domingo, junho 30, 2019

FNAC: algumas memórias lunares

Agradecemos a presença de todos os que quiseram partilhar a nossa deambulação pelas memórias (musicais, cinematográficas, literárias) da Lua — aconteceu na FNAC Chiado, no sábado, 29 [e agradecemos também a Nuno Campos o registo fotográfico que tomamos a liberdade de reproduzir].
Eis aqui algumas dessas memórias vistas, escutadas e comentadas.

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Próxima edição do SOUND + VISION Magazine:

FESTIVAL DE WOODSTOCK — FOI HÁ 50 ANOS
> FNAC Chiado — 27 de Julho, 18h30

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>>> Uma Mulher na Lua (1927), de Fritz Lang (com música de IOKOI, 2011).

>>> Os Primeiros Homens na Lua (1964), de Nathan Juran.

>>> A chegada à Lua (20 Julho 1969) — arquivos TIME.

>>> The Killing Moon (1984), Echo and the Bunnymen.

>>> The Whole Of The Moon (1985), The Waterboys.

Meryl Streep ou a arte da serenidade

Oscar por A Dama de Ferro (26 Fevereiro 2012)
Recordista de nomeações nos Oscars de interpretação, com uma carreira de mais de meia centena de filmes, Meryl Streep é um caso invulgar de sofisticação e versatilidade. A sua contínua e multifacetada actividade mostra que as actrizes podem superar todos os estereótipos “juvenis” — este texto foi publicado no Diário de Notícias, a 22 de Junho, dia do 70º aniversário da actriz.

Mary Louise Streep nasceu a 22 de Junho de 1949, em Summit, pequena cidade do estado de New Jersey, 40 quilómetros a oeste de Nova Iorque. Neste dia em que celebra 70 anos, o seu nome artístico — Meryl Streep — reaparece como símbolo de uma veterania que se confunde com a mais depurada arte de representar face a uma câmara de filmar.
Não há nada de nostálgico em tal simbologia. Ao contrário de outras figuras da mesma geração (lembremos os nomes de Jessica Lange e Richard Gere, ambos também nascidos em 1949), Meryl Streep mantém uma actividade invulgar, plena de contrastes. Vimo-la, em finais de 2018, num pequeno papel em O Regresso de Mary Poppins. Já este ano integrou o elenco da segunda temporada da série televisiva Big Little Lies. Nos próximos meses, deverá surgir em dois títulos lançados para a temporada dos Oscars: Mulherzinhas, nova versão do romance de Louisa May Alcott assinada por Greta Gerwig, e The Laundromat, de Steven Soderbergh, um “thriller” inspirado nos Panama Papers sobre as relações perversas entre os meios políticos e o universo da alta finança.
A sua popularidade tornou-se, aliás, indissociável de uma espectacular presença na história dos Oscars, sendo detentora do recorde de nomeações no domínio da representação: foi 21 vezes candidata a um Oscar (actriz ou actriz secundária), seguida a considerável distância por Katharine Hepburn e Jack Nicholson, ambos nomeados para 12 estatuetas douradas. Em qualquer caso, Hepburn continua a ser a intérprete mais premiada de sempre, com quatro Oscars; Meryl Streep integra o grupo dos detentores de três Oscars, em que também está Nicholson, a par de Ingrid Bergman, Walter Brennan e Daniel Day-Lewis.
A consistência da sua carreira contrasta com os valores de uma cultura “juvenil” que, no plano cinematográfico, tem sido dominada pelos cada vez mais formatados filmes de super-heróis. Não por acaso, a própria Meryl Streep tornou-se militante de uma simples, mas essencial, ideia artística. A saber: a importância de criar condições para que as actrizes possam escolher personagens adequadas à sua idade.
Em 2012, numa cerimónia de prémios destinados a mulheres que se distinguiram nas artes e comunicação (Women in Film Crystal + Lucy Awards), sublinhou mesmo as potencialidades comerciais de histórias centradas em figuras femininas, destacando A Dama de Ferro (2011), filme em que a sua interpretação de Margaret Thatcher lhe valeu um Oscar de melhor actriz: “Custou 14 milhões de dólares e rendeu 114. Puro lucro!” (por essa altura, os estúdios Disney tinham lançado John Carter, superprodução cujos 284 milhões de receitas não foram, nem de longe nem de perto, suficientes para recuperar um investimento de 306 milhões, sem contar com os gastos de promoção).
Claro que há altos e baixos numa carreira tão variada, com mais de meia centena de longas-metragens — lembremos apenas o medíocre A Casa dos Espíritos (1993), adaptação de um romance de Isabel Allende em parte rodado em Portugal. O certo é que, para lá da serenidade com que assume a sua idade perante as câmaras, Meryl Streep tem sabido optar por projectos em que as personagens excedem os eventuais estereótipos que estão na sua origem. Um dos exemplos mais admiráveis será As Pontes de Madison County (1995), filme em que Clint Eastwood, actor e realizador, soube também provar que continua a ser possível recriar as leis do mais clássico registo melodramático.
A fulgurância com que se revelou na produção de Hollywood não terá sido alheia ao facto de ter começado algo “tardiamente” (como ela própria já reconheceu). Na verdade, a estreia aos 28 anos, em Júlia (1977), drama de guerra assinado pelo veterano Fred Zinnemann, com Vanessa Redgrave e Jane Fonda a liderar o elenco, aconteceu numa altura em que Meryl Streep tinha já uma significativa experiência de palco; em 1976, com uma peça de Tennessee Williams (27 Wagons Full of Cotton), obtivera mesmo uma nomeação para um prémio Tony.
Tal como outros nomes emblemáticos da história da representação no cinema americano, de Marlon Brando a Al Pacino, a sua sofisticação e versatilidade não pode ser desligada desse “know how” teatral que, directa ou indirectamente, se reflecte nas suas melhores performances. Depois de Júlia, 1978 foi um ano especialmente produtivo: surgiu em Holocausto, que viria a valer-lhe um Emmy (melhor actriz em mini-série), e integrou o elenco de O Caçador (1978), de Michael Cimino, contracenando com Robert De Niro e Christopher Walken, título central na abordagem das memórias traumáticas do Vietname (um ano antes de Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola).
O Caçador valeu-lhe a primeira nomeação para um Oscar, como actriz secundária. Um ano depois, na mesma categoria, arrebatava a sua primeira estatueta dourada com Kramer Contra Kramer, drama familiar centrado num divórcio litigioso, com Dustin Hoffman no papel central e realização de Robert Benton. Foi uma época de absoluta consagração: ainda em 1979, participou em Manhattan, obra-prima de Woody Allen; em 1981, com A Amante do Tenente Francês, de Karel Reisz, conseguiu aquele que continua a ser um dos seus grandes papéis românticos; em 1983, obteve um Oscar (agora na categoria de melhor actriz) com A Escolha de Sofia, uma revisitação de memórias dilacerantes do Holocausto realizada por Alan J. Pakula a partir do romance homónimo de William Styron.
Tudo isto desembocou em África Minha (1985), de Sydney Pollack, contracenando com Robert Redford, subtil retrato romanesco da escritora dinamarquesa Karen Blixen e, por certo, o filme que a maioria dos espectadores associa, de imediato, à imagem gloriosa da actriz. África Minha obteve sete Oscars, incluindo o de melhor filme do ano, mas Meryl Streep, nomeada pela sexta vez, quarta para melhor actriz, não ganhou (o prémio foi para Geraldine Page, em Regresso a Bountiful).
Ironicamente, muitos desses espectadores desconhecerão outro título notável, Peões em Jogo (2007), em que voltou a trabalhar com Redford, neste caso na dupla qualidade de actor e realizador. Trata-se, de facto, de um dos maiores falhanços comerciais da carreira de ambos, e também de Tom Cruise, outro dos actores principais. Meryl Streep interpretava uma jornalista que questiona um político (Cruise) sobre o envolvimento militar americano no Afeganistão, num ziguezague dramático com a experiência de um professor universitário (Redford) que sustenta numa perturbante reflexão sobre a evolução política e moral dos EUA.
Em anos recentes, vimo-la a compor uma veterana do rock’n’roll, em Ricki e os Flash (2015), derradeira longa-metragem de Jonathan Demme [video], assumindo uma gloriosa e desastrada cantora lírica em Florence, Uma Diva Fora de Tom (2016), de Stephen Frears, ou ainda interpretando a proprietária do jornal The Washington Post, em The Post (2017), evocação da conjuntura política que desembocaria no escândalo Watergate, com assinatura de Steven Spielberg. São interpretações que ilustram a arte de representar como uma permanente tarefa de descoberta da complexidade das relações humanas — num tempo de endeusamento beato da tecnologia, esse labor continua a ser o mais belo dos efeitos especiais.

