quinta-feira, março 31, 2011

A IMAGEM: El Grego, 1577-79


EL GRECO
A Santíssima Trindade
1577-79

A Espanha católia: tão perto, tão longe...


A história de uma menina atingida pelo cancro transfigura-se num grande filme sobre a fé católica e as suas tensões interiores: a indiferença televisiva em relação ao filme Camino é um sinal da nossa cultura vulgar (ou da nossa vulgaridade cultural) — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Março), com o título 'Nos labirintos da religião católica'.

Nestes tempos de política formatada, não é fácil encontrar filmes que lidem com as grandes questões da identidade humana, expondo a sua complexidade e, ao mesmo tempo, escapando a qualquer maniqueísmo para ser servido em debate televisivo. Camino, de Javier Fesser, é um desses filmes: um espantoso retrato interior da tragédia de Alexia González-Barros, uma menina espanhola que faleceu aos 14 anos, vítima de cancro na espinal medula, tendo vivido até final num ambiente de profunda crença católica, aceitando o seu sofrimento como uma dádiva divina.
Lançado em 2008 em Espanha, o filme foi aí pretexto de interessantíssimos debates. Desde logo, porque Fesser, embora dando à sua personagem o nome de Camino (interpretada pela brilhante Nerea Camacho, com 12 anos na altura da rodagem), não estaria autorizado a identificar Alexia na legenda final do seu filme; depois, porque a história de Camino/Alexia coloca em cena os labirintos da religião católica, discutindo as tensões entre o desejo de viver e os leis morais da própria fé; enfim, porque, neste caso, a enunciação dessas leis é indissociável dos valores e regras da Opus Dei.
Claramente enraizado na mais nobre tradição do melodrama familiar, o trabalho de Fesser (também autor do argumento) distingue-se pela capacidade narrativa de escapar a qualquer tentação (a palavra adquire curiosas ressonâncias) de encenar o calvário de Camino como uma luta entre personagens “boas” e “más”. Este é, afinal, um filme capaz de colocar em cena a pulsão de prazer inerente a qualquer ser humano, expondo a pluralidade dos seus laços institucionais, familiares ou singularmente afectivos. Por mais desconcertante que isso possa parecer, o tema aglutinador de Camino é a procura dos mais enigmáticos êxtases, escapando ponto por ponto ao hedonismo simplista que, hoje em dia, reduz o prazer aos rituais de consumo de cervejas ou telemóveis.
Tudo isso fez de Camino um importante acontecimento em Espanha, enquadrado por um amplo debate público e, em Fevereiro de 2009, pela consagração nos prémios “Goya”, arrebatando seis distinções, incluindo a de melhor filme espanhol de 2008. Pois bem, é esse mesmo filme que, agora, com mais de dois anos de atraso, está nas salas portuguesas, lançado com uma “não-campanha” que nem sequer soube criar condições mínimas para dar a conhecer a sua existência aos potenciais espectadores... O caso é tanto mais triste quanto, mesmo encarado em termos meramente comerciais, Camino é um objecto de enormes potencialidades. Enfim, lembremos que, salvo melhor opinião, ainda somos um país de raízes católicas... E também que, para além dessa coisa empolgante que é haver eleições para a presidência dos três grandes do futebol português, continuam a existir cidadãos portugueses que não se revêem na mediocridade audiovisual que vai (des)organizando a nossa percepção do mundo.

Como num documentário


Os Fleet Foxes preparam-se para editar, em Maio, um novo álbum de originais. Um primeiro aperitivo oficial surge para já ao som de Grown Ocean. Aqui fica o teledisco, que sugere uma série de olhares sobre o universo em volta da banda (e do tempo de criação do novo disco).

Antes dos mosnstros...

A Disney e a Pixar acabam de anunciar, no CienmaCon, em Las Vegas, a criação de uma prequela para o filme Monstros & Companhia. Com o título Monsters University, o filme deverá contar novamente com as vozes de John Goodman e Billy Crystal (respectivamente Sully e Mike Wazovsky).

Novas edições:
Le Corps Mince de Françoise, Love & Nature


Le Corps Mince de Françoise
“Love & Nature”

Heavenly

3 / 5


É da Finlândia que chega esta música (o nome, em francês, podendo contudo gerar alguma confusão)... Contudo, se há referências no tutano da música de Emma Kemppainen e Mia Kemppainen, juntas respondendo como Le Corps Mince de Françoise, essas apontam claramente a vivências que nada devem a escolas nem finlandesas nem francesas, mas antes enraizadas em fenómenos da cultura pop norte-americana (com expressão global desde há muito, é bem verdade). Estamos num terreno onde as canções representam as células que definem os acontecimentos, pela sua personalidade passando depois tanto uma fúria dançável escutada em vivências em pistas de dança com interesse nas várias descendências dos caminhos electro, como por espaços mais próximos de uma genética rock mais radical, de várias heranças das escolas riot grrrl (das Chicks on Speed às Le Tigre) surgindo uma angulosidade que atravessa esta música até à medula. As Le Corps Mince de Françoise editam já desde 2008, alguns dos seus temas tendo ganho visibilidade adiante das suas fronteiras originais, cortesia Kitsuné... Love & Nature é o seu álbum de estreia, acolhendo no alinhamento três dos cinco singles antes editados (em concreto Something Golden, Gandhi e Future Me), juntando sete outras canções que definem em conjunto um caminho coerente. Raiva com design ponderado e um festim luminoso em clima dançável moram entre as canções de um álbum que, se bem que raramente repita, entre os novos temas, as promessas que com os singles haviam cativado atenções, não deixa de sublinhar um caminho com identidade demarcada. Não terá nunca o impacte de um Talk About Body de uns MEN (nem lhe chega aos calcanhares no cardápio de canções), mas é uma boa chamada de atenções para uma geografia pop que muitas vezes é coisa surda a ouvidos do resto do mundo.

