quinta-feira, maio 30, 2019

Sleater-Kinney + Clark + July

The Center Won’t Hold: assim se vai chamar o novo álbum das Sleater-Kinney. Com um detalhe que não será secundário: a produção tem assinatura de Annie Clark (= St. Vincent). Em formato de "lyric-smartphone-video", aqui está o primeiro tema divulgado: Hurry on Home, dirigido pela muito ausente, sempre aguardada, Miranda July.

quarta-feira, maio 29, 2019

A IMAGEM: Umit Savaci, 2019

UMIT SAVACI
Lorna Foran [The Sunday Times Style Magazine UK]
2019

CANNES 2019 [18H]

JL
Junto à entrada da sala Debussy, uma personagem de smoking dá a conhecer o seu projecto cinéfilo: conseguir um convite para a sessão das 18h00 do filme de Quentin Tarantino. Além do smoking, identificação (de jornalista?) ao pescoço, fragmento de embalagem de cartão transformado em painel individual. Não é o folclore de Cannes — apenas o seu natural.

Mavis Staples, opus 14

A capa de We Get By, 14º álbum de estúdio de Mavis Staples, faz-se com uma fotografia de Gordon Parks (realizador do primeiro Shaft, em 1971). Intitulada 'Outside Looking In' [à letra: 'Olhando de fora para dentro'], pertence a "The Restraints: Open and Hidden", portfolio publicado na revista Life, em 1956, visando mostrar aos respectivos leitores, predominantemente brancos, as formas de existência da população negra.
Para Mavis Staples, trata-se de convocar as memórias iconográficas e musicais da música afro-americana, propondo um conjunto de canções cuja urgência emocional não pode ser desligada das convulsões da América dos nossos dias. Todos os temas forma escritos por Ben Harper, também produtor do álbum — eis Staples e Harper no tema-título.

terça-feira, maio 28, 2019

David Crosby, aqui e agora

Nome e idade: David Crosby, 77 anos. Lendário membro de The Byrds, Crosby, Stills & Nash e Crosby, Stills, Nash & Young. Além, claro, de uma fundamental carreira em nome próprio. David Crosby: Remember My Name é o título de um novo documentário sobre a música, a vida atribulada e sempre a música de Crosby — com realização de A. J. Eaton e produção de Cameron Crowe. Esperando que o filme possa encontrar alguma via portuguesa de difusão, aqui fica o trailer; em baixo, uma performance ao vivo de Woodstock, canção de Joni Mitchell incluída em Here If You Listen (2018), o mais recente álbum de Crosby.



San Fermin ao vivo em São Francisco

San Fermin, a banda de Brooklyn dirigida pelo multifacetado e feliz experimentador que se chama Ellis Ludwig-Leone, está de volta com um registo ao vivo: Live at the Fillmore (gravado em São Francisco, a 23 de Fevereiro de 2018) é uma magnífica ilustração de uma lógica criativa capaz de integrar, depurar e recriar influências que começam na pop, atravessam a liberdade do jazz e tende para uma celebração sinfónica — eis os temas Belong e Dead; em baixo, o documentário No Promises, disponibilizado na Net pelos San Fermin. 





segunda-feira, maio 27, 2019

CANNES 2019 [Suleiman]

O novo filme do cineasta palestiniano Elia Suleiman, It Must Be Heaven, é, de uma só vez, o mais cristalino dos objectos e o mais difícil de descrever. Porquê? Porque a sua linearidade — Suleiman encena-se a si próprio como um realizador que tenta concretizar um projecto sobre o seu país — nos envolve através de uma narrativa desconcertante em que tanto pode caber a alegria burlesca como a parábola política. Apetece dizer (para usarmos as palavras do protagonista de um outro exílio, o iraniano Jafar Panahi) que "isto não é um país". Ou ainda: trata-se de filmar a energia simbólica de um não-lugar através do insólito poder de reprodução dos meios cinematográficos — ou como a ideia de um país é também uma arte narrativa. Infelizmente, creio que o júri presidido por Alejandro González Iñárritu se equivocou ao atribuir a It Must Be Heaven uma "menção especial". Porquê? Porque inventar, literalmente, uma distinção que o palmarés não prevê (aliás, favorecendo uma lógica pueril de "diversificação" que o próprio festival há muitos anos tenta contrariar) é o mesmo que dizer que só é possível reconhecer o objecto em causa através de um não-prémio.