sábado, junho 29, 2019

Chick Corea em tom espanhol

Eis um belo reencontro com alguém que, em boa verdade, nunca nos abandonou: Chick Corea, 78 anos (completados a 12 de Junho). Na sua longa e multifacetada trajectória jazzística, o convívio com melodias e ritmos latinos sempre foi um caminho aberto, de uma só vez experimental e festivo. Num novo álbum, Antidote, o pianista americano reencontra as emoções do seu emblemático My Spanish Heart, editado em 1976 — para que não haja dúvidas, o grupo de notáveis músicos que o acompanha responde mesmo pelo nome The Spanish Heart Band. Eis o tema-título e um trailer do álbum.



A Lua na cultura popular
— SOUND + VISION Magazine [ hoje ]

Da música ao cinema, passando pela literatura, a Lua pertence ao imaginário popular: em vésperas de se completarem 50 anos sobre o primeiro desembarque lunar [Apollo 11], propomos uma revisitação multifacetada da história da Lua através de filmes, canções & etc.

* FNAC, Chiado — hoje, 29 Junho (18h30).

sexta-feira, junho 28, 2019

Thom Yorke & Paul Thomas Anderson

Menos de um ano decorrido sobre a sua colaboração com Luca Guadagnino, assinando a banda sonora do filme Suspiria, Thom Yorke volta a associar-se a um cineasta: Paul Thomas Anderson dirigiu um especial de 15 minutos, produzido pela Netflix, para acompanhar o lançamento do novo álbum de Yorke, Anima (o terceiro a solo, depois de The Eraser e Tomorrow's Modern Boxes, respectivamente de 2006 e 2014). Registe-se, desde já, a magnífica fusão de uma musicalidade sempre devedora das electrónicas com um metódico espírito introspectivo — eis o tema Not the News e, em baixo, o trailer do filme de Anderson.



Livros e livrarias [citação]

>>> Benfiquista, e editor, confesso: adoro os pés de Félix, as mãos de Agustina e Lobo Antunes. Mas o livro, ao contrário do pé de Félix, já não marca golos. O livro está fora de jogo: mais um penalty e morre. Grito e não é golo: livros e livrarias são bichos em extinção. Alerta!

