
sexta-feira, fevereiro 29, 2008
Animal Collective com novo EP

Em conversa: Osvaldo Golijov (3)

Ayre, o ciclo de canções que assinalou em 2005 a sua estreia na Deutsche Grammophon, reflecte uma música com uma geografia, mas que cruza tempos.
A minha ideia foi, contudo, desde o início a de não procurar fazer daquele ciclo um exercício académico de história. Tem mais a ver com uma ideia de presente, e de nos ajudar a perceber quem somos. A voz de Dawn Upshaw depois ajuda, porque é incrível.
Já fez várias gravações com Dawn Upshaw. É uma musa sua?
Sem dúvida. Gosto muito dela. Gosto de trabalhar com vozes da música popular porque sabem mentir... Mas o problema com estas vozes é, habitualmente, a sua limitação naquilo que posso pedir delas. A Dawn Upshaw consegue ter o tom e o poder emocional da música popular, mas pode fazer o que quiser com a sua voz. Ou seja, posso escrever o que quer que entenda para a sua voz.
Quando compôs a sua ópera Ainadamar já pensava que seria ela a voz protagonista?
Sim, pensava. Não necessariamente como um costureiro...
Quando fez a sua ópera colaborou na encenação?
Queria que a música tivesse uma personalidade teatral logo desde o início. Mas não dei ideias de encenação específicas. A música tem a sua noção de teatro já em si... Mas fico sempre espantado com o que conseguem depois fazer num palco, a partir daquela música...
Foi uma aventura?
Sim. Até aí não sabia o que era fazer uma ópera! Para a próxima, para o melhor ou o pior, creio que terei mais noções concretas do que tenho de fazer.
Gosta de ópera contemporânea?
Sim, gosto... É um formato com o potencial espantoso. Vou escrever uma nova ópera para a Metropolitan Opera...
E porque procurou a brasileira Luciana Souza para Oceana?
Descobri-a na rádio. Tinha de compor uma canta, e a ideia que trabalhei levava Bach para a América. Por isso não queria uma voz habituada à música clássica. Ouvi a voz de Luciana e pareceu-me espantosa. Convenci-a a cantar...
E como se lembrou de usar um poema de Neruda para essa cantata?
Sou judeu. Bach escreveu uma série de cantatas sagradas incríveis.... Mas escrever uma canta judaica sobre a América seria estranho. Somos poucos na América latina... Escrever uma cantata cristã também seria pouco natural, simplesmente porque não sou cristão. Assim procurei um texto que tivesse uma noção de sagrado, mas sem o contexto religioso. Neruda é assombroso... É sagrado e secular ao mesmo tempo.
Regravou recentemente a sua La Pasión Según San Marcos, que a Deutsche Grammophon editará ainda este ano. Como foi regressar a uma obra que gravou originalmente em 2000?
É diferente. Passaram sete anos... Foi uma gravação de estúdio e não ao vivo... Creio que se atingiu uma emotividade mais profunda.
O que sente por estar hoje integrado num catálogo como o da Deutsche Grammophon, com todo o peso histórico que carrega?
Sinto-me pequeno!
Tem trabalhado para o cinema. Philip Glass disse, recentemente, que muitas pessoas ligadas aos espaços da música clássica vêm o trabalho no cinema com algum cepticismo...
Concordo... Mas o incrível é que tive a sorte de trabalhar com Coppola. E ele encorajou-me a não evitar a vontade de experimentar. Foi divertido. Ele foi muito aberto a todas as sugestões. É muito bom poder trabalhar com um realizador visionário como ele. Senti-me como se fosse outra vez um aluno de escola.
Cederia música sua para instalações ou mesmo filmes experimentais?
Sim, sem dúvida. Seria espantoso.
Fez arranjos para música de Carlos Paredes [para um disco do Kronos Quartet]. Como foi?
Adorei! Foi espantoso trabalhar a sua música! Por vezes há mais emoção nessas pequenas peças que numa ópera. Aprendi muito com a música dele.
O que admirou mais em Paredes?
A emoção... E há um sentido estranho de virtuosismo nele. Não é aquele virtuosismo tradicional. É táctil... Como Neruda na poesia. Cheira-se, sente-se... Não só na escrita como na interpretação.
Conhece outros artistas portugueses?
Admiro muito a obra de Amália Rodrigues, claro... Conheço também Dulce Pontes. E não muito mais. Confesso...
O clássico que nasceu numa tarde

