quinta-feira, agosto 29, 2019

"Apocalypse Now" no CCB

Nem tudo está perdido: a versão final de Apocalypse Now (1979) — mais exactamente: Apocalypse Now: Final Cut —, estreada por Francis Ford Coppola no Festival de Tribeca, vai ter uma-exibição-uma em Portugal. Será no dia 20 de Outubro, às 16h00, no CCB.

quarta-feira, agosto 28, 2019

Um museu em Hollywood

O projecto do Museu da Academia de Hollywood existe desde 2012 e tem tido uma existência atribulada. Dedicado à memória de mais de um século de cinema deverá abrir ao público, finalmente, em 2020 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Agosto).

O Museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood vai abrir ao público em 2020. Enfim, talvez... A data da inauguração já foi objecto de várias atribulações (anunciado o projecto em 2012, a sua abertura chegou a estar prevista para 2017), pelo que convém encarar com alguma prudência todas as notícias sobre o projecto.
Situado no Wilshire Boulevard, cerca de 6 km a norte do Dolby Theatre (sala que tem acolhido a cerimónia dos Oscars desde 2002), o Museu é um dos empreendimentos mais ambiciosos em toda a história da Academia de Hollywood. Com uma aposta radical: afirmar-se como “a maior instituição do mundo dedicada à arte e à ciência dos filmes”.
Concebido pelo italiano Renzo Piano, arquitecto ligado a construções tão emblemáticas como o Centro Pompidou ou o edifício do New York Times, o Museu distingue-se, antes do mais, pela sua pluralidade interior — de espaço de memórias dedicado a mais de um século de cinema a centro de espectáculos com programas regulares, “o museu pretende-se inspirador, divertido e educativo.”


Ocupando uma área total de 28 mil metros quadrados (contas redondas: quatro campos de futebol), incluindo jardins e parques, o edifício distingue-se por uma imensa cúpula construída a partir de 1500 placas de vidro. O custo orçamentado é de 388 milhões de dólares (350 milhões de euros à cotação actual), mas tudo indica que tal valor será ultrapassado.
A Academia de Hollywood foi criada em 1927, contando entre os seus 36 fundadores nomes lendários como o produtor Irving Thalberg, o realizador Cecil B. DeMille e os actores Douglas Fairbanks, Harold Lloyd e Mary Pickford. A primeira cerimónia dos Oscars realizou-se a 16 de Maio de 1929 mas, para lá das suas célebres estatuetas douradas, a Academia tem sido também uma instituição apostada na defesa do património cinematográfico, com importantes actividades na área da preservação e divulgação desse património, sem esquecer os domínios da educação e filantropia.
O Museu possui, assim, uma vastíssima colecção de preciosidades para expor, a começar por objectos que, através dos filmes, conquistaram um lugar na mitologia global do cinema — por exemplo, os sapatos vermelhos [foto] de Judy Garland em O Feiticeiro de Oz (1939), a máquina de escrever em que Joseph Stefano criou o argumento de Psico (1960), de Alfred Hitchcock, ou o monstro mecânico usado no clássico Tubarão (1975), de Steven Spielberg. Isto sem esquecer muitos, e muito raros, objectos precursores do cinema como algumas fascinantes lanternas mágicas da segunda metade do século XIX.


Tudo isso será complementado por áreas específicas de evocação de actividades técnicas ou momentos históricos exemplares, obviamente transcendendo as fronteiras específicas da produção “made in USA” — anuncia-se, por exemplo, uma zona dedicada ao universo criativo de Hayao Miyazaki, mestre da animação japonesa. Haverá também um espaço intitulado “Where dreams are made” (à letra: “Onde se fabricam os sonhos”), explicando as tarefas envolvidas na produção de um filme, da concepção dos cenários ao tratamento da luz, e ainda uma exposição em permanente evolução, designada “Teamlab”, que dará conta das transformações globais da produção, desde o uso das primeiras películas até à presente era digital.
Quanto aos programas de exibição de filmes, não será arriscado supor que dedicarão especial atenção às memórias cinéfilas e aos muitos títulos para cuja recuperação e restauro a Academia tem contribuído [imagem: maqueta de sala de projecção]. Será, aliás, a extensão de uma actividade — envolvendo projecções, conferências e debates — que a própria Academia desde sempre favoreceu (na agenda de Setembro, por exemplo, constam filmes de animação e uma conferência sobre o trabalho dos directores de fotografia).


Em qualquer caso, sobre esses programas, o site do museu apenas diz: “Coming soon”... Esperemos, por isso, para saber da proximidade temporal de tal calendário... Uma coisa é certa: desde 6 de Agosto, a Academia tem um novo presidente — David Rubin, primeiro director de “casting” a ocupar tal cargo —, sendo a criação de condições para a abertura do Academy Museum of Motion Pictures uma das tarefas nucleares da sua administração. Esperemos por novidades na próxima cerimónia dos Oscars, marcada para 9 de Fevereiro de 2020.

terça-feira, agosto 27, 2019

Casanova — o sexo, o corpo e a alma

Stacy Martin e Vincent Lindon
Personagem frequentemente revisitada pelo cinema, Giacomo Casanova surge agora retratado pelo francês Benoît Jacquot: O Último Amor de Casanova é um conto moral sobre os limites da paixão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Agosto).