CANNES 2019 — Coreia do Sul & etc.

É uma estreia: a primeira Palma de Ouro do Festival de Cannes para a Coreia do Sul pertence a Parasite, de Bong Joon Ho. O júri presidido por Alejandro González Iñárritu deixou de fora os filmes de Quentin Tarantino e Terrence Malick — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Maio).

Com o filme Parasite, a Coreia do Sul estreou-se a vencer o Festival de Cannes. Para a história da 72ª edição do Festival de Cannes, o júri presidido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu talvez possa ser definido como um colectivo que tentou concretizar a quadratura do círculo — as suas escolhas são, em última instância, um reflexo das muitas diferenças que habitam a produção contemporânea.
Assim, a distinção máxima para o coreano Parasite, de Bong Joon Ho, consagrou um dos objectos mais originais que o certame apresentou: uma comédia social sobre uma família que, de modo inesperado e perturbante, se vai transfigurando em conto apocalíptico, pleno de ressonâncias simbólicas. Ao mesmo tempo, é bem provável que, daqui a algumas décadas, os estudiosos do cinema se perguntem o que aconteceu para que as proezas de Quentin Tarantino (Era uma Vez... em Hollywood) e Terrence Malick (A Hidden Life) tivessem ficado fora do palmarés.
A “invenção” de prémios que não estão previstos no quadro tradicional do palmarés é sempre sintomática de alguma indefinição, porventura algum mal estar. Daí o insólito da “menção especial” para It Must Be Heaven, de Elia Suleiman. Voltando a encenar a sua condição de palestiniano como uma espécie de exílio interior, para mais através de uma alegria profundamente burlesca, Suleiman assinou um dos títulos mais ricos e sugestivos do festival. Do meu ponto de vista, face a esta “compensação”, não havendo consenso para lhe atribuir um dos prémios principais, teria sido mais razoável deixá-lo fora do palmarés.
A distinção mais consensual terá sido a de Antonio Banderas, como melhor actor, pela sua magnífica interpretação em Dolor y Gloria, de Pedro Almodóvar. O mesmo não se poderá dizer do prémio de melhor actriz para Emily Beecham, em Little Joe, de Jessica Hausner: uma performance segura e competente, sem dúvida, mas que deixou de fora trabalhos incomparavelmente mais complexos, incluindo os de Valerie Pachner (A Hidden Life) ou Noémie Merlant e Adèle Haenel (ambas em Portrait de la Jeune Fille en Fleur).
Enfim, sublinhe-se o regresso de Luc e Jean-Pierre Dardenne ao palmarés, desta vez com o prémio de realização pelo seu admirável Le Jeune Ahmed, retrato íntimo de um jovem manipulado pelas ilusões do fundamentalismo religioso (recorde-se que os irmãos Dardenne já receberam várias distinções em Cannes, incluindo duas Palmas de Ouro).
Para a história, registe-se também a presença brasileira no palmarés com Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, título que recebeu o Prémio do Júri (ex-aequo com o francês Os Miseráveis, de Ladj Ly). Tendo em conta que outro título brasileiro, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, já arrebatara o prémio principal da secção paralela “Un Certain Regard”, o mínimo que se pode dizer é que este foi um festival em que o Brasil marcou pontos importantes nos circuitos internacionais.
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CANNES / 2019 — PALMARÉS

PALMA DE OURO – PARASITE, de Bong Joon Ho (Coreia do Sul)

GRANDE PRÉMIO – ATLANTIQUE, de Mati Diop (França)

REALIZAÇÃO – LE JEUNE AHMED, de Luc e Jean-Pierre Dardenne (Bélgica)

ACTOR – Antonio Banderas, em DOLOR Y GLORIA, de Pedro Almodóvar (Espanha)