MANUEL S. FONSECA
"Pés pelas mãos"

Migrações, jornalismo e fotografia

Uma mãe e os seus filhos a norte de Palenque, estado de Chiapas, México
[FOTO: Marco Ugarte/AP]
Dar a ver o labirinto de dramas das migrações contemporâneas — eis uma via essencial, porventura uma missão, do trabalho jornalístico. Ao mesmo tempo, dar a ver pressupõe e, num certo sentido, impõe que tal tarefa possa desenvolver-se para lá da mera gestão de imagens "emblemáticas" (mesmo reconhecendo que tais imagens podem possuir um inestimável valor simbólico e político). Eis o exemplo modelar de um portfolio organizado pelo jornal The Boston Globe: 19 fotografias de muitas formas de sobrevivência e resistência.

À espera de um comboio em Salto del Agua, Chiapas, México
[FOTO: Marco Ugarte/AP]
Abrigo do Bom Pastor em Tapachula
[FOTO: Rebecca Blackwell/AP]

quinta-feira, junho 27, 2019

Madonna: "American Life", Parte 2

Mais um video para figurar em lugar de destaque na história de Madonna — e, em boa verdade, na história iconográfica dos EUA em tempos de Donald Trump. Com God Control, Madonna assina aquele é que, seguramente, o seu mais contundente panfleto político desde o teledisco de American Life (lançado em 2003). Neste, a América de George W. Bush surgia encenada como uma paisagem de delirante e irresponsável proliferação de muitas formas de violência, tudo envolvendo uma interrogação radical da própria identidade pessoal:

I'd like to express my extreme point-of-view
I'm not a Christian and I'm not a Jew
I'm just living out the American dream
And I just realized that nothing is what it seems

Agora, o tema duplica-se e transfigura-se, tanto mais que "A nossa nação mentiu/Perdemos respeito":

Everybody knows the damn truth
Our nation lied, we lost respect
When we wake up, what can we do?
Get the kids ready, take them to school
Everybody knows they don't have a chance
To get a decent job, to have a normal life

O efeito é tanto mais perturbante quanto o crescendo de violência que o teledisco sugere (em momentos que, perversamente, não deixam de recordar encenações festivas como a de Deeper and Deeper, em 1992) se apresenta tratado através de uma sequência de situações cronologicamente invertida, protagonizada pela própria Madonna. De acordo com uma regra de ouro da sua iconografia de obstinada Material Girl, ela duplica-se numa personagem que escreve a letra da própria canção, numa pontuação de crescente desencanto e desespero. Coincidência nada acidental: American Life e God Control foram ambos realizados por um velho aliado, o sueco Jonas Åkerlund.


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American Life existe em duas versões: a primeira, produzida antes do início da invasão do Iraque pela coligação liderada pelos EUA (20 Março 2003), surgiu já com essa invasão em marcha, de imediato suscitando acesas controvérsias. Poucos dias depois, a 1 de Abril, Madonna decidiu retirar o teledisco, divulgando uma declaração em que dizia, nomeadamente: "Decidi não difundir o meu video. Foi filmado antes da guerra começar e não creio que seja apropriado emiti-lo neste momento. Devido ao volátil estado do mundo, por manifestação de sensibilidade e respeito pelas forças armadas, que apoio e por quem rezo, não quero correr o risco de ofender quem quer que seja que possa interpretar erradamente o significado deste video."
A segunda montagem de American Life conserva a imagem introdutória de Madonna em uniforme militar, agora como "narradora" de todo o teledisco, apresentando como pano de fundo bandeiras de países de todo o mundo; começou a circular a 16 de Abril de 2003 — eis as duas versões.



quarta-feira, junho 26, 2019

Edith Scob (1937 - 2019)

Misteriosa e diáfana, senhora de presença inimitável, foi a actriz fetiche de Georges Franju: a francesa Edith Scob faleceu no dia 26 de Junho, em Paris — contava 81 anos.
Aos 22 anos, o protagonismo em Olhos sem Rosto (1960), de Franju, seria suficiente para lhe conferir uma dimensão lendária. Em boa verdade, na maior parte das cenas, o seu rosto surgia tapado por uma máscara, interpretando uma jovem desfigurada na sequência de um acidente — numa espécie de derivação perversa do mito de Frankenstein, o pai, um cirurgião plástico interpretado por Pierre Brasseur, recorria aos meios mais radicais para tentar reconstituir as suas feições.
Trabalharia mais cinco vezes sob a direcção de Franju, nomeadamente em O Pecado de Teresa (1962 e Judex, o Vingador (1963), de tal modo que passou os anos 60, período áureo da Nova Vaga, num universo artístico exterior às respectivas convulsões (o que, de alguma maneira, envolve o próprio Franju, ainda hoje um autor pouco divulgado).
Na sua filmografia, a quantidade de títulos televisivos acaba por ser dominante. Ainda assim, vimo-la em composições, por vezes discretas, mas não menos marcantes, em A Via Láctea (1969), de Luis Buñuel, O Verão Assassino (1983), de Jean Becker, Os Amantes da Ponte Nova (1991), de Leos Carax, Casa de Lava (1994), de Pedro Costa, O Tempo Reencontrado (1999), de Raul Ruiz, Tempos de Verão (2008), de Olivier Assayas, e Holy Motors (2012), de novo sob a direcção de Carax, numa personagem que evocava o seu papel em Olhos sem Rosto. Com uma trajectória igualmente importante no teatro, fundou, em 1976, com o marido, o compositor Georges Aperghis, o ATEM (Atelier de teatro e música) de Bagnolet, arredores de Paris.

>>> Trailers de Olhos sem Rosto e Holy Motors.




>>> Obituário no Libération.

Ser ou não ser Pavarotti

Depois dos Beatles, o cineasta americano Ron Howard volta a interessar-se por uma figura lendária da música: o seu retrato do tenor italiano Luciano Pavarotti cruza os sucessos internacionais com as singularidades do espaço familiar — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Junho).

