18 de Março de 2011: uma bebé evacuada com os pais, da cidade de Okuma, é assistida por uma voluntária — foto de Go Takayama/AFP/Getty Images, publicada no blog de The Boston Glob, The Big Picture |
Como é que tem sido televisivamente tratada a tragédia do terramoto no Japão? Infelizmente, na maior parte dos casos, prevalecendo a ligeireza "ingénua" que tomou conta das notícias — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 de Março), com o título 'Alerta vermelho!'
Há uma relação irremediavelmente perversa entre a catástrofe que se está a viver no Japão e a lógica alarmista que passou a dominar os noticiários televisivos. Afinal de contas, vivemos num universo mediático (e social, hélas!) em que já não há sobressaltos naturais, muito menos racionalizáveis.
Nas narrativas mediáticas dominantes, desde as relações políticas à segurança do próximo “derby” futebolístico, está tudo sempre à beira do colapso. Em boa verdade, parece só haver felicidade entre os heróis do “jet set”... Até mesmo no plano meteorológico, já nem sequer existem descidas de temperatura, um vento forte ou uma qualquer carga de água: passou a haver “alertas” de todas as cores.
Obviamente, o contexto não é propício à análise destas linguagens. Aliás, a televisão aplica-se todos os dias, pateticamente, em fazer-se passar por um domínio “sem linguagem”, uma mera transcrição do mundo à nossa volta. Na televisão não é popular (é mesmo esteticamente interdito) pensar-se que assim que alguém liga o botão de uma câmara está a nascer alguma forma de representação, com toda a carga de opções e responsabilidades que isso implica.
Ora, escusado será lembrar que não se pretende banalizar a tragédia japonesa, muito menos minimizar o sofrimento de tantas pessoas e as perdas brutais de toda uma nação. Bem pelo contrário: trata-se de lembrar que a perturbação e a complexidade de tal conjuntura não passam (não podem passar) num sistema informativo em que, com a mesma “naturalidade”, se colam destaques sobre a crise politica, as eleições no Sporting ou a última peripécia anedótica que algum repórter descobriu num recanto esquecido de uma aldeia que não vem no mapa.
No limite, a informação televisiva tende a conceber-se como uma mera colagem de fait divers, sempre que possível injectando-os com insinuações ou segundos sentidos. Nova moda: colocar uma pergunta a um político e, depois, com um ar muito cândido, virar-se para a câmara e dizer que esse mesmo politico “não respondeu à nossa pergunta”. Insultá-lo, ali mesmo, seria pelo menos mais honesto.