ACTRIZ – Emily Beecham, em LITTLE JOE, de Jessica Hausner (Áustria)

ARGUMENTO – PORTRAIT DE LA JEUNE FILLE EN FEU, de Céline Sciamma (França)

PRÉMIO DO JÚRI (ex-aequo) – LES MISÉRABLES, de Ladj Ly (França) e BACURAU, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (Brasil)
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CÂMARA DE OURO (primeiras obras) – NUESTRAS MADRES, de César Díaz (Guatemala)
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CURTAS-METRAGENS – LA DISTANCE ENTRE LE CIEL ET NOUS, de Vasilis Kekatos (Grécia); menção especial: MONSTRUO DIOS, de Agustina San Martín (Argentina)

SOUND + VISION: + 5.000.000


Histórico total de visualizações de páginas
5 001 160 [*]

Foi já este ano de 2019 que assinalamos o nosso post nº 20.000.
Agora é o momento de registarmos a ultrapassagem dos 5 milhões de visualizações.
Não será ainda Júpiter, mas Kubrick não levará a mal...
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[*] Registo da madrugada de 27 de Maio.

Eurovisão + Cannes [FNAC]

Da nossa sessão de domingo na FNAC — em torno de dois festivais: Eurovisão + Cannes —, eis três dos videos que mostrámos. A saber:
— a canção Soldi, por Mahmood (concorrente pela Itália);
— um exemplo da actual produção musical holandesa: Mona Lisa, por De Staat;
— trailer de Era uma Vez... em Hollywood, de Quentin Tarantino [estreia portuguesa: 8 Agosto].





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* Próxima edição do SOUND+VISION Magazine:

"Madame X", isto é, Madonna

Madonna está de volta com Madame X, o seu 14º álbum de estúdio, gerado em Lisboa — assinalamos a nova edição, revisitando outras personagens e momentos emblemáticos da carreira da Material Girl.

* FNAC, Chiado, 14 Junho (18h30)

domingo, maio 26, 2019

A IMAGEM: Martin Parr, 2015

MARTIN PARR / Magnum
Kentucky Derby, USA
2015

Eurovisão + Cannes
— SOUND + VISION Magazine [ hoje ]

Eurovisão e Cannes: um palco universal de canções e uma visão alargada da actualidade cinematográfica — voltamos à FNAC para comentar dois festivais, momentos marcantes da vida cultural e mediática da Europa.

* FNAC / Chiado, hoje, 26 Maio (18h30)

sábado, maio 25, 2019

SOUND + VISION Magazine
— Maio, Junho e Julho

O SOUND + VISION Magazine, em Lisboa, na FNAC do Chiado, já tem calendário definido para os próximos três meses. Aqui fica uma primeira informação:

* 26 MAIO — balanço de dois festivais: Eurovisão + Cannes.

* 14 JUNHO — Madame X, novo álbum de Madonna.

* 29 JUNHO — A Lua em imagens e sons (a propósito dos 50 anos da missão Apollo 11).

* 27 JULHO — [tema a anunciar].

CANNES 2019 [glamour]

JL
Et bien, voilà... O conceito de glamour passou a servir-se formatado nos rituais da passadeira vermelha, mas a aceleração da pose, os gritos da multidão e a histeria dos flashes contrariam os devaneios da imaginação e, em boa verdade, a entrada no Olimpo das imagens. Na Rue d’Antibes, alguns recantos envidraçados recordam-nos a quietude que não desistimos de procurar.

sexta-feira, maio 24, 2019

CANNES 2019 [Ferrara]

Eis Tommaso, novo e fascinante ovni de Abel Ferrara: Willem Dafoe interpreta Tommaso, cineasta americano exilado, a viver em Roma com a mulher e a filha... Acontece que Ferrara, himself, está a viver em Roma, por mera coincidência, com a mulher e a filha que, detalhe insólito, interpretam no filme a mulher e a filha de Tommaso... Enfim, será inevitável referir que Ferrara assume o auto-retrato de forma tão directa quanto fantasmática, incluindo memórias perturbantes da sua toxicodependência. O certo é que o filme está muito para além de qualquer dispositivo "confessional", evoluindo, entre natural e surreal, com uma inteligência que confirma Ferrara como um artista de inusitadas ousadias narrativas e éticas — Palma de Ouro para o filme mais inclassificável de Cannes.

