sexta-feira, maio 31, 2013

"Estrumpfes", aliás, "Smurfs"

O primeiro filme dos Estrumpfes não era famoso... ainda por cima, lançaram-no com a designação (americana) de Smurfs. Seja como for, os cartazes continuam a ser irresistíveis — a sequela estreia nas salas portuguesas no dia 1 de Agosto.

Cannes 2013: solidão (concl.)


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[ glamour ]  [ horizonte ]  [ fronteira ]


Arbor (Conner Chapman) tem 13 anos e uma existência marginal: excluído da escola, vive num ambiente social degradado, lutando contra a pobreza da sua família dividida; com o seu amigo Swifty (Shaun Thomas), envolve-se com um traficante de lixo, roubando, entre outras coisas, cabos de alta tensão... O realismo britânico continua activo e enérgico, como se prova pelo magnífico The Selfish Giant (Quinzena dos Realizadores), primeira longa-metragem de ficção da realizadora Clio Barnard, livremente inspirada no conto homónimo de Oscar Wilde. Na comovente vulnerabilidade de Arbor e Swifty, deparamos com uma lição fulcral desta 66ª edição do Festival de Cannes. A saber: as personagens existem, o humano é um tema eterno — há qualquer coisa de panfletário em tal enunciado e é bom que haja.

As memórias dos Bauhaus
passaram longe do Coliseu


Este texto é um excerto de uma crítica hoje publicada na edição online do DN com o título 'Desilusão nem noite de celebração dos 35 anos dos Bauhaus'.
Um vocalista não substitui uma banda. Por muito carismática que seja a sua presença e única a sua voz, as ausências dos “outros” fazem sentir-se sobretudo se quem acompanha quem canta fica aquém do que a banda registou historicamente em disco ou na memória de outras atuações ao vivo. E num concerto de Peter Murphy em grande parte dedicado à celebração dos 35 anos dos Bauhaus, o que faltou não foram as canções, tão notável que era o rol de títulos convocado ao alinhamento. O que faltou mesmo foram as presenças de Daniel Ash, David J e Kevin Haskins (os outros elementos do grupo). Terminando a noite com sabor a desilusão (houve mesmo um inesperado quase silêncio entre o fim do set principal e o primeiro encore), a comparação com a memorável “ressurreição” do mítico grupo nascido em finais dos setentas que passou por Lisboa e Porto em 1998 dando conta que o que correra mal neste reencontro num Coliseu dos Recreios bem composto (essencialmente por uma plateia com mais de 35 anos) não fora o poder de longevidade da obra dos Bauhaus. Mas antes a forma como as canções ali foram apresentadas. Isto para não falar no som, algo “perdido” durante as primeiras canções, afogando mesmo inexplicavelmente a voz de Muphy até no quase acústico King Voclano.

Pode ler aqui o texto completo.

Em contagem descrescente... 8...
'Star Trek V: A Última Fronteira'

O quinto filme da série Star Trek foi o primeiro tropeção da presença no grande ecrã de uma saga nascida na televisão. O primeiro dos muitos que se seguiriam, com exceção apenas no sexto e no reboot recente de J.A. Abrams.

Depois de dois filmes realizados por Leonard Nimoy, desta vez coube a um outro ator do elenco o papel de comandar a criação de um novo título da saga Star Trek. Estreado em 1989 com o título Star Trek: A Última Fronteira, o quinto episódio da vida de Star Trek no cinema deu por concluída a narrativa que fizera o tríptico com os filmes II, III e IV, colocando-nos, ainda com a tripulação “clássica” num outro lugar e perante uma outra situação. Desta vez na berlinda está um vulcaniano, de nome Sybok (na verdade o meio-irmão de Spock, mas em nada comparável ao irmão), na sua tentativa de viajar até ao centro da galáxia em busca de Deus... Revelando marcas de uma certa rotina em que a série de filmes tinha entrado desde o episódio II, este quinto título não conseguiu contudo captar o mesmo entusiasmo. E nem mesmo uma semana de abertura notável nas bilheteiras (chegando mesmo a liderar o box office americano) lhe garantiu uma carreira de sucesso, acabando a menos de metade dos resultados conseguidos pelo episódio anterior. É claramente o mais desinteressante dos filmes Star Trek com a geração “clássica” e um dos piores de toda a saga no grande ecrã. Haveria ainda um sexto episódio com a mesma tripulação. Mas por esta altura, e com a série televisiva Star Trek: The Next Generation a gerar resultados francamente encorajadores, havia certamente quem começasse a ponderar a hora da passagem de testemunho entre gerações também no grande ecrã.

