Acontece aos melhores... O filme Gotti arrastou-se durante quase uma década, envolvendo vários cineastas e actores — no começo, Barry Levinson foi mesmo uma séria hipótese, com Al Pacino a interpretar o chefe mafioso John Gotti (1940-2002). Em boa verdade, John Travolta herdou um projecto ferido. O certo é que nunca quis desistir, surgindo agora no centro de um filme que nunca consegue engrenar em qualquer coisa de minimamente consistente, perdendo-se numa estrutura de ziguezagues temporais em que o próprio esclarecimento da acção é deficitário.
Por cá, acrescentaram-lhe o subtítulo “Um verdadeiro padrinho americano”, como se isso o aproximasse da excelência da trilogia de O Padrinho, de Francis Ford Coppola. Nada a fazer — os resultados são dramaticamente desconexos, espécie de telefilme de rotina, tornando inglório o esforço de Travolta para emprestar alguma densidade psicológica à personagem.
Nome fundamental da vanguarda jazzística da Polónia, o trompetista Tomasz Stanko faleceu no dia 29 de Julho, em Varsóvia, vitimado por cancro — contava 76 anos.
Através de diversas formações — um quarteto, um quinteto ou o New York Quartet — Stanko combinava, como intérprete e compositor, uma secura que não repelia, antes pelo contrário, sabia integrar uma profunda dimensão poética. Começou a ser conhecido em 1965, quando colaborou com o pianista Krzysztof Komeda no álbum Astigmatic. Almost Green (1979) e The Montreux Performance (1988) serão alguns dos momentos mais emblemáticos da sua carreira, isto sem esquecer, nos últimos anos, os álbuns que gravou com chancela da ECM — December Avenue (2017) foi o derradeiro desses álbuns.
>>> O álbum Almost Green (1979) + um tema do álbum Soul of Things (2002) + concerto em Salzau (Alemanha) a 03-07-2005.
É bem provável que entre a escrita deste texto e o seu encontro com um possível leitor, tudo tenha mudado... Afinal de contas, o fenómeno 'Trump' é também um sintoma da velocidade equívoca em que vivemos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Julho).
1. O caso Michael Cohen/Donald Trump desenvolve-se a uma velocidade estonteante. O que dizemos ou escrevemos agora, pode (e deve) ser reavaliado daí a pouco tempo. Em boa verdade, nem sabemos muito bem como caracterizar as novas medidas do tempo — não apenas para a prática e o pensamento jornalístico, mas na própria concretização de todas as relações humanas.
2. O facto de Cohen se mostrar disponível, agora (27 Julho), para responder à comissão liderada por Robert Mueller — testemunhando que Trump tinha conhecimento da reunião com enviados russos, na Trump Tower, em Junho de 2016 — introduz um novo e dramático dado cujas ondas de choque apenas começamos a pressentir. Vale a pena, por isso, recuar alguns dias, tentando, pelo menos, inventariar alguns elementos deste turbilhão mediático e político.
3. Como foi amplamente noticiado (25 Julho), Michael Cohen, advogado de Donald Trump, anunciou possuir gravação de uma conversa com o seu cliente sobre as suas relações com Karen McDougal, ex-modelo da revista Playboy. A gravação serviria de prova do facto de Trump ter, de facto, discutido com Cohen a possibilidade de aquisição dos direitos de publicação de uma história sobre uma alegada relação McDougal/Trump. Foi a CNN a divulgar essa gravação.
4. Estamos perante um exemplo, mais um, dos modos de actuação do actual Presidente dos EUA, menosprezando toda e qualquer relação humana. Ou ainda: depois de tantos e tão chocantes exemplos de indiferença pelos mais básicos valores humanistas — do achincalhar das mulheres à abordagem irresponsável da geo-política —, até onde poderá chegar a mediocridade de Trump? As perguntas são tanto mais delicadas quanto nos levam a questionar outro tipo de problemas. A saber: como lidar, no plano da informação, com o terramoto Trump?
5. Ora, precisamente, Trump, o próprio, devolve-nos tais problemas com uma outra pergunta, falsamente ingénua, formulada num dos seus tweets sobre o assunto: “Que espécie de advogado grava as conversas com um cliente?”
Feliz ou infelizmente, a pergunta de Trump não é banal nem indiferente. Porquê? Porque nos remete para os fantasmas de um novo modelo de vivência das relações público/privado. Ou ainda: a pergunta é legítima.
6. Não se trata, entenda-se, de simplificar, muito menos atenuar, as monstruosidades morais de que Trump tem sido protagonista. Trata-se, isso sim, de reconhecer que a gravação efectuada por Cohen e, agora, a sua divulgação pública ilustram um modo de abordagem das relações humanas em que o obsceno foi promovido à condição de natural. É esse o mundo em que passámos a viver. Não é exactamente a intimidade que está ameaçada. É mais do que isso: a própria noção de intimidade passou a ser automaticamente desvalorizada.