The Rolling Stones: 36 + 10 canções

Nova antologia de The Rolling Stones: Honk inclui 36 canções, representando todos os álbuns de estúdio desde Sticky Fingers (1971) e, na edição DeLuxe, mais uma dezena de registos de recentes performances ao vivo. A abrir: Start Me Up, hino da banda lançado em Tattoo You (1981).

quarta-feira, maio 22, 2019

Madonna nos telhados de Nova Iorque

Mais um video antecipando o lançamento de Madame X (14 Junho), pertencente a uma das canções já divulgadas: Crave, com o rapper Swae Lee, tem agora um belo teledisco assinado pelo português Nuno Xico — um regresso à paisagem mítica dos telhados de Nova Iorque, incluindo a pontuação lírica dos pombos, numa performance de pura celebração sensorial.

CANNES 2019 [Tarantino]

Estes quatro posters são de alguns dos westerns spaghetti (e não só) protagonizados por Rick Dalton ao longo da década de 60. Mais exactamente, Rick Dalton é a personagem de Leonardo DiCaprio no fabuloso Once Upon a Time... in Hollywood, de Quentin Tarantino. Ou como as memórias do cinema são revisitadas através de um dispositivo que desafia a lineariedade do tempo e a autonomia dos géneros — fabuloso de fábula, entenda-se: era uma vez...

terça-feira, maio 21, 2019

CANNES 2019 [realismo]

Ou seja (da esquerda para a direita): Debbie Honeywood, Katie Proctor, Rhys Stone e Kris Hitchen. Serena metodologia cannoise: é tempo de superarmos a estupidez mediática que só leva a consagrar (?) os actores que vestem fatos de super-heróis, quase sempre anulando os seus talentos em patéticos artefactos digitais. Há, continua a haver, e não há razão para pensar que vão desaparecer, cineastas que filmam através de um genuíno amor por aqueles que colocam em frente da câmara. O inglês Ken Loach é um deles. E o seu notável novo filme, Sorry We Missed You, mais uma expressão exemplar da sua fidelidade a um intransigente realismo dos corpos e dos lugares. Esta é a história dramática de uma família como as outras, à deriva no labirinto de uma crise económico-financeira que vai impondo a sua metódica desumanização — cinema político, of course.

segunda-feira, maio 20, 2019

CANNES 2019 [anónimo]

JL
Algures na rue d'Antibes, uma figura discreta, sensível às derivações do cinzento, exerce o seu metódico anonimato — um festival de cinema é essa paisagem em que todos os olhares são pertinentes.

The Raconteurs, opus 3

Esta será a capa de Help Us Stranger, terceiro álbum da banda The Raconteurs, uma das (re)encarnações de Jack White — sai a 21 de Junho e tem este Help Me Stranger como primeiro single.

CANNES 2019 [Cavalier]

O pai da escritora Emmanuèle Bernheim decidiu colocar termo à sua existência numa clínica, na Suíça, especializada na chamada "morte assistida" — sobre esse processo, ela escreveu o livro Tout s'est bien passé. A partir desse livro, Bernheim e o cineasta Alain Cavalier começaram a trabalhar num filme que eles próprios iriam interpretar (Bernheim no seu papel, Cavalier na personagem do pai). O certo é que uma doença súbita da escritora conduziu o projecto a um final abrupto: Être Vivant et le Savoir (à letra: 'Estar vivo e sabê-lo') é o outro filme que Cavalier fez a partir dessa experiência singularmente intimista. Deparamos com mais um exercício minimalista de um dos grandes (e quase sempre esquecido) mestres do cinema francês, deliciando-se e encantando-nos com os poderes das pequenas câmaras "amadoras" que continua a usar, prolongando o trabalho de títulos como René (2002) ou Irène (2009) — ou como o cinema, técnica & método, pode ser um terno bisturi das convulsões dos corpos e das ideias, porventura da alma.

