Numa temporada Primavera/Verão dominada pelas promoções de super-heróis, Ártico é uma pequena grande descoberta: a saga de um homem perdido na imensidão do gelo resultou de uma coprodução Islândia/EUA — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 Junho).
A par da estreia de mais um título rotineiro da saga dos super-heróis da “franchise” X-Men, a verdadeira emoção cinematográfica está onde menos esperaríamos encontrá-la: Ártico, sobre a odisseia de um homem perdido em paisagens geladas, consegue a proeza simples, mas contagiante, de nos reconciliar com o clássico espírito de aventura.
De facto, a câmara do realizador Joe Penna dá-se bem com o frio que ameaça a personagem interpretada pelo dinamarquês Mads Mikkelsen. Penna é um brasileiro, aqui a estrear-se na longa-metragem, depois de se ter tornado conhecido através do seu canal do YouTube (‘Mystery Guitar Man’). Mikkelsen, dinamarquês, ganhou fama internacional a partir da sua participação em 007: Casino Royale (2006), tendo sido distinguido com o prémio de melhor actor, em Cannes, com A Caça (2012), de Thomas Vinterberg. Enfim, Ártico, rodado em paisagens islandesas, resulta de uma coprodução Islândia/EUA.
A história da produção dos filmes ensina-nos que estes cruzamentos de nacionalidades nem sempre geram objectos consistentes: por vezes, a coesão artística é sacrificada para satisfazer apenas as regras dos contratos financeiros. Assim não acontece em Ártico, sobretudo porque Penna tem o bom senso de não sobrecarregar o filme com grandes derivações “simbólicas”. O essencial joga-se, aqui, através da relação da personagem com a paisagem gelada — dir-se-ia que a paisagem é mesmo a personagem central — e, a partir de certa altura, com o facto de o herói ter por companhia uma mulher gravemente ferida (Maria Thelma Smáradóttir).
Acompanhamos a saga do protagonista um pouco como quem segue uma reportagem sobre um exercício de sobrevivência em que todos os gestos contam — da preservação dos escassos alimentos até ao cuidado com que se coloca um pé na ponta de uma rocha que o gelo não cobriu. Enfim, em tempos de novo riquismo tecnológico, incluindo a “santificação” de produções que não sabem utilizar o gigantismo das salas IMAX em que são projectados, Ártico é, afinal, um filme que sabe fazer justiça às potencialidades do grande ecrã.