À volta de Mercúrio...


São as primeiras imagens que chegam de Mercúrio, enviadas pela sonda Messenger da Nasa. Na primeira imagem, uma vista de uma região perto do pólo Norte do planeta. Na segunda, um olhar de pormenor da superfície. Na terceira, um momento histórico. Ou seja, a primeira das imagens desta missão.


Nesta outra imagem uma visão artística tenta recriar a relação entre a sonda e o espaço ao seu redor, o planeta Mercúrio dominando a paisagem.

Pelas capas dos Sigue Sigue Sputnik (4)


Sem o fulgor sci-fi nem o grafismo mais provocador que acompanhara o álbum de estreia, ao segundo álbum os Sigue Sigue Sputnik surgiam de som e imagem algo mais polidos... A capa de Dress For Excess, de 1988, traduz de certa forma essa tentativa de arrumação de ideias (que em nada jogou em favor da banda, acrescente-se)...

quarta-feira, março 30, 2011

George Tooker (1920 - 2011)

GEORGE TOOKER
Window II, 1956
Pintor do chamado realismo mágico, George Tooker faleceu em sua casa, em Heartland, Vermont, vitimado por doença nos rins — contava 90 anos.
O seu olhar foi fortemente marcado pelo cruzamento de influências que recebeu do pai, de origem francesa, e da mãe, nascida em Cuba. Embora formado em Literatura Inglesa, pela Universidade de Harvard, a pintura passou a ser a sua actividade fundamental desde os anos 40, em especial a partir do momento em que, devido a questões de saúde, foi dispensado do serviço militar. Andrew Wyeth e Edward Hopper constituiram algumas das suas influências mais fortes; autor de uma pintura obstinadamente figurativa, deixou uma obra atravessada pelos temas da solidão e da alienação, umas vezes representando personagens isoladas, outras cenas da vida urbana — como outros criadores "realistas", por vezes secundarizados em função de uma valorização unilateral da "abstracção", é um nome em grande parte por (re)descobrir.

>>> Obituário no New York Times.

Angelina Jolie, a nova Cleópatra


De Theda Bara (1917) a Elizabeth Taylor (1963), passando por Claudette Colbert (1934), é longa a lista de actrizes que representaram a figura lendária de Cleópatra — o filme de Taylor, com Richard Burton (Marco António) e Rex Harrison (Júlio César) é mesmo um momento incontornável na história épica das superproduções [cartaz em baixo].
Agora, Angelina Jolie vai acrescentar o seu nome a essa lista: com produção de Scott Rudin, o filme deverá ser lançado em 2013, faltando saber quem interpretará os principais papéis masculinos e também quem o vai dirigir. Ainda há pouco tempo, corriam rumores do interesse de Rudin em contratar David Fincher. O argumento, assinado por Brian Helgeland (Mystic River, Green Zone), baseia-se na biografia de Stacy Schiff, lançada em 2010.

Ângelo de Sousa (1938 - 2011)

Desenho, 1975
Pintor, escultor, fotógrafo, criador de formas, pensador das formas da criação, Ângelo de Sousa morreu na sua casa no Porto, vítima de cancro — contava 73 anos.
Raros são os artistas capazes de nos transmitir este sentimento de uma simplicidade capaz de tocar toda a pluralidade do mundo, sem a diminuir nem desrespeitar. Ângelo de Sousa legou-nos essa arte da depuração, por certo marcada por influências várias (desde logo Klee e Mondrian), mas sempre na procura de uma singular cumplicidade, ainda que efémera, com o olhar do outro. Em 2010, Jorge Silva Melo registou algo desse processo no filme Ângelo de Sousa — Tudo o que Sou Capaz [imagem em baixo].
Nasceu em Lourenço Marques (hoje Maputo), tendo vivido no Porto desde os 17 anos, aí estudando na Escola Superior de Belas Artes. Fez a primeira exposição pública em 1959, na Galeria Divulgação, ao lado de Almada Negreiros. Foi co-fundador da Cooperativa Árvore. No final da década de 60, foi bolseiro pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo British Council, nessa época formando o grupo "Os Quatro Vintes", com Armando Alves, Jorge Pinheiro e José Rodrigues (assim chamado por todos terem obtido a classificação máxima na licenciatura). A sua obra está representada em vários museus portugueses, incluindo Museu do Chiado, Fundação de Serralves, Museu Berardo e Fundação Calouste Gulbenkian. No ano 2000, aposentou-se da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto — aí foi um dos primeiros professores catedráticos na disciplina de Pintura.


>>> Entrevista por Anabela Mota Ribeiro (Público, 25/01/2009).

7 ideias para a classe política (5)

ERWIN OLAF
Paradise Portraits - Jan (2001-2002)
[0] [1] [2] [3] [4]

5. Lidar com o dinheiro sem demagogia.
Recentemente, na sequência de algumas "transferências" entre televisões, foram publicamente divulgados os valores de alguns dos mais elevados ordenados auferidos por jornalistas portugueses. Na prática, qualquer cidadão minimamente atento percebeu o que, em boa verdade, toda a gente sabia: os discursos moralistas em relação aos ordenados dos outros são apenas gratuitos — por exemplo, o primeiro-ministro de Portugal (seja ele José Sócrates ou o mais infeliz Zé da Esquina) ganha francamente menos que esses jornalistas.
Infelizmente, de acordo com os nossos pesados brandos costumes, faltou dizer o mais básico: que não são os jornalistas que estão a ganhar excessivamente, mas sim os políticos que, de um modo geral, são muito mal pagos. Falta, por isso, à classe política a coragem básica de defender o seu estatuto, a começar pelo seu estatuto económico. O seu silêncio deixa espaço a todas as formas de estupidez demagógica, incluindo aquela, muito cor-de-rosa, que tenta difamar o político A ou B em função das férias que passa ou dos restaurantes que frequenta.
Para quando uma classe política que comece por elevar a fasquia da ética económica? E pergunte, por exemplo: que sentido fez gastar 645 milhões de euros em dez estádios para o Euro-2004? Seria um salutar princípio.
Depois, poderíamos começar a pensar em coisas mais objectivas. Exemplo?... O difamado cinema português. Sendo certo que é possível, é mesmo razoável, fazer um filme com 645 mil euros, isso significa que esse dinheiro do Euro-2004 permitiria produzir um milhar de filmes portugueses. Na prática, à média de dez longas-metragens por ano, qualquer coisa como... o próximo século. Dez estádios de futebol ou cem anos de cinema?  — eis um sugestivo debate político.