As conotações sexuais do apelido “Casanova” são esclarecedoras e transparentes: ao longo dos séculos, o veneziano Giacomo Casanova (1725-1798) foi consolidando um lugar especial na cultura europeia que o transformou em símbolo universal do impulso amoroso, seus êxtases e frustrações.
O cinema tratou-o nos mais variados registos, sendo inevitável lembrar o Casanova (1976), de Federico Fellini, com Donald Sutherland, a meu ver um dos filmes mais pessoais do cineasta italiano. Não admira que o francês Benoît Jacquot (n. 1947) se tenha interessado agora pela personagem: mais do que uma evocação histórica, O Último Amor de Casanova poderá definir-se como um conto moral sobre a ilusão de absoluto que o amor pode transportar.
Em boa verdade, se percorrermos a filmografia de Jacquot, de As Asas da Pomba (1981), baseado em Henry James, até ao recente Eva (2018), com Isabelle Huppert, a partir de um romance de James Hadley Chase, compreendemos que ele é um explorador obsessivo dessas intrigas em que o amor se confronta com as formas da sua própria insensatez.
Inspirando-se na monumental autobiografia de Casanova — História da Minha Vida (a edição integral, respeitando o texto original, só foi estabelecida em 1960-62) —, Jacquot centra o filme na fixação do protagonista na figura de Marianne de Charpillon, em Londres, em meados do século XVIII. Estamos perante um “flashback”, com Casanova a evocar, para a sua amiga Cécile, a sua angustiada paixão.
Porquê angustiada? Desde logo, porque Charpillon se apresenta como mulher de moral duvidosa (“pas fréquentable”), evitada pelos libertinos mais ricos, especialmente empenhados em não manchar a sua imagem social; depois, porque, face a ela, Casanova, conquistador militante de “todas” as mulheres, se descobre, afinal, enredado num impulso amoroso cuja intensidade é, para ele, um mistério.
Jacquot sabe evitar qualquer actualização simbólica das atribulações de Casanova. Mesmo não tendo meios espectaculares de “reconstituição”, O Último Amor de Casanova é um filme interessado nas especificidades da época que retrata, em particular nas singularidades dos corpos, seus rituais e relações. Fundamental para essa dimensão muito física de todos os momentos é o trabalho dos actores, com natural destaque para os intérpretes de Casanova e Charpillon, respectivamente Vincent Lindon e Stacy Martin.
O caso de Lindon é tanto mais interessante quanto há na sua trajectória algumas marcas de uma retórica de “excessos” dramáticos que só o tem prejudicado — lembremos o exemplo de Rodin (2017), por certo um dos maiores falhanços da obra de um cineasta tão interessante como Jacques Doillon. Em O Último Amor de Casanova, Jacquot sabe criar as condições para que Lindon se exprima num registo de paradoxal contenção, desse modo revelando a dor primordial que habita o seu corpo, neste caso sinalizando a tragédia oculta da alma.

Susan Meiselas: uma carreira extraordinária

SUSAN MEISELAS
Combatente de rua — Manágua, Nicarágua
1979
Primeira fotógrafa distinguida com o prémio Women in Motion [Encontros de Arles, 2019], a americana Susan Meiselas (n. 1948) falou recentemente sobre o seu trabalho para a France Culture — título: "Para mim, ver é escutar". Para mais informações sobre a sua extraordinária carreira, vale a pena consultar o site da Magnum.

segunda-feira, agosto 26, 2019

Cinema Ideal comemora 5 anos
e oferece bilhetes para "Vem e Vê"

Clássico absoluto da produção da URSS, muitas vezes apelidado "o melhor filme de guerra de todos os tempos", Vem e Vê (1985), de Elem Klimov (1933-2003), vai ficar também como um dos acontecimentos maiores no panorama cinematográfico português de 2019 — com chancela da Midas Filmes, será reposto em cópia restaurada no cinema Ideal, em Lisboa, a partir de 29 de Agosto, para depois circular pelo resto do país.
Um dia antes, portanto 28 de Agosto, o Ideal (na Baixa-Chiado, rua do Loreto, 15), assinala os primeiros 5 anos da sua reabertura como sala independente. Com duas sessões especiais:
— 19h10: Variações, de João Maia, com a presença do realizador e dos actores Sérgio Praia e Filipe Duarte;
— 21h30: Vem e Vê — com sessenta bilhetes oferecidos aos primeiros espectadores que, nesse dia, se apresentarem na bilheteira a partir das 14h30.

>>> Trailer de Vem e Vê.


>>> Ensaio sobre Vem e Vê [Boston University].

António Variações e o seu fado

Chegou, finalmente, às salas escuras o filme Variações, um retrato feito a partir de uma genuína admiração pelo cantor, celebrando a música, desenhando o mapa do seu destino — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Agosto).