7. Face a todas estas convulsões, não sei o que seja um ponto de vista moralmente puro — e seria o último a reivindicá-lo para mim próprio. Afinal, é inevitável reconhecer que a gravação de Cohen e o seu depoimento serão factores determinantes no complexo processo político, moral e mediático que está em curso. Apesar disso — aliás, por causa disso mesmo — é ainda mais perturbante o facto de ser o próprio Donald Trump a formular uma pergunta essencial que quase todos nós tentamos contornar.
A memória de Amy Winehouse (1983-2011) ficou para sempre contaminada pela exploração tablóide das suas imagens e, em particular, dos seus graves problemas de toxicodependência. Num certo sentido, a sua sobrevivência artística passa também pela demarcação dessa exploração e pela reposição de todos os contrastes da sua complexa identidade. O novo livro Amy Winehouse (Taschen), de Blake Wood, constitui um momento terno de tal processo. Wood tinha 22 anos quando conheceu a cantora, em 2008, tornando-se um amigo e assumindo o papel de figura protectora. As suas fotografias são um comovente testemunho de uma intimidade que não pode ser reduzida a clichés, sejam eles iconográficos ou moralistas: "Existe a ideia falsa de que foi tudo mau durante aqueles anos, e na verdade não foi — eu estava lá" [The Guardian].
No mercado português, os clássicos do cinema francês estão na ordem do dia: Dois Homens em Manhattan (1959), de Jean-Pierre Melville, constitui, por certo, uma das mais maravilhosas (re)descobertas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Julho), com o título 'A geometria da modernidade'.
1. Ao rever o filme Dois Homens em Manhattan, de Jean-Pierre Melville (1917-1973), não pude deixar de pensar como a história do cinema permanece uma paisagem em aberto, susceptível de permanentes avaliações e reavaliações. Importa não cedermos a essa ideia simplista, a meu ver anti-cinéfila, segundo a qual os filmes envelhecem “bem” ou “mal”. Mesmo neste tempo de muitos e variados suportes de difusão digital, os filmes permanecem iguais a si próprios — somos nós que mudamos e, melhor ou pior, envelhecemos.
2. Datado de 1959, Dois Homens em Manhattan é uma das magníficas reposições deste Verão, integrada num ciclo de clássicos franceses (a decorrer até Outubro) que nos pode permitir contextualizar a grandeza algo esquecida de Melville. Falo por mim, entenda-se. Sempre gostei de resumir a eclosão da “Nouvelle Vague” através de três títulos emblemáticos, todos de 1959, precisamente: O Acossado, de Jean-Luc Godard, Os 400 Golpes, de François Truffaut, e Hiroshima, Meu Amor, de Alain Resnais. E é verdade que também sempre admirei a frieza geométrica do Melville de obras como O Ofício de Matar (1967), o policial em que Alain Delon, no papel de um samurai dos tempos modernos, encontrou a sua mais bela imagem de marca. Mas importa recolocar Dois Homens em Manhattan no turbilhão de 1959, quando os franceses estavam a abrir os caminhos de uma modernidade que iria ecoar nos mais diversos contextos (incluindo Portugal e a geração do Cinema Novo).
3. Curiosamente, podemos definir o enraizamento de Dois Homens em Manhattan através da música e, em particular, do jazz. A banda sonora de Christian Chevallier conta com a participação de Martial Solal, notável pianista e compositor francês, nascido na Argélia, que no mesmo ano assinou a música de O Acossado. Solal surge mesmo numa sequência do filme, de alguma maneira personificando uma sonoridade que estava a cruzar-se com as convulsões da criação cinematográfica — recorde-se que, um ano antes, Miles Davis tinha composto a banda sonora de Fim de Semana no Ascensor, de Louis Malle.
4. Melville assume um dos papéis centrais. Ele é um jornalista que, na companhia de um fotógrafo (Pierre Grasset), tenta descobrir as razões que terão motivado a ausência injustificada de um diplomata francês numa reunião nas Nações Unidas... O filme organiza-se como uma espécie de “on the road” citadino, com os protagonistas de rua em rua, visitando várias mulheres com quem o desaparecido terá mantido alguma relação. Em boa verdade, na admirável fotografia a preto e branco assinada por Nicolas Hayer, Nova Iorque é a primeira e fundamental personagem: mais do que um cenário, a cidade existe como um mapa imaginário em que verdade e mentira estabelecem ambíguas alianças.
5. Há qualquer coisa de mágico e, ao mesmo tempo, objectivo nesse registo das ruas de Nova Iorque. Melville homenageava os mestres do policial de Hollywood e, ao mesmo tempo, assumia-se como repórter do aqui e agora — a “Nouvelle Vague” foi também uma arte de baralhar as lógicas tradicionais de documentário e ficção.