Três ursinhos...


Chamam-se Teddybears, são suecos, e editam um novo álbum em Junho, no qual colaboram nomes como os de Cee-Lo Green, os B-52’s, Flaming Lips ou Robyn. Com esta última gravaram o tema Cardiac Arrest. Aqui fica o teledisco.

A caminho da virtualidade total?

A Amazon apresentou o seu serviço Cloud Drive, que permite o arquivo online de música, dispensando assim cada qual de a ter num suporte físico ou sequer digital portátil... O serviço permite até 5GB de ficheiros gratuitos, havendo pacotes de 20 a 1000 GB, com preços anuais que vão dos 20 aos 1000 dólares (um por GB, portanto) de canções armazenadas... Depois da desmaterialização, passará o futuro da música para um patamar de virtualidade total?

Novas edições:
The Vaccines,
What Did You Expect From The Vaccines?


The Vaccines
“What Did You Expect From The Vaccines?”

Columbia / Sony Music

2 / 5


Se há coisa que não falta no mundo dos discos são os inevitáveis candidatos a ocupar as vagas de “mais-do-mesmo” que sistematicamente vão entrando em cena, naturalmente já com o comboio em andamento... E eis que entram em cena os The Vaccines. São de Londres, ficaram bem classificados entre a lista Sound of 2011 da BBC. E, depois de dois singles que chamaram algumas atenções (mas sem vendaval que se justificasse), apresentam agora um álbum que lança como título uma questão que pode dar como resposta um simples encolher de ombros... What Did You Expect From The Vaccines?, no fundo, dá a resposta em três tempos: nada de especial, de facto... Numa mão cheia de canções parece claro que estamos perante uma banda que tenta seguir (a milhas de o conseguir) os trilhos de uns Arctic Monkeys, juntando à sua música uma série de referencias adicionais que passam, muitas vezes, por heranças directas das memórias do pós-punk de finais dos setentas, dos Undertones (de Wreckin’ Bar) a ocasional piscadela de olho aos Joy Divsion (All In White), a dados momentos a alma indie magoada de uns The National (sem comparações é certo) passa por aqui (como acontece ao som de A Lack Of Understanding). As canções sucedem-se num desfile de “mais-do-mesmo” onde na verdade pouco mais acontece que uma revisitação de modelos. As formas estão claras, as canções polidas segundo uma lógica que deixa transbordar a ocasional pinga de electricidade... Mas, depois de onze canções, não vamos muito para lá do que tínhamos no começo. Ou seja, dos Vaccines não esperamos quase nada... Pelo menos para já... Que fique claro que, por vezes, há quem chegue mais tarde ao comboio e acabe por brilhar mais. Como os The Rakes, infinitamente mais interessantes que os Libertines (apesar da histeria mediática que acompanhara a primeira das bandas). Mas, pelas canções do álbum de estreia dos Vaccines não se vislumbra nada por aí além entre as estações e apeadouros que se seguem...

Sons e visões


Foi um passatempo lançado pela Genero.tv, pedindo telediscos para acompanhar as nove canções da versão digital de All You Need Is Now, dos Duran Duran. Os vídeos chegaram, a selecção de finalistas foi apresentada. E agora chegam a revelação dos finalistas. Que podem ser visitados aqui.

Pelas capas dos Sigue Sigue Sputnik (3)


A capa que acompanhou o álbum de estreia dos Sigue Sigue Sputnik afastou-se do relativo minimalismo das que haviam surgido com os singles Love Misile F1-11 e 21st Century Boy. Em ligação com expressões sci-fi ligadas à cultura pop japonesa, Flaunt It! (editado em 1986) explorava ainda novos modelos de relação entre o disco e a publicidade. De resto, entre cada faixa do álbum, surgia um spot publicitário.

terça-feira, março 29, 2011

Farley Granger (1925 - 2011)


Face ao tentador Robert Walker, Farley Granger foi o objecto da tentação em O Desconhecido do Norte Expresso (1951), de Alfred Hitchcock — Walker morreu bruscamente, pouco depois do lançamento do filme, com apenas 32 anos, devido a uma alergia a um medicamento; Granger faleceu no dia 27 de Março, contava 85 anos.
Sem nunca ter alcançado o estatuto de uma grande estrela, Granger foi um nome de destaque na produção de Hollywood das décadas de 1940/50, sobretudo a partir de A Corda (1948), também de Hitchcock, e They Live By Night/Os Filhos da Noite (1949), de Nicholas Ray — em boa verdade, o filme de Ray foi feito antes de A Corda, tendo sofrido mais de dois anos de atraso devido a questões internas do estúdio produtor (RKO); Hitchcock escolheu mesmo Granger para interpretar o assassino relutante do seu filme, depois de ter visto Os Filhos da Noite numa projecção privada. A vocação melodramática da figura de Granger transformou-o no tenente Franz Mahler de Senso/Sentimento [foto] (1954), obra-prima de Luchino Visconti em que contracenava com Alida Valli. Depois, afastou-se do cinema para se dedicar sobretudo ao teatro, estudando com Sanford Meisner, na Neighborhood Playhouse. Regressou aos filmes em meados dos anos 60, tendo repartido a sua carreira entre EUA e Europa — foi um dos secundários de Trinitá, Cowboy Insolente (1970), de E. B. Clucher. A sua autobiografia, lançada em 2007, ostenta o saboroso título Include Me Out.

