por Gary Oldman (o mesmo Oldman que, curiosamente, surge em Oppenheimer como Harry Truman). Seja como for, vale a pena acrescentar que, no filme de Nolan, tal jogo entre o que é dito e o que não chega a ser ciciado, passa por uma surpreendente colecção de grandes planos dos actores (com destaque, claro, para Murphy).
O que, enfim, nos instala num belíssimo paradoxo narrativo. Se é verdade que a grandeza física dos ecrãs IMAX tem sido celebrada através da agitação visual de super-heróis & afins, não é menos verdade que o rectângulo do IMAX pode ser um novo modelo de exaltação do rosto humano, da sua transparência e enigmas. Como? Filmando cada rosto como uma paisagem. Ou como Nolan já disse, Oppenheimer é “3D sem óculos”.