quinta-feira, maio 30, 2013

Lou Doillon a cantar

Lou Doillon é uma figura ambígua, errática e sedutora, do cinema francês... e não só. Da obra do seu pai, Jacques Doillon (Trop (Peu) d'Amour, 1998), às deambulações de Abel Ferrara (Go Go Tales, 2006), conhecemo-la como um "bicho" das imagens, misto de segredo e revelação. Porventura assumindo a herança da mãe, Jane Birkin, Lou também canta — e com invulgar energia romanesca. Exemplo aqui em baixo, Question & Answers, tema do seu álbum de estreia intitulado Places.


>>> Site oficial de Lou Doillon.

Cannes 2013: fronteira


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Na Palestina ocupada, Omar (notável Adam Bakri) vive dos dois lados do muro que separa palestinianos e israelitas — por razões de militância, por razões de amor. O certo é que a fronteira desenhada pela crueza brutal do cimento não esgota as diferenças que aproximam ou separam todas as personagens envolvidas na história de Omar. Realizado por Hany Abu-Assad, o cineasta de Paradise Now/O Paraíso, Agora! (2005), o filme Omar ("Un Certain Regard") possui esse poder raro de nos fazer sentir as tensões de um lugar que cada um quer reconhecer como seu — é um filme intensamente político, porque sobre a dificuldade de definição do factor humano.

>>> Entrevista com Hany Abu-Assad (The Hollywood Reporter).

Teatro Aberto: um drama português

O Teatro Aberto está a contestar os resultados do recente concurso de apoio à criação teatral: "Foi com indignação e revolta que o Teatro Aberto recebeu a proposta de decisão do concurso de apoio à criação teatral da Direcção-Geral das Artes. Nela verificámos um corte de tal modo brutal que coloca em causa a continuação da nossa actividade."
Para dar conta das ameaças que pairam sobre o futuro da companhia, o Teatro Aberto deu a conhecer a sua vontade de recorrer por todos os meios legais contra a medida, numa sessão que contou com a presença de mais de uma centena de personalidades das artes e da política, incluindo Júlio Pomar, Carmen Dolores, Ruy de Carvalho, Luiz Miguel Cintra, Lídia Jorge, Carlos do Carmo e Manuel Maria Carrilho [video: reportagem da SIC Notícias].
O mínimo que se pode dizer é que esta situação dramática, penalizando uma companhia que ocupa um lugar central na história do teatro português das últimas quatro décadas, não pode deixar de suscitar uma inquieta perplexidade pelo futuro de todo o teatro português.
Poderá dizer-se que esse futuro não pode ser pensado apenas a partir dos mecanismos oficiais de apoio às companhias existentes — claro que sim: do envolvimento escolar com o teatro (e todas as outras linguagens artísticas!!!) até à presença da expressão teatral no espaço televisivo (em muitas áreas submisso aos ditames da "reality TV"), o que está em jogo é ainda mais vasto e ainda mais grave.
Apesar disso — ou melhor: por isso mesmo — não há maneira de justificar qualquer melhoria da conjuntura a partir da drástica penalização daqueles que, como o Teatro Aberto, têm sabido manter um trabalho regular de defesa da arte teatral e da sua exigente profissionalização. Como sempre, a questão é visceralmente política.