domingo, maio 19, 2019

Madonna na Eurovisão

Se a urgência dos símbolos passou a ser uma componente incontornável das nossas sociedades mediáticas, recordemos os factos: Madonna esteve no Festival da Eurovisão e, ao fechar a sua actuação com o tema Future, na companhia de Quavo, deixou uma mensagem: "Acordem". Mais ainda: dois dos bailarinos, de braço dado, ostentavam duas bandeiras — Israel e Palestina — nas costas. O pós-concerto ficou marcado por um comunicado da European Broadcasting Union, sublinhando o carácter não-político da Eurovisão e também o facto de desconhecerem que as duas bandeiras iriam ser usadas. Fica o registo, sublinhando apenas que a primeira canção da performance se chama 'Como uma oração'. Voilà!

CANNES 2019 [como num filme]

JL
O Palácio dos Festivais não é aquilo que se possa chamar um modelo de sedução arquitectónica. Em 1982, a respectiva inauguração foi mesmo acompanhada por toda uma polémica sobre a sua estética e também a sua funcionalidade. O certo é que garante o contexto adequado a um evento como o Festival de Cannes e, mais do que isso, parece transfigurar-se enquanto imagem, por vezes refazendo-se como cenário eminentemente cinematográfico — eis a baía vista de um dos espaços reservados à imprensa.

sábado, maio 18, 2019

Madonna: reggae em tempo futuro

Not everyone is coming to the future / Not everyone is learning from the past. Madonna envolve-nos numa breve e envolvente viagem no tempo através de Future. Depois de Crave, é mais um tema de Madame X (lançamento a 14 de Junho), desta vez com a colaboração do americano Quavo, um dos três elementos do grupo de hip hop Migos — futurismo com reggae e ânsia filosófica q.b.

CANNES 2019 [História]

História. Assim mesmo, com maiúscula: H-istória. A imagem da celebração da vitória da França no Mundial de Futebol de 2018, nos Campos Elísios, conclui o pré-genérico do brilhante Os Miseráveis, de Ladj Ly — os jovens que irão estar no centro dos acontecimentos do filme diluem-se na multidão. E dá-se um momento mágico e perturbante: o título sobrepõe-se à imagem [de modo semelhante ao que aqui tentei figurar], numa alusão que está para além do banalmente descritivo; Ladj Ly convoca a memória de Vítor Hugo para nos falar de um país marcado pelas diferenças mais extremadas. A acção segue uma patrulha policial através dos recantos mais problemáticos de Montfermeil (precisamente a zona em o realizador, nascido no Mali, começou a viver aos 3 anos de idade) para nos revelar todo um sistema de convulsões económicas, raciais e simbólicas que questionam a própria noção de comunidade — tudo isto sabendo preservar uma sensação física, dir-se-ia visceralmente documental, dos corpos e dos lugares.

CANNES 2019 [Almodóvar]

Não é por acaso que este cartaz francês de Dolor Y Gloria, o filme de Pedro Almodóvar que concorre para a Palma de Ouro (que ele nunca ganhou), apresenta uma sombra de Antonio Banderas que sugere o perfil do próprio Almodóvar. Trata-se, de facto, de um retrato carregado de um confessionalismo tocante, num registo limpo e descarnado que nem sempre terá sido a opção dominante na trajectória criativa do cineasta espanhol — para mim, muito simplesmente, o melhor filme de sempre de Almodóvar.

quarta-feira, maio 15, 2019

CANNES 2019 [star system]

JL
O star system mudou de cenários. Assim, por exemplo, em Cannes: dois intérpretes lendários de James Bond, Roger Moore e Sean Connery, surgem num grande cartaz colocado na parte lateral do edifício da Câmara Municipal, isto enquanto Rooney Mara, em espaço publicitário, parece contrapor o seu mistério à transparência dos dois 007. Ou como o cinema, apesar de tudo, ainda se revela capaz de transfigurar o tecido urbano — persistente poder mitológico ou simbólico canto do cisne?

terça-feira, maio 14, 2019

A violência já não é o que era

Cartaz de Tyler Stout, concebido para o 20º aniversário de Cães Danados
Um quarto de século depois de Pulp Fiction, Quentin Tarantino vai ser, por certo, um dos nomes mais falados da 72ª edição do Festival de Cannes; entretanto, pelo caminho, fomos perdendo os nossos valores cinéfilos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Maio).