Nos últimos meses, muito se tem dito, falado e comentado sobre o filme Variações, de João Maia (finalmente nos cinemas). Importa dizer: ainda bem. Além de termos assistido a uma campanha promocional sóbria e bem concebida, isso significa também que é possível gerar expectativas saudáveis em relação a um filme português. Não por razões banalmente patrióticas, antes porque, na sua mais desarmada verdade, se trata de descobrir um... filme.
Tal não impede que, no labirinto mediático, se pressinta uma sugestão mais ou menos anónima sobre a necessidade de testar a “veracidade” do retrato de António Variações (1944-1984) proposto por João Maia. Vale a pena enfrentarmos essa questão. Por uma razão muito básica: se os filmes portugueses (mas a questão será válida para qualquer filme, de qualquer origem) começarem a ser reduzidos a relatórios de uma qualquer contabilidade “factual”, como se fossem um exercício de “fact-checking” (para usarmos a expressão consagrada pelo jornalismo global), então é o simples amor do cinema que será desqualificado.
Mais do que isso: deixaremos de ser espectadores e reduzimo-nos a autómatos sem pensamento nem emoções. Na nossa estupidez fundamentalista, acabaremos mesmo por deitar Casablanca (1942) para o lixo porque o Rick’s Café não ficava em Marrocos, mas em Burbank, Califórnia, nos estúdios da Warner Bros.
Não sejamos ingénuos. Claro que se trata de abordar uma pessoa real, para mais ocupando um lugar fulcral nas dinâmicas criativas da moderna música portuguesa (decisivo, a meu ver, na discussão das relações entre tradição e experimentação). Mas não é menos claro, creio, que estamos também perante um filme construído a partir de uma genuína admiração por essa pessoa. Daí a encararmos Variações como um objecto que tem de prestar contas “enciclopédicas” sobre o seu próprio trabalho dramatúrgico vai um passo que nos retira da fruição do espectáculo, empurrando-nos para a ignorância das especificidades de qualquer narrativa.
Qual, então, a narrativa que nos é proposta? A mais simples, que é também a menos esquemática. A saber: a afirmação, aliás, a construção de uma identidade através da paixão pela música.
Há neste retrato de António Variações um visceral impulso fadista (é um pormenor, mas creio mesmo que ele representa a mais ousada, paradoxalmente também mais fiel, reinvenção do legado de Amália Rodrigues). E num duplo sentido: primeiro, porque a sua criatividade não é estranha ao património fadista; depois, porque as convulsões da sua história pessoal — da profissão de cabeleireiro à intimidade — foram vividas através desse desejo de enfrentar um fado simbólico, envolvendo as certezas e os imponderáveis de qualquer destino.


Creio que o filme teria ganho em dar outro desenvolvimento às personagens mais próximas de António Variações, em especial Fernando Ataíde e Rosa Maria, fundadores da discoteca Trumps. O que não impede, entenda-se, que Filipe Duarte e Victoria Guerra sejam exemplares nas respectivas interpretações. Aliás, mesmo com alguns desníveis no interior do elenco, Variações consegue aquilo que alguns filmes portugueses, cedendo à mediocridade telenovelesca, têm menosprezado: as personagens podem ter uma passagem efémera pela acção, ou até, em alguns casos, possuir algo de caricatural, mas nada disso as reduz a “cromos” pitorescos que dispensem o investimento singular de cada actor.
Escusado será dizer que a composição de Sérgio Praia é, de uma só vez, o centro irradiante e o ponto de fuga do filme. De tal modo que a sua reencarnação de Variações (com as conotações metafísicas que a palavra “reencarnação” possa envolver) implica um desafio profissional tão estimulante quanto difícil. A saber: o desafio de não se deixar “prender” ao sucesso de composição de uma personagem, seja ela qual for.
Dito isto, sublinhemos a admirável capacidade de Sérgio Praia ser um corpo e uma presença (uma coisa não esgota a outra...) em íntima ligação com o olhar frio e perscrutante da câmara. Não é todos os dias que um filme, português ou não, nos oferece tal dádiva.

domingo, agosto 25, 2019

Piano solo [3/10]


[ Herbie Hancock ] [ Miksuko Uchida ]

Live to Tell é um dos temas mais célebres de Madonna e, por certo, uma das mais belas baladas da história da música pop. Ironicamente, a sua fama nasce de uma primeira rejeição: Patrick Leonard compô-lo como instrumental a ser usado no filme Fogo com Fogo (1986), produção da Paramount, mas o estúdio rejeitou-o. Na altura, tendo sido convidado a colaborar naquele que viria a ser o terceiro álbum de estúdio de Madonna, True Blue (1986), Leonard deu-lhe a conhecer o que já tinha composto. Madonna quis ficar com o tema, completou-o musicalmente e escreveu o respectivo poema. Mais do que isso: mostrou-o a James Foley, na altura a preparar a rodagem de At Close Range (Homens à Queima-Roupa), filme protagonizado por Sean Penn, então marido de Madonna — Foley integrou a canção no filme, convidando Leonard a compor a respectiva banda sonora.
Tudo isso ocorreu ao longo de 1986, ano em que Foley assinaria ainda os telediscos de Live to Tell, Papa Don't Preach e True Blue; um ano mais tarde, surgiu o filme Who's That Girl?, com Madonna no papel principal e Foley a dirigir.
Colaborador frequente de Madonna, Leonard surge, aqui, a interpretar Live to Tell numa das sessões dos ateliers de Verão promovidos pelo professor de canto Seth Riggs (na lista dos seus alunos, além de Madonna, encontramos os nomes de Johnny Hallyday, Michael Jackson e Prince) — é um registo de 24 de Julho de 2008.

sábado, agosto 24, 2019

John Berger — ver e escrever

[The New Yorker]
Escritor, ensaísta, argumentista de cinema, o inglês John Berger (1926-2017) deixou uma obra tão vasta quanto multifacetada que mantém a sua pertinência argumentativa e, em particular, a actualidade política e simbólica. Dois livros recentemente surgidos no mercado português atestam essa vitalidade.