Retratos de Cannes

Robin Wright
Ir a Cannes, apresentar um filme, participar num debate ou apenas cumprir o ritual das conferências e dos rendez-vous com a imprensa — para actores, realizadores e produtores, a passagem pelo festival pode ter tanto de apoteose como de rotina "compulsiva". Digamos que o fotógrafo Fabrizio Maltese fixou toda uma galeria de personagens em breves instantes de supensão de tais ziguezagues: o seu portfolio pode ser visto no site da revista The Hollywood Reporter.
Tilda Swinton
Matt Damon, Michael Douglas e Jerry Weintraub

Cold Cave, segundo Slava Tsukerman

O novo single do projeto Cold Cave (de Wesley Eisold) surge acompanhado por um teledisco assinado pelo cineasta russo Slava Tsuckerman, que nos anos 80 foi o autor do clássico de culto Liquid Sky. Aqui ficam as imagens que acompanham Black Books.

Discos Pe(r)didos:
Ray Manzarek, Carmina Burana

Ray Manzarek
“Carmina Burana”
Import Music Services
(1983)

Dez anos depois de ter editado o seu primeiro álbum a solo o antigo teclista dos The Doors, Ray Manzarek (desaparecido na semana passada), apresentava o mais bizarro (e também um dos mais interessantes) da sua obra em nome próprio. Como ponto de partida tinha Carmina Burana, a cantata cénica que o alemão Carl Orff havia estreado em finais dos anos 30 e que, estreada nos EUA nos anos 50, se transformara entretanto numa das mais populares obras da música do século XX, gerando inúmeras gravações em disco e recorrentes presenças em salas de concerto. Nas notas do booklet que surgia na edição original em vinil, Ray Manzarek explicava a génese da cantata de Carl Orff, de como aquela música servia poemas medievais encontrados apenas no século XIX. A sua abordagem promovia contudo um encontro entre a partitura de Carl Orff (que conheceu outras mais leituras, como por exemplo uma “versão” de câmara), através de diálogos com instrumentos habitualmente conotados com a música elétrica, as vozes do coro procurando todavia uma aproximação mais evidente aos registos “clássicos”. A ligação entre os universos da música clássica e dos espaços da cultura pop/rock tinha conhecido várias expressões na década de 70, sobretudo através de afinidades que se desenharam entre alguns cultores do progressivo. A abordagem de Ray Manzarek não procurava contudo o trabalho com uma orquestra, certamente interessando-lhe por um lado o fulgor rítmico do trabalho de Orff por outro a natureza tímbrica da cantata, aqui entrando em cena instrumentos elétricos e teclados, num pequeno ensemble de apenas sete instrumentistas. Determinante na construção desta visão nada canónica de Carmina Burana está contudo a presença de Philip Glass, que coassinou com Kurt Munkacsi a produção, o seu habitual colaborador Michael Riesman tendo dirigido o trabalho coral. Não se imagine contudo aqui uma abordagem “minimalista” (ou sob herança direta do minimalismo), mas antes a expressão de uma noção de diálogo entre géneros musicais muito cara a Philip Glass que, recorde-se, antes tinha já produzido a banda pós-punk Polyrock e, pouco tempo depois, colaboraria com nomes como os de Paul Simon, David Byrne ou Suzanne Vega no seu magistral Songs From Liquid Days e voltaria a colaborar com figuras da cultura pop/rock como Mick Jagger (na banda sonora de Bent), Marisa Monte ou Pierce Turner. Longe de ser uma obra-prima, a Carmina Burana segundo Manzarek (e as marcas da sua identidade como teclista são evidentes, embora não ofusquem os demais elementos em cena) é uma interessante peça no jogo de diálogos entre os universos da cultura pop e da música clássica. Sendo que mais interessantes que estes diálogos através da abordagem a obras de outros nomes e outros tempos serão exemplos mais recentes que temos escutados entre figuras como Nico Muhly, Björk, Owen Pallett ou Rufus Wainwright. Mas sem o encetar de diálogos no prog de 70 e em abordagens como esta de Manzarek em 83, não se tinha chegado onde hoje estamos. Há 30 anos este era um encontro entre dois mundos. Hoje em dia são muitos os que acreditam que, na verdade, estamos a falar de seres do mesmo mundo, as velhas noções de fronteira de género tendo vindo a desabar como outros muros que, por teimosia ou medo, o homem por vezes constrói.

