
quarta-feira, fevereiro 28, 2007
Super-cão

Corpo e alma

Pois bem, a resposta a esta pergunta é, felizmente, negativa. Com chancela da Lusomundo, Fur - Um Retrato Imaginário de Diane Arbus tem estreia portuguesa marcada para 15 de Março. E já podemos acrescentar que se confirmam as melhores expectativas: estamos perante um encantatório retrato de um processo criativo, por dentro, com uma Nicole Kidman prodigiosa, tendo a seu lado o genial Robert Downey Jr., num papel com tanto de ingrato (por razões de figuração do corpo) quanto de subtilmente emocional. Fur é um exemplo esclarecedor de como, se há um realismo do corpo, pode haver também um naturalismo da alma.
terça-feira, fevereiro 27, 2007
Doze...
Japanese girl
Discos da semana, 26 de Fevereiro

Para Patrick Wolf a pop é hoje em dia a mais libertadora das músicas. E nesse ponto não há dúvidas ao escutar o seu terceiro álbum. The Magic Position é um álbum pop como há muito não se ouvia. Pop com três letras. Grandes. Pop luminosa, mas tão garrida quanto frágil, linguagem de ensaio aqui posta ao serviço do retrato de um ano numa vida, confissões pessoais feitas canções naquele que não só é o melhor disco do jovem músico inglês até à data como representa mais um dos pedaços de música que 2007 registará entre o seu melhor. Pop, sem dúvida. Mas não reduzamos The Magic Position a um rótulo que ultimamente tem andado por mãos erradas. Mais que no inquieto Lycanthropy e no sublime Wind In The Wires, onde, respectivamente o músico revelava a sua infinita versatilidade nas fontes e, mais tarde, uma busca de requinte e rigor nas formas, o novo disco mostra um Patrick Wolf tão capaz da experiência traçada como quem navega à vista desarmada, como da arte da busca da perfeição. Alternando a efusiva vitalidade melodista de um Accident & Emergency (single de avanço de ostensiva festividade pop, revelada para espanto geral, ainda em 2006), Get Lost ou do próprio tema-título com episódios de implosão para piano, cordas e palavras (entre os quais o arrepiante Magpie, dueto com Marianne Faithfull ou o não menos belo Augustine), Patrick Wolf toma The Magic Position como purga pop para um ano de eventos, certo sendo que da terapia parece ter nascido um homem mais feliz que o que havíamos conhecido nos dois primeiros discos. Felicidade que não abafou o sentido de perigo que assume ao insistir numa cuidada construção de cenários e personagens, vidas ficcionadas que usa para contar os seus dias. Certo parecendo ser que, mesmo ciente de estar para já fechado num carrossel de cores vivas, um espírito mais tranquilo habita estas canções com vontade de se mostrar tão perfeitas quanto possível. E nelas encontramos nós um raro pedaço da melhor arte pop dos dias que correm.
Old Jerusalem “The Temple Bell”
Depois de ter assinado dois dos mais elogiados álbuns da recente música feita em Portugal, Francisco Silva chega ao terceiro disco com uma linguagem já sólida e demarcada. Linguagem que, com April e Twice The Humbling Sun dele fez, talvez o mais interessante de uma nova geração de cantautores. Não era por acaso, portanto, que o novo disco era um dos mais esperados neste início de ano. Porém, apesar da segurança lírica (em mais credíveis e pessoais histórias feitas de discreta melancolia) e de um evidente ensejo de mais elaborada arte final, o conjunto das canções aqui apresentadas está longe de corresponder às expectativas. Depois de um arranque convidativo, o álbum instala em nós uma plácida, mas monótona letargia, sem janelas de brilho ou sombra, que aos poucos deixam frustrada a vontade de aqui querer encontrar o desejo esperado.
U-Clic “Console Pupils”
Há dois anos, esta era uma das mais entusiasmantes ideias na música portuguesa. Na verdade, a música (e a sua projecção como corpo em palco) nada mudou e o seu valor está aqui registado. Mas o que era novo e espantosamente oportuno há quase dois anos, é agora uma espécie de eco distante que, entretanto sabe a “podia ter sido, mas não foi”... Há aqui belíssimas ideias de construção de canções de viço punk sob ferramentas electrónicas, com Unfashionautic Superstars, Ici In Disneyland ou Like a merecer inscrição na lista das canções mais entusiasmantes do ano ‘tuga’ até ao momento. Contudo, o atraso inenarrável com que o disco chega, finalmente às lojas transformará o que era uma das mais entusiasmantes promessas de 2005 num foguete molhado em 2007. A música que antes estava em sintonia com certas manifestações de além fronteiras já não tem o mesmo sabor à fúria do novo com que a descobrimos. E, quem sabe se a criação dos próprios U-Clic já circula noutros destinos... Ou seja, Console Pupils não deixa de ser um bom disco. Mas a sua capacidade em marcar a agenda do presente perde por chegar, tarde demais, a um calendário que há muito o esperava.
Kaiser Chiefs “Yours Truly, Agry Mob”
O álbum de estreia dos Kaiser Cheifs foi das erupções pop mais “bife” que a actual geração britânica nos deu, dele nascendo uma mão cheia de cativantes hinos que, em palco souberam fazer a festa, quase lembrando a atmosfera festiva os dias mais luminosos dos Blur em meados de 90 (afinal havia ali genéticas partilhadas). Ao segundo álbum, contudo (e seguindo triste destino que recentemente abraçou as segundas gravações dos compatriotas Bloc Party ou dos norte-americanos The Killers), uma inesperada banalização das formas e conteúdos ameaça transformar uma banda c0m sangue vivo num colosso para delírio em estádio. Sem verdadeira chama criativa, apostando antes em colagens de modelos de resposta laddish fácil, num processo de desmoronamento de uma ideia antes promissora como, nos anos 90 vimos acontecer com os James, o disco é medíocre prova de que algo de errado corre mesmo numa geração que parece incapaz de vencer o desafio do primeiro episódio.
Também esta semana:
Pop Levi, Bowie (mais seis reedições), Gus Gus, Tarnation, High Llamas, Frank Black, Stereo Total, Gus Gus, Damned (reedição), Jessee Malin, Cast (BBC Sessions)
5 de Março: Arcade Fire, Mika, Bryan Ferry, Air, Tracey Thorn, Ry Cooder, Stooges, RJD2, Seeds (best of), Mint Royal, Depeche Mode (reedições), !!!
12 de Março: LCD Soundsystem, Magazine (reedições), Blind Zero
19 de Março: Rakes, David Bowie (reedições), Kronos Quartet
Março: The Knife (DVD), Gary Numan (BBC Sessions), Kieran Hebden + Steve Reid, Da Weasel, Arctic Monkeys, LCD Soundsystem, Norton, Bananarama, OneTwo
Abril: Patti Smith, Bright Eyes, Spiritualized, Modest Mouse, Brett Anderson, The Bees, Nine Inch Nails
Maio: Rufus Wainwright, OMD (reedição), Tori Amos
Estas datas podem ser alteradas a todo o momento
Santaolalla e os outros (*)