A 12 de Setembro de 1995, Luciano Pavarotti (1935-2007) promoveu um concerto de beneficência (da série “Pavarotti & Friends”), na sua cidade natal, Modena. Objectivo central: a angariação de fundos para as crianças da Bósnia, vítimas da guerra (recorde-se que os acordos de paz só seriam assinados cerca de três meses mais tarde). Acontecimento central nesse evento foi a canção Miss Sarajevo, interpretada pelo tenor italiano na companhia de dois elementos dos U2, Bono e The Edge, e ainda o produtor Brian Eno.


A canção transformou-se num verdadeiro fenómeno global, além do mais ilustrando a capacidade de Pavarotti cruzar a arte da ópera com as componentes do pop rock. O certo é que a sua gestação não foi fácil, com Bono a receber sucessivos telefonemas de “intimação” de Pavarotti, “exigindo-lhe” que compusesse algo que pudessem cantar juntos... Mais do que isso, através desses telefonemas, Pavarotti foi estabelecendo uma relação de cumplicidade com a governanta de Bono (também de origem italiana), a ponto de conseguir que ela o fosse pressionando no dia a dia no sentido de não se esquecer da canção que tinha “prometido” ao Signore Pavarotti...
A história está contada pelo próprio Bono no documentário de Ron Howard, intitulado apenas Pavarotti, um exemplo feliz do modo como o cinema pode ser um instrumento de (re)descoberta de uma figura universalmente conhecida e celebrada. Claro que revisitamos o espectacular sucesso dos “Três Tenores” (Pavarotti com os seus amigos Plácico Domingo e José Carreras), mas tão só como um capítulo de uma trajectória pessoal e artística que está longe de se reduzir às imagens mais fortes do marketing.


Dir-se-ia que Howard relança, aqui, a estratégia que já dera origem ao magnífico The Beatles: Eight Days a Week (2016), dedicado às performances ao vivo dos quatro de Liverpool e, em particular, ao seu impacto nos EUA. Os muitos e fascinantes materiais de arquivo, incluindo documentos da mais pura intimidade familiar, não são acumulados como meras “curiosidades” biográficas. Em boa verdade, trata-se de perguntar qual a identidade de alguém consagrado em palcos de todo o mundo, ao mesmo tempo vivendo uma existência em que o rigor obsessivo da preparação se cruzou sempre com as convulsões do amor e da paixão. Sem esquecer o pormenor do amuleto (um prego dobrado) que sempre acompanhou Pavarotti...
Assim se confirma também que passou a haver uma multifacetada área documental que, felizmente, conquistou um lugar seguro nas dinâmicas do mercado cinematográfico: Pavarotti é um filme, afinal, sobre alguém que, através do canto, nunca desistiu de enfrentar os enigmas do seu próprio ser.

"Meninos" de Nápoles

O escritor Roberto Saviano volta a servir de inspiração à produção cinematográfica do seu país: Piranhas – Os Meninos da Camorra retrata o submundo do crime em Nápoles, revalorizando a tradição realista do cinema italiano — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Junho).

O que de mais interessante acontece no mercado cinematográfico nem sempre está visível nos cartazes das nossas ruas ou nos spots promocionais que passam nas televisões. Um bom exemplo poderá ser um “pequeno” filme vindo de Itália que nos garante que o desejo de realismo continua vivo na pátria de Roberto Rossellini e Luchino Visconti: chama-se Piranhas – Os Meninos da Camorra e adapta um romance de Roberto Saviano (disponível entre nós como Os Meninos da Camorra, ed. Alfaguara, 2018).
A evocação de Gomorra (2008), de Matteo Garrone, é inevitável. Porque na sua origem está um outro livro de Saviano, mas também porque o pano de fundo é semelhante: tudo acontece em zonas degradadas de Nápoles, marcadas pela ordem imposta por famílias criminosas e, muitas vezes, por formas radicais de manipulação, agressão e violência.
Com uma diferença que está longe de ser secundária. Desta vez, as personagens centrais não são os líderes das famílias, mas sim os “meninos” que o título refere, adolescentes que se comportam como crianças à procura do divertimento mais interessante (alguns são mesmo crianças). Enredados no labirinto de um mundo em que as trocas e os favores, tanto quanto a fidelidade ou a traição, se medem pelo poder das armas, protagonizam um drama que se vai transfigurar em tragédia: para eles, a marginalização só pode ser superada através do aniquilamento do inimigo.
Claudio Giovannesi (41 anos, natural de Roma) realiza Piranhas – Os Meninos da Camorra com um misto de precisão e secura, evitando as possíveis facilidades de uma tese “sociológica” ou o peso redundante de qualquer fábula “moralizante”. A pulsão realista decorre, neste caso, de uma atenção obsessiva a todos os detalhes do quotidiano.
No limite, a encenação do grupo liderado por Nicola (Francesco Di Napoli, excelente actor) envolve o reconhecimento de que, na mente dos protagonistas, a escalada de violência se apresenta como uma alternativa “natural”. Para além do paralelismo com o trabalho de Garrone, Piranhas – Os Meninos da Camorra pode ser aproximado do universo de outros cineastas italianos contemporâneos como Mario Martone (Vítima e Carrasco, 1995, adaptado de Elena Ferrante) ou Daniele Luchetti (A Nossa Vida, 2010). Para todos eles, o realismo é também essa arte de enfrentar a perturbante complexidade do mundo à nossa volta.

terça-feira, junho 25, 2019

Trump, Buzz Lightyear & etc.