6. No final, a investigação conduz os dois homens — e, no fundo, o próprio filme — a um dilema moral: tendo em conta tudo o que está em jogo, deverão ou não divulgar as fotografias que, afinal, constituíam um dos objectivos fundamentais da sua investigação? Lição a reter: este cinema de militante fascínio pela abstracção das linguagens narrativas não era estranho a uma elaborada visão social.
7. Daí que Dois Homens em Manhattan seja tudo o que se quiser, menos um objecto banalmente nostálgico: a sua capacidade de registar rostos e lugares transcendeu o momento concreto da rodagem. Podemos mesmo dizer que Melville consegue estabelecer com as acções que filma uma corrente de atenção e cumplicidade com o seu quê de sensual. Dois Homens em Manhattan é, por certo, uma história de descrença nos poderes românticos do amor, mas há nele uma sensualidade que resultado da maneira de olhar o mundo à sua volta.
[ * ] A sequência de Dois Homens em Manhattan a que pertence esta imagem poderá ter sido rodado ainda em 1958, já que o filme anunciado nos néons — Separate Tables/Vidas Separadas, realizado por Delbert Mann a partir da peça homónima de Terence Rattigan — teve a sua estreia novaiorquina a 18 de Dezembro de 1958. Eis o respectivo genérico de abertura.
Memórias de Lawrence da Arábia, da imensidão do deserto aos caminhos mais secretos da solidão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Julho), com o título 'O deserto é uma coisa interior'.
Cada grão de areia do deserto de Lawrence da Arábia não é um pixel que um génio imberbe de Silicon Valley tenha associado a outro pixel, a outro e mais outro... revendo-se na performance impessoal dos seus maravilhosos gigabytes. Década após década, o filme preserva, porventura ampliando, uma visceral verdade física. Daí que o deserto não seja um cenário de fundo, muito menos uma decoração pitoresca para enquadrar as atribulações dos incautos humanos. Podemos mesmo arriscar dizer que o deserto é uma presença íntima, coisa absolutamente interior na epopeia de Lawrence. Daí também a sensação insubstituível de que houve gente humana, porventura demasiado humana, que protagonizou e registou aquelas imagens desejadas e pensadas para os maiores ecrãs do mundo.
Essa intimidade, de uma só vez secreta e sensorial, não pode ser separada da sua origem literária: Lawrence da Arábia baseia-se no livro de T. E. Lawrence, Os Sete Pilares da Sabedoria (cuja primeira edição tem data de 1922). Estamos perante um desses clássicos capaz de nos confrontar com as infinitas tensões entre as vivências individuais e as convulsões colectivas, ziguezagueando entre a sedução das abstracções políticas e o misto de pragmatismo e crueza que os gestos políticos tendem a reflectir.
Lawrence foi uma figura fundamental durante a Grande Guerra de 1914-18, emergindo como líder do envolvimento militar britânico com a revolta árabe contra a Turquia, aliada da Alemanha. A sua liderança trouxe-lhe uma dimensão simbólica de “arabização” de que as suas vestes do deserto constituem apenas os sinais mais óbvios: através da reconfiguração física e psicológica da sua identidade, Lawrence viveu um trágico processo de “ser ou não ser” que confere à sua epopeia um valor universal, profundamente actual.
Enredado nas contradições internas do mundo árabe, por vezes pontuadas por inusitadas formas de violência, mas também marcado pelas ambivalências hipócritas das directrizes políticas do seu próprio país (e da Europa, hélas!), Lawrence é um homem rasgado pela fúria labiríntica da história. Por um lado, os seus esforços para viver e vestir-se “como os árabes” conduziram-no ao distanciamento do seu “ser inglês”; por outro lado, a sua descoberta do(s) outro(s) envolveu um drama prático e filosófico cujo desespero ele condensa nas palavras de abertura do capítulo II do seu livro: “A primeira dificuldade do movimento árabe era dizer quem eram os árabes”.
Mais de meio século depois, o filme de David Lean continua a acompanhar-nos como um dedicado conselheiro existencial, não merecendo a acusação de Bosley Crowther, crítico do New York Times, que em Dezembro de 1962 o considerou “tão despido de humanidade como as areias secas do deserto que retrata”. No ano seguinte, em Cannes, Crowther cruzou-se com Lean, dirigindo-lhe um caloroso cumprimento: “Nem penses, Bosley”, foi a resposta. Digamos, para simplificar, que é preciso de tudo para tentarmos ser dignos da complexidade dos grandes filmes, incluindo prestar alguma atenção aos movimentos imponderáveis das areias.