segunda-feira, fevereiro 26, 2007
Conversa de elevador

domingo, fevereiro 25, 2007
Scott

Tendo por pièce de resistence uma série de imagens colhidas durante a gravação do álbum The Drift (e nunca antes Scott Walker havia permitido a presença de uma câmara em estúdio) e uma entrevista recente que serve de medula a toda uma série de histórias que se vão contando, o filme não só garante o interesse dos muitos que o admiram como está feito para arrebatar pela surpresa quem se dispuser à descoberta. De resto, o realizador teve o cuidado de ordenar cronologicamente as memórias que ilustram a história, permitindo aos que nela se aventurem pela primeira vez o prazer, solidamente explicado, da exposição de uma história de vida que musicalmente nasce em registo teenager descartável para acabar, 40 anos depois, comparada à intensidade artística de um Beckett ou Francis Bacon. A descoberta da voz e personalidade (Brel fundamental neste processo) e os seus feitos são ainda alvo de reflexão por alguns dos seus mais marcantes herdeiros, de Bowie a Jarvis Cocker, de Damon Albarn a Alison Goldfrapp, de Brian Eno a Marc Almond. Ideias de cinema moram pelo filme fora, a história conduzindo-nos, sem às tantas podermos podermos fugir, do mundo de inquietude e demónios interiores que caracterizam The Drift, disco que acaba por ser o destino de hora e meia de viagem de (re)descoberta.
Antes do visionamento, em Berlim, o realizador pediu para que levantasse o braço quem nunca ouvira falar de Scott Walker. Muitos braços... No fim, disse, estariam todos conquistados. Tinha razão. Para abrir apetites, segue-se o trailer...
sábado, fevereiro 24, 2007
Como a toupeira