Joe Biden? Bernie Sanders? Elizabeth Warren? Quando o Libération pergunta quem poderá "vencer Trump", dir-se-ia que todas as hipóteses parecem... sequelas — tal como, aliás, o próprio Donald Trump que se foi transformando numa interminável sequela mediática da sua mitologia, dispensando mesmo qualquer verosimilhança narrativa. Neste contexto, Buzz Lightyear, reencontrado em Toy Story 4, pode mesmo surgir como alternativa. A caricatura é feliz, embora talvez arraste consigo a mais infeliz das constatações. A saber: quem voar mais alto no seu delírio paranóide já está a fazer política — to infinity and beyond!

segunda-feira, junho 24, 2019

Rolling Stones em Chicago

O regresso à normalidade — eis uma frase tele-radiofónica que costuma servir, por exemplo, para esclarecer que os adeptos de duas claques futebolísticas pararam com actos mais violentos e estão apenas a insultar-se... Não será bem a mesma coisa, mas está tudo normal com os Rolling Stones. Que é como quem diz: depois dos problemas cardíacos de Mick Jagger, a banda regressou aos concertos da digressão 'No Filter', apresentando-se no dia 21 no Soldier Field, em Chicago — a avaliar por este video oficial, valeu a pena.


>>> Crónica de Jeff Johnson no Chicago Sun-Times.

domingo, junho 23, 2019

30 anos de Batman

Foi a 23 de Junho de 1989 que Batman, de Tim Burton, teve a sua estreia oficial nos ecrãs dos EUA — faz hoje 30 anos.
Não era a primeira derivação cinematográfica do Homem-Morcego — para além de alguns "serials" de finais dos anos 40, existia um Batman, lançado em 1966, retomando o modelo da série televisiva do começo da década de 60, protagonizada por Adam West e Burt Ward (respectivamente como Batman e Robin). Em qualquer caso, o filme de Burton ficou como um momento decisivo na idade moderna dos super-heróis em cinema, por assim dizer sistematizando as hipóteses de espectáculo abertas pelo Superman (1978), de Richard Donner, com Christopher Reeve no papel central.
Três décadas depois, o mínimo que se pode dizer é que a síndrome Marvel mudou por completo a paisagem do género, quase sempre impondo uma lógica tecnicista em que a ostentação dos efeitos especiais banaliza as singularidades das personagens e, em última instância, menospreza os actores.
Devido a vários problemas conceptuais, em particular nos modos de utilização da música, o próprio Burton nunca se mostrou muito satisfeito com o filme que realizou. Uma coisa é certa: este é uma genuína narrativa de personagens em que o trabalho específico dos seus intérpretes desempenha uma função insubstituível — repare-se, aliás, no pormenor sintomático e delicioso de Jack Nicholson (Joker), então em momento alto de popularidade, ter a primazia nos cartazes, surgindo Michael Keaton, o "actor-herói", em segundo lugar.
Eis o trailer original e Batdance, uma das canções de Prince para a banda sonora.



Ed Sheeran ou a prisão virtual

Cross Me é uma canção do inglês Ed Sheeran que irá integrar o seu quarto álbum de estúdio, No.6 Collaborations Project (lançamento a 12 Julho). O respectivo teledisco, assinado pelo americano Ryan Staake, constitui um esclarecedor exemplo, de uma só vez fascinante e frustrante, de uma cultura de redundante apropriação formal, hoje em dia dominante, que tem em Sheeran um dos seus símbolos mais reveladores.
Por um lado, esta é uma música festiva, nascida da síntese intelectual de "todas" as referências disponíveis em décadas de pop rock, quase sempre fundidas (e simplificadas) através de mecanismos de rap; por outro lado, o seu cruzamento com os mais modernos e sofisticados recursos tecnológicos participa ainda do mesmo impulso festivo, mas acontece através de um metódico esvaziamento temático que, ironicamente ou não, já se libertou até das mais angustiadas perversões niilistas.
Observe-se o surpreendente labor de Staake. Mais do que explorar, uma vez mais, as possibilidades da figuração virtual, o teledisco encena a sua própria produção, de acordo com uma lógica que conhecemos bem desde a modernidade cinematográfica, especialmente através dos mecanismos brechtianos retomados por vários autores das novas vagas (exemplo possível: Uma Mulher É uma Mulher, realizado por Jean-Luc Godard em 1961).
Ao mesmo tempo, semelhante labor decorre apenas da consciência (?) da duplicidade que se coloca em cena — é essa, aliás, a "moral" da sequência final, com a intérprete assombrada pelas imagens do próprio Sheeran. Estranhamente, todo esse dispositivo inverte a noção corrente segundo a qual os aparatos virtuais correspondem — e, de alguma maneira, induzem — uma radiosa liberdade criativa. Em boa verdade, Cross Me parece esgotar-se na descrição de um sistema de aprisionamento técnico e formal em que, porventura de modo incauto, os criadores se encerraram.

sexta-feira, junho 21, 2019

Onde estão os espectadores de cinema?

Vasco Santana e Beatriz Costa
A CANÇÃO DE LISBOA (1933)
Os números oficiais do mercado cinematográfico apontam para uma realidade dramática: a base tradicional de espectadores está em decomposição. Neste contexto, o cinema português é uma parte importante, mas que não pode ser desligada do todo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Junho).