Quentin Tarantino parte para a 72ª edição do Festival de Cannes (14-25 Maio) com um curioso trunfo simbólico. Não uma “vantagem”, entenda-se — ninguém duvida da seriedade da competição do maior certame de cinema do mundo. Antes um suplemento mitológico que provém de uma rima que muitas notícias têm sublinhado.
Assim, o seu novo filme, Era uma Vez em Hollywood, evocando os bastidores da indústria cinematográfica da Califórnia no ano de 1969, será projectado na gigantesca sala Lumière do Palácio dos Festivais exactamente 25 anos depois de lá ter sido revelado o seu Pulp Fiction. Para vencer? Se a história se repetir, será a segunda Palma de Ouro para o cineasta americano que tinha sido descoberto, também em Cannes, dois anos antes, com Cães Danados.
Mas há um outro lado da questão. A saga “cannoise” de Tarantino é bem reveladora da progressiva decomposição do espaço cinéfilo. Entenda-se: do esvaziamento de um imaginário enraizado num gosto genuíno pelos filmes, pela capacidade de contarem histórias susceptíveis de desafiar as nossas crenças de espectadores e, no limite, as certezas da nossa ancestral humanidade.
Explico-me. Cães Danados passara em Cannes, em 1992, num ambiente de contraditória euforia. Por um lado, todos ou quase todos reconheceram o talento de um novo cineasta (Tarantino tinha 29 anos) capaz de convocar as matrizes clássicas, em particular do “thriller”, para construir uma narrativa de um fulgor visceralmente trágico. Ao mesmo tempo, por outro lado, circulava um misto de reticência estética e suspeita moral: não seria Cães Danados um filme “demasiado” violento?
O fenómeno repetiu-se com Pulp Fiction. Podemos agradecer a Clint Eastwood, presidente do júri oficial, a serenidade necessária e suficiente para reconhecer ao trabalho de Tarantino a energia de um verdadeiro criador: a Palma de Ouro de 1994 distinguiu um objecto capaz de celebrar o cinema como um processo de permanente reinvenção narrativa que não exclui, antes integra, um sistemático labor com as memórias de outros filmes — eis a definição mais básica de cinefilia.
A meu ver, o debate sobre o “excesso” de violência não passava da expressão de um ideologia pueril, alimentada por um profundo desconhecimento das especificidades das linguagens e, em particular, daquilo que faz uma imagem ser... uma imagem. Na base dessa ideologia está uma ideia grosseira: a de que as imagens não são entidades que integram a nossa relação com o mundo, mas apenas “objectos” automaticamente suspeitos, separáveis do resto desse mesmo mundo, que importa vigiar. Porquê? Porque não temos vontade nem pensamento e podemos ser impelidos a imitar o que nelas vemos.
Curiosa menorização da arte de ser espectador. Para tal perspectiva “purificadora”, é sempre suspeito o facto de um cineasta como Tarantino — no limite, qualquer artista — trabalhar sobre o negrume, por vezes vermelho como o sangue, que habita a nossa contraditória condição humana.
Paradoxalmente ou não, confesso a minha fraqueza. Tenho algumas saudades dos confrontos, mesmo os mais simplistas e improdutivos, gerados por filmes como Pulp Fiction. Existia uma rede social (nada a ver com o artifício da actual expressão “rede social”) de comunicações, encontros e diálogos em que se falava, realmente, de cinema. Agora, desde que uma qualquer produção da Marvel, distribuída pela Disney, consiga alguns milhões de dólares de receitas, o espaço social é automaticamente invadido por celebrações de tesouraria, prevalecendo a sensação bizarra de que os fãs dos super-heróis são todos accionistas de algum dos estúdios envolvidos.
O que assim acontece está muito para além da banal inventariação dos filmes como “melhores” ou “piores”. Estamos a assistir a uma desqualificação sistemática da própria vocação popular do cinema, substituída pelas celebrações virtuais de uma cultura imberbe que funciona em regime “clubista”: descobrir um filme passou a ser encarado como um ritual de fidelidade, mais ou menos ruidoso, a um universo pré-formatado. Nenhuma surpresa, apenas a gratificação menor de integrar um colectivo sem pátria.
Através da recusa de enfrentar a figuração trágica da violência (Tarantino, justamente, é um autor trágico), passando pela crescente infantilização do consumo do cinema, fomos alienando o gosto pela complexidade das imagens: fixamo-las, trocamo-las e apagamo-las através dos nossos telemóveis, cedendo à ilusão de que estamos a construir um admirável novo mundo visual.