O que está em causa é de outra natureza. E decorre do próprio labor de apagamento e normalização que os valores dominantes no espaço mediático têm imposto ao país. Assim, José Afonso (como muitas outras referências da nossa história cultural) está longe de ser um nome com uma presença regular no nosso quotidiano. Bem pelo contrário: a cultura dominante vive de uma banalização de todas as formas de consumo que, seja qual for a visibilidade que ciclicamente confere a determinadas obras, tende a favorecer atitudes de alheamento, indiferença e até desprezo em relação a tudo que envolva algum valor patrimonial. Daí a obscenidade destes dias: as televisões que programam horas infinitas de telenovelas (não exactamente com bandas sonoras de José Afonso...) e celebram a demagogia imediatista dos reality shows, são essas mesmas televisões que põem os seus pivots, com rostos muito graves e palavras muito oficiais, a exaltar as virtudes de José Afonso e da sua música... Algo soa a falso.
A situação agrava-se através da própria "politização" que, declaradamente ou não, tende a envolver a herança de José Afonso. Entendamo-nos: não há cantor mais político que José Afonso. Mas é um erro fulcral — isto é, cultural — pretender transformá-lo em peça incauta dos jogos florais da classe política, por exemplo com a esquerda a querer fazer dele uma bandeira sua, ou a direita a tentar reduzi-lo a coisa abstracta e liofilizada.
O drama de tudo isto não é, repare-se, que José Afonso possa suscitar visões controversas ou até grandes clivagens ideológicas ou culturais. O drama enraiza-se num ambiente — cultural, mediático, televisivo — que congela as nossas memórias mais genuínas para, de vez em quando, apenas por obra e graça do calendário, as tirar da cartola para promover grandes festas e pequeníssimas ideias. Não é fácil ser como a toupeira... que esburaca.
"Confessions" (5/5): o espectáculo

sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Velhice versus juventude

Tudo isto está num belo filme inglês — de adequado título Vénus, com direcção de Roger Michell —, uma comédia amarga sobre os prós e contras da velhice (e da juventude), num registo que nos remete para a nobre tradição realista britânica e, em particular, para os primeiros filmes assinados por Stephen Frears. E como nestas coisas as coincidências raras vezes são anódinas, convém lembrar que o argumentista de alguns desses filmes, nomeadamente A Minha Bela Lavandaria (1985) é o mesmo de Vénus: o escritor e dramaturgo Hanif Kureishi.
London Calling 2007 (Parte 5)

Num percurso de 18 salas, às quais se junta o hall do nível 4, no qual se apresentam obras contemporâneas (as mais recentes já de 2006, dominadas pelas temáticas do medo de ataques sob o qual vive hoje a cidade de Londres), acompanhamos a evolução gradual de uma linguagem visual muito característica, que tanto se ocupa da observação (e transformação) do corpo como procura integrar mecanismos do discurso publicitário num subtexto que veicula, pela arte, uma filosofia de agitação e provocação. A maior parte das imagens que servem estas peças de dimensões consideráveis é captada nas imediações do local onde a dupla vive, no East End londrino. De certa maneira, o acompanhar da descoberta desta obra, de 1970 à actualidade, acaba por promover retratos possíveis de certas manifestações de subculturas na periferia das linguagens artísticas e sociais dominantes, presente estando sempre obsessões evidentes com o corpo, a sexualidade e uma noção de pose (que parece herdada da tradição vaudevillesca britânica, com natural expressão na cultura pop dos últimos 40 anos). Estátuas vivas, captadas, manipuladas e fragmentadas, para ver até Maio na Tate Modern.
Gilels: um pianista a (re)descobrir (*)


