PETER DOIG Canoe-Lake, 1997 |
4. Discutir a Internet.
Em torno das chamadas redes sociais edificou-se uma ideologia purificadora e profundamente agressiva (que é, em si mesma, um dos primeiros efeitos ideólogicos das próprias redes): tudo o que está online seria um fenómeno natural, imaculado, tendendo para uma justeza intocável. Mais do que isso: a velocidade com que tudo isso circula seria a prova indesmentível dessa justeza. A esmagadora maioria dos políticos comporta-se em relação a tal conjuntura — tecnológica, relacional e simbólica — como se a Internet fosse uma espécie de emblema chique dos nossos tempos. Ora, uma coisa é habitarmos a Net como um dado fundamental, fascinante e contraditório que herdámos das convulsões do século XX; outra, bem diferente, é a postura beata de quem, incapaz de pensar tais convulsões, se cola aos lugares-comuns mais ou menos televisivos que descrevem as trocas virtuais como a realização pueril de um conceito patético de utopia. Lidar com a Internet como se nela não se jogasse tudo — mas mesmo tudo — da nossa cidadania é, num político, uma demonstração patética de demissão moral.