Pixies para ver em livro

Um livro sobre os Pixies. A ideia é proposta por Sean T. Rayburn, que há alguns anos criou um site dedicado à banda que entretanto se transformaria no site oficial do grupo. Agora está a preparar um coffe table book que pretende contar a história fotográfica recolhendo imagens dos arquivos da banda, das suas famílias e de órgãos de comunicação que acompanharam a sua história. Pixies: A Visual History, que além de fotos promocionais ou de reportagem já publicadas incluirá também imagens inéditas está em pré-vendas e será lançado no Outono. O autor está a promover o financiamento do projeto através de crowdfunding via Kickstarter, em cujo site podemos ver um clip de três minutos explicando o projeto (e uma breve história visual dos Pixies).

Podem consultar aqui a página deste projeto no Kickstarter.

Em contagem decrescente... 9...
'Star Trek IV - O Regresso à Terra' (1986)

A conclusão do tríptico iniciado em 1982 com Star Trek II: A Ira de Khan chegou quatro anos depois com uma aventura que trouxe os heróis do futuro à Califórnia dos anos 80...

Há um elemento determinante no corpo de Star Strek IV: O Regresso à Terra: o humor. Humor que se manifesta através de uma série de situações criadas entre personagens cuja familiaridade e reconhecidas características específicas o filme assume como dado adquirido. E é nesse clima de reencontro com “velhos” conhecidos que evolui o quarto filme da série que, conclui com uma viagem no tempo à Terra de finais do século XX a aventura encetada no segundo filme, quatro anos antes. Leonard Nimoy retomou o cargo de realizador (já assumido no terceiro filme), enfrentando um pedido muito da Paramount para criar uma história mais “ligeira”, a produção acabando por envolver no projeto profissionais ligados ao universo da comédia. Na bilheteira Star Trek IV: The Voyage Home (o título original) foi um estrondoso sucesso, confirmando a crescente solidez do fenómeno de popularidade em que este universo de ficção de havia transformado. Tanto que, um ano depois, a Paramount levava finalmente Star Trek de regresso aos pequenos ecrãs através de uma nova série, num outro tempo e com nova tripulação. Chamou-lhe Star Trek: The Next Generation. E poucos anos depois chegaria também ao cinema.

Cannes 2013: horizonte


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Em tempos de epopeia clássica, o horizonte mítico de Hollywood era sempre o Oeste — Go West, young man! Na conquista do espaço, com a promessa de infinito (lembremos o 2001, de Kubrick), o horizonte perdeu materialidade, enquistando-se algures nas entranhas dos computadores (What are you doing, Dave?). Agora, na vertigem do espaço globalizado, servido pelo tempo pueril do instantâneo e da simultaneidade, dir-se-ia que o horizonte é apenas aquilo que é possível definir pelo alcance limitado das mãos e a ânsia sem resposta do olhar. É, pelo menos, assim, que J. C. Chandor filma Robert Redford no fascinante All Is Lost — um barco à deriva, uma personagem totalmente só e as tarefas da mais descarnada sobrevivência. Ou como o cinema, reinventando o seu espaço, nos devolve ao carácter inexorável do tempo.