* Texto publicado na revista Op (nº 21, Inverno 2006)
quinta-feira, fevereiro 22, 2007
London Calling 2007 (Parte 4)

História que nos transporta de 1968 a 1990, ou seja, entre a ocupação de Praga por tropas soviéticas e o momento em que estas abandonam a cidade, muro de Berlim caído algum tempo antes e bloco comunista europeu em desmoronamento total, Rock'N'Roll usa como metáforas e ganchos narrativos algumas canções que a história da música popular viveu nesses mesmos anos. A música e seus sentidos acrescentam sal e contexto ao conjunto de quadros e vinhetas pelos quais a vida das personagens nos é apresentada. A acção divide-se entre Cambridge e Praga, da primeira nascendo uma afinidade cultural e emocional com a vida e obra de Syd Barrett, que acaba transformado num dos pilares de referência pelos quais o tempo da acção evolui. Em Praga conhecemos, por sua vez, os efeitos na sociedade jovem do colectivo Plastic People Of The Universe, que assimila ensinamentos colhidos na cultura rock'n'roll ocidental e os projecta em eventos e manifestações numa sociedade que neles acaba por ver forças ainda mais perigosas que os dissidentes.

Encenação espantosa de Trevor Nunn e inteligente cenário criado por Robert Jones para uma peça onde a música, recordada nas versões originais de gravações de Syd Barrett, Rolling Stones, Pink Floyd, Velvet Underground, Beach Boys ou U2, entre outros, e usada com propriedades narrativas.
Cão de água
Anúncio para as águas Vittel (2003)

A imagem remete-nos, de imediato, para a capa (e contracapa) do álbum de 1974 Diamond Dogs. É essa a referência, obviamente, mas não temos, desta vez, o próprio Bowie a "reproduzir" a sua própria representação. Trata-se de David Brighton, célebre imitador do camaleão e, à sua peculiar maneira, figura do entertainment e do seu jogo de máscaras.
Mas o contexto não é, de modo algum, estranho ao criador de Ziggy Stardust e outras derivações teatrais. Isto porque esta imitação é apenas uma das várias que figuram num spot publicitário que, em 2003, Bowie patrocinou para as águas Vittel (cujo site... borbulha). Sendo Bowie alguém que sabe sustentar a sua imagem em qualquer contexto, o anúncio está concebido como uma espécie de rápida deambulação por várias personagens da sua carreira. Em todo o caso, quem faz de Bowie é Bowie, lui même, celebrando as qualidades da água francesa. Vale a pena ver, até porque se trata de um exercício brilhante de publicidade televisiva.
quarta-feira, fevereiro 21, 2007
Half Nelson: um pequeno grande filme

Centrado na crise de uma personagem peculiar — um professor branco, de um liceu de alunos maioritariamente negros, lutando com a sua dependência de algumas drogas —, Half Nelson é um exemplo brilhante de uma produção independente que, a partir de um pequeníssimo orçamento de 700 mil dólares (pouco mais de 530 mil euros, menos que a maior parte dos filmes portugueses produzidos em anos recentes), possui uma acutilância realista e uma densidade dramática invulgares.
A nomeação de Ryan Gosling para o Oscar de melhor actor (a única de Half Nelson) distingue um trabalho de invulgar subtileza afectiva. Em todo o caso, seria errado reduzir o filme a um one-man-show. Bem pelo contrário: as interpretações são todas admiráveis, com destaque para Shareeka Epps [ambos na imagem], compondo uma aluna de 13 anos que estabelece uma relação de singular cumplicidade com o seu professor. Que ambos saibam representar essa relação muito para além de qualquer cliché (dramático ou moral), eis o que diz bem da riqueza e complexidade deste filme que merece ser descoberto.
Filme de episódios para os 60 anos de Cannes

