quarta-feira, agosto 28, 2019

Um museu em Hollywood

O projecto do Museu da Academia de Hollywood existe desde 2012 e tem tido uma existência atribulada. Dedicado à memória de mais de um século de cinema deverá abrir ao público, finalmente, em 2020 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Agosto).

O Museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood vai abrir ao público em 2020. Enfim, talvez... A data da inauguração já foi objecto de várias atribulações (anunciado o projecto em 2012, a sua abertura chegou a estar prevista para 2017), pelo que convém encarar com alguma prudência todas as notícias sobre o projecto.
Situado no Wilshire Boulevard, cerca de 6 km a norte do Dolby Theatre (sala que tem acolhido a cerimónia dos Oscars desde 2002), o Museu é um dos empreendimentos mais ambiciosos em toda a história da Academia de Hollywood. Com uma aposta radical: afirmar-se como “a maior instituição do mundo dedicada à arte e à ciência dos filmes”.
Concebido pelo italiano Renzo Piano, arquitecto ligado a construções tão emblemáticas como o Centro Pompidou ou o edifício do New York Times, o Museu distingue-se, antes do mais, pela sua pluralidade interior — de espaço de memórias dedicado a mais de um século de cinema a centro de espectáculos com programas regulares, “o museu pretende-se inspirador, divertido e educativo.”


Ocupando uma área total de 28 mil metros quadrados (contas redondas: quatro campos de futebol), incluindo jardins e parques, o edifício distingue-se por uma imensa cúpula construída a partir de 1500 placas de vidro. O custo orçamentado é de 388 milhões de dólares (350 milhões de euros à cotação actual), mas tudo indica que tal valor será ultrapassado.
A Academia de Hollywood foi criada em 1927, contando entre os seus 36 fundadores nomes lendários como o produtor Irving Thalberg, o realizador Cecil B. DeMille e os actores Douglas Fairbanks, Harold Lloyd e Mary Pickford. A primeira cerimónia dos Oscars realizou-se a 16 de Maio de 1929 mas, para lá das suas célebres estatuetas douradas, a Academia tem sido também uma instituição apostada na defesa do património cinematográfico, com importantes actividades na área da preservação e divulgação desse património, sem esquecer os domínios da educação e filantropia.
O Museu possui, assim, uma vastíssima colecção de preciosidades para expor, a começar por objectos que, através dos filmes, conquistaram um lugar na mitologia global do cinema — por exemplo, os sapatos vermelhos [foto] de Judy Garland em O Feiticeiro de Oz (1939), a máquina de escrever em que Joseph Stefano criou o argumento de Psico (1960), de Alfred Hitchcock, ou o monstro mecânico usado no clássico Tubarão (1975), de Steven Spielberg. Isto sem esquecer muitos, e muito raros, objectos precursores do cinema como algumas fascinantes lanternas mágicas da segunda metade do século XIX.


Tudo isso será complementado por áreas específicas de evocação de actividades técnicas ou momentos históricos exemplares, obviamente transcendendo as fronteiras específicas da produção “made in USA” — anuncia-se, por exemplo, uma zona dedicada ao universo criativo de Hayao Miyazaki, mestre da animação japonesa. Haverá também um espaço intitulado “Where dreams are made” (à letra: “Onde se fabricam os sonhos”), explicando as tarefas envolvidas na produção de um filme, da concepção dos cenários ao tratamento da luz, e ainda uma exposição em permanente evolução, designada “Teamlab”, que dará conta das transformações globais da produção, desde o uso das primeiras películas até à presente era digital.
Quanto aos programas de exibição de filmes, não será arriscado supor que dedicarão especial atenção às memórias cinéfilas e aos muitos títulos para cuja recuperação e restauro a Academia tem contribuído [imagem: maqueta de sala de projecção]. Será, aliás, a extensão de uma actividade — envolvendo projecções, conferências e debates — que a própria Academia desde sempre favoreceu (na agenda de Setembro, por exemplo, constam filmes de animação e uma conferência sobre o trabalho dos directores de fotografia).


Em qualquer caso, sobre esses programas, o site do museu apenas diz: “Coming soon”... Esperemos, por isso, para saber da proximidade temporal de tal calendário... Uma coisa é certa: desde 6 de Agosto, a Academia tem um novo presidente — David Rubin, primeiro director de “casting” a ocupar tal cargo —, sendo a criação de condições para a abertura do Academy Museum of Motion Pictures uma das tarefas nucleares da sua administração. Esperemos por novidades na próxima cerimónia dos Oscars, marcada para 9 de Fevereiro de 2020.