O teledisco de Hungry Like The Wolf é um dos mais representativos da videografia do grupo e um dos mais recordados da pop de 80. Foi o primeiro de três telediscos filmados no Sri Lanka, na Primavera de 1982, com Russel Mulcahy na realização. Pensado à imagem dos ambientes de Os Salteadores da Arca Pedida, de Steven Spielberg, usa os elementos do grupo numa breve narrativa de acção entre a selva, um rio, um mercado ao ar livre e as ruas de uma cidade. Nick Rhodes tem presença fugaz no teledisco, uma vez que ficou em Londres a terminar as misturas do álbum Rio, tendo-se juntado aos quatro outros elementos do grupo já na recta final das filmagens.
Salazar a cores (parte II)

Em boa verdade, estamos perante a mais linear mentalidade televisiva, alicerçada num infantil jogo de escondidas. De acordo com este discurso, conhecer — e, em particular, conhecer a história colectiva — é apenas "destapar" o que estava "tapado". Assim se promovem duas ilusões muito comuns, presentes tanto no voluntarismo bem intencionado de alguns telejornais como na encenação pornográfica do Big Brother — primeira ilusão: o passado é apenas um território de coisas "visíveis" e outras "por mostrar", sendo indiferente a especificidade do olhar que a ele regressa; segunda ilusão: quando se "mostra" o que permanecera "invisível", emerge uma espécie de verdade apaziguada.
Na prática, esta é uma filosofia da transcendência mais equívoca. O que nela se recalca é que não existem factos que não sejam factos filtrados/revistos/pensados por algum olhar, quer dizer, por algum sujeito histórico. Como diria o grande Renoir, chacun a ses raisons.
Cinema irlandês a (re)descobrir

quinta-feira, fevereiro 28, 2008
Discos da semana, 25 de Fevereiro

American Music Club
“The Golden Age”
Cooking Vinyl
4 / 5
Para ouvir: MySpace

David Fonseca
'Dreams In Colour – Tour Edition'
Universal
3 / 5
Para ouvir: MySpace

Correcto
‘Correcto’
Domino / Edel
3 / 5
Para ouvir: MySpace

Goldfrapp
‘Seventh Tree’
Mute / EMI Music Portugal
2/5
Para ouvir: MySpace

Vários
'Controversy'
Rapster / Popstock
2 / 5
Para saber mais: MySpace
Também esta semana:
Triffids (reedições), Envelopes, Gary Numan (reedição),
Brevemente:
3 de Março: Bauhaus, Nick Cave & The Bad Seeds, Billy Bragg, OMD (reedição)
10 de Março: MGMT (ed internacional), The Kills, Young Knives, Vicious 5, Hercules & Love Affair
17 de Março: Soft Cell (reedição), The Teenagers, Elbow, Stephen Malkmus
Março: B-52’s, Moby, R.E.M., Guillemots, Beck (reedição), Foals, Elf Power, The Whip, Supergrass, Faces (reedições), Devotchka, Daft Punk, Young Knives, Zombies (reedição), John Tavener, Philip Glass (BSO), The Grid, Super Nada, Guillemots, The La’s (reedição), Cinematic Orchestra (live), We Are Scientists, Why?, Cut Copy, Baumer, Joy Division (best of)
Abril: Portishead, Madonna, The Teenagers, Breeders, The Presets, M83, Air (reedição), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), Rita Redshoes, Camané, Mesa, OMD (live), Kooks
Salazar a cores


Insolitamente, até mesmo no seu catastrofismo "psicanalítico" (ódios antigos e paixões reprimidas), este é um discurso tocado por um mitologia muito típica do imaginário do pós-25 de Abril, imaginário jornalístico nas suas raízes, sobretudo televisivo na sua prática ideológica. Em que consiste tal mitologia? Na promoção da crença de que, apesar das convulsões da história (e sobretudo perante essas convulsões), é possível abordar os factos a partir de uma espécie de castidade ontológica que possuiria a virtude, tendencialmente divina, de doar em estado de imaculada virgindade historiográfica todos os ruídos e silêncios da própria história colectiva — "para que seja você a decidir", como em qualquer banal forum televisivo.
quarta-feira, fevereiro 27, 2008
Futebol sem público