O conjunto das 35 contribuições forma uma longa-metragem, a apresentar no dia 20 de Maio, em sessão especial do Festival (esta 60ª edição decorrerá entre 16 e 27 de Maio). É a seguinte a lista completa dos realizadores de Chacun son Cinéma:
* Theo Angelopoulos
* Olivier Assayas
* Bille August
* Jane Campion
* Youssef Chahine
* Chen Kaige
* Michael Cimino
* Ethan & Joel Coen
* David Cronenberg
* Jean-Pierre & Luc Dardenne
* Manoel De Oliveira
* Raymond Depardon
* Atom Egoyan
* Amos Gitai
* Hou Hsiao Hsien
* Alejandro González Iñárritu
* Aki Kaurismaki
* Abbas Kiarostami
* Takeshi Kitano
* Andrei Konchalovsky
* Claude Lelouch
* Ken Loach
* Nanni Moretti
* Roman Polanski
* Raoul Ruiz
* Walter Salles
* Elia Suleiman
* Tsai Ming Liang
* Gus Van Sant
* Lars Von Trier
* Wim Wenders
* Wong Kar Wai
* Zhang Yimou.
terça-feira, fevereiro 20, 2007
London Calling 2007 (Parte 3)

Esta semana, num dos dois ecrãs que o ICA mantém em actividade permanente, assegura-se a estreia britânica do quarto filme de Eric Steel, o assombroso The Bridge, documentário sobre a multidão de suicídos que, anualmente, tem lugar na ponte Golden Gate, em São Francisco. Ideia nascida depois da leitura, pelo realizador, de um artigo na New Yorker (Jumpers, assinado em 2003 por Tad Friend), o filme comecou por obrigar Eric Steel a uma longa etapa de monitorização do tabuleiro da ponte. Dia após dia, ao longo de 2004, apontou a objectiva aos transeuntes, conseguindo filmar suicídios, assim como muitas tentativas frustradas de saltos. Estas imagens, das quais surge uma medula de imagem real que sustenta a coluna vertebral narrativa do filme, definem histórias. E conduziram depois o realizador ao encontro de pessoas ligadas aos respectivos suicidas (familiares, amigos, numa ocasião mesmo um sobrevivente a queda). Essas entrevistas fornecem o texto que escutamos, no qual cada um tenta, mais que libertar culpas, compreender a situação de desespero que conduziu a tão definitivos saltos. Emotivo, o clima construído pela soma das palavras que escutamos nas entrevistas e a consequente justaposição das imagens reais captadas algum tempo antes, tudo sublinhado por uma quase pacífica banda sonora de Alex Heffes (que lembra, por vezes, a música que Peter Nashel compos para The Deep End, de Scott McGehee e David Siegel). De resto, são frequentes as sequências de quase silêncio, apenas as notas ao piano e planos da ponte em dia "normal", bailados para carros em movimento, nuvens pelo meio, barcos e ondas em baixo, em contraste com os golpes de outras realidades que, muitas vezes, encaramos em primeira descoberta como apenas o som de algo que cai na água.
Nunca "voyeurístico", nunca vampírico, o interesse do realizador pelos casos que retrata ajuda a construir rostos e histórias pessoais, mais intensos que apenas os números com os quais as estatísticas fazem da Golden Gate o local mais procurado por suicidas. De resto, o enumerar final dos nomes dos 24 suicídios ali registados ao longo do ano durante o qual Eric Steel olhou de perto a ponte deixa-nos, contadas as suas histórias, com a sensação de que cada caso não foi apenas mais um número. Mas sim o fim trágico de mais uma história humana difícil.
PS. O filme foi já adquirido por uma distribuidora portuguesa. Esperemos que não apenas para cedência a pontual festival, com ordem discreta para edição em DVD logo a seguir...
Cahiers du Cinéma: a revolução em "e"

Para já, a revista — fundada em 1951, pelo grande André Bazin e seus pares, com um papel decisivo na eclosão da Nova Vaga francesa — oferece um número zero que é uma pequena maravilha informática. Herdando algumas técnicas dos "e-books", nele encontramos um conjunto de páginas (incluindo trailers de filmes) que podemos percorrer, ampliar, sublinhar, anotar... Uma nova forma de leitura/percepção que se oficializará a partir de 9 de Março, com a edição informática da revista que estará nas bandas no dia 7.
segunda-feira, fevereiro 19, 2007
London Calling 2007 (Parte 2)


