[The New Yorker] |
Escritor, ensaísta, argumentista de cinema, o inglês John Berger (1926-2017) deixou uma obra tão vasta quanto multifacetada que mantém a sua pertinência argumentativa e, em particular, a actualidade política e simbólica. Dois livros recentemente surgidos no mercado português atestam essa vitalidade.
Understanding a Photograph, a edição mais antiga, publicada em 2013, com chancela da Penguin, é uma antologia de textos escritos a partir dos anos 60, com duas vertentes fundamentais: por um lado, o lançamento das bases de um pensamento dialéctico sobre a existência material e social das fotografias, tendo como grandes referências inspiradoras os trabalhos de Roland Barthes e Susan Sontag; por outro lado, a prospecção crítica da obra de vários fotógrafos, de Henri Cartier-Bresson a Sebastião Salgado (neste caso, através de um diálogo-entrevista-ensaio). A destacar: o prodigioso texto sobre as aparências — intitulado 'Appearances', justamente —, datado de 1982.
Understanding a Photograph, a edição mais antiga, publicada em 2013, com chancela da Penguin, é uma antologia de textos escritos a partir dos anos 60, com duas vertentes fundamentais: por um lado, o lançamento das bases de um pensamento dialéctico sobre a existência material e social das fotografias, tendo como grandes referências inspiradoras os trabalhos de Roland Barthes e Susan Sontag; por outro lado, a prospecção crítica da obra de vários fotógrafos, de Henri Cartier-Bresson a Sebastião Salgado (neste caso, através de um diálogo-entrevista-ensaio). A destacar: o prodigioso texto sobre as aparências — intitulado 'Appearances', justamente —, datado de 1982.
A outra edição, Um Sétimo Homem, é uma tradução portuguesa, da responsabilidade de Jorge Leandro Rosa (também autor do posfácio), e chegou às livrarias através da Antígona.
Encontramos o mesmo labor de percepção e questionamento do mundo e das suas imagens, com a particularidade de essas imagens integrarem a própria dinâmica narrativa do livro: estamos perante um trabalho desenvolvido nos primeiros anos da década de 70 (a edição original surgiu em 1975), com a prosa de Berger e as fotografias do suíço Jean Mohr (1925-2018) a testemunharem as convulsões dos movimentos de migrantes no interior do continente europeu.
Escusado será dizer que somos levados a estabelecer imediatas ligações com o nosso presente, mas o valor do livro não se pode medir porque qualquer simbolismo "premonitório". Acima de tudo, aquilo que encontramos em Um Sétimo Homem é a discussão/experimentação de uma linguagem plural, capaz de integrar, por exemplo, a deambulação romanesca a par do testemunho fotográfico. À sua maneira, esta é também uma crítica contundente — neste caso, actualíssima — da ilusão mediática, muito televisiva, segundo a qual "gravar" o mundo em imagens desemboca na revelação (?) de um sentido único, unívoco e inquestionável.
Encontramos o mesmo labor de percepção e questionamento do mundo e das suas imagens, com a particularidade de essas imagens integrarem a própria dinâmica narrativa do livro: estamos perante um trabalho desenvolvido nos primeiros anos da década de 70 (a edição original surgiu em 1975), com a prosa de Berger e as fotografias do suíço Jean Mohr (1925-2018) a testemunharem as convulsões dos movimentos de migrantes no interior do continente europeu.
Escusado será dizer que somos levados a estabelecer imediatas ligações com o nosso presente, mas o valor do livro não se pode medir porque qualquer simbolismo "premonitório". Acima de tudo, aquilo que encontramos em Um Sétimo Homem é a discussão/experimentação de uma linguagem plural, capaz de integrar, por exemplo, a deambulação romanesca a par do testemunho fotográfico. À sua maneira, esta é também uma crítica contundente — neste caso, actualíssima — da ilusão mediática, muito televisiva, segundo a qual "gravar" o mundo em imagens desemboca na revelação (?) de um sentido único, unívoco e inquestionável.
Vale a pena lembrar que John Berger é autor de Ways of Seeing (edição portuguesa: Modos de Ver, Antígona), livro clássico sobre o lugar das imagens nas sociedades contemporâneas e, nessa medida, o seu papel como matéria do próprio real, muito para além de qualquer noção simplista de "reprodução".
Este sim, é um livro de uma admirável presciência: publicado em 1972, a inteligência e agilidade das suas reflexões mantêm uma actualidade perturbante, no limite levando-nos a perguntar como é que a nossa visão das "coisas-enquanto-imagens" desempenha um papel fulcral na interiorização da nossa identidade e também no sistema de relações que estabelecemos com os outros.
Aliás, Ways of Seeing é uma obra tanto mais sedutora quanto, na sua origem, está uma série homónima, de quatro episódios de 30 minutos, produzida pela BBC e emitida pela primeira vez também em 1972 — é possível vê-la por inteiro na Net; eis o primeiro episódio.
>>> Entrevista a John Berger, por Kate Kellaway (The Observer, 30 Out. 2016).