Cannes por telemóvel (19)


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No aeroporto de Nice, até finais da década de 1980, nalguns casos, os passageiros comuns saíam ainda do avião directamente para o edifício da gare. Era uma caminhada de poucas dezenas de metros que nos fazia participar do espaço de glamour das chegadas das vedetas, fotografadas na pista, à saída do avião, fazendo pose, a caminho de Cannes. Entretanto, o progresso impôs a sua austeridade: sai-se do avião para o autocarro, do autocarro para a gare (ou o contrário, quando se regressa) — a pista, silenciosa, exibe o cinzento da sua nostalgia.

quarta-feira, maio 29, 2013

Cannes 2013: glamour


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O glamour existe. E resiste. Apesar da obscena ideologia dos "famosos" (em França, perversamente apelidados people), há uma transcendência interior do cinema que, por vezes, se manifesta em cenários que existem, e resistem, em lugares como Cannes. Porquê? Porque não é possível apagar a humanidade de actores e actrizes, incluindo a sua possível e esplendorosa teatralidade. Nicole Kidman, membro do júri, sabe-o como ninguém — com chancela de Giorgio Armani, assim esteve na cerimónia de encerramento do festival.

Wayne Miller (1918 - 2013)

Figura emblemática da agência Magnum, foi um notável observador da comunidade negra de Chicago: o fotógrafo americano Wayne Miller faleceu no dia 22 de Maio, na sua casa em Orinda, Califórnia — contava 94 anos.
Nascido em Chicago, Illinois, estudou fotografia em Los Angeles, no Art Center School. Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou na unidade fotográfica da Marinha, sob a direcção de Edward Steichen (1879-1973), tendo sido um dos fotógrafos a testemunhar a destruição de Hiroshima. O seu livro mais célebre, Chicago's South Side, 1946-1948, retrata os mais diversos aspectos da vida quotidiana, envolvendo cidadãos anónimos, a par de figuras do meio intelectual e artístico (p.ex.: Lena Horne, Ella Fitzgerald, Duke Ellington e Paul Robeson). Membro da agência Magnum a partir de 1958, assumiu a sua presidência no período 1962-66. Retirou-se da fotografia em 1975, envolvendo-se em diversas causas ecológicas, nomeadamente na preservação das florestas da Califórnia.

1945 - Hiroshima
1948 - Chicago, chefe de greve
1958 - EUA, crianças num cinema
>>> Obituário no Washington Post.

Cannes 2013: ausência


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O novo filme de Rithy Panh fala-nos desse paradoxo trágico que pode ser a imagem que permanece ausente (image manquante/missing pictures). Rithy Panh é um cineasta cambojano (n. 1964) que conheceu a violência dos “campos de reabilitação” do regime dos Khmers Vermelhos. Quando conseguiu fugir para a Tailândia, aos 15 anos, tinha perdido pai, mãe e irmãos. Foi em Paris que estudou cinema e começou a construir uma obra cuja fundamental exigência é não esquecer as atrocidades ocorridas no seu país. L’Image Manquante (secção “Un Certain Regard”) é mais um momento modelar da sua trajectória, como o título sugere reflectindo sobre aquilo que está em falta: a imagem de uma violência que, afinal, foi pouco documentada. Daí a opção radical: trabalhando com cenários e personagens em miniatura (bonequinhos de barro, de facto), Rithy Panh constrói o contundente retrato de um regime que, como ele diz, para além do menosprezo total pelo factor humano, se empenhou em “substituir” a realidade pela (sua) ideologia. Embora utilizando algumas (muito poucas) imagens de arquivo, raras vezes se terá visto um filme que, através de matérias tão candidamente artificiosas, consiga gerar um tão intenso e perturbante efeito de verdade. É uma lição de história e uma salutar pedagogia contra as ilusões de “transparência” com que, tantas vezes, em televisão, são tratadas as imagens de que se faz a história.

Cannes por telemóvel (18)


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Forest Whitaker no ecrã da sala Debussy — não num filme mas, em directo, da passadeira vermelha, entrando para a sessão de encerramento do festival (o filme escolhido, Zulu, de Jérôme Salle, é protagonizado por ele e Orlando Bloom). A ironia tem a ver com o facto de tudo estar a acontecer ali mesmo ao lado, na entrada para a sala Lumière (a maior do Palácio dos Festivais). Dir-se-ia uma tradição jornalística para um adeus simbólico a mais uma edição do festival: assistir ao final, incluindo a entrega de prémios, na segunda sala do certame. Há sempre muitos risos com os sobressaltos do protocolo.