A sala, onde marcava presenca a nata do showbiz londrino, aplaudiu de pé e não estranhou que, nem nos "encores", Rufus Wainwright tenha resistido à tentação de "contaminar" a noite com canções que não pudessem ter sido cantadas em 1961. Como o próprio cantou, a dada altura, durante o concerto: That's Entertainment!
domingo, fevereiro 18, 2007
Uma cultura de restos

É muito simples descortinar as tendências dominantes que aqui se sistematizam. Cada área de programação é resumida em função da oferta e da procura, ou seja, da percentagem de programas nessa área e da respectiva "procura"/audiências. Tendo em conta que a esmagadora maioria da "ficção" (25,4%) são telenovelas e seus derivados, que o "divertimento" (14,5%) é dominado por sinistros reality shows e penosos concursos, enfim, que a "publicidade" (16,4%) representa quase um sexto dos tempos de emissão, há uma dedução muito simples a extrair: cerca de metade (ou mais...) das nossas televisões está ocupada por produtos que reduzem os espectadores a um infantilismo militante. Daí uma velha verdade, cuja actualidade se mantém: avaliar as "opções" dos espectadores de televisão pelos números das audiências é uma maneira simplista — e, quase sempre, demagógica — de escamotear o facto de... não haver opções!
Do meu ponto de vista, importa discutir a própria terminologia da parcela mais curta, a chamada "arte e cultura". De facto, tudo o resto também é cultural — as opções dominantes na área da ficção, do divertimento e da publicidade (e da própria informação, hélas!) definem e consagram uma cultura da preguiça mental, da banalização humana e da desresponsabilização individual. Em todo o caso, mesmo não lidando de momento com essa fundamental questão filosófica e política, importa fixar o resto dos restos: 0,3% para a área de "arte e cultura" é uma vergonha mediática. E que a procura seja 0,0% é algo que importa considerar na sua mais crua objectividade: não se pode procurar — nem encontrar — o que não está lá.
Filme chinês vence em Berlim

FOTOGRAMAS: One + One, 1968

ONE + ONE
Grã-Bretanha, 1968
Realização: Jean-Luc Godard
Produção: Eleni Collard, Michael Pearson, Iain Quarrier
Argumento: Jean-Luc Godard
Interpretação: Mick Jagger, Keith Richards, Brian Jones, Bill Wyman, Charlie Watts
sábado, fevereiro 17, 2007
London Calling 2007 (Parte 1)

Não é uma exposição de grandes dimensões (nem de perto consegue o olhar abrangente que o livro Catalogue retrata). Trata-se de um interessante conjunto de fotografias, uma das quais, pouco divulgada, assinada por Robert Mappelthorpe, a quem a EMI americana pediu uma sessão com os Pet Shop Boys em 1986. Mais conhecidas, estão aqui as imagens que deram depois capa a canções como Rent, It's a Sin ou West End Girls. Fotos que, mesmo sem o lettering, pedem que cantem para a capa dos respectivos discos... Não falta, claro, uma selecção de capas de discos nas respectivas artes finais. E uma integral de telediscos, a passar constantemente num ecrã (com som para toda a galeria). Pop, sem dúvida.
Entretanto, terminada a exposição de retratos de David Hockney, a mostra que agora tem honras de destaque nas salas da National Portrait Gallery é Face Of Fashion, uma colecção de retratos de fotógrafos com créditos no mundo da moda, como Mert Alas, Marcus Piggot, Corine Day ou Steven Klein.
Menos interessante é From Manet to Picasso, percurso feito de pintura que se pode ver ali ao lado, numa das galerias de exposições temporárias da National Gallery. Há obras notáveis, sobretudo quadros célebres de Seurat, Cézanne ou Van Gogh. Mas sem um texto que una as imagens e nos conte uma história, não há contexto que viva, assim, apenas por si. Uma visita à exposição permanente, contudo, perdoa a falta de trabalho extra na mostra temporária. E na sala onde cinco enormes e arrebatadoras pinturas de Turner enchem duas paredes, a alma reencontra texto no contexto.
O rumor californiano