Understanding a Photograph, a edição mais antiga, publicada em 2013, com chancela da Penguin, é uma antologia de textos escritos a partir dos anos 60, com duas vertentes fundamentais: por um lado, o lançamento das bases de um pensamento dialéctico sobre a existência material e social das fotografias, tendo como grandes referências inspiradoras os trabalhos de Roland Barthes e Susan Sontag; por outro lado, a prospecção crítica da obra de vários fotógrafos, de Henri Cartier-Bresson a Sebastião Salgado (neste caso, através de um diálogo-entrevista-ensaio). A destacar: o prodigioso texto sobre as aparências — intitulado 'Appearances', justamente —, datado de 1982.

A outra edição, Um Sétimo Homem, é uma tradução portuguesa, da responsabilidade de Jorge Leandro Rosa (também autor do posfácio), e chegou às livrarias através da Antígona.
Encontramos o mesmo labor de percepção e questionamento do mundo e das suas imagens, com a particularidade de essas imagens integrarem a própria dinâmica narrativa do livro: estamos perante um trabalho desenvolvido nos primeiros anos da década de 70 (a edição original surgiu em 1975), com a prosa de Berger e as fotografias do suíço Jean Mohr (1925-2018) a testemunharem as convulsões dos movimentos de migrantes no interior do continente europeu.
Escusado será dizer que somos levados a estabelecer imediatas ligações com o nosso presente, mas o valor do livro não se pode medir porque qualquer simbolismo "premonitório". Acima de tudo, aquilo que encontramos em Um Sétimo Homem é a discussão/experimentação de uma linguagem plural, capaz de integrar, por exemplo, a deambulação romanesca a par do testemunho fotográfico. À sua maneira, esta é também uma crítica contundente — neste caso, actualíssima — da ilusão mediática, muito televisiva, segundo a qual "gravar" o mundo em imagens desemboca na revelação (?) de um sentido único, unívoco e inquestionável.

* * * * *

Vale a pena lembrar que John Berger é autor de Ways of Seeing (edição portuguesa: Modos de Ver, Antígona), livro clássico sobre o lugar das imagens nas sociedades contemporâneas e, nessa medida, o seu papel como matéria do próprio real, muito para além de qualquer noção simplista de "reprodução".
Este sim, é um livro de uma admirável presciência: publicado em 1972, a inteligência e agilidade das suas reflexões mantêm uma actualidade perturbante, no limite levando-nos a perguntar como é que a nossa visão das "coisas-enquanto-imagens" desempenha um papel fulcral na interiorização da nossa identidade e também no sistema de relações que estabelecemos com os outros.
Aliás, Ways of Seeing é uma obra tanto mais sedutora quanto, na sua origem, está uma série homónima, de quatro episódios de 30 minutos, produzida pela BBC e emitida pela primeira vez também em 1972 — é possível vê-la por inteiro na Net; eis o primeiro episódio.


>>> Entrevista a John Berger, por Kate Kellaway (The Observer, 30 Out. 2016).

sexta-feira, agosto 23, 2019

"Grace" faz 25 anos

O álbum Grace, de Jeff Buckley, foi lançado a 23 de Agosto de 1994 — faz hoje 25 anos.
É um daqueles objectos que entrou na história de forma discreta para, com o passar dos anos, se impor como um clássico absoluto. Razões para tal trajecto? Uma, entre muitas: a sua resistência a qualquer classificação de "género", proeza tanto mais dramática quanto Grace foi o único álbum que Buckley concluiu durante a sua curta existência — faleceu em 1997, contava 30 anos [Rolling Stone].
No seu misto de transparência e mistério, Buckley encarna, de uma só vez, o cantor introspectivo e o actor de todas as máscaras, porventura uma das derradeiras encarnações românticas que a história do rock ainda soube gerar. Eis três temas de Grace, para que não nos esqueçamos:
Last Goodbye, composição do próprio Buckley;
Hallelujah, o clássico de Leonard Cohen;
Grace, de Buckley, em colaboração com o guitarrista Gary Lucas.





A colecção de Sandy Schreier

O senso comum ensina-nos que a perfeição é inatingível. Em qualquer caso, esta notícia da Vogue não é sobre o senso comum — assim, a colecção da americana Sandy Schreier, historiadora e coleccionadora de moda, vai ser tema de uma exposição no Anna Wintour Costume Center do MET, Nova Iorque. Digamos, para simplificar, que as imagens envolvem uma moral perturbante: a abstracção que os modelos inanimados emprestam a estes vestidos é um sinal cruel, mas redentor, da imperfeição do humano.

Lana Del Rey: um video, duas canções

O sexto álbum de estúdio de Lana Del Rey (30 Agosto) apresenta-se com um título delicioso a cujas ressonâncias simbólicas, brevemente, nos deveremos dedicar: Norman Fucking Rockwell!.
Para já, digamos apenas que tem sido promovido através de cenários e imagens de espírito made in California, transportando um romantismo paradoxal, tecido de ternura e cepticismo. Com uma novidade insólita, e tanto mais quanto tem mesmo qualquer coisa de único. Ou seja: um video que não é exactamente o teledisco de uma canção, mas de duas... Ou serão dois telediscos irmanados no mesmo video... Enfim, o que mais conta é a sinceridade festiva do empreendimento, "colando" os dois temas no mesmo acontecimento audiovisual — eis o trailer do álbum e, em baixo, Fuck It I Love You & The Greatest.



quinta-feira, agosto 22, 2019

Os cães não fumam, mas...

