JEAN-HONORÉ FRAGONARD A Ilha do Amor c. 1770 |
Chegamos ao fim do circuito da exposição sobre a colecção de Calouste Gulbenkian e deparamos com esta maravilha de Fragonard, uma ilha do amor (ou "de" amor, segundo o original L'Île d'Amour) que nos faz ver o espaço como uma entidade impossível de reproduzir. O espaço? Sim, é disso que se trata.
O espaço impõe-se, assim, como algo que vemos como um tempo — o tempo de contemplação do quadro, antes do mais —, levando-nos a reconhecer que a nitidez das formas (a água, a verdura, etc.) é também um método de discussão de qualquer sistema formal. Afinal de contas, não é impunemente que se evoca o paraíso — ficamos sempre aquém, mesmo se o gesto artístico se coloca algures, além.
O espaço impõe-se, assim, como algo que vemos como um tempo — o tempo de contemplação do quadro, antes do mais —, levando-nos a reconhecer que a nitidez das formas (a água, a verdura, etc.) é também um método de discussão de qualquer sistema formal. Afinal de contas, não é impunemente que se evoca o paraíso — ficamos sempre aquém, mesmo se o gesto artístico se coloca algures, além.
Ainda assim, a ilha de Fragonard não será o fim "final" da exposição. Podemos mesmo percorrê-la através de uma calendarização sensual em que a data de identificação de cada obra tende a ser uma alínea enigmática da pluralidade do presente em que somos espectadores.
Dito de outro modo: na sua qualidade de convidado de Verão da Fundação Gulbenkian, Joaquim Sapinho trabalhou a partir de um princípio tão linear quanto radical. A saber: nunca expomos o passado, antes reconvertemos os padrões do tempo que, de modo mais ou menos consciente, fazem de nós herdeiros de lotes e lotes de objectos incrustados entre o rigor das catalogações e a maravilha primordial do indizível.
Daí que esta exposição/viagem tenha qualquer coisa on the road, a partir de um (novo) mapa em que os objectos até agora invisíveis do cidadão Gulbenkian dialogam, lado a lado, literalmente, com as mais diversas peças da colecção de arte moderna da Fundação.
Trabalho de montagem, sem dúvida, ou não fosse Sapinho um cineasta que sabe o valor da ligação de uma imagem a outra imagem, corrigindo a soma tradicional 1+1=2, gerando um terceiro termo, surpreendente e sensorial, da mais pura fruição, antes do prazer de qualquer fixação teórica — porventura um pouco à maneira de Roland Barthes que, ao olhar para a coroação do czar em Eisenstein, superava evidências ou conotações, doando-nos as pulsações do bem chamado terceiro sentido, conduzindo-nos da presença da imagem à radicalidade imponderável do fotograma.
Trabalho de montagem, sem dúvida, ou não fosse Sapinho um cineasta que sabe o valor da ligação de uma imagem a outra imagem, corrigindo a soma tradicional 1+1=2, gerando um terceiro termo, surpreendente e sensorial, da mais pura fruição, antes do prazer de qualquer fixação teórica — porventura um pouco à maneira de Roland Barthes que, ao olhar para a coroação do czar em Eisenstein, superava evidências ou conotações, doando-nos as pulsações do bem chamado terceiro sentido, conduzindo-nos da presença da imagem à radicalidade imponderável do fotograma.
Daí também a agilidade com que pintura e escultura, malas de viagem e outros objectos pessoais, reaparecem neste contexto, alertando-nos para a existência multifacetada da história, dos seus muitos gestos, rostos e silêncios — incluindo os nossos. Como diz Sapinho, neste breve e didáctico video, o resto só vendo a exposição.