Irónico, sem dúvida. Muitos cidadãos do nosso país, alguns com responsabilidades mediáticas, gostam de proclamar, por exemplo, que "ninguém" vai ver filmes portugueses e outras manifestações artísticas... Entretanto, nunca se fala das limitações financeiras da produção do cinema português (literalmente miserável face aos milhões que o futebol movimenta). Nada se diz do quase nulo investimento na sua difusão e promoção (enquanto o futebol é objecto de divulgação maciça, diária, quase instante a instante). Ironia ainda maior se nos lembrarmos que os jogos citados envolviam três equipas "grandes" e, dessas três, apenas uma teve direito a transmissão televisiva: ao contrário do que acontece, por exemplo, em Inglaterra, não há uma cultura desportiva consistente que garanta uma popularidade global do futebol — apenas fenómenos de concentração de espectadores em alguns jogos.
Nada tenho contra o futebol e a sua magia enquanto jogo. Sou, aliás, um consumidor regular e interessado do futebol televisivo. Em situações como a desta quarta-feira, apenas acho que falta imaginação colectiva aos... cineastas portugueses! Sendo a sua actividade tão vulgarmente massacrada por muitos lugares-comuns, uns equívocos, outros simplesmente mentirosos, por que não dizem alguma coisa sobre estado de coisas? Era, pelo menos, uma maneira de deslocar o debate e introduzir algumas ideias frescas.
(Como se isto não bastasse, a jornada de quarta-feira foi, em termos puramente futebolísticos, um imenso e deprimente desastre...)
Hard Candy by Madonna

Crianças & adultos

Rebuçados da Dinamarca
Em conversa: Osvaldo Golijov (2)

Tem tempo para ouvir o que acontece na música actual, nas mais diversas áreas? Compra discos?
Sim... Apesar das lojas de música estarem a desaparecer, compro discos. Preciso estar informado sobre o que está a acontecer.
Quando entra numa loja vai directamente à secção de música clássica?
Não, não. Naturalmente venho da clássica e escuto mais clássica que outro tipo de música. Mas gosto também de jazz, de world music...
Que disco ou artista o entusiasmou mais nos últimos tempos?
Há uma figura, na composição, que admiro muito: a Maria Schneider. Tem um disco chamado Sky Blue... É uma música belíssima.
Costuma pensar como serviriam a sua música os instrumentistas e as vozes que ouve nos discos que compra?
Não. Escuto-os por prazer. Não penso logo no trabalho. Nisso sou um amador...
Em que momento na sua vida a música começou a ser algo especial para si?
A minha mãe era pianista. E assim sendo creio que gostei de ouvir música desde que nasci. Tocava e até escreva música em criança. Mas a mudança deu-se quando vi, ao vivo, Piazzolla, quando tinha uns dez anos... Nem dormi nessa noite! Foi um momento muito especial. Toda a música que tinha ouvido até aí tinha sido descoberta nos discos que ouvia ou nas partituras que tínhamos em casa, sobre o piano. De Bartók a Mozart... Mas ter à frente dos meus olhos uma pessoa a tocar uma música que sob si tinha Bach e Bartók, mas também a forma como as pessoas falavam, andavam e riam na sua... Foi uma experiência assombrosa.
A sua música herdou talvez essa lição de Piazzolla. Ou seja, a consciência de uma herança clássica, mas também um sentido vivencial, integrado no mundo real onde vive...
Sem dúvida! Piazzolla para mim foi um modelo. Estabeleceu um rumo... Um certo tipo de ligações... E quando uso instrumentos locais não pelo travo exótico que possam dar à música o sentido de verdade dessas ferramentas. Como Piazzolla fez com o bandoneón... Tem a ver com a maneira de trabalhar do artesão...
A sua música é também, além dessa história vivencial, um fruto de um conjunto de heranças familiares, nomeadamente a tradição judaica...
É verdade.
Como é que se projecta essa genética familiar numa obra?
Não é um exercício consciente, não é uma decisão intelectual. É algo natural. É quem sou. Tem a ver com o equilíbrio daquilo que sou. Essas referências trazem marcas de uma certa nostalgia. E há verdade nessa nostalgia... Por exemplo, não creio que Fellini ou Almodóvar seriam o que são sem o catolicismo. Respeito e amo as minhas heranças, mas não quero fazer uma música que sirva apenas para fazer os meus avós felizes.
Joy Division por Grant Gee
Paisagens americanas (6)


> Outras paisagens: Nome de Código: Cloverfield / Eu Sou a Lenda / O Lado Selvagem / Haverá Sangue / Apocalypse Now.
terça-feira, fevereiro 26, 2008
Teledisco de palco
Mer Girl, Drowned World Tour (2001)