São imagens que vêm da Nova Zelândia, da responsabilidade da Quitline, entidade de apoio aos cidadãos que querem deixar de fumar. No seu mais recente video, concebido pela agência YoungShand (Auckland), os protagonistas são um homem e o seu cão — e a história não é o que parece...

Gomez — memórias com 20 anos

Liquid Skin foi o segundo álbum dos ingleses Gomez, lançado em 1999, cerca de um ano após o impacto de Bring it On. Duas décadas depois, uma edição especial, incluindo vários demos e registos inéditos, serve para revisitarmos este rock agreste e poético, na maior parte dos temas materializado na inconfundível voz rouca de Ben Ottewell. Aqui ficam duas memórias: primeiro, o tema Revolutionary Kind, remasterizado; depois o demo de Throwin' Myself Away.



Donna Tartt — do livro ao filme

The Goldfinch (2013), de Donna Tartt, é um daqueles livros que transcende, tende mesmo a ridicularizar, qualquer "resumo" que dele possamos tentar [edição portuguesa: O Pintassilgo, Editorial Presença].
Claro que podemos arriscar uma sinopse em registo mais ou menos policial: Theodore Decker, adolescente de Nova Iorque, sobrevive a um acto terrorista no Metropolitan Museum; por um lado, a sua mãe morre; por outro lado, no momento da tragédia, ele está a contemplar um pequeno quadro, uma obra-prima da pintura holandesa — 'O Pintassilgo', de Carel Fabritius (1622-1654) — que irá assombrar toda a sua existência...
As oito centenas de páginas que se seguem estão muito para além da história do acidentado trajecto do fascinante quadro de Fabritius. Ou melhor: através desse trajecto, assistimos à lancinante exposição da aventura de Theodore, perdido e achado, na procura de estabilizar uma identidade que, em boa verdade, talvez só possa existir como incessante demanda da verdade e da beleza.
Nos mais diversos momentos públicos, Donna Tartt sempre deu conta do seu fascínio pela escrita de Charles Dickens (1812-1870), pela sua capacidade de lidar com o labirinto humano, sem o padronizar, respeitando-o em todas as suas maravilhas, fantasmas e contradições. E não é caso para menos: The Goldfinch é o mais "dickensiano" dos romances e, por certo, uma das obras-primas da literatura do século XXI.
* * * * *
Como "transpor" um livro destes para cinema? Diria que é uma sedutora e ciclópica tarefa, porventura impossível de consumar... O certo é que o filme está pronto, com realização de John Crowley e Ansel Elgort a interpretar a personagem de Theodore. Terá a sua estreia mundial a 5 de Setembro, no Festival de Toronto, começando depois a surgir nos mercados internacionais [Portugal: 12 Setembro]. Eis o trailer.

quarta-feira, agosto 21, 2019

Stallone vs. Stallone

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Lançado em 1982, o primeiro filme de Sylvester Stallone como Rambo chamava-se First Blood, expressão que na sua literalidade ("primeiro sangue") designava a responsabilidade de quem, num confronto violento, desencadeava as hostilidades. Em Portugal, surgiu como A Fúria do Herói, mas em vários mercados o nome Rambo foi adoptado como título, nalguns casos com adendas (p. ex.: Rambo: Programado para Matar, no Brasil; Rambo: Primera Sangre, no México).
Seja como for, não cedamos à facilidade caricatural. Que é como quem diz: no seu esquematismo dramático, A Fúria do Herói, dirigido pelo canadiano Ted Kotcheff, era um objecto tão interessante quanto sintomático, apostado em lidar com as feridas simbólicas do Vietnam num registo que devolvesse as memórias da guerra ao imaginário das clássicas aventuras de guerra. Nele encontrávamos o desenvolvimento de um conceito tradicional de herói, agora já sem transcendência, que Stallone encarnara também, de forma modelar, no primeiro Rocky (1976), com argumento de sua autoria.
Aliás, em 1978, na tripla condição de actor-argumentista-realizador, o próprio Stallone concretizara uma exemplar derivação de tudo isso em Paradise Alley (título português: O Beco do Paraíso), filme infelizmente muito esquecido sobre os bastidores dos combates de "wrestling" na Hell's Kitchen, na década de 1940, exibindo um nostálgico look de série B consagrado no notável trabalho de direcção fotográfica do húngaro László Kovács (o mesmo de Easy Rider, Lua de Papel ou New York, New York, respectivamente de Dennis Hopper, Peter Bogdanovich e Martin Scorsese).
Enfim, tudo isto para dizer que, como bem sabemos, a carreira de Stallone, ainda que pontuada por alguns títulos magníficos — lembremos Copland - Zona Exclusiva (1997), de James Mangold — foi sendo marcada por sucessivas variações de Rocky Balboa e John Rambo, quase sempre de patética imaginação (Creed: O Legado de Rocky, lançado em 2015, é a excepção que confirma a regra).
No caso de Rambo, tivemos Rambo II - A Vingança do Herói (1985), Rambo III (1988) e John Rambo (2008). Como continuar a renovar (?) a "franchise", quase quarenta anos depois do original? Pois bem, aí está a resposta, agora transformando o "primeiro sangue" em "último": Rambo: Last Blood chegará às salas de todo o mundo ao longo dos meses de Setembro/Outubro (26 de Setembro no mercado português, com o título Rambo - A Última Batalha). Vale a pena conhecer o trailer: é um exemplo esclarecedor do modo como a indexação comercial de um produto pode apoiar-se na infinita repetição dos seus clichés... Assim o filme desminta os nossos pressentimentos.