A guitarra de Annie Clark, aliás, St. Vincent, criada pela Ernie Ball Music Man, impõe-se como um singular e belíssimo objecto, obviamente indissociável da sofisticação das suas performances. Este é um video em que a experimentação da guitarra se cruza com imagens de telediscos e momentos de palco — a sugestiva ambivalência do título, 'Disruption by design', liga o gosto experimental da ruptura artística à concepção material dos respectivos objectos.
A exposição da própria St. Vincent é tanto mais interessante quanto ela avalia as diferenças entre a identidade privada do artista e a sua persona pública, não recusando, antes pelo contrário, assumindo a não coincidência das duas entidades. Na sábia ironia das suas palavras, eis um belo resumo do que pode ser a consciência da sua própria teatralidade: "Vende o teu próprio mito, mas nunca o compres".
Em cima, vemos um homem de 30 anos, no seu trajecto para procurar comida no lixo; em baixo, o testemunho escrito de um ex-consumidor de heroína, agora viciado em Percocet (um poderoso analgésico), e um aspecto de uma rua da zona de Kensington, em Filadélfia — são três imagens de um espantoso e perturbante portfolio assinado por Jérôme Sessini, da agência Magnum.
Atenção: seria precipitado olhar e avaliar estas fotografias isoladamente. Trata-se apenas de fornecer um escasso exemplo daquilo que é um genuíno trabalho de investigação fotográfica (aliás, acompanhado por um texto de impecável rigor jornalístico). Sessini foi observar o que acontece em Kensington, onde se concentram muitos toxicodependentes, procurando em particular a heroína que aí se vende por baixos preços. O resultado é um impressionante testemunho humano que resiste a qualquer generalização demagógica, antes concentrando-se num universo muito específico, sem dúvida sintomático de problemas muito mais gerais — um exemplo do rigor, da exigência e também dos valores humanistas da Magnum.
O mais recente álbum dos Metric, Pagans in Vegas, sexto da banda de Emily Haines, foi lançado há quase três anos. O sétimo está anunciado para Setembro e já tem dois cartões de visita, ambos a preto e branco, ambos com realização de Justin Broadbent: o primeiro, Dark Saturday, surgiu há cerca de um mês; o segundo, Dressed To Suppress, é uma das novidades do momento — ainda e sempre a mesma aliança das raízes pop e dos sons dos sintetizadores, sem nunca menosprezar a energia das guitarras e, claro, as singularidades da voz de Haines.
É apenas uma data, é verdade: Stanley Kubrick nasceu no dia 26 de Julho de 1928 — faria hoje 90 anos (faleceu a 7 de Março de 1999, pouco tempo depois de ter concluído a montagem de De Olhos Bem Fechados). Seja como for, a efeméride é apelativa, quanto mais não seja porque este é também o ano em comemoramos os 50 anos de 2001: Odisseia no Espaço, por certo o seu filme mais famoso, problematizando as relações homem/máquina com uma acutilância a que o presente — o nosso presente — emprestou ainda maior pertinência filosófica. Dir-se-ia que, se é verdade que o século XX foi um tempo de dramática discussão dos limites da dimensão humana, então 2001 é, continua a ser, o filme capaz de nos confrontar com a réstea de utopia que tais limites parecem já não saber integrar.
>>> Documentário sobre a herança de 2001 (produzido pela Warner, em 2007), incluindo na edição do filme em Blu-ray.
>>> A função do crítico não é trazer numa bandeja de prata uma verdade que não existe, mas prolongar o máximo possível, na inteligência e na sensibilidade dos que o lêem, o impacto da obra de arte.
Memórias de Lawrence da Arábia, da imensidão do deserto aos caminhos mais secretos da solidão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Julho), com o título 'O deserto é uma coisa interior'.
Faça-se um inquérito a jovens que vivam todos os dias empolgados pelos fenómenos “sociais” que, pelo menos uma vez por minuto, os vão convocando, accionando um bip nos seus telemóveis. Peça-se-lhes que identifiquem uma personagem épica que conheçam através do cinema. Quantos irão citar o coronel, arqueólogo e escritor britânico T. E. Lawrence (1888-1935)? Quantos dirão que sabem da sua existência através de Lawrence da Arábia, o filme que David Lean lhe dedicou em 1962, com Peter O’Toole no papel central?
Admito que possamos ser supreendidos. E que haja muitos jovens que (ainda) não tenham sido intelectualmente afogados pela noção segundo a qual, para além do mais recente “blockbuster” cujos cartazes apoquentam as ruas das nossas cidades, a memória não é um vício nostálgico nem um luxo pretensioso, antes uma forma de entendimento e enriquecimento do nosso presente.
Convenhamos que o panorama global é terrível: para além da promoção de alguns jogadores de futebol a santos de uma religião planetária, a nossa miséria cultural pode medir-se através do metódico esvaziamento da noção de epopeia cinematográfica. Perante a nossa bonomia, não poucas vezes tingida de estúpido paternalismo, permitimos que as gerações mais jovens sejam ensinadas a confundir a pulsão épica do cinema (e não só) com a acumulação gratuita de efeitos especiais. Isto em paralelo com um cego liberalismo que nos tornou indiferentes ao triunfo quotidiano dos horrores da “reality TV” e seus derivados.