>>> Obituário no New York Times.

Eduardo Souto de Moura — Prémio Pritzker

MUSEU PAULA REGO / Cascais
Foto de Luís Ferreira Alves (Pritzker Prize)
Eduardo Souto de Moura foi distinguido com o Prémio Pritzker de Arquitectura — através dele se consagra, anualmente, a personalidade de "um arquitecto vivo cujo trabalho edificado demonstra uma combinação das qualidades de talento, visão e empenhamento que produziram contribuições consistentes e significativas para a humanidade, e o ambiente construído, através da arte da arquitectura".
Criado em 1979 pela família Pritzker, de Chicago, através da sua Fundação Hyatt, este é um prémio consagrado como dos mais importantes na sua área, sendo frequentemente referido como o "Nobel da arquitectura" — o vencedor recebe 100 mil dólares (cerca de 70 mil euros) e uma medalha de bronze. É a segunda vez que o Pritzker é atribuído a um arquitecto português: Álvaro Siza Vieira recebeu-o em 1992 (os vencedores de 2010 foram os japoneses Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa).
Entre os trabalhos mais conhecidos de Eduardo Souto de Moura incluem-se a Casa das Artes (Porto), a conversão do Convento de Santa Maria do Bouro (Amares), a Casa do Cinema para Manoel de Oliveira (Porto), o Edifício Burgo (Porto), o Estádio de Braga e o Museu Paula Rêgo (Cascais). O prémio será entregue em cerimónia a realizar em Washington, no Andrew W. Mellon Auditorium.

>>> Prémio Pritzker: notícia no Architecture Lab.

Já a sonhar com o Verão...


Chamam-se Treefight For Sunlight. Pelas suas músicas passam ecos da cultura pop californiana... Mas na verdade são dinamarqueses. Aqui fica o teledisco de What Became Of You And I?, um dos singles já extraídos do seu álbum de estreia recentemente editado entre nós. A realização é de Andreas Munksgaard.

Nos bastidores de 'Thriller'

Um livro com 200 páginas de fotos, na sua maioria inéditas, revela agora os bastidores da criação de Thriller, o teledisco de John Landis que acompanhou o tema-título do álbum de 1982 de Michael Jackson. O livro revela as fotos tiradas durante a rodagem do teledisco por Douglas Kierkland, um dos dois jornalistas que tiveram acesso total aos espaços onde o pequeno filme então nasceu. Com o título The Making of "Thriller": 4 Days/1983, o livro é editado pela Filipacchi Publishing.

Novas edições:
Poly Styrene, Generation Indigo


Poly Styrene
“Generation Indigo”

Future Noise Music

3 / 5


Uma das vozes da primeira geração punk britânica, Poly Styrene ganhou o seu lugar na história do movimento que mudou o mundo pop/rock em meados dos setentas através da obra que então assinou como vocalista dos X-Ray Spex. Após o desmembramento da banda editou ocasionais discos a solo, cada qual seguindo caminhos bem diferentes, o primeiro dos quais, Translucence, lançado em 1981, a sua vida pública vivendo desde então mais de silêncios que de discos e acontecimentos pop. Trinta anos depois desse primeiro instante em nome próprio apresenta-se de volta com Generation Indigo, disco que em tudo transpira heranças directas (e em si absolutamente naturais) das memórias dos dias vibrantes que ajudou a inventar em finais dos setentas. Estamos num terreno feito de canções com alma pós-punk, onde as guitarras convivem entre uma matriz electro, um melodismo pop festivo e uma pulsão dançante cruzando o alinhamento. Menos angulosas que as canções de uns X-Ray Spex, as propostas de Generation Indigo visitam sobretudo um espaço pop possível a partir de um berço punk. Ao mesmo tempo os ecos do tempo que passou estão aqui sublinhados, sentindo-se como Poly Styrene assimilou entretanto a vivência de bandas que, de uns Gossip a uns New Young Pony Club, a tomaram como referência. Na recta final do alinhamento surge, em No Rockfeller, o que poderia parecer um ovni caribenho, na verdade nada mais senão uma outra marca de afinidade com ecos de partilhas que caracterizaram a cultura pop nascida na ressaca da revolução punk. Coerente, e com um punhado de belas canções, Generation Indigo devolve uma veterana à actividade com um disco que, mesmo recheado de heranças com mais de 30 anos, em nada se serve como um exercício de nostalgia.

Pelas capas dos Sigue Sigue Sputnik (2)


Mais um momento de provocação pela imagem em inícios de carreira dos Sigue Sigue Sputnik. Editado em 1986, o segundo single do grupo apresentava na capa uma cruz formada por uma série de ecrãs de televisão.

Com alma escocesa


Um modelo com história (evocando um tempo de afirmação da cultura hip hop, em inícios dos oitentas. A Puma acaba de recuperar o modelo Dallas, numa colaboração com a loja Hannon (de Aberdeen, na Escócia). A “marca” de identidade local escocesa é vincada pelos padrões de xadrez que acompanham não apenas a caixa, como o próprio interior dos ténis. Há variações em diversas cores, algumas delas em edições limitadas (a bordeaux, por exemplo, não terá senão 5o pares lançados).

segunda-feira, março 28, 2011

"Like a Prayer": uma canção "country"?