O regresso de um trio de Chicago

Chamam-se Smith Westerns e são de Chicago. Têm discografia já desde 2009 e uma história que os revelou já como admiradores de nomes como Bowie ou Bolan. Ok... Soft Will será, dentro de poucas semanas, o seu terceiro álbum de originais. Aqui fica um aperitivo, ao som de Varsity. A realização é de Alan Del Rio Ortiz.

Novas edições:
Visage, Hearts and Knives

Visage
“Hearts and Knives”
Blitz Club
2 / 5

Ai os regressos, os regressos... Na verdade a ideia de um eventual regresso dos Visage é menos surpreendente que o que parece, apesar de não terem corrido da melhor forma as tentativas de criação de uma nova banda que Steve Strange protagonizou nos últimos anos (os Visage Mark II de há dez anos eram mesmo candidatos a uma das piores “ressurreições” da história)... Convém antes fazer um flashback... Criados em finais dos anos 70, em volta de um núcleo definido por Steve Strange e Rusty Egan (respetivamente o porteiro e o DJ das noites mais ‘in’ do momento no Blitz londrino, o “berço” da cultura new romantic), os Visage cedo se afirmaram como paradigma de uma nova ideia de celebrar a cultura pop através de uma redescoberta do sentido de apelo visual do glam rock e cruzando musicalmente ecos da etapa berlinense de Bowie com a emergente geração de ideias em volta das novas electrónicas e da sua expressão na pista de dança. Com elementos dos Ultravox e Magazine a completar o alinhamento de uma banda que na verdade tinha como rosto a figura de Steve Strange (apesar de serem determinantes na sua obra as contribuições de Midge Ure, Billy Currie e Rusty Egan), definiram com Fade To Grey o hino maior do movimento e editaram entre 1980 e 82 os álbuns Visage e The Anvil, que mostraram que havia ali mais que uma mera expressão de hedonismo para noites dançantes, revelando os respetivos alinhamentos belas canções pop e até espaço para alguma experimentação de ideias, nomeadamente na definição de texturas ambientais com electrónicas e no ensaios sobre percussão (mais evidentes no disco de 82)... A saída de Mide Ure após The Anvil fez-se sentir bem evidente no inconsequente Beat Boy (1984), o grupo anunciando um ponto final pouco depois. Steve Strange formou então os Strange Cruise, com os quais gravou um ainda mais desinteressante álbum temperado a mau rock’n’roll em 1986, seguindo-se uma travessia de longa etapa difícil, com pontuais (mas raros) episódios musicais, da qual só emergiria depois da viragem do milénio (muito graças ao refocar de interesses na memória dos seus primeiros discos, provavelmente via impacte do fenómeno electroclash e dos Fisherspooner, de longe os mais claros herdeiros dos Visage). Anunciada há alguns meses, a nova formação dos Visage junta a Steve Strange um outro antigo elemento do grupo (Steve Barnacle), um antigo colaborador dos Ultravox e Magazine (Simon Robin) e a cantora Lauren Duvall. Hearts and Knives, que assim surge como o quarto álbum de originais, 29 anos depois de Beat Boy, chama ainda colaborações de velhos parceiros de trabalho como Dave Formula, Midge Ure e Rusty Egan, sendo que é deste conjunto de nomes que surge o maior dos feitos do disco: a recuperação (fiel) da sonoridade “clássica” que definira os dois primeiros álbuns dos Visage (de resto é fácil ouvir os novos temas e identificar com que faixas da sua obra se relacionam diretamente). Mas depois eram precisas novas canções. Mas apesar do esforço relativamente bem sucedido de construção de um single de travo clássico que se materializa em Shameless Fashion (com pura genética Visage vintage), de uma curiosa aliança entre marcas primordiais (leia-se Kraftwerk e disco sound) em Dreamer I Know e de um ensaio de novas ideias que se tenta em On We Go, o álbum mais vezes parece procurar canções que se ajustem à sonoridade e não o oposto, a escrita acabando assim subjugada a uma mais evidente presença dos ingredientes... Aconteceu o mesmo na recente reunião dos Ultravox que, tal como este disco dos Visage, parece procurar a ilusão de uma viagem no tempo três décadas depois... Ou seja, o contrário do que encontramos em All You Need Is Now, dos Duran Duran, onde se recuperavam marcas da sonoridade do histórico Rio (de 1982) para fazer um disco claramente consciente do presente em que vivia e do tempo que havia passado. Hearts and Knives é assim um disco que tenta ser hoje o que em tempos foi. Traduz com solidez instrumental uma noção de identidade. Mas faltam-lhe as canções. E basta reencontrar os dois primeiros álbuns do grupo para compreender do que aqui se fala.