Como é possível que o talento de actores como Robert Downey Jr. seja banalizado (aliás, em boa verdade, ocultado) através da sua encarnação de figuras metalizadas, geradas por mecanismos digitais, como o Homem de Ferro? O nome dele aparece nas fichas dos filmes, mas o que vemos não passa de um fantasma virtual, uma marioneta sem alma que, para além da sofisticação da sua fabricação, nada deve à nobre arte de representar.
Bem sabemos que o artifício e as manipulações técnicas estão ligadas a muitas maravilhas da história do cinema. Não nos esquecemos de Georges Méliès (1861-1938), contemplamos com renovado fascínio o seu foguetão a aterrar no rosto acolhedor da Lua e deslumbramo-nos com as ilusões que ele soube criar há mais de um século, quando o cinema era ainda um sonho hesitante entre a fragilidade efémera da atracção de feira e a glória de ser a forma mais universal de arte popular (que foi, de facto, durante o século XX).
Nada disso tem que ver com a contemplação beata dos feitos tecnológicos. Da angústia ao riso, o cinema foi — e continua a ser — uma linguagem capaz de celebrar as convulsões e contrastes da nossa muito humana condição. André Bazin (1918-1958), mestre do pensamento crítico, terno guru dos cineastas da Nova Vaga francesa, disse-o através de uma frase esplendorosa que continua a seduzir-nos como um enigma que importa, talvez, não tentar decifrar em absoluto: “O cinema substitui os nossos olhares por um mundo que se adequa aos nossos desejos”.
Os nossos jovens poderão até conhecer o filme Lawrence da Arábia através do ecrã mágico do seu computador. Porque não? Contornemos a facilidade do cinismo: como Walter Benjamin nos avisou, sabemos que vivemos assombrados pela “reprodutibilidade técnica” das obras de arte; encararemos tal estado de coisas com euforia ou cepticismo, mas se não pudermos ir a Londres ver os quadros de Francis Bacon na Tate, isso não será uma boa razão para menosprezarmos as virtudes de um competente álbum de reproduções.
Acontece que Lean foi um cineasta da grandiosidade do ecrã. Grandiosidade física, antes do mais, por certo indissociável da sua grandeza mitológica. É verdade que Lawrence da Arábia pode “caber” no rectângulo luminoso do nosso computador. Ou até, suprema insolência, no visor do nosso telemóvel. Mas importa perceber que se trata de um filme, não exactamente feito “contra” a actual proliferação de ecrãs, mas num contexto em que tal proliferação não existia, a não ser, talvez, como delírio de ficção científica.
Perverso efeito da histeria contra as "fake news" montada por Donald Trump: subitamente, compreendemos que tal histeria conseguiu fragilizar o próprio acto de dizer — e, mais do que isso, a responsabilidade que o acto envolve. Em dias recentes, em particular após a cimeira de Helsínquia, tornou-se mesmo imperioso assumir uma renovada postura jornalística. Já não se trata apenas de perguntar o que ele disse, mas também de questionar o que, no seu não dizer, remete para aquilo que... poderá vir a ser dito, sugerido ou insinuado. Trabalho desgastante, sem dúvida, democraticamente urgente — Anderson Cooper, na CNN, é um caso exemplar desse trabalho.
>>>Agora não quer dizer: "O tempo existe" que, com o seu pronome impessoal, recolhe e organiza. Não, agora é a pressão do sangue que sobe e integra, com a sua sonoridade a preceder a voz. Sem sons, sem comunicação, sem palavras, nem eu nem tu. A expansão do agora transcende a excitação, prolonga-a uma e outra vez, para além do prazer.
Não, não se trata de "Heroes", clássico do álbum homónimo de David Bowie lançado em 1977. A nova canção intitula-se Zeroes.
Nova? Não exactamente, uma vez que integrava o álbum Never Let Me Down (1987), habitualmente encarado como um hiato menos feliz na trajectória de Bowie... Será? Em todo o caso, uma nova versão de Zeroes, trabalhada pelo produtor Mario McNulty, surgirá na caixa Loving The Alien (1983-1988), a lançar a 12 de Outubro — ei-la, na sua surpreendente depuração e intensidade.
(Ladies and Gentlemen
Tonight, yes, the Zeroes will be singing for you!)