As grandes canções são também as que mais e melhor resistem aos desvios mais insólitos. Like a Prayer, por exemplo.
É um dos incontornáveis hinos pop com assinatura de Madonna (sem esquecer a preciosa colaboração do produtor Patrick Leonard). Agora, o duo country Sugarland — Jennifer Nettles e Kristian Bush —, com o grupo vocal Little Big Town, propõe uma versão que tem tanto de fidelidade como de reinvenção. Acima de tudo, ouça-se (e veja-se) como Sugarland sabe preservar a aura de celebração do tema que empresta o título ao álbum homónimo de 1989, tendo dado origem também a um dos clássicos absolutos da histórias dos telediscos [em baixo], realizado por Mary Lambert.



"The Tree of Life": mais um cartaz


Cerca de três meses passados sobre a divulgação do primeiro cartaz de The Tree of Life, aí está o segundo. O muito aguardado filme de Terrence Malick, o primeiro desde O Novo Mundo (2005), tem estreia francesa marcada para 18 de Maio, parecendo perfilar-se como um título incontornável de Cannes (11/22 Maio). Entretanto, a Fox Searchlight também já abriu o site oficial.

Como viajar à custa de José Sócrates...


Como conseguir uma "viagem de sonho"? Eis o que se pode obter à custa de um qualquer primeiro-ministro, mesmo demissionário...
Por certo, daqui a cem anos, quando alguém quiser compreender as fraquezas da nossa classe política, esta publicidade da Net servirá também para esclarecer um ponto que, aqui e agora, se tornou tabu: uma parte significativa dessas fraquezas passa pela vergonhosa pornografia com que muitos agentes da sociedade civil (?) envolvem os políticos e a sua actividade.
Para já, lembremos que o silêncio dos políticos — oposições incluídas — face a esta mediocridade galopante é algo que nos enfraquece como comunidade. E que, escusado será lembrá-lo, mina o espaço de actuação dos próprios políticos — todos eles.
Além do mais, que conceito de pessoa se insinua aqui? Votaria "no" Sócrates? Ou "no" Passos Coelho? Ou "no" Cavaco?... Diz-me como escreves, dir-te-ei como pensas.

Entre o real e o virtual


Os TV on The Radio estão de regresso aos discos este ano. E eis que se apresentam, para já, ao som de Will Do... Aqui fica o teledisco. Promete!

Remisturas + remisturas + remisturas...

Os Depeche Mode vão editar mais uma colecção de remisturas. A editar em Junho, a compilação Remixes 2: 81-11 junta contribuições de nomes como os M83, Royksopp ou Stuart Price, entre os presentes contando-se os ex-membros do grupo Vince Clarke e Alan Wilder. O disco surge numa edição em triplo CD, havendo também uma edição em CD simples com uma selecção de temas. Aqui fica o alinhamento final:

CD1
Dream On (Bushwacka Tough Guy Mix Edit)
Suffer Well (M83 Remix)
John the Revelator (UNKLE Reconstruction)
In Chains (Tigerskin's No Sleep Remix Edit)
Peace (SixToes Remix)
Lilian (Chab Vocal Remix Edit)
Never Let Me Down Again (Digitalism Remix)
Corrupt (Efdemin Remix)
Everything Counts (Oliver Huntemann and Stephan Bodzin Dub)
Happiest Girl (The Pulsating Orbital Vocal Mix)
Walking in My Shoes (Anandamidic Mix)
Personal Jesus (Stargate Mix)
Slowblow (Darren Price Mix)

CD2
Wrong (Trentemøller Club Remix)
World in My Eyes (Dub in My Eyes)
Fragile Tension (Peter Bjorn and John Remix)
Strangelove (Tim Simenon/Mark Saunders Remix)
A Pain That I'm Used To (Jacques Lu Cont Remix)
The Darkest Star (Monolake Remix)
I Feel You (Helmet at the Helm Mix)
Higher Love (Adrenaline Mix Edit)
Fly on the Windscreen (Death Mix)
Barrel of a Gun (United Mix)
Only When I Lose Myself (Dan the Automator Mix)
Ghost (Le Weekend Remix)

CD3
Personal Jesus (Alex Metric Remix Edit)
Never Let Me Down Again (Eric Prydz Remix)
Behind the Wheel (Vince Clarke Remix)
Leave in Silence (Claro Intelecto 'The Last Time' Remix)
In Chains (Alan Wilder Remix)
When the Body Speaks (Karlsson And Winnberg Remix)
Puppets (Röyksopp Remix)
Tora! Tora! Tora! (Karlsson and Winnberg Remix)
Freestate (Clark Remix)
I Want It All (Roland M. Dill Remix )
A Question Of Time (Joebot Presents 'Radio Face' Remix)
Personal Jesus (Sie Medway-Smith Remix)

Novas edições:
Duran Duran, All You Need Is Now
(edição em suporte físico, com faixas extra)


Duran Duran
“All You Need Is Now”

