segunda-feira, maio 27, 2019

CANNES 2019 — Coreia do Sul & etc.

É uma estreia: a primeira Palma de Ouro do Festival de Cannes para a Coreia do Sul pertence a Parasite, de Bong Joon Ho. O júri presidido por Alejandro González Iñárritu deixou de fora os filmes de Quentin Tarantino e Terrence Malick — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Maio).

Com o filme Parasite, a Coreia do Sul estreou-se a vencer o Festival de Cannes. Para a história da 72ª edição do Festival de Cannes, o júri presidido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu talvez possa ser definido como um colectivo que tentou concretizar a quadratura do círculo — as suas escolhas são, em última instância, um reflexo das muitas diferenças que habitam a produção contemporânea.
Assim, a distinção máxima para o coreano Parasite, de Bong Joon Ho, consagrou um dos objectos mais originais que o certame apresentou: uma comédia social sobre uma família que, de modo inesperado e perturbante, se vai transfigurando em conto apocalíptico, pleno de ressonâncias simbólicas. Ao mesmo tempo, é bem provável que, daqui a algumas décadas, os estudiosos do cinema se perguntem o que aconteceu para que as proezas de Quentin Tarantino (Era uma Vez... em Hollywood) e Terrence Malick (A Hidden Life) tivessem ficado fora do palmarés.
A “invenção” de prémios que não estão previstos no quadro tradicional do palmarés é sempre sintomática de alguma indefinição, porventura algum mal estar. Daí o insólito da “menção especial” para It Must Be Heaven, de Elia Suleiman. Voltando a encenar a sua condição de palestiniano como uma espécie de exílio interior, para mais através de uma alegria profundamente burlesca, Suleiman assinou um dos títulos mais ricos e sugestivos do festival. Do meu ponto de vista, face a esta “compensação”, não havendo consenso para lhe atribuir um dos prémios principais, teria sido mais razoável deixá-lo fora do palmarés.
A distinção mais consensual terá sido a de Antonio Banderas, como melhor actor, pela sua magnífica interpretação em Dolor y Gloria, de Pedro Almodóvar. O mesmo não se poderá dizer do prémio de melhor actriz para Emily Beecham, em Little Joe, de Jessica Hausner: uma performance segura e competente, sem dúvida, mas que deixou de fora trabalhos incomparavelmente mais complexos, incluindo os de Valerie Pachner (A Hidden Life) ou Noémie Merlant e Adèle Haenel (ambas em Portrait de la Jeune Fille en Fleur).
Enfim, sublinhe-se o regresso de Luc e Jean-Pierre Dardenne ao palmarés, desta vez com o prémio de realização pelo seu admirável Le Jeune Ahmed, retrato íntimo de um jovem manipulado pelas ilusões do fundamentalismo religioso (recorde-se que os irmãos Dardenne já receberam várias distinções em Cannes, incluindo duas Palmas de Ouro).
Para a história, registe-se também a presença brasileira no palmarés com Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, título que recebeu o Prémio do Júri (ex-aequo com o francês Os Miseráveis, de Ladj Ly). Tendo em conta que outro título brasileiro, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, já arrebatara o prémio principal da secção paralela “Un Certain Regard”, o mínimo que se pode dizer é que este foi um festival em que o Brasil marcou pontos importantes nos circuitos internacionais.
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CANNES / 2019 — PALMARÉS

PALMA DE OURO – PARASITE, de Bong Joon Ho (Coreia do Sul)

GRANDE PRÉMIO – ATLANTIQUE, de Mati Diop (França)

REALIZAÇÃO – LE JEUNE AHMED, de Luc e Jean-Pierre Dardenne (Bélgica)

ACTOR – Antonio Banderas, em DOLOR Y GLORIA, de Pedro Almodóvar (Espanha)

ACTRIZ – Emily Beecham, em LITTLE JOE, de Jessica Hausner (Áustria)

ARGUMENTO – PORTRAIT DE LA JEUNE FILLE EN FEU, de Céline Sciamma (França)

PRÉMIO DO JÚRI (ex-aequo) – LES MISÉRABLES, de Ladj Ly (França) e BACURAU, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (Brasil)
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CÂMARA DE OURO (primeiras obras) – NUESTRAS MADRES, de César Díaz (Guatemala)
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CURTAS-METRAGENS – LA DISTANCE ENTRE LE CIEL ET NOUS, de Vasilis Kekatos (Grécia); menção especial: MONSTRUO DIOS, de Agustina San Martín (Argentina)