Yeah Yeah [x4]
You've arrived in the land
of a thousand different names
And the fabulous sons have crashed their planes in flames
Now tomorrow's back claiming redemption is on your heels
And a toothless past is asking you
how it feels
And me my little red Corvette
has driven by
My fair weather heart has fallen in
My rainy day girl
is feeling down
And she tells me
that the world is spinning round
I say the dream was all for you
You're nobody else
Tonight the Zeroes were singing for you
Yeah Yeah
Yeah
Hi, can I walk you home
again today
Gotta get forgive and forget hey-hey
Something good is happening I don't know what it is
Entre a realidade e a mitologia, Prince e Michael Jackson são dois nomes fundamentais da música popular; ambos completariam 60 anos em 2018 — numa das nossas habituais sessões na FNAC, propomos uma viagem/celebração através de memórias feitas de imagens e sons.
O álbum Boarding House Reach, de Jack White, tem sido um gerador de telediscos tão originais quanto vibrantes — o que, obviamente, começa com a energia das canções. Depois de Connected By Love e Over and Over and Over aí está o prodigioso Corporation — uma parábola política sobre a sedução e os fantasmas da ideia de colectivo, com realização de Jodeb. Para já, entre os dois ou três candidatos a teledisco do ano.
Who's with me?
Who's with me?
Who's with me?
Yeah, I'm thinking about starting a corporation
Who's with me?
Nowadays, that's how you get adulation
Who wants to start a corporation?
I'm thinking about taking it all the way to the top
Who's with me?
Woo!
Yeah, I'm thinking about doing one giant drop
Who's with me?
Yep, yep, yep
Yes, something about buying all the empty cars
And making one giant army
Who's with me?
I'm gonna buy up all the empty lots and make one giant farm
Chegamos ao fim do circuito da exposição sobre a colecção de Calouste Gulbenkian e deparamos com esta maravilha de Fragonard, uma ilha do amor (ou "de" amor, segundo o original L'Île d'Amour) que nos faz ver o espaço como uma entidade impossível de reproduzir. O espaço? Sim, é disso que se trata.
O espaço impõe-se, assim, como algo que vemos como um tempo — o tempo de contemplação do quadro, antes do mais —, levando-nos a reconhecer que a nitidez das formas (a água, a verdura, etc.) é também um método de discussão de qualquer sistema formal. Afinal de contas, não é impunemente que se evoca o paraíso — ficamos sempre aquém, mesmo se o gesto artístico se coloca algures, além.
Ainda assim, a ilha de Fragonard não será o fim "final" da exposição. Podemos mesmo percorrê-la através de uma calendarização sensual em que a data de identificação de cada obra tende a ser uma alínea enigmática da pluralidade do presente em que somos espectadores.
Dito de outro modo: na sua qualidade de convidado de Verão da Fundação Gulbenkian, Joaquim Sapinho trabalhou a partir de um princípio tão linear quanto radical. A saber: nunca expomos o passado, antes reconvertemos os padrões do tempo que, de modo mais ou menos consciente, fazem de nós herdeiros de lotes e lotes de objectos incrustados entre o rigor das catalogações e a maravilha primordial do indizível.
Daí que esta exposição/viagem tenha qualquer coisa on the road, a partir de um (novo) mapa em que os objectos até agora invisíveis do cidadão Gulbenkian dialogam, lado a lado, literalmente, com as mais diversas peças da colecção de arte moderna da Fundação.
Trabalho de montagem, sem dúvida, ou não fosse Sapinho um cineasta que sabe o valor da ligação de uma imagem a outra imagem, corrigindo a soma tradicional 1+1=2, gerando um terceiro termo, surpreendente e sensorial, da mais pura fruição, antes do prazer de qualquer fixação teórica — porventura um pouco à maneira de Roland Barthes que, ao olhar para a coroação do czar em Eisenstein, superava evidências ou conotações, doando-nos as pulsações do bem chamado terceiro sentido, conduzindo-nos da presença da imagem à radicalidade imponderável do fotograma.
Daí também a agilidade com que pintura e escultura, malas de viagem e outros objectos pessoais, reaparecem neste contexto, alertando-nos para a existência multifacetada da história, dos seus muitos gestos, rostos e silêncios — incluindo os nossos. Como diz Sapinho, neste breve e didáctico video, o resto só vendo a exposição.
Cinema venezuelano? É verdade. Eis uma raridade que se saúda, mesmo se este é um título que chega três anos depois da respectiva data de produção e também da sua consagração internacional — arrebatou o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2015.
O seu ponto de partida é, no mínimo, perturbante: o realizador Lorenzo Vigas concentra-se nos fantasmas de um homem (interpretado por Alfredo Castro, o excelente actor chileno que conhecemos dos filmes de Pablo Larraín) que contrata rapazes pobres das ruas de Caracas para satisfazer os seus impulsos “voyeuristas”... O filme perde-se um pouco num tom vagamente policial, mas não há dúvida que envolve um trabalho de prospecção psicológica que merece ser descoberto.