Tape Modern

4 / 5


O disco começou a nascer publicamente na recta final do mês de Dezembro (de 2010) através de um primeiro lançamento em exclusivo via iTunes. Mas só este mês ganhou a sua expressão definitiva numa versão “física” que junta às nove canções desse lote inicial quatro novos temas, dois interlúdios instrumentais e uma remistura do tema-título. Depois de escutadas canções como Blame The Machines, Being Followed ou The Man Who Stole a Leopard e lidas sucessivas opiniões favoráveis (como na verdade o grupo não conhecia desde o início de carreira) não será já novidade afirmar que All You Need Is Now é, não apenas, o sucessor de Rio que o grupo nunca havia criado, mas o melhor álbum dos Duran Duran desde então. Sob a produção de um fã (Mark Ronson), os Duran Duran mergulharam na essência da sua linguagem, buscando marcas de identidade ao tempo em que cruzaram as cores da pop dos dias pós-punk com um viço herdado do disco... Rio foi o paradigma de referência, as canções recuperando em tudo a alma “clássica” do grupo sem contudo incorrer no erro de tropeçar em nostalgias. O som herda assim marcas de identidade que transporta para canções que vivem no presente. Às quais se juntam novas pérolas, das paisagens ambientais de Mediterranea (entretanto revelada no EP From Mediterranea With Love, lançado em finais de 2010) ao clima pop dançável irresistível de Other Peoples Lives ou Too Bad You’re So Beautiful (esta uma herdeira clara de uma ideia de perfeito diálogo entre guitarras e electrónicas de um Hold Back The Rain). De novo há ainda os interlúdios instrumentais A Diamond In The Mind e Return To Now, variações em torno do tema título com arranjos orquestrais de Owen Pallett (igualmente presente em The Man Who Stole a Leopard). Menos interessante, e até mesmo algo deslocada da ideia com perfil de intensidade mais rock que cruza o disco, Networker Nation parece-se mais com as canções menos bem nascidas que fizeram dos discos do grupo nos anos 90 casos de complicada bipolaridade. A própria remistura de All You Need Is Now, que fecha o alinhamento, é extra igualmente dispensável. Mesmo assim, apenas com dois leves equívocos, All You Need Is Now traduz um momento de evidente boa forma de uma banda veterana, o seu melhor desde os dias de glória vividos em inícios dos oitentas.

PS. All You Need Is Now terá distribuição nacional em Abril através da Edel.

Discos Voadores este sábado no Incógnito


Este sábado os Discos Voadores estarão de regresso ao Incógnito (no número 37 da Rua dos Poiais de São Bento). Música, como sempre, a partir das 23.30...

Um conto à beira mar

Um conto, com sabor a maresia, de Robert L Stevenson. Este texto foi originalmente publicado na edição de 26 de Fevereiro do DN Gente.

Não construiu faróis como mandava a tradição da família. Mas o mar não está longe de muitas das histórias de Robert Louis Stevenson (1850-1894). Uma das narrativas, com mar por perto, do mesmo autor de A Ilha do Tesouro, é o conto Os Folgazões (de 1882) e disponível entre nós em tradução de Aníbal Fernandes, pela Assírio & Alvim. O mar é aqui, mais que um cenário, o motor que desencadeia uma história que fala, sobretudo, do fulgor das ondas, da força indomável das águas e dos naufrágios que se contam junto a um promontório que acolhe o protagonista. Charles chega àquele ponto da costa escocesa no pico do Verão com dois objectivos na sua agenda: encontrar o tesouro da Invencível Armada espanhola, que crê ter sido afundada não muito longe da casa à beira-mar do seu tio, e casar-se depois com Mary Ellen, a sua prima. O mar cativa-o. As suas ondas cruéis escondem segredos. Descobre depois destroços, vestígios. Lança suposições. Conhece figuras inesperadas. Mas, aos poucos, a razão esvai-se e a obsessão domina-o, a vertigem do oceano (as grandes ondas, ou seja, "os folgazões") acabando por chamá-lo, sem recusa... Como explica o tradutor numa esclarecedora nota de contextualização que abre o livro, "Os Folgazões é o primeiro" dos textos de Stevenson "com uma autenticidade escocesa caucionada pelo dialecto gaélico". Das suas palavras nascem ainda sensações de desconforto, medo e maresia, o som e força das ondas, na verdade, morando entre as páginas deste conto.

Pelas capas dos Sigue Sigue Sputnik (1)


Foi há 25 anos que uma banda colocou em cena uma das mais ostensivas campanhas de lançamento de que há memória. Com um batalhão de T-shirts e slogans tinham chamado atenções mesmo antes de apresentada uma primeira canção. Cruzando um look herdeiro do glam com certo travo punk e os tons garridos da pop, os Sigue Sigue Sputnik na verdade não foram nunca muito mais que uma canção (o single de estreia, Love Missile F1-11), na verdade as demais decorrendo directamente da linguagem electro repetitiva aqui ensaiada (com Giorgio Moroder na produção). Mais coerente que a música foram as imagens, sobretudo as que apoiaram graficamente os discos, pelas capas do grupo passando exercícios de design gráfico que expressavam um interesse pela cultura japonesa, o mundo do cinema de ficção-científica e as linguagens da publicidade. Algumas capas aqui em revisão esta semana, esta primeira tendo acompanhado, há precisamente 25 anos, o single Love Missile F1-11.

domingo, março 27, 2011

Eleições no Sporting — a cultura do "fait divers"

GOTTFRIED HELNWEIN
Auto-retrato
, 1987

Já sabíamos que as televisões tratam as convulsões do futebol como uma tragédia colectiva em que somos mediaticamente obrigados a participar. Aconteceu agora com o Sporting, como sempre tem acontecido com os eventos dos chamados clubes grandes.
Em todo o caso, a evidência ganha nos noticiários pela noite eleitoral (de sábado para domingo) ultrapassa os padrões mais "ousados" da obscenidade reinante. Como é possível que semelhante evento adquira uma importância jornalística (?) que todos os dias é negada a quase tudo o que é socialmente determinante. As notícias são também, afinal, uma forma de hierarquizar o mundo à nossa volta: nas televisões predomina a formatação discursiva e a consequente exaltação do fait divers — culturalmente, essa exaltação do fait divers tornou-se mesmo uma lei dominante na comunicação social. Social?

EMA, aliás, Erika M. Anderson


No seu site oficial, EMA, aliás, Erika M. Anderson, define-se como "artista digital" e "destruidora de guitarras". Digamos que uma coisa vai bem com a outra, já que este pequeno fenómeno do Dakota do Sul tem energia q.b. para se mover nos labirintos de um som agreste, mas sofisticado, em que o poder narrativo da voz adquire um papel decisivo. O site tem a sugestiva designação de 'lookit that came outta nowhere', aliás devidamente prolongado pelo título épico do seu primeiro álbum: Past Life Martyred Saints. Prova real de talento e requinte (audio)visual, aqui fica o teledisco de California.

