domingo, junho 02, 2019

Apocalypse Now: Final Cut

A versão final de Apocalypse Now (1979) vai ter exibição nas salas dos EUA e do Reino Unido, a partir do mês de Agosto. E em Portugal?... Não há notícias sobre tal possibilidade. Seja como for, sublinhe-se a importância do evento: no 40º aniversário da sua obra-prima, Francis Ford Coppola voltou a introduzir algumas transformações na respectiva montagem, apresentando o seu Apocalypse Now: Final Cut — primeiro no Festival de Tribeca, brevemente no circuito clássico de exibição (incluindo salas IMAX).
Enquanto aguardamos, fiquemos com o trailer do final cut — um filme para rever e redescobrir, sempre.


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Apocalypse Now — de 1979 a 2019

Os 40 anos de Apocalypse Now, Palma de Ouro de Cannes/1979, foram evocados no texto que se segue, publicado no Diário de Notícias (10 Maio).

É bem possível que a notícia provoque um assomo de nostalgia: “Outros tempos...” Ou até mesmo um desencanto mais ou menos revoltoso: “O cinema nunca mais foi assim...” Uma coisa é certa: no dia 10 de Maio de 1979 o mundo tomou conhecimento de um filme chamado Apocalypse Now — faz hoje 40 anos.
A primeira projecção pública do épico de Francis Ford Coppola sobre a guerra do Vietname ocorreu em França, na secção competitiva do 32º Festival de Cannes. A sua revelação na Côte d’Azur pode definir-se como um capítulo suplementar de uma odisseia artística assombrada por muitos dramas. Isto porque, depois de uma rodagem hiper-atribulada nas Filipinas — pontuada por um ataque cardíaco do actor Martin Sheen e uma tempestade que destruiu grande parte dos cenários —, o filme chegou a Cannes numa montagem provisória, apresentado mesmo sob a designação insólita de “work in progress”.
O certo é que a história regista aí o primeiro acto de uma consagração que, em pouco tempo, lhe conferiu a dimensão de objecto de culto. Dito de outro modo: o júri do festival, presidido pela escritora Françoise Sagan, atribuiu-lhe a Palma de Ouro. A sedução mitológica de Apocalypse Now é tal que muitas vezes nos esquecemos de acrescentar que esta continua a ser uma das poucas vezes em que o prémio máximo de Cannes foi atribuído ex-aequo: O Tambor, do alemão Volker Schlöndorff, baseado no romance de Günter Grass, foi o outro vencedor.
Para além de qualquer peripécia de produção ou difusão, a demanda do coronel Kurtz (Marlon Brando) pelo capitão Willard (Martin Sheen) encontrou um lugar na história do cinema que há muito transcendeu a visão crítica do envolvimento americano no Vietname. Coppola conseguiu essa proeza cada vez mais distante (sobretudo num mundo cinematográfico dominado pelo infantilismo militante de super-heróis e afins) de conceber o cinema como uma arte suprema de enfrentar as contradições do género humano, as suas guerras físicas e espirituais.
Dir-se-ia, aliás, que a grandiosidade do empreendimento tem levado Coppola, ao longo das décadas, a encarar Apocalypse Now como um projecto em aberto. Assim, ainda em 1979, o filme estreou-se nas salas americanas com uma duração de 153 minutos (só chegaria a Portugal no ano seguinte). Em 2001, recuperando algumas sequências que tinham ficado fora dessa primeira montagem, surgiu Apocalypse Now Redux, com 202 minutos (também revelado em Cannes, a 11 de Maio). Este ano, há pouco mais de uma semana (28 Abril), em Nova Iorque, no Festival de Tribeca, foi projectada aquela que ficará para a história como a versão definitiva: Apocalypse Now: Final Cut resultou de um restauro em 4K a partir do negativo original e dura 182 minutos.
Fica um voto cinéfilo: o de que o mercado português reforce, também neste caso, a sua atenção aos acontecimentos realmente marcantes da vida dos filmes e difunda Apocalypse Now: Final Cut. Se já ninguém acreditar que há espectadores para a obra-prima de Coppola, resta perguntar de que falamos quando falamos de cinema.