Segundo os números oficiais do Instituto do Cinema e do Audiovisual, no primeiro fim de semana de exibição (6/9 Junho), o filme X-Men: Fénix Negra foi visto por 32.714 espectadores. No mesmo período, Foxtrot, de Samuel Maoz, estreado na mesma data, atraiu 307 espectadores.
Panorama contraditório: um “blockbuster” rotineiro face a Foxtrot, retrato das nuances da identidade israelita que me parece um dos três ou quatro melhores filmes este ano lançados entre nós. Mas não se trata, aqui, de especular sobre o “gosto” (questão cuja complexidade educacional e política não cabe nestas linhas). Acontece que, na sociedade portuguesa, se instalou a noção pueril segundo a qual as estatísticas nos dão a conhecer as “opções” de fundo dos espectadores de cinema.
Vale a pena um simples exercício aritmético. Assim, X-Men esteve em 78 ecrãs, num total de 1230 sessões — quer isto dizer que conseguiu uma média de 26 espectadores por sessão. Foxtrot estreou-se numa única sala e teve 12 sessões — resultado: 25 espectadores por sessão. Conclusão linear: em termos proporcionais, os dois filmes tiveram um comportamento comercial idêntico.
Os mais poderosos discursos económicos reduzem a cultura cinematográfica à identificação das “escolhas” dos espectadores: onde os números forem mais elevados, aí está o “segredo” do mercado! Seria curioso exibir X-Men num único ecrã e lançar Foxtrot em 78 salas... E depois refazer as contas.
Ironizo, sim, ma non troppo. Resisto a números deslocados de qualquer contexto, ignorando a história cultural e comercial (é a mesma coisa) do cinema em Portugal. Partamos de uma evidência crua: para o desejável bom funcionamento do mercado cinematográfico, os números de X-Men e Foxtrot são fraquíssimos.
Resisto também a qualquer reflexão que pretenda encontrar soluções parcelares. Que soluções? Por exemplo, procurando a “recuperação” de espectadores para os filmes portugueses. Não discuto a boa fé de quem procura tais soluções, mas duvido da respectiva pertinência. A nossa incapacidade para, pelo menos, identificar o que está em jogo tem antecedentes muito antigos, a começar pela ilusão de que houve um período paradisíaco de sucesso do cinema português, marcado pelas “tradicionais” comédias com Vasco Santana, Beatriz Costa e António Silva.
Num livro intitulado O Cinema Português Nunca Existiu (ed. CTT), João Bénard da Costa escalpelizou tal equívoco, recordando que a chamada “idade de ouro” do cinema português (1931-54), “quando os filmes portugueses seriam a árvore das patacas”, não passa de um logro. “Nada mais falso”, escreve ele, analisando em particular a falência das Produções Lopes Ribeiro, lançadas com O Pai Tirano (1941). O livro foi editado em 1996, Bénard da Costa é por todos reconhecido como um pensador nuclear na história do cinema em Portugal, mas a simples inventariação de dados objectivos continua a ser substituída por um utopismo fácil, sem pensamento.
Aos números citados, podemos contrapor exemplos pontuais de performances comerciais de excepção (incluindo de algumas produções portuguesas). Mas nada disso nos garante uma resposta operativa à angústia central: onde estão, para onde vão, os espectadores de cinema?
O frágil mercado português vive, e vive mal, através dos modelos dominantes do comércio americano (o que, entenda-se, não exclui a celebração da excelência de muitas zonas do cinema dos EUA). Um sintoma drástico de tal processo é o desmantelamento da rede de salas tradicionais e o triunfo de uma cultura de multiplexes em que a relação de cada espectador com cada filme já (quase) nada tem a ver com qualquer valor cinéfilo.
Resta saber se, na nossa minúscula escala, podemos e sabemos sobreviver enredados no risco de implosão em que Hollywood passou a existir, promovendo os “blockbusters” a matriz compulsiva de produção, promoção e difusão. E quando escrevo a palavra “implosão” não a utilizo em função de qualquer especificidade crítica. A possibilidade de, a prazo, Hollywood entrar num processo de decomposição estrutural foi tema de uma conversa promovida pela Escola de Cinema da Universidade da Califórnia, já lá vão seis anos (12 de Junho de 2013). Não creio que a actual conjuntura internacional desminta essa possibilidade. Em qualquer caso, registe-se que quem lançou o alerta se chama Steven Spielberg.

A IMAGEM: Alas & Piggott, 2019

MERT ALAS & MARCUS PIGGOTT
Kate Moss
Armani (Outono/Inverno, 2019)

quinta-feira, junho 20, 2019

Na solidão de Sharon Van Etten

Mais um teledisco do álbum Remind Me Tomorrow: Sharon Van Etten expõe, agora, o labor requerido pelo impulso amoroso, num teledisco em que a solidão criativa se diz através da austeridade da arquitectura — é, além do mais, um dos grandes discos de 2019.

Yes there were japes recalling the years of lost paths
As you open the door and told me how you love me so much
The resistence to feelings was something that you've put down before
But keep quiet of it, as you could not face it anymore

Too much has changed, I can't let you walk in in the night
I wish away my love, leave with the dawn
Acting as if all the pain in the world was my fault
Leave me here, my love, don't say goodbye

No one's easy to love
Don't look back, my dear, don't be surprised
No one's easy to love
Don't look back, my dear, just say you tried

There was a question you asked: is your father a man?
No, but I think you should do ask of yourself the same
What is the difference between now and then I'm not sure
Prove me wrong, my dear, don't say I lied

No one's easy to love
[...]

quarta-feira, junho 19, 2019

"West Side Story", 2020

Um cartaz meramente indicativo e uma foto de rodagem — faltam 18 meses para a chegada do novo West Side Story, assinado por Steven Spielberg (em baixo, o trailer do original, uma produção de 1961 realizada por Jerome Robbins e Robert Wise).


terça-feira, junho 18, 2019

Orson Welles ou a arte de desenhar

O autor de O Mundo a Seus Pés deixou um legado impressionante de desenhos e pinturas. O crítico irlandês Mark Cousins teve acesso ao seu espólio, com ele construindo um fascinante retrato que é também um belíssimo exercício cinéfilo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Junho).