Jazz na Gulbenkian: sob o signo de Duke Ellington


Foi um concerto, no mínimo, deliciosamente atípico. Quanto mais não seja porque não é todos os dias que vemos uma plateia dominada por crianças (havia chupetas e tudo...) a assistir a uma performance de jazz. Mas foi assim mesmo: o Grande Auditório da Fundação Gulbenkian estava praticamente cheio (26 de Março, 16h00) para assistir a mais um evento da série "Descobrir/Educação para a Cultura", com a proposta 'Vem cantar jazz com o Coro Gulbenkian'.
Sob a direcção do maestro Jorge Matta, Aaron Copland e Duke Ellington foram os compositores eleitos; Marta Hugon (soprano) foi solista e tocaram Óscar Graça (piano), João Moreira (trompete), Pedro Moreira (saxofone tenor), Bernardo Moreira (contrabaixo) e Bruno Pedroso (bateria). E se as canções de Copland abriram apetite para muitas mais, seria a música de Duke Ellington a marcar o concerto: uma selecção do seu Sacred Concert envolveu-nos num universo em que a liberdade criativa do jazz se revela indissociável da integração de matrizes e valores da música religiosa e, em particular, dos rituais de celebração colectiva. Por uma vez, a noção de transversalidade foi mesmo pertinente: escutando jazz, celebrando as suas singularidades e acedendo à sua universalidade.

Shakespeare segundo Tchaikovsky


Gustavo Dudamel reencontra-se com a música de Tchaikovsky, frente à Simón Bolívar, num disco pelo qual passam ecos de uma profunda admiração do compositor russo pela obra de Shakespeare.

Tchaikovsky (1840-1893) era um ávido leitor e frequente visitante das salas de teatro. E data do seu tempo de vida o momento em que a obra de William Shakespeare ganhou expressão nos palcos russos. Assistiu portanto a diversas produções e quando viajava ia frequentemente acompanhado por livros com algumas das peças do autor inglês. E pouco depois de ter iniciado a sua vida profissional como compositor, viu-lhe ser proposto o desafio de compor uma peça orquestral em torno de Romeu e Julieta... Essa abertura, de um lirismo tocante, é uma das três obras que Gustavo Dudamel agrupa neste seu novo disco com a Simón Bolívar (a orquestra venezuelana que o deu a conhecer ao mundo e com a qual já gravara a Sinfonia nº 5 do compositor russo). Compreendendo uma certa visão de época que Tchaikovsky sublinhara nas suas leituras das palavras de Shakespeare, uma intensidade dramática maior cruzando depois Hamlet e uma não menos pungente orquestração atravessando ainda A Tempestade. E, como explica Simon Callow no texto que acompanha o disco, “nas suas obras shakespeareanas puramente orquestrais, [Tchaikovski] responde apaixonadamente aos elementos das peças que o inspiraram”, acrescentando que cada uma das três obras aqui gravadas é “memorável”, que são “profundamente sentidas” e “acrescentam algo à forma de entendermos” as peças nas quais se baseiam. O disco junta gravações efectuadas no Centro de Acción Soicial por La Musica, em Caracas. E sublinha tanto o fulgor romântico que trespassa esta música como o dramatismo que Tchaikovsky tão bem soube ler na escrita de Shakespeare.

Em conversa: Michael Cunningham (2)


Continuamos a publicação de excertos editados da entrevista realizada publicamente a Michael Cunningham pelos dois autores deste blogue no auditório da Fnac Chiado a 7 de Março.

Tem rotinas de trabalho? Horários?
Sou tremendamente disciplinado, o que não me parece que seja uma virtude. Venho de uma família com que, são impossíveis de viver, andam sempre a limpar tudo atrás de nós... E se há algo que eu, ao longo dos anos, aprendi foi a tornar-me menos obsessivo no meu método de escrita. Acordo, vou para o meu estúdio e escrevo durante umas quatro ou cinco horas. E depois vou tratar da minha vida e não escrevo frases em guardanapos nem vou a festas a pensar que isto seria bom para um romance. Acho que preciso ir directo do sono e sonhos para escrever. E com sou muito disciplinado raramente vou à internet.

Levou anos a publicar um primeiro livro...
Passei os meus vinte anos à procura do amor e outras drogas. E só quando cheguei aos 30 é que pensei que tinha de ter uma carreira. E depois demorou seis ou sete anos até alguém publicar alguma coisa minha. Não sou apenas disciplinado. Sou muito auto-confiante e muitas vezes pensava “que se lixem” por não publicarem o que escrevia. Em meados dos meus 30 anos pensei que se calhar não aconteceria, que poderia ser uma dessas pessoas que nunca chega a ser escritor. Decidi que ia continuar a escrever, mesmo que me tornasse um professor ou algo parecido. E pouco depois, quando decidi que não me ia preocupar a New Yorker publicou um conto meu e a partir dai as coisas seguiram.

Como reage quando lhe dizem que viram um filme baseado num dos seus romances, mas não leram o livro?
As pessoas dizem isso o tempo todo mas eu não sei... Com a BP a escavar, à procura de petróleo, e o Kadhafi a matar pessoas nas ruas, o facto d alguém ter visto o filme e não ter lido o livro parece-me insignificante.

Por onde começa um livro? Pela história? Pelas personagens?...
Começo sempre pelas personagens. Se começar pela trama, as personagens acabam por ter de ser criadas à medida da narrativa. Sou devoto da beleza das pessoas que não são perfeição. Todas as personagens dos meus livros se apaixonam, têm sexo, etc. Parecem-se com 99% da população. Preciso de começar uma história pelo inicio, porque acho que cada frase dá seguimento ao próximo acontecimento. Se começar pelo fim e voltar ao inicio, parece-me um pouco forçado.