Madison Cunningham na primeira pessoa

Love, Lose, Remember, lançado em 2017, foi o primeiro EP da americana Madison Cunningham — californiana, nascida na região de Orange County, tinha 20 anos. Entre as suas inspirações, ela própria identificava: The Beatles, Joni Mitchell, Jeff Buckley, Nick Drake, Bob Dylan...
Enfim, não se pode dizer que Cunningham quisesse simplificar o seu destino artístico. O certo é que, dois anos depois, o álbum de estreia — Who Are You Now — é uma das mais sedutoras premieres deste ano musical, cruzando influências muito diversas, da folk ao jazz, sem qualquer ostentação formal, antes no sentido de uma afirmação genuinamente pessoal.
Será preciso voltarmos a Who Are You Now. Para já, observemos como a singularidade artística de Madison Cunningham se pode escutar através de algumas imaculadas versões de três canções admiráveis, envolvendo os mais delicados desafios de interpretação:
In My Life, The Beatles;
No Surprises, Radiohead;
Poses, Rufus Wainwright.





terça-feira, agosto 20, 2019

Tarantino — entre 1969 e 2019


Com o novo filme de Quentin Tarantino, Era uma Vez em Hollywood, reencontramos o poder primitivo da fábula: ao revisitarmos o ano de 1969, somos levados a perguntar o que significa, para o nosso presente, a própria noção de cinefilia — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Agosto).

O domínio do mercado cinematográfico pelos super-heróis da Marvel e DC Comics tem conseguido levar muitos espectadores jovens a acreditar numa mentira obscena: no cinema americano só se fabricariam objectos escapistas, adequados ao consumo ruidoso de pipocas.
Talvez por isso, na Net, em alguns espaços da imprensa internacional, deparamos com uma visão caricatural do novo filme de Quentin Tarantino, Era uma Vez em Hollywood, e em particular das suas memórias de 1969. Estaríamos perante uma colecção de piadas sobre um tempo de comédias grosseiras e “westerns” decadentes — Leonardo DiCaprio interpreta um actor de séries televisivas de cowboys —, apesar de tudo celebrando a idade de ouro de Hollywood...
Idade de ouro? Em nome da mais básica objectividade, importa recordar que a acção de Era uma Vez em Hollywood se situa numa trágica “terra de ninguém” da indústria audiovisual da Califórnia. Em finais da década de 60, a decomposição das estruturas tradicionais dos grandes estúdios, a par da concorrência brutal da televisão, gerava um espaço de profunda angústia criativa em que tudo ameaçava decompor-se, mesmo se é verdade que, pelo paradoxo inerente a qualquer crise, tudo parecia possível.
Não é por acaso que Tarantino elabora a sua prodigiosa teia narrativa a partir da figura de Sharon Tate, interpretada com terno mimetismo por Margot Robbie. Assassinada nesse ano pela seita de Charles Manson, Tate ficou, afinal, como dramática encarnação de um impossível retorno aos padrões de representação e glamour das estrelas clássicas.
1969 é mesmo um momento emblemático de desagregação ideológica do “western”, género que, como bem sabemos, se confundia com uma mitologia redentora da própria nação — e não serão necessárias grandes demonstrações sociológicas para reconhecer que tal desagregação não pode ser dissociada do desenvolvimento da guerra do Vietname.
Foi o ano de A Quadrilha Selvagem, de Sam Peckinpah, encenando a fronteira com o México como cenário da morte brutal, em sentido literal e figurado, dos padrões clássicos de heroísmo. Foi também o ano de Easy Rider, com Peter Fonda e Dennis Hopper, aventura “on the road” em que os novos cavaleiros, em motos reluzentes, deparavam com o vazio existencial que o próprio cartaz do filme identificava: “Um homem partiu à procura da América e não conseguiu encontrá-la em nenhum lugar...”
Simbólico entre todos os títulos de 1969, O Cowboy da Meia-Noite, de John Schlesinger, mimava um modelo tradicional de “western”, agora em gélidos cenários da grande metrópole nova-iorquina: Jon Voight é uma personagem anacrónica do mundo dos cowboys (vinha do Texas...) que, através do seu envolvimento com o vagabundo interpretado por Dustin Hoffman, descobre que o mito dera lugar aos rituais de uma teatralidade fúnebre.
Tarantino filma essa conjuntura com o carinho de um verdadeiro cinéfilo, capaz de reconhecer as contradições de um tempo em que, para o melhor e para o pior, se decidiu muito do futuro do cinema (porventura até aos dias de hoje). Através das muitas fachadas de salas que pontuam as imagens, surgem mesmo referências a títulos tão marginais e esquecidos como The Night They Raided Minsky’s, comédia muito amarga sobre os bastidores do teatro, assinada por William Friedkin (que quatro anos mais tarde realizaria O Exorcista); por involuntária, mas reveladora, ironia o seu título português foi Os Bons Velhos Tempos.
Nada disto envolve qualquer revivalismo. O cineasta de Pulp Fiction (1994) e Os Oito Odiados (2015) não reduz o passado a uma terra perdida nas brumas de uma nostalgia exangue. Daí que Era uma Vez em Hollywood envolva um tão especial desafio ao espectador: o regresso ao passado só adquire pleno sentido através da sua ambígua duplicação no presente. Será preciso sublinhar que a personagem de DiCaprio se distingue por uma imaculada amizade com o seu duplo (das cenas de acção), interpretado por Brad Pitt? O “era uma vez” do título significa isso mesmo: a fábula duplica a imaginação do presente. Se ainda tivermos imaginação e gosto de contar histórias.