O novo filme de M. Night Shyamalan começou por ser anunciado como um prolongamento do seu Split/Fragmentado (2016), com James McAvoy e as suas muitas personalidades. Na verdade, será um pouco mais do que isso, completando uma trilogia iniciada com Unbreakable/O Protegido (2000), com Bruce Willis e Samuel L. Jackson. Todos eles convivem, agora, numa instituição psiquiátrica em que Sarah Paulson tenta curá-los do facto de acreditarem que são super-heróis... Ou talvez sejam — em qualquer caso, o trailer de Glass é sedutor.
Não é impunemente que se escreve: After Bach. Ou seja: de acordo com Bach, mas também depois de Bach. Brad Mehldau coloca-se na posição, por certo ambivalente e festiva, numa palavra, desafiante, de quem reconhece uma inspiração, respeitando-a e integrando-a, mas também superando qualquer hipótese de cópia ou imitação.
Por certo um dos álbuns maiores de 2018, After Bach poderá ser definido como uma reapropriação centrada e, de algum modo, potenciada por um mesmo gosto. Entenda-se: não é o músico de jazz que traz o seu programa de improvisação para "recriar" Bach. Isto porque, como recorda Timo Andres no texto de apresentação do álbum, o impulso improvisador — e a sua prática, hélas! — já está todo ele contido em Bach. Digamos que Mehldau é "apenas" um discípulo que nasceu em 1970, 220 depois da morte de Bach.
Trata-se, então, de revisitar quatro prelúdios e uma fuga de O Cravo Bem Temperado, "interrompendo-os" com diversas composições do próprio Mehldau, de acordo com Bach, depois de Bach, reencontrando a liberdade original de... Bach. Ou ainda, de novo citando Andres: "Tocar Bach é necessariamente ser capaz de manipular e reconciliar pensamentos díspares, sustentar em simultâneo opiniões contraditórias. Num mundo cada vez mais polarizado e compartimentado, estudar Bach é uma tentativa para ver algo de todos os ângulos, de todas as posições possíveis."
>>>After Bach: Rondo [audio], faixa nº 3 do álbum + concerto 'Three Pieces after Bach' na Cité de la Musique, Paris (02-04-18).
>>> O crescente poder das representantes de 50% da população mundial só pode ser bom para a legitimidade e durabilidade da democracia. Mais ainda, segundo o World Bank, os países com mais altos níveis de igualdade de géneros são menos susceptíveis de envolvimento em conflitos internos ou externos. A participação das mulheres na prevenção e resolução de conflitos ajuda muitas vezes a garantir sucesso; segundo um estudo patrocinado pelas Nações Unidas, os acordos que incluam as mulheres e grupos da sociedade civil têm mais 64% de hipóteses de não falhar do que aqueles que não envolvam tais participantes.
JAMES STAVRIDIS
'Democracy Isn’t Perfect, But It Will Still Prevail'
[Sugere-se um click na imagem] É um cartaz de 2014, encomendado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, comemorando um século de história(s) do guarda-roupa em cinema. À direita, em baixo, estão identificados todos os filmes (que surgem por ordem cronológica): ou como a arte de vestir os actores é inseparável das personagens que eles são capazes de representar.
>>> A história mostra-nos como as pessoas podem ser facilmente convencidas a virar as costas aos que têm um aspecto diferente ou veneram Deus de modo diferente.
BARACK OBAMA
Entre os eventos que têm assinalado o centenário do nascimento de Nelson Mandela — a 18 de Julho de 1918, em Mvezo, uma aldeia da província do Cabo, na África do Sul —, um dos mais extraordinários foi, sem dúvida, o discurso de Barack Obama, em Joanesburgo (16ª edição da chamada 'Nelson Mandela Annual Lecture').
Ao longo de uma hora e vinte minutos, o 44º Presidente dos EUA proferiu muito mais do que um discurso elegíaco. Inspirando-se na herança política e simbólica de Mandela, apresentou uma elaborada reflexão sobre o estado do mundo, reconhecendo as muitas transformações que aconteceram desde o final da Primeira Guerra Mundial até ao tempo globalizado em que vivemos, tecendo considerações analíticas capazes de integrar dados tão diversos como as formas de poder das elites económicas ou o papel contemporâneo dos meios de comunicação. Vale a pena escutar a reflexão de Obama para além dos soundbytes que circularam — eis a sua intervenção integral, em registo da SABC News.
Bela capa! Transparente e enigmática. A banda novaiorquina Dirty Projectors, ou seja, David Longstreth & etc., continua fiel a esse misto de ludismo pop e experimentalismo vanguardista que confere às suas canções uma gravidade tecida da mais desconcertante ligeireza. Depois do álbum homónimo de 2017, aí está Lamp Lit Prose, uma saborosa colecção de canções sobre a procura da felicidade — a sério! No caso de Break-Thru, fica provado que nem todos os pássaros estão ao serviço de Hitchcock...