CANNES 2019 [Palais]

JL
Ainda se circula com relativo à vontade em frente do Palácio dos Festivais. O novo filme de Jim Jarmusch, The Dead Don't Die, terá honras de abertura oficial da 72ª edição de Cannes (14-25 Maio), aliás com um paralelismo comercial de grande envergadura: o respectivo lançamento ocorre no mesmo dia em França, em mais de 500 salas. Que a festa do cinema comece com zombies, eis um detalhe irónico capaz de apelar aos mais perversos simbolismos...

Doris Day (1922 - 2019)

Poucas actrizes simbolizaram como ela a dimensão genuinamente popular do cinema de Hollywood: Doris Day faleceu no dia 13 de Maio, em Carmel Valley, California, depois de ter contraído uma pneumonia — contava 97 anos.
A sua filmografia pode resumir-se na condensação de uma imagem de felicidade, indissociável dos valores made in USA pós-Segunda Guerra Mundial — assumiu tal imagem com convicção e ironia, tanto no drama como ma comédia. Entre os seus títulos mais famosos, muitas vezes explorando os seus dotes de cantora, incluem-se O Amor É Coisa de Dois (1951), de Michael Curtiz, Diabruras de Jane (1953), de David Butler, e, claro, O Homem que Sabia Demais (1956), de Alfred Hitchcock, com a performance da lendária canção Whatever Will Be, da dupla Jay Livingston/Ray Evan, sempre lembrada como Que Sera, Sera — observem-se os prodígios da mise en scène hitchcockiana.


Entre os seus filmes mais famosos incluem-se ainda Negócio de Pijamas (1957), de George Abbott e Stanley Donen, que lhe valeu a sua única nomeação para um Oscar, Carícias de Luxo (1962), de Delbert Mann, e Não me Mandem Flores (1964), de Norman Jewison. No final da década de 60, abandonou o cinema, dedicando-se durante algum tempo à televisão. Publicou a auto-biografia Doris Day: Her Own Story em 1975. O seu empenho na defesa dos direitos dos animais levou-a a fundar, em 1978, a Doris Day Pet Foundation, depois chamada Doris Day Animal Foundation (DDAF).

>>> Obituário no New York Times.
>>> Site oficial de Doris Day.
>>> Site oficial da DDAF.
>>> A canção I'm Not At All in Love no filme Negócio de Pijamas.

domingo, maio 12, 2019

"La Madonna" em Itália

Lucia (Alba Rohrwacher) na companhia da "sua" aparição (Hadas Yaron)
De Itália chega Lucia Cheia de Graça, filme que aposta em contar uma história marcada por insólitas peripécias transcendentais, com Alba Rohrwacher como intérprete principal — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Maio).