segunda-feira, agosto 19, 2019

Sleater-Kinney, opus 9

Corin Tucker, Janet Weiss e Carrie Brownstein — quem é quem na capa de The Center Won't Hold? Digamos que a imagem de marca do nono álbum de estúdio das Sleater-Kinney está concebida para gerar, justamente, essa ideia de cumplicidade construída em torno de uma poética visceralmente punk.
Já conhecíamos a canção (e o fabuloso teledisco) de Hurry on Home. É altura de acrescentar que este conjunto de onze temas confirma a contagiante exuberância de um entendimento de uma herança musical que recusa qualquer "modernismo" gratuito, o que não exclui a alegria de um permanente experimentalismo. Uma maneira sugestiva de resumir a questão seria dizer que as três mulheres de Olympia, capital do estado de Washington, se movem na mesma paisagem que, em anos recentes, ganhou nova energia pública através do trabalho exemplar de St. Vincent... Voilà: convém relembrar que Annie Clark, aliás St. Vincent, é a produtora de The Center Won't Hold.

>>> Teledisco/lyric video de LOVE.


>>> Site oficial das Sleater-Kinney.

domingo, agosto 18, 2019

Uma comédia sexual feminina?

Beanie Feldstein e Kaitlyn Dever
Foi em 1999 que se estreou American Pie, objecto de desastrosa mediocridade cinematográfica que criou um “estilo” de representação da juventude baseado num único pressuposto dramático: a adolescência seria apenas um acidente sexualmente burlesco que se resume no facto de as respectivas personagens serem ou não serem virgens... Em Portugal, num gesto de sagaz objectividade, o filme foi mesmo lançado com o subtítulo “A Primeira Vez”.
Vinte anos depois, há que reconhecer que a moda não desarma: Booksmart, estreia na realização da actriz Olivia Wilde, é a “enésima” variação sobre o tema. Dito de outro modo: onde antes encontrávamos rapazes a especular sobre o modo de atrair raparigas, agora a acção centra-se em raparigas atraídas por... rapazes e raparigas.
Dir-se-ia que encontramos aqui um sintoma das convulsões do movimento #MeToo, em particular da revalorização de histórias de mulheres concebidas e assinadas por mulheres. Em todo o caso, creio que tal perspectiva tende a gerar um equívoco ainda maior: mesmo não ignorando os seus impasses, contradições e silêncios, o fenómeno #MeToo é demasiado sério, e de inegável importância social, para que o confundamos com as proezas de um filme como Booksmart.
Desgraçadamente, a questão é muito mais simples: estamos apenas perante um exemplo de chocante mediocridade cinematografica. O subtítulo português ajuda à festa, procurando reforçar a “ironia” do original. Assim, “booksmart” designa alguém que cultiva o gosto dos livros, nessa medida “armando-se em esperto(a)”... Daí a adenda que o filme recebeu no nosso mercado: Inteligentes e Rebeldes.
Não estamos, realmente, no reino da subtileza. Assumindo-se como comédia sexual feminina, porventura feminista (?), Booksmart dá-nos conta das atribulações de Amy (Kaitlyn Dever) e Molly (Beanie Feldstein) em vésperas da cerimónia de encerramento do curso liceal, já vislumbrando a sua vida universitária... Num misto de desilusão e culpa, descobrem que talvez não tenham sabido desfrutar dos prazeres da adolescência em que todos os colegas se especializaram...
O cliché não podia ser mais claro: quem lê livros, coitado(a), não sabe nada dos sabores da vida vivida... O resultado é uma antologia de piadas de sorumbático humor, com a breve excepção de uma sequência onírica, executada, em animação, com duas bonecas Barbie que, ao espelho, avaliam as componentes sexuais da representação do seu próprio corpo... Podia ser uma outra maneira de lidar com a pesada herança de American Pie, mas tal sequência não passa de uma excepção. Em última instância, este é um filme que parece assombrado por aquela incómoda tristeza de nem sequer acreditar no humor que tenta transmitir.

sábado, agosto 17, 2019

Leopardo de Ouro para Pedro Costa

Vitalina Varela e Pedro Costa
— LOCARNO, 17 Agosto 2019
Pedro Costa continua a filmar personagens cujas raízes estão em Cabo Verde. No caso de Vitalina Varela, o título identifica a mulher que protagoniza uma nova aventura de um cinema que, por princípio, se demarca dos modelos dominantes. Ou como diz o próprio cineasta, evocando o trabalho com a sua equipa: "Não ando a fazer documentários ou entrevistas de televisão. Estamos a tentar qualquer coisa um pouco mais épico."
São palavras registadas no final do Festival de Locarno, onde Pedro Costa arrebatou o prémio máximo — Leopardo de Ouro —, cinco anos depois de no mesmo certame ter conquistado o prémio de realização, com Cavalo Dinheiro. Vitalina Varela foi também distinguida, recebendo o prémio de melhor interpretação feminina — esta é a sua entrevista ao site do festival.