Dead Can Dance, 2013
Breve retrato de uma noite em Lisboa

Foto: Facebook dos Dead Can Dance
Uma sala cheia. Um alinhamento que tomou o recente Anastasis como ponto de partida, mas soube encontrar vários momentos de reencontro com ecos de uma discografia notável (Host Of Seraphim, do álbum de 1988 The Serpent’s Egg, foi mesmo um dos momentos maiores da noite). Um Brendan Perry comunicativo, ora ensaiando gestos de dança, ora de bouzouki nas mãos. Uma Lisa Gerrard imponente, elegante vocalmente assombrosa, mais discreta mas marcante. Juntaram uma canção grega dos anos 30 que dá conta que o que socialmente vivemos hoje em dia não é novidade em solo europeu. Recordaram uma canção que Lisa gravou com os This Mortal Coil. E também o mítco Song To The Siren, de Tim Buckley (que conheceu a mais bela das suas versões precisamente com os This Mortal Coil). Entre teclados e percussões, entre os contastes que as vozes de Lisa e Brendan definem, numa música que transporta ecos de vários tempos e cruza lugares (sobretudo apontados a espaços do mundo mediterrânico) viveu-se uma noite inesquecível, vivida por um Coliseu dos Recreios esgotado, com plateia onde eram raros os sub-35. Não havia dess code, mas o negro conseguia a maioria (embora não absoluta) nas indumentárias de uma multidão que, visível e justificadamente satisfeita, saiu da sala após duas horas que valeram uma espera longa. Mas que compensou a demora.


Este texto que agora deixamos a seguir  é uma versão editada de um outro originalmente publicado na edição de 28 de maio do DN com o título ‘Ilustres mensageiros de uma música sem tempo’.

Com apenas um número e uma letra definia-se um som. 4 AD... A uma primeira leitura poderíamos pensar que se trataria do ano 4 da era cristã (4, anno domini, o ano em que Augusto designou o enteado Tibério como seu sucessor)... Mas na verdade era apenas um conjunto tipográfico de um projeto para um panfleto de lançamento de uma nova editora que, nascendo em 1980, procurava sugerir uma noção de futuro... E assim surgia a 4 AD Records, editora ligada ao grupo Beggars Banquet que, na alvorada dos anos 80, se propunha a descobrir novos talentos. Começaram por editar discos dos Bauhaus, Modern English, Birthday Party, Cocteau Twins... Com uma identidade gráfica que foi graduamente ganhando visibilidade através do trabalho de Vaughan Oliver, a 4 AD atingia em meados dos oitentas um estatuto de culto. E apesar de trabalhar em várias frentes de intervenção estética, encontrou uma primeira expressão de um “som” através dos discos dos nomes que maior visibilidade começavam a conquistar. Eram eles os Cocteau Twins, os This Mortal Coil (na verdade um projeto do patrão da editora reunindo alguns dos seus músicos) e aqueles que em breve seriam um dos nomes mais aclamados do catálogo: os Dead Can Dance. Passaram mais de 30 anos. O grupo já se separou e voltou a reunir. A sua ligação à 4 AD terminou em 1996. A sua identidade trancendeu o berço e ganhou alma própria.