Revista 'Mojo' celebra Sgt. Pepper's
No essencial, a gravação dos temas do "novo" Sgt. Pepper está entregue a nomes mais ou menos marginais, lidando com talento, elegância e, por vezes, um requintado savoir faire com a herança das canções de Lennon e McCartney (sem esquecer Within You Without You, de George Harrison). A revista inclui um extenso dossier, com texto principal a cargo de John Harris, recordando a produção do disco dos Beatles, o papel decisivo de George Martin, a complexa fabricação da foto da capa, enfim, o impacto da chegada do álbum ao mercado.
O alinhamento do CD da Mojo é este:

* Puerto Morto - With a Little Help from My Friends
* Circulus - Lucy in the Sky with Diamonds
* Fionn Regan - Getting Better
* 747s - Fixing a Hole
* Unkle Bob - She's Leaving Home
* Bikeride - Being for the Benefit of Mr. Kite!
* Stephanie Dosen - Within You Without You
* Chin Up Chin Up - When I'm Sixty-Four
* Dave Cloud & The Gospel of Power - Lovely Rita
* The M's - Good Morning Good Morning
* Simple Kid - Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise)
* Captain - A Day in the Life
* Echo & The Bunnymen - All You Need Is Love
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Expressionismo(s)
A capa de "Heroes" (1977)
Seja qual for a perspectiva a partir da qual abordemos o álbum "Heroes", a sua singularidade emerge como algo de radical na genealogia artística de Bowie. Peça central da "Trilogia de Berlim" — completada por Low (1977) e Lodger (1979) —, trata-se também de uma das mais belas capas da discografia de Bowie. A preto e branco, numa pose rigorosamente indecifrável, parte saudação para um exterior desconhecido, parte mergulho numa interioridade silenciosa, o protagonista expõe-se como uma estátua carnal, segura da sua própria abstração.
Trata-se de uma das duas capas que citam, directamente, Roquairol [reproduzido em baixo], um trabalho do pintor alemão Eric Heckel. A outra pertence a um outro álbum de 1977, produzido pelo próprio Bowie: The Idiot, opus 1 de Iggy Pop — também neste caso a pose de Iggy Pop recria a estranha geometria das mãos desenhadas por Heckel, acentuando uma bizarra verdade física.
Eric Heckel (1883-1970) foi um pintor expressionista, fundador, em 1905, do movimento "Die Brücke" ('A Ponte'), que viria a integrar, por exemplo, Emil Nolde. Em 1937, Heckel foi um dos artistas catalogados de "degenerados" pelos nazis, tendo sido destruída grande parte da sua produção. Depois da guerra, foi professor na Academia de Karlsruhe.
Soderbergh: Ocean's 11 + 12 + 13

O realizador Steven Soderbergh segue, assim, uma lógica plural de trabalho, alternando com agilidade as pequenas (pequeníssimas) produções como Bubble e os grandes empreendimentos como este Ocean's Thirteen ou o anterior The Good German/O Bom Alemão (estreia portuguesa: 8 de Março). Nessa perspectiva, ele é um dos autores contemporâneos que mais, e melhor, tem sabido contrariar qualquer oposição maniqueísta entre os grandes orçamentos e as produções independentes.
quinta-feira, fevereiro 15, 2007
Magnum na blogosfera
Guantanamo Bay, Cuba (2006). Uma seta indicando a direcção de Meca.
Paolo Pellegrin/Magnum Photos
A Magnum já tem o seu blog. Trata-se, afinal, de fazer valer um valor básico: não apenas de divulgar e promover o trabalho dos fotógrafos da agência, mas também de o enquadrar, comentar e discutir. Aliás, o blog é muito explícito na sua abertura aos internautas (fotógrafos ou não), nele se escrevendo: "Convidamos os leitores do blog a enviarem posts sobre as histórias, acrescentando exemplos decorrentes das suas próprias experiências, das suas dúvidas e também das suas críticas."Entre os materiais disponíveis: um relato da actual experiência de Martin Parr, no Chile, integrada num projecto sobre praias turísticas; as memórias da visita de Paolo Pellegrin à base de Guantanamo [ver imagem]; e uma reflexão de Jonas Bendiksen sobre o viajar de avião (com foto, claro) e as emissões de gazes poluentes.
Bola de Berlim (4)