What's up?
How's it going?
The unreal cheekbone
She is so dreamy
That she got features on Fellini
Deadpan, unimpressed
Archimedes Palimpsest
Just hanging out all Julian Casablancas
She is an epiphany
Her electricity opens my days like she always knew
1.Como lidar com as notícias sobre Donald Trump? Ou melhor: que desafios jornalísticos Trump coloca?
2. Impossível generalizar, como é óbvio. Digamos apenas que os ziguezagues (anti-)democráticos do Presidente dos EUA impõem aos jornalistas uma consciência muito aguda do seu poder real enquanto líder político, da realidade do seu poder. Creio que importa, sobretudo, resistir a transformá-lo numa caricatura condenada a um processo de auto-destruição (opção que muitos meios de comunicação adoptaram durante a sua campanha eleitoral). Nas suas óbvias e reveladoras diferenças, estas primeiras páginas de dois jornais franceses são sintomáticas desse problema (sem que, evidentemente, se pretenda reduzir o conteúdo plural — e muito rico — de cada uma das publicações ao que aqui vemos).
3. O Libération opta por uma estratégia simplista de ridicularização de Trump, parecendo até ignorar que, se é verdade que a classificação de troll (proveniente da mitologia escandinava) se generalizou como designação de uma personagem entre o estúpido e o incómodo, não é menos verdade que se aplica também a figurinhas tão bizarras quanto carinhosas do imaginário infantil. Por sua vez, no Le Monde encontramos a frieza de uma descrição que convoca os factos para propor, sem equívocos, uma leitura política das respectivas incidências — em vez de ser um "troll" que pode suscitar uma gargalhada de condenação, Trump surge como o "melhor aliado de Vladimir Putin".
4. Mesmo que isso incomode a "objectividade" televisiva que domina muitos cenários da paisagem mediática, fazer notícias não é, nunca foi, "reproduzir" o que quer que seja — fazer notícias é sustentar uma visão do mundo, ao mesmo tempo perguntando que lugar ocupamos, ou podemos ocupar, nas suas dinâmicas.
5. Mais concretamente: fazer notícias não é o mesmo que aplicar a lógica de espectáculo, entre a irrisão e o panfleto, que encontramos em alguns talk shows. Ainda assim, paradoxalmente, por vezes é nos talk shows que deparamos com uma conjugação de inteligência e subtileza capaz de contrariar e, implicitamente, criticar os formatos mais banais do jornalismo. Eis um excelente exemplo que aqui se regista, também a propósito da cimeira Trump/Putin em Helsínquia: são os comentários de Stephen Colbert em The Late Show.
Para o melhor e para o pior, os Oscars passaram a ser dominados por títulos estreados no derradeiro trimestre de cada ano. Há mesmo filmes cujas datas de lançamento são alteradas, de modo a poder garantir alguma visibilidade na chamada temporada de prémios.
Assim terá acontecido com Boy Erased (surgirá nos EUA em Novembro, depois de ter estado agendado para Setembro), uma realização do actor Joel Edgerton que adapta o livro Boy Erased: a Memoir, de Garrard Conley, sobre as suas vivências, numa pequena cidade dos EUA, quando, depois de revelar aos pais a sua homossexualidade, foi compelido a frequentar uma "terapia de conversão" para "corrigir" a sua orientação sexual.
Com Lucas Hedges no papel central (conhecemo-lo, por exemplo, de Manchester by the Sea), o elenco do filme inclui ainda Nicole Kidman e Russell Crowe, nas personagens dos pais, e o próprio Edgerton, interpretando o "terapeuta" — não será arriscado supor que Boy Erased vai ser um acontecimento no final de 2018, começo de 2019.
Subitamente, Donald Trump dá o dito por não dito, dizendo agora que foi erradamente interpretado quando considerou — contra as investigações a decorrer no seu próprio país — que Vladimir Putin estava ilibado de qualquer suspeita sobre alguma intervenção nas eleições presidenciais americanas de 2016. Argumenta mesmo que foi mesmo um ligeiro erro de "uma" palavra [video, New York Times].
Chegámos, assim, a uma prática festiva de intermitente fake language: já não importa o que se diz, porque aquilo que se difunde é tão só a ideia obscena segundo a qual o que foi dito antes não era o que devia ter sido dito — e por aí fora, num canibalismo infinito da linguagem pela linguagem.
Vivemos, assim, marcados por um ensimesmamento incestuoso do real. Na idade da comunicação global, já não há, afinal, desejo de comunicação: apenas a vertigem de consumirmos ilusões que se alimentam da sua interminável multiplicação — por alguma razão, a agitação "social" das redes se confunde com um mercado a gerar sempre novos labirintos de coisa nenhuma. Trump é a encarnação exemplar desse dispositivo que ocupou o nosso tempo.