Que bom saber que (ainda) há quem cultive um gosto do cinema que não cedeu à vertigem do marketing e, em particular, não esquece que os filmes têm uma história longa, complexa e fascinante. O crítico irlandês Mark Cousins, por exemplo, é um protagonista desse gosto, continuando o seu paciente trabalho de revisitação de filmes e cineastas. Assim acontece no magnífico Os Olhos de Orson Welles (que foi, em 2018, um dos grandes acontecimentos da secção de Clássicos do Festival de Cannes).
Orson Welles
É provável que o leitor conheça a monumental História do Cinema: Uma Odisseia, obra de cerca de 15 horas em que Cousins retraça a evolução da criação cinematográfica, do período mudo às mais recentes convulsões tecnológicas (entre nós disponível em DVD, ed. Midas). Os Olhos de Orson Welles aplica uma estratégia semelhante. Trata-se de revisitar os marcos emblemáticos de um determinado universo — afinal de contas, Welles é autor de clássicos como O Mundo a Seus Pés (1941), A Sede do Mal (1958) ou O Processo (1962) —, ao mesmo tempo mostrando e demonstrando que, num certo sentido, continua tudo por descobrir.
Acontece que, graças à colaboração de Beatrice Welles, filha do cineasta, Cousins teve acesso a uma colecção imensa de desenhos e pinturas que Welles foi produzindo ao longo da sua vida profissional e, em boa verdade, privada. Do simples esboço a lápis aos tratamentos mais elaborados, Welles não só “antecipou” personagens, guarda-roupa e cenários dos seus filmes como foi criando imagens resultantes da observação dos lugares por onde passava e até mesmo dos espectáculos a que assistia.
O resultado é um belíssimo exercício cinéfilo. Dir-se-ia um documentário capaz de integrar as nuances de um ensaio crítico e as perplexidades de uma demanda filosófica. Isto porque, além do mais, Cousins organiza Os Olhos de Orson Welles, não como uma “descrição”, antes em forma de carta dirigida... ao próprio Welles: “Será que os teus esboços, caro Orson, revelam o teu inconsciente?”

segunda-feira, junho 17, 2019

"O nosso planeta que se afunda"

Um pouco por toda a parte, as convulsões do clima estão mesmo a provocar a "subida dos mares", a obrigar à "fuga de habitantes", enfim, a contribuir para o "desaparecimento de povoações". Mas a fotografia do Secretário-Geral das Nações Unidas não se esgota na sua espantosa vibração simbólica. Acontece que a imagem de António Guterres, assinada por Christopher Gregory, possui um efeito realista suplementar: foi obtida na costa de Tuvalu, pequeno país da Polinésia, a sentir de forma dramática a alteração dos mais primitivos equilíbrios ecológicos.
Como escreve o jornalista da Time, Justin Worland, "Guterres está a trabalhar no sentido de posicionar as pequenas nações-ilhas não apenas no centro político do debate, mas também como o seu centro moral" — eis uma urgência que, como se prova, o melhor jornalismo sabe assumir no interior do seu trabalho específico.

Sailosi Ramatu (à direita), administrador da povoação de Vunidogoloa,
e o seu filho Simi Botu naquilo que resta da sua antiga casa
[FOTO: Christopher Gregory]

Liceu de "Twin Peaks" vai ser demolido

A notícia foi avançada pelo site da revista Dazed: o liceu da série Twin Peaks (1990-91), criada por David Lynch e Mark Frost, vai ser demolido. O verdadeiro liceu, Mt. Si High School, situado em Snoqualmie, Washington, encerrou no dia 14 de Junho, estando a sua demolição agendada para 5 de Julho.
É bem certo que as lendas não morrem, apenas se vão volatilizando na memória colectiva, atraindo as cicatrizes da mitologia: o desaparecimento do edifício amplia o estado de assombramento em que o liceu nos surgia através das imagens (e sons!) de Lynch — eis a cena em que todos pressentimos que algo estava errado com Laura Palmer.

"Madame X" na FNAC

O nosso SOUND + VISION Magazine de sábado, 15 de Junho, na FNAC Chiado, deu a ver uma série de registos visuais e sonoros habitados por muitas formas musicais — tratou-se de dar a conhecer o novo Madame X, de Madonna, ao mesmo tempo cruzando a nova obra com imagens e sons do passado.
Eis três dos videos que partihamos com os presentes, cuja presença agradecemos, lembrando que a nossa próxima sessão tem lugar no dia 29 de Junho, assinalando — através de filmes, canções e livros — o próximo 50º aniversário da chegada do homem à Lua.

>>> Naïve Song (2000), de Mirwais (produtor em Madame X).


>>> Trailer de W. E. (2001), realização de Madonna.


>>> Die Another Day, canção-tema do filme de James Bond lançado em 2002.

Franco Zeffirelli (1923 - 2019)

Lendário encenador de óperas, foi também uma figura popular como realizador de cinema: o italiano Franco Zeffirelli faleceu em sua casa, em Roma, no dia 15 de Junho — contava 96 anos.
Quando o seu filme A Fera Amansada (1967), com Elizabeth Taylor e Richard Burton, se transformou num sucesso internacional, Zeffirelli era já um nome consolidado no domínio da ópera, em particular através das colaborações com Maria Callas, incluindo uma encenação da Tosca, de Puccini, na Royal Opera House de Londres, em 1964. O sucesso repetir-se-ia com Romeu e Julieta (1968), de algum modo contribuindo para a sua definição como cineasta "shakespeareano". Em qualquer caso, com O Campeão (1979), outro dos seus filmes de maior impacto, experimentou um registo bem diferente, encenando a vida atribulada de um pugilista interpretado por Jon Voight (tratava-se um remake de um clássico de King Vidor, datado de 1931). Em televisão, distinguiu-se, em particular, através da mini-série Jesus de Nazaré (1977).
Romeu e Julieta valeu-lhe uma nomeação para o Oscar de realização. Voltaria a ser nomeado, mas na categoria de cenografia, com La Traviata (1982), segundo Verdi, com Teresa Stratas e Plácido Domingo, título exemplar de um período em o "filme-ópera" foi também um importante fenómeno comercial. Em 2002, o seu reconhecimento em Itália traduziu-se na atribuição de um prémio honorário David di Donatello. Dois anos mais tarde, recebeu o título de Cavaleiro Honorário do Reino Unido.