"multimedia", o ecrã de video tornou-se peça fulcral de muitos palcos. Da inovação ao lugar-comum, o caminho foi curto e rápido, de tal modo que, hoje em dia, muitas vezes, se reduz a um acessório "decorativo". Madonna, não exactamente um exemplo de seguidismo das modas dos outros, tem sabido utilizar os ecrãs como elementos eminentemente criativos dos seus espectáculos. Na Drowned World Tour — iniciada a 9 de Junho de 2001, no Palau San Jordi (voltaremos ao assunto) — avançou com um novo conceito. A saber: o teledisco composto para o palco. Assim, em passagens de um quadro para outro, os ecrãs funcionaram como "intervalos" onde pudemos assistir a materiais especificamente concebidos para as suas superfícies: em pose de gueixa nostálgica, com Paradise (Not For Me) [foto de cima], e em gueixa literalmente descomposta, com Mer Girl, mas conservando sempre o privilégio da derradeira ironia — dirigido por Dago Gonzalez, é este o video.
A nova pop dos camponeses
Em conversa: Osvaldo Golijov (1)

Há que o considere o primeiro compositor do século XXI. O que quer isto dizer?
Não faço a mínima ideia... Talvez seja uma ideia que tenha mais a ver com um conceito de remissão que até de evolução. Talvez eu esteja mais próximo do conceito do artesão musical da Idade Média que do compositor romântico e do paradigma do génio... Tem a ver também com ser-se conhecido pela obra, e não pelo nome. Como nas grandes catedrais medievais, em que uma pessoa fez o dragão, outra esculpiu. Se eu for o que fez o dragão ou o anjo na catedral, fico bem. Por outras, palavras, sinto que, daqui a 100 anos, o que vai interessar não será o testamento deixado por um gigante, mas antes uma ideia do que era o som do nosso tempo.
Não há lugar para o paradigma do génio no mundo actual?
Acredito que haverá sempre espaço para um Leonardo da Vinci, um Einstein, um Beethoven. Mas, se não se é um Beethoven, é preferível agir como um grande realizador de cinema, como Fellini, e sentir o que se passa à nossa volta, criando trabalhos que são quase como um organismo. É claro que somos nós quem dirige, quem molda, quem esculpe. Mas não vivemos fechados num quarto, surdos ao mundo lá fora. Isso é o que estou a fazer. E talvez esta ideia explique esse conceito.
Sente-se um homem do nosso tempo? Ou seja, um compositor que traduz o que é viver o nosso tempo...
Sim, nesse sentido concordo com a ideia. Pessoalmente, o que faço não se aproxima em nada a um Beethoven. Mas o meu trabalho tem a verdade do nosso tempo. Naturalmente, se um novo Beethoven surgir, serei o primeiro a reconhecer a honra de viver no seu tempo. O que se fala hoje é do confronto entre o modelo do génio solitário e do artista que vive a sociedade do seu tempo.
Esse espaço de solidão do génio, como sugere, seria possível nesta idade da comunicação global?
É por isso que me parece pouco possível... E é também por isso que os grandes avanços a que temos assistido têm mais a ver com trabalhos de colaboração, de comunicação. Há mais redes de comunicação que isolamento. É claro que haverá quem tente fazer o contrário... Mas veja-se o cinema. Não se faz sozinho. Precisamos de actores, câmaras, tantas coisas...
E a música?
Está a acontecer tanto ao nível dos diversos grupos humanos... Nos tempos de Beethoven, ou mais ainda, Mozart, era possível representar o espectro integral das emoções humanas. Hoje, dizer que um compositor de música erudita pode fazer isso é, no mínimo, presunção. Mesmo que tenha um conhecimento sobre o tango, o flamenco, o jazz, mesmo que consiga grandes feitos individuais (como o fizeram um Duke Ellington ou um Miles Davis), o que realmente interessa é o que a humanidade tem para dizer. Isto obriga a uma certa humildade. A acreditar nessa humildade...
E como podemos nós explicar a alguém qual é esse som da humanidade, nos dias em que vivemos?
Essa é uma magnífica questão! Que música poderíamos nós mostrar a visitantes de um outro planeta? A questão é mesmo tremenda... Diria que a possibilidade de cada um poder criar é talvez o que caracteriza a música do presente. Há cem anos havia um piano em cada grande casa. Há 30 anos as pessoas que gostavam de música já quase só a consumiam. Agora, com o computador, tudo mudou novamente. Vejo miúdos a tocar em bandas na escola, a fazer a sua própria música. Creio que, nesse sentido, a música vive um novo tempo de liberdade e cada um pode fazer música. Isso é o que de mais belo há na música de hoje. Houve esse tempo em que a maioria do mundo era ouvinte... É claro que sempre houve muita gente a cantar. Em casa, no campo, em festas, em funerais... Mas durante muito tempo poucos eram os profissionais da música. E hoje qualquer um pode fazer música...
Duran Duran em documentário
segunda-feira, fevereiro 25, 2008
Sob o olhar de Herb Ritts
Foto de Herb Ritts para a capa de True Blue (1986)