Peter Fonda (1940 - 2019)

A sua imagem em Easy Rider há muito transcendeu as peripécias de um filme, pertencendo por direito próprio à iconografia do século XX: o actor americano Peter Fonda faleceu no dia 16 de Agosto, na sua casa de Los Angeles, devido a dificuldades respiratórias provocadas por cancro no pulmão — contava 79 anos.
Num certo sentido, Peter Fonda viveu artisticamente "bloqueado" pelo fulgor do seu próprio clã familiar: o pai, Henry Fonda (1905-1982), impôs-se como um dos símbolos mais fortes do mais depurado classicismo, enquanto a irmã, Jane Fonda (n. 1937), se tornou uma das grandes referências de Hollywood e da sua moderna transfiguração, em especial a partir do primeiro dos seus dois Oscars, ganho com Klute (1972). Nada disso diminui as qualidades das suas proezas, mas é um facto que foi ele próprio a reconhecer tal "secundarização", na autobiografia Don't Tell Dad (="Não contem ao Papá"), publicada em 1998.
Para lá da presença emblemática em Easy Rider, de Dennis Hopper, um dos títulos fulcrais no encerramento simbólico da história e das ilusões dos sixties, importa lembrar que Fonda foi também um dos produtores do filme (rodado com um orçamento minimalista), abrindo caminho para novos entendimentos da independência criativa. O mesmo se poderá dizer do belíssimo The Hired Hand/O Regresso (1971), por ele protagonizado e realizado, título exemplar da reconversão crítica do "western" ao longo dos anos 60/70, explorando um impossível romantismo exemplarmente condensado no prodigioso trabalho de direcção fotográfica assinado por Vilmos Zsigmond.


Por um lado, a sua filmografia é imensa (mais de uma centena de títulos, incluindo as produções televisivas); por outro lado, grande parte do seu trabalho pertence a filmes que foram ilustrando a penosa decomposição dos géneros clássicos, sobretudo ao longo das décadas de 80/90. Em qualquer caso, o simbolismo da sua imagem seria mais tarde reconhecido (e integrado) por cineastas como John Carpenter e Steven Soderbergh que o convidaram para participar, respectivamente, em Fuga de Los Angeles (1996) e O Falcão Inglês (1999). A não esquecer: o nome de Peter Fonda está na ficha artística do mais belo filme do mundo: Lilith (1964), de Robert Rossen — ei-lo, contracenando com Jean Seberg e Warren Beatty.


>>> Obituário no Los Angeles Times.
>>> Site oficial de Peter Fonda.

sexta-feira, agosto 16, 2019

Woodstock na Antena 3

Belos momentos de rádio num programa da Antena 3 concebido e apresentado pelo Nuno — eis o que acontece:

>>> Três dias de paz, amor e música… Foi assim Woodstock, em agosto de 1969. Alguns dos maiores nomes da música atuaram para uma inesperada multidão de meio milhão de pessoas. Mas nem só de música viveu a história de um festival que ajudou a mudar a própria sociedade. 50 anos depois, a Antena 3 lembra Woodstock e o seu legado. E para contar esta história e o que mudou depois de Woodstock, o Nuno Galopim chamou os nossos companheiros de trabalho Álvaro Costa e Pedro Costa, o crítico de cinema João Lopes e os músicos Jorge Palma e Tozé Brito (que atuaram em Vilar de Mouros em 1971).

Para ouvir no site da Antena 3.

quinta-feira, agosto 15, 2019

O casal de Woodstock

[Zoomer Radio]
A imagem surgiu pela primeira vez, em 1970, na capa do álbum Woodstock: Music from the Original Soundtrack and More. A fotografia, assinada por Burk Uzzle, consagrava o par formado por Nick e Bobbi Ercoline, celebrando a ternura do seu abraço (e o seu emblemático cobertor) como símbolo do próprio festival. Na verdade, o casal só saberia do facto quando, em 1989, na edição comemorativa dos 20 anos de Woodstock, a revista Life deu a conhecer a sua identidade.
De então para cá, além de figuras incontornáveis de qualquer efeméride, são verdadeiros e muito legítimos embaixadores de um evento que não se repete — há dias, deram uma entrevista à revista Time.


Burk Uzzle foi um dos fotógrafos que acompanhou o Festival de Woodstock. Recentemente, a Time publicou algumas das suas memórias, a par do testemunho de mais quatro desses fotógrafos: Baron Wolman, Ron Frem, Barry Z. Levine e Elliott Landy. Eis algumas das imagens de Uzzle, em Woodstock, publicadas no seu site.

Woodstock, 50 anos

Fascinante aritmética do tempo: 4 x 3 — são 12 LP, a cores, celebrando a invencível nostalgia do vinyl, evocando os "3 dias de paz e música" vividos no Festival de Woodstock a partir de 15 de Agosto de 1969 — faz hoje 50 anos.
Eis um acontecimento tanto mais especial quanto, de facto, transcende a maior parte das edições anteriores, dando a ouvir muitas performances não incluídas nessas edições ou ausentes do filme de Michael Wadleigh, o fabulosos Woodstock (lançado em Março de 1970 nas salas dos EUA e, em Portugal, no Verão de 1975, na extinta sala do Caleidoscópio, no Campo Grande, em Lisboa [blog: 'Restos de colecção']).
Entre os ausentes do filme de Wadleigh, aqui ficam os Creedence Clearwater Revival (Green River); em baixo, o hino dos EUA na lendária performance de Jimi Hendrix.