Busca um sentido de realismo?
Suponho que sim, mas não é algo em que eu pense. E há certas coisas no ar e se há um movimento que se aproxima desse realismo, isso acaba por nos envolver indirectamente...
(continua)

Os "mestres", vistos pelos Hot Chip

Discografia Kraftwerk - 43
'Aerodynamik + La Forme Remixes' (single), 2007



Em 2007 nova incursão através dos universos da música do álbum Tour de France Soundtracks, que assinalara em 2003 o regresso aos discos dos Kraftwerk. Desta vez na forma de um single, propondo remisturas assinadas pelos Hot Chip. Pelo alinhamento do novo single, que teve bem discreta recepção, passaram assim remisturas de Aerodynamik e La Forme.

Pelo olhar de Carl Dreyer


Um título nem sempre referido com a devida atenção da fase “muda” de Carl Dreyer, Michael (de 1924) tem edição em DVD através do catálogo da Eureka (que apresenta duas transcrições diferentes do filme, com duas bandas sonoras alternativas como opção).

Sem o sentido plástico do assombroso A Paixão de Joana D’Arc (1928), aproximando-se mais dos códigos do teatro e, de certa maneira, podendo ser visto como um antepassado de uma linguagem que ganharia expressão maior no seu último filme, Getrud (1964), Michael é baseado no romance homónimo de Herman Bang (originalmente publicado em 1902) e, mais que uma anterior adaptação ao cinema desse livro (oito anos antes, por Mauritz Stiller), segue respeitosamente a narrativa e perfis psicológicos dos seus protagonistas. De ritmo lento, mas não necessariamente contemplativo, Michael dá conta do relacionamento (nunca explícito, todavia sugerido) entre um “mestre” pintor, de nome Claude Zoret (interpretado por Benjamin Christensen), e Michael (Walter Slezak) que se tornou seu modelo, deu fama aos seus quadros e por quem se apaixonou. A imponente e palaciana casa do “mestre” é cenário para a maioria das sequências de um filme que, apesar dos elegantes cenários, centra a atenção nas figuras e, mais que as suas expressões, nos seus diálogos (naturalmente registados em intertítulos).

sábado, março 26, 2011

Tennessee Williams, 100 anos

TENNESSE WILLIAMS em 1948
Foto de W. Eugene Smith /
LIFE
Ironias cruéis do calendário: há poucos dias, fomos confrontados com a perda de Elizabeth Taylor; hoje, assinalamos os 100 anos do nascimento de Tennesse Williams (nasceu a 26 de Março de 1911; faleceu a 25 de Fevereiro de 1983). Na verdade, foi com a adaptação de uma peça de Williams, Gata em Telhado de Zinco Quente, que Taylor teve um dos seus papéis mais memoráveis — filme de 1958 [cartaz em baixo], dirigido por Richard Brooks, momento fundamental de reconversão do erotismo clássico e, em particular, da encenação do desejo feminino.
Nome fulcral na história do teatro made in USA, deixou uma obra multifacetada, por vezes marcada pelos ambientes do Sul dos EUA, sempre rasgada por temas obsessivos como o desequilíbrio interior das relações amorosas e a ambiguidade sexual. As suas peças mais famosas são-no também através das respectivas adaptações cinematográficas — além da Gata, lembremos Um Eléctrico Chamado Desejo (Elia Kazan, 1951) e Bruscamente no Verão Passado (Joseph L. Mankiewicz, 1959). A sua obra inclui vários argumentos cinematográficos, poesia, contos e romances, tendo deixado um livro de Memórias, publicado em 1975.


>>> As obras de Tennesse Williams na Books Factory.
>>> Fotografias de Tennesse Williams pela Magnum.

Ser ou não ser (membro do Facebook)


Afinal, de que falamos quando falamos do Facebook?...
A pergunta justifica-se, quanto mais não seja porque estar ou não estar no Facebook passou a ser uma diferença socialmente instalada — algumas vezes recordada para pensar as nossas diferentes relações virtuais e afectivas; muitas vezes apenas brandida como bandeira simplista ("pró" ou "contra", tanto faz).
Proveniente da Sonny Side Films, este é um video que sabe contornar os vários absolutismos que o fenómeno tem suscitado, introduzindo um distanciamento capaz de relativizar o valor intrínseco das "amizades" sustentadas apenas por um... link. Tudo isso com pedagógica ironia e um humor, no mínimo, desconcertante.


[agradecemos o mail de João Santos]

7 ideias para a classe política (4)

PETER DOIG
Canoe-Lake, 1997
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4. Discutir a Internet.
Em torno das chamadas redes sociais edificou-se uma ideologia purificadora e profundamente agressiva (que é, em si mesma, um dos primeiros efeitos ideólogicos das próprias redes): tudo o que está online seria um fenómeno natural, imaculado, tendendo para uma justeza intocável. Mais do que isso: a velocidade com que tudo isso circula seria a prova indesmentível dessa justeza. A esmagadora maioria dos políticos comporta-se em relação a tal conjuntura — tecnológica, relacional e simbólica — como se a Internet fosse uma espécie de emblema chique dos nossos tempos. Ora, uma coisa é habitarmos a Net como um dado fundamental, fascinante e contraditório que herdámos das convulsões do século XX; outra, bem diferente, é a postura beata de quem, incapaz de pensar tais convulsões, se cola aos lugares-comuns mais ou menos televisivos que descrevem as trocas virtuais como a realização pueril de um conceito patético de utopia. Lidar com a Internet como se nela não se jogasse tudo — mas mesmo tudo — da nossa cidadania é, num político, uma demonstração patética de demissão moral.