É um momento definidor na trajectória de qualquer estrela. Ou seja: aquele em que uma imagem consegue condensar todas as ambivalências do seu próprio apelo mitológico, afirmando a estrela como aquela que oscila entre a exposição transparente e o enigma para sempre suspenso.No álbum de infinitas imagens que (também) é a carreira de Madonna, esta poderá ser tida como essa imagem que, num momento muito preciso, a veio celebrar como entidade que já se libertou de qualquer dependência em relação às imagens dos/das outros/outras (mesmo que, depois disso, possa ter recorrido múltiplas vezes a essas imagens, "copiando-as" e reinventando-as). A fotografia de Herb Ritts para a capa do ábum True Blue (lançado a 30 de Junho de 1986) corresponde, além do mais, a laços de criatividade e amizade encetados durante a rodagem de Desesperadamente Procurando Susana (1985), ambiente em que Madonna também por ele foi fotografada. Aliás, na sua curta, mas significativa, actividade como realizador, Ritts viria a estrear-se com Madonna, dirigindo o teledisco de Cherish (1989), uma muito simples, mas tocante, fábula à beira-mar [aqui em baixo]. Faleceu em 2002, vitimado por sida, contava 50 anos.
Anti-Coen



A consagração esperada dos Coen

domingo, fevereiro 24, 2008
Bostridge: entre Schumann e Brahms

Músicas deste mundo



A IMAGEM: Alfred Eisenstaedt, 1952

Marilyn Monroe [imagem reenquadrada], 1952
"Cherie"
Vanity Fair, Abril 1991

A obsessão por Marilyn Monroe (1926-1962) funciona também como uma rejeição do silêncio imposto pela tragédia. Não se trata de a "copiar", mas de a citar — sabemos, de Picasso a Godard, que a prática da citação é uma componente vital da arte do nosso tempo. Em Abril de 1991, na Vanity Fair, Madonna surgia assim, apropriando-se da pose, do vestido e da aura de Marilyn em Bus Stop/Paragem de Autocarro (1956), de Joshua Logan — era uma de nove imagens [outra aqui em baixo], todas inspiradas em Marilyn, assinadas por Steven Meisel. No filme de Logan, ela chamava-se "Cherie"; um mês depois destas fotografias, era lançado o documentário Truth or Dare/Na Cama com Madonna.

sábado, fevereiro 23, 2008
Paisagens americanas (5)


> Outras paisagens: Nome de Código: Cloverfield / Eu Sou a Lenda / O Lado Selvagem / Haverá Sangue.
La Graine et le Mulet: 4 x César

O regresso dos Spiritualized

sexta-feira, fevereiro 22, 2008
O segundo Oscar?

Uma menina no (seu) país

Realizado pela própria Marjane Satrapi, em colaboração com Vincent Paronnaud, Persépolis tem o cuidado de assegurar a necessária contextualização política e social que, no fundo, é mais que mero cenário onde evolui a narrativa que acompanhamos e cujo centro gira em volta da família de Marjane, típico exemplo de classe média urbana e instruída, sonhando com a mudança, sob o regime do Xá.
As revoltas que estalam e desencadeiam a queda da monarquia, a libertação de presos e uma atmosfera de esperança são parte da história da infância da pequena Marjane. O seu tio, assim como outros ideólogos e activistas de esquerda, estarão contudo entre as primeiras vítimas da revolução islâmica que, ao olhar da menina iraniana, levam o país de um regime repressivo a outro não muito diferente. As mudanças, sobretudo de comportamentos, decretadas pelo regime islâmico, em nada encaixam no espírito rebelde da pequena Marjane, agora uma estudante liceal, que um dia sai para a rua de blusão onde se lê “Punk is not ded” (sim, "ded"), procurando música no mercado negro, acabando por comprar uma cassete dos Iron Maiden. Duas mulheres interceptam-na, criticam os seus modos ousados, que reprovam e preparam para castigar. Parte da vida de Marjane Satrapi passou também pela cidade de Viena, na Áustria, seguindo o filme esse percurso. Aí encontra outros obstáculos, outras incompreensões e uma série de desgostos de amor que a levam a querer regressar ao seu país natal que, todavia, torna depois, e definitivamente, a abandonar. Apesar do contexto histórico e político, o cerne da acção de Persépolis gira em torno de Marjane, da sua transformação de menina em mulher e do acompanhar da sua família que, mesmo sob adverso clima político, não deixa nunca o seu país. Um elenco de peso dá voz a todas estas personagens. Chiara Mastroiani é Marjane. Catherine Deneuve interpreta a sua mãe e Danielle Darrieux a avó.
O 'disco' mal amado pela banda
'My Own Way' (single), 1981