quarta-feira, fevereiro 14, 2007
Cartas de Iwo Jima: escrita japonesa

As Bandeiras dos Nossos Pais era um filme sobre uma sociedade (americana) fortemente dependente do poder do imaginário visual e, mais especificamente, da função simbólica das imagens — afinal de contas, a célebre fotografia dos soldados a erguer a bandeira americana em território conquistado ao Japão era uma espécie de máscara política que se transformava numa imenso (e festivo) logro colectivo.
Memórias dos 50 anos
'Lou Reed - Rock and Roll Heart' (1998)

Há dez anos, portanto em 1997, David Bowie comemorou os seus 50 anos com um concerto em Nova Iorque. Um fragmento desse concerto — com Bowie e Lou Reed em palco — está no magnífico documentário que é Lou Reed - Rock and Roll Heart (1998), de Timothy-Greenfield Sanders, já disponível entre nós em edição em DVD. Chamando a Lou Reed "Rei de Nova Iorque", Bowie é um dos entrevistados (a par de Patti Smith, Philip Glass, John Cale, etc.), sublinhando o seu papel de referência para muitas derivações do rock e, em particular, para o gosto de experimentação inerente à sua música. O brinco com penas é estritamente Bowie.
She's (not) Madonna

* 1, espectacular — porque se trata, obviamente, de garantir a máxima das máximas — the show must go on —, sem prejuízo de isso funcionar como mecanismo de metódico desmantelamento de todas as ilusões.
* 2, transfigurador — porque Robbie surge como uma Material Girl burlesca (de um burlesco que nasce, não do excesso da caricatura, mas da paradoxal contenção com que dá uma entrevista); porque essa cantora se despe e transforma em... Robbie Williams; enfim, porque entre ambos se desenha uma espécie de coincidência impossível, genuinamente poética. E tanto mais quanto na canção se canta este cruel refrão:
but face it she's Madonna
No man on earth
could say that he don't want her
This look of love
says I'm leaving
you're frozen now
I've done the freezing
I'm walking out
Madonna's calling me
No frondoso (e também saturado) território dos telediscos, She's Madonna (realização de Johan Renck) é, talvez, a primeira obra-prima de de 2007. Para ver e rever.
Updike: por amor da América (*)


Na sua odisseia entre deuses e demónios (os seus e os dos outros), Ahmad conduz o leitor a um terrível reconhecimento: o da banalidade do impulso terrorista. Updike é esse criador de ficções que sabe que a ilusão e o artifício não são apanágio do escritor, começando, afinal, nas relações humanas, na sua luminosidade como nos seus equívocos. O Terrorista (numa tradução eficaz de Carmo Romão) é um espantoso livro para lidarmos com a complexidade do mundo contemporâneo, superando os muitos maniqueísmos que tantas vezes, erradamente, nos levam a ignorar as marcas divinas e os gestos demoníacos."
* Texto publicado na revista "6ª" - Diário de Notícias (9 Fev. 2007), com o título 'Uma América feita de deuses e demónios'
terça-feira, fevereiro 13, 2007
"Canciones" reinventadas (*)

* Texto publicado na Revista Op (nº 21, Inverno 2006)
Lady M

Luz e trevas
segunda-feira, fevereiro 12, 2007
Bola de Berlim (3)

Morte de uma Playmate


Podemos também evocar a inspiração óbvia de Marilyn — também Playmate, a primeira (Dezembro 1953) — e sublinhar como ambas morreram em cenários trágicos: Norma Jean aos 36 anos, segundo os registos da época por uma dose excessiva de pílulas Nembutal; Anna Nicole Smith aos 39 anos, aparentemente devido aos efeitos combinados de medicamentos e álcool (embora a polícia tenha afastado a hipótese de crime, prosseguem as investigações sobre as circunstâncias da morte).


* ANNA NICOLE SMITH — nome verdadeiro: Vicky Lynn Marshall (28 Nov. 1967 - 8 Fev. 2007)