>>> Trailer de Romeu e Julieta.


>>> Obituário no New York Times.

sábado, junho 15, 2019

Joy Division — 40 anos de memórias

Unknown Pleasures, o primeiro álbum dos Joy Division, peça central na história e no imaginário do post-punk, foi lançado a 15 de Junho de 1979 — faz hoje 40 anos. Para assinalar a efeméride, está a ser produzida uma série de telediscos, Unknown Pleasures: Reimagined, cada um deles para uma das dez faixas do álbum. I Remember Nothing já tem a sua "ilustração", com assinatura de Helgi & Hörður — sem direito a incorporação, está disponível no YouTube. Aqui ficam as palavras e o som original.

We were strangers.
We were strangers, for way too long, for way too long,
We were strangers, for way too long.
Violent, violent,
Were strangers.

Get weak all the time, may just pass the time,
Me in my own world, and you there beside,
The gaps are enormous, we stare from each side,
We were strangers for way too long.

Violent, more violent, his hand cracks the chair,
Moves on reaction, then slumps in despair,
Trapped in a cage and surrendered to soon,
Me in my own world, the one that you knew,
For way too long.
We were strangers for way too long.
We were strangers,
We were strangers for way too long,
For way too long.

"Bleach", Nirvana, faz 30 anos

Melvins/Six Songs, dos Melvins, tinha surgido em 1986. Dry as a Bone, dos Green River, um ano mais tarde. E ainda um ano mais tarde os Soundgarden lançaram Ultramega OK. O grunge assombrava a paisagem do rock, muitas vezes com chancela da editora Sub Pop, refazendo as angústias do punk em exercícios de reencenação barroca — mas como poderia a palavra "barroca" bastar para a perturbação que circulava?
Em qualquer caso, seria com Bleach, dos Nirvana, que o movimento adquiriu uma bandeira, relutante, é certo, mas de inigualável energia e desarmante sofisticação: o primeiro álbum da banda de Kurt Cobain (guitarra, voz), Krist Novoselic (baixo) e Chad Channing (bateria) surgiu no dia 15 de Junho de 1989 — faz hoje 30 anos.
Ei-los interpretando Love Buzz, no Paramount Theatre de Seattle, a 31 de Outubro de 1991 — incluída no alinhamento de Bleach, a canção é um original dos holandeses Schocking Blue, com data de 1969; foi também o primeiro single dos Nirvana, lançado em Novembro de 1988.

Madonna, "Madame X"
— SOUND + VISION Magazine [ hoje ]


Madonna está de volta com Madame X, o seu 14º álbum de estúdio, gerado em Lisboa — assinalamos a nova edição, revisitando outras personagens e momentos emblemáticos da carreira da Material Girl.

* FNAC, Chiado — hoje, 15 Junho (18h30)

sexta-feira, junho 14, 2019

O frio em grande ecrã

Numa temporada Primavera/Verão dominada pelas promoções de super-heróis, Ártico é uma pequena grande descoberta: a saga de um homem perdido na imensidão do gelo resultou de uma coprodução Islândia/EUA — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 Junho).

A par da estreia de mais um título rotineiro da saga dos super-heróis da “franchise” X-Men, a verdadeira emoção cinematográfica está onde menos esperaríamos encontrá-la: Ártico, sobre a odisseia de um homem perdido em paisagens geladas, consegue a proeza simples, mas contagiante, de nos reconciliar com o clássico espírito de aventura.
De facto, a câmara do realizador Joe Penna dá-se bem com o frio que ameaça a personagem interpretada pelo dinamarquês Mads Mikkelsen. Penna é um brasileiro, aqui a estrear-se na longa-metragem, depois de se ter tornado conhecido através do seu canal do YouTube (‘Mystery Guitar Man’). Mikkelsen, dinamarquês, ganhou fama internacional a partir da sua participação em 007: Casino Royale (2006), tendo sido distinguido com o prémio de melhor actor, em Cannes, com A Caça (2012), de Thomas Vinterberg. Enfim, Ártico, rodado em paisagens islandesas, resulta de uma coprodução Islândia/EUA.
A história da produção dos filmes ensina-nos que estes cruzamentos de nacionalidades nem sempre geram objectos consistentes: por vezes, a coesão artística é sacrificada para satisfazer apenas as regras dos contratos financeiros. Assim não acontece em Ártico, sobretudo porque Penna tem o bom senso de não sobrecarregar o filme com grandes derivações “simbólicas”. O essencial joga-se, aqui, através da relação da personagem com a paisagem gelada — dir-se-ia que a paisagem é mesmo a personagem central — e, a partir de certa altura, com o facto de o herói ter por companhia uma mulher gravemente ferida (Maria Thelma Smáradóttir).
Acompanhamos a saga do protagonista um pouco como quem segue uma reportagem sobre um exercício de sobrevivência em que todos os gestos contam — da preservação dos escassos alimentos até ao cuidado com que se coloca um pé na ponta de uma rocha que o gelo não cobriu. Enfim, em tempos de novo riquismo tecnológico, incluindo a “santificação” de produções que não sabem utilizar o gigantismo das salas IMAX em que são projectados, Ártico é, afinal, um filme que sabe fazer justiça às potencialidades do grande ecrã.