O teledisco de My Own Way, realizado por Russel Mulcahy, é um dos mais invisíveis dos Duran Duran na história da MTV ou VH1. Todavia, foi presença regular na televisão portuguesa entre 1981 e 82. Com cenário e banda a preto, branco e vermelho, é integralmente rodado em estúdio, juntando aos músicos dançarinos de qualquer coisa parecida com flamenco (aceitando assim a sugestão do grafismo da capa do single) e um papagaio vermelho, que se passeia sobre o teclado de Nick Rhodes.
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Air reeditam 'Moon Safari'
Inédito de José Cardoso Pires

Tradição liberal

quinta-feira, fevereiro 21, 2008
Bowie canta com Scarlett Johansson

No centro da Europa

The National ao vivo em Lisboa
Stanko: entre trompete e piano
Certezas da improvisação, sobressaltos das narrativas — foi uma noite (20 Fev.) maravilhosamente paradoxal no Grande Auditório da Culturgest: o trompetista polaco Tomasz Stanko veio apresentar o seu mais recente álbum (Lontano), num concerto tecido de um gosto quase sinfónico em que as várias peças tocadas mais pareciam uma antologia de andamentos ao serviço de uma mesma vontade de colocar em palco essa utopia branda: a de uma certeza ambígua que nasce da possibilidade de tudo acontecer.
Dir-se-ia que o quarteto de Stanko é, no seu limite mais austero, um duo de trompete e piano, de tal modo a presença multifacetada do pianista Marcin Wasilewski se revela essencial no esplendor dos resultados. Claro que colocar as coisas nestes termos envolve uma forte injustiça em relação aos brilhantes Slawomir Kurkiewicz (contrabaixo) e Michal Miskiewicz (bateria). Em todo o caso, as deambulações do trompete e as respostas pudicas, mas sempre concisas, do piano foram as mais imediatas responsáveis pela beleza contida que encheu a noite — apenas uma hora e meia (com um único encore), directo ao essencial.
PS - Recomenda-se vivamente o texto do programa, da autoria de Manuel Jorge Veloso, para já não disponível no site da Culturgest.
quarta-feira, fevereiro 20, 2008
Alain Robbe-Grillet (1922 - 2008)
Morreu o homem que escreveu o argumento de O Último Ano em Marienbad (1961), de Alain Resnais. Mas será que aquela "história" ainda era um argumento?... A pergunta, de curiosidade ou provocação, transfigurou-se em germe de todo um edifício teórico que, de uma maneira ou de outra, marcou o cinema das novas vagas e respectivas descendências.
Mestre do nouveau roman, autor de títulos emblemáticos como Les Gommes (1953) ou Le Voyeur (1955) Alain Robbe-Grillet faleceu na segunda-feira, dia 18. Na literatura e no cinema, foi sempre um militante activíssimo do projecto de discussão e superação das mais clássicas matrizes narrativas, sendo o filme de Resnais um dos momentos mais puros dessa modernidade (com alguma ironia, não podemos deixar de referir que, nos Oscars referentes a 1963, Marienbad traria a Robbe-Grillet uma nomeação na categoria de melhor argumento original). Os seus filmes mais importantes passaram nos anos 70 em Portugal, nomeadamente Glissements Progressifs du Plaisir (1974), inevitável símbolo da abertura do mercado aos temas "eróticos".
Se é possível resumir numa ideia simples a herança de Robbe-Grillet, talvez possamos considerar que o seu labor celebra o abandono da psicologia clássica para privilegiar a abstracção potencial das formas. O seu derradeiro livro, Un Roman Sentimental, foi publicado em 2007 — é, segundo as suas palavras, "um conto de fadas para adultos".

Delphine Seyrig em O Último Ano em Marienbad (1961)