Cinefilia?... Onde encontrar esse amor clássico dos filmes?... Convenhamos que não é fácil, sobretudo quando vivemos ensurdecidos pelo ruído planetário dos filmes de super-heróis que, por regra, obedecem a uma sinopse pueril. A saber: o nosso planeta, aliás, o infinito de todas as galáxias está ameaçado de destruição, mas alguém vai chegar para nos salvar em formato IMAX... Ou como a monotonia passou a ser uma forma social de êxtase.
Daí que possamos acolher com simpatia um filme como Lucia Cheia de Graça, do italiano Gianni Zanasi (distinguido em Cannes/2018 com o prémio atribuído pela associação de exibidores europeus). Não é, de facto, todos os dias que alguém nos convoca para uma história em que uma topógrafa recebe ordens de Nossa Senhora — assim mesmo, “La Madonna”, a pioneira.
Eis a insólita aventura transcendental: no meio da sua atribulada vida familiar, Lucia começa a ficar intrigada com os planos de construção de uma obra no seu município, acabando por descobrir que alguém está a tentar ocultar uma série de ilegalidades. Até que, no meio do campo, recebe a visita de Nossa Senhora... Alheia a qualquer levitação tradicional, a santa tem uma concepção pragmática dos problemas de Lucia e sugere mesmo uma solução pouco ortodoxa para desmantelar (destruir?) o estaleiro da obra...
Dir-se-ia que há aqui um problema de crença. E não necessariamente de Lucia que, com compreensível ansiedade, vai lidando com o radicalismo da figura santa (que, além do mais, só ela vê...). É o próprio realizador que parece não acreditar na premissa dramática que colocou em marcha, nunca tomando uma decisão clara sobre o filme que pretende fazer — entenda-se: sobre a relação que quer estabelecer com o espectador.
Assim, por um lado, Lucia Cheia de Graça parece seguir com relutância os caminhos de uma parábola existencial sobre a nossa relação com o sagrado (ou a sua rejeição). Ao mesmo tempo, por outro lado, Zanasi nunca consuma tal hipótese, refugiando-se nos ziguezagues de uma comédia social que, por fim, não chega a fazer justiça à riqueza da respectiva tradição no interior da produção italiana.
Alba Rohrwacher, actriz de uma naturalidade paradoxal, ora transparente, ora enigmática, bem se esforça por resgatar a personagem de Lucia de um registo meramente anedótico ou caricatural. E não há dúvida que o seu trabalho empresta a certos momentos do filme alguma contagiante verdade emocional. Seja como for, Lucia Cheia de Graça fica sempre aquém das potencialidades dos mecanismos de ficção que coloca em marcha.

Björk, natural e digital

Mensagem da Islândia: Björk continua a criar e recriar formas em que natural e digital se tocam, entrelaçam e, no limite, confundem. Veja-se o novo e espantoso teledisco de Tabula Rasa, canção do seu mais recente álbum de estúdio, Utopia (2017) — a realização tem assinatura de Tobias Gremmler, responsável pelos fundos e projecções da actual digressão de Björk, 'Cornucopia' [poster em baixo].


Clooney, Trump e o planeta

George Clooney esteve no programa de Jimmy Kimmel, alertando para os dramas climatéricos do planeta Terra e denunciando os disparates [DUMBF**KERY] de vários protagonistas da cena política, incluindo o actual inquilino da Casa Branca — grande momento de televisão.

sábado, maio 11, 2019

Kubrick & Napoleão

Já existia como álbum gigante. Agora disponível em edição mais "pequena" (com os mesmos conteúdos) o livro da editora Taschen sobre o Napoleão, de Stanley Kubrick, continua a ser um fenómeno editorial e cinéfilo. Trata-se, afinal, de evocar esse projecto gigantesco que Kubrick desenvolveu depois do impacto de 2001: Odisseia no Espaço (1968), uma verdadeira odisseia de investigação e pré-produção que, afinal, nunca chegou à fase de... produção.
O título do livro é eloquente, celebrando, paradoxalmente, o filme que nunca existiu: Stanley Kubrick’s “Napoleon” — The Greatest Movie Never Made. Desde o estudo detalhado da ascensão e queda de Napoleão até à escolha de cenários e à fabricação de uniformes para os figurantes-soldados, esta antologia de textos e imagens (com coordenação de Alison Castle) apresenta-se como um caso modelar de abordagem histórica de um capítulo fulcral da história do cinema. E tanto mais quanto, já há vários anos, Steven Spielberg deu conta da sua vontade de concretizar, em formato de série televisiva, o argumento deixado por Kubrick...