quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Em conversa: Osvaldo Golijov (2)

Continuamos aqui a publicação da versão integral de uma entrevista com o compositor argentino Osvaldo Golijov, que serviu de base a um artigo publicado no DN.

Tem tempo para ouvir o que acontece na música actual, nas mais diversas áreas? Compra discos?
Sim... Apesar das lojas de música estarem a desaparecer, compro discos. Preciso estar informado sobre o que está a acontecer.

Quando entra numa loja vai directamente à secção de música clássica?
Não, não. Naturalmente venho da clássica e escuto mais clássica que outro tipo de música. Mas gosto também de jazz, de world music...

Que disco ou artista o entusiasmou mais nos últimos tempos?
Há uma figura, na composição, que admiro muito: a Maria Schneider. Tem um disco chamado Sky Blue... É uma música belíssima.

Costuma pensar como serviriam a sua música os instrumentistas e as vozes que ouve nos discos que compra?
Não. Escuto-os por prazer. Não penso logo no trabalho. Nisso sou um amador...

Em que momento na sua vida a música começou a ser algo especial para si?
A minha mãe era pianista. E assim sendo creio que gostei de ouvir música desde que nasci. Tocava e até escreva música em criança. Mas a mudança deu-se quando vi, ao vivo, Piazzolla, quando tinha uns dez anos... Nem dormi nessa noite! Foi um momento muito especial. Toda a música que tinha ouvido até aí tinha sido descoberta nos discos que ouvia ou nas partituras que tínhamos em casa, sobre o piano. De Bartók a Mozart... Mas ter à frente dos meus olhos uma pessoa a tocar uma música que sob si tinha Bach e Bartók, mas também a forma como as pessoas falavam, andavam e riam na sua... Foi uma experiência assombrosa.

A sua música herdou talvez essa lição de Piazzolla. Ou seja, a consciência de uma herança clássica, mas também um sentido vivencial, integrado no mundo real onde vive...
Sem dúvida! Piazzolla para mim foi um modelo. Estabeleceu um rumo... Um certo tipo de ligações... E quando uso instrumentos locais não pelo travo exótico que possam dar à música o sentido de verdade dessas ferramentas. Como Piazzolla fez com o bandoneón... Tem a ver com a maneira de trabalhar do artesão...

A sua música é também, além dessa história vivencial, um fruto de um conjunto de heranças familiares, nomeadamente a tradição judaica...
É verdade.

Como é que se projecta essa genética familiar numa obra?
Não é um exercício consciente, não é uma decisão intelectual. É algo natural. É quem sou. Tem a ver com o equilíbrio daquilo que sou. Essas referências trazem marcas de uma certa nostalgia. E há verdade nessa nostalgia... Por exemplo, não creio que Fellini ou Almodóvar seriam o que são sem o catolicismo. Respeito e amo as minhas heranças, mas não quero fazer uma música que sirva apenas para fazer os meus avós felizes.
(continua)