Formados em Melburne (Austrália) em 1981, os Dead Can Dance chegaram dois anos depois a Londres como um quarteto juntando Lisa Gerrard, Brendan Perry, Paul Erikson e Peter Ulrich. Em 1984 esteiam-se com um álbum homónimo na 4 AD. É contudo com Spleen and Ideal, editado no ano seguinte, que definem mais claramente um caminho que, ao longo dos anos seguintes, os levará a cruzar referências invulgares em terreno pop/rock alternativo, aproximando-os antes das heranças que vão escutando entre a música medieval e renascentista e ecos de outras latitudes, sobretudo escutando sons do Mediterrâneo (sem contudo seguir caminhos semelhantes aos da chamada world music que emergeria como força de mercado mais perto do final da década). Tudo isto sob moldura plácida e elegante.

Depois de alcançarem a expressão clara de uma linguagem muito pessoal (que reflete também os grandes contrastes vocais entre Lisa e Brendan) em álbuns como The Serpent’s Egg (1988) e Aion (1990), as suas obras-primas, é por alturas do lançamento de Into The Labirynth (1993) que se afirmam como um dos nomes mais bem sucedidos do catálogo da editora. Afastam-se contudo depois de Spirit Chaser, cada qual entregando-se então a projetos a solo.

Em 2005 uma primeira reunião devolveu-os aos palcos, agora reduzidos ao duo fundador constituído por Lisa Gerrard e Brendan Perry (em tempos um casal, mas separados desde meados dos oitentas). Em 2011 tornaram púbica a vontade de gravar um novo disco, que chegaria em 2012 com o título Anastasis, recuperando linguagens na linha do que tinham gravado nos anos 90 (num disco focado num interesse pela cultura grega).

Juntos, Lisa e Brendan estabeleceram, como Dead Can Dance, uma frente que optava por uma noção de elegância em detrimento do sentido de urgência e angulosidade rock’n’roll ou do melodismo mais imediato da música pop. São por isso mensageiros de uma música sem tempo.

Em contagem decrescente... 10
'Star Trek III: A Aventura Continua'

Depois do sucesso do segundo filme da saga Star Trek, a sua vida no grande ecrã entrou numa nova rotina de produção. E, dois anos depois, havia nova estreia nas salas de cinema.

Juntamente com o segundo e quarto filmes, Star Trek III: The Search For Spock constrói um arco narrativo em jeito de tríptico, este terceiro episódio não vivendo de todo (ao contrário do seguinte) sem a presença próxima do que o antecede. A história continua precisamente onde Star Trek II: A Ira de Khan nos deixara, entrando em cena Sarek, o pai de Spock, que alerta os seus companheiros para o facto do seu katra (o espírito vivo) não morreu, pelo que devem recuperar o seu corpo e devolvê-lo à vida. Em busca de Spock, enfrentando as consequências desconhecidas do projeto Genesis e uma tripulação Klingon que tenta capturar o engenho que coordena este mecanismo de terraformação, a aventura continua na mesma linha do que o segundo filme mostrara, desta vez contando com efeitos visuais a cargo da Industrial Light and Magic e com realização de Leonard Nimoy (ou seja, o ator que interpreta Spock), que assim se tornou no primeiro elemento do elenco da série a estrear-se na realização.

Marion Cotillard por Mondino

Numa nova campanha para as malas Dior, Marion Cotillard surge fotografada por Jean-Baptiste Mondino, numa encenação cujo classicismo se apresenta deliciosamente démodé. Este é, de facto, um portfolio [ver models.com] que retoma o gosto primitivo das sombras, tanto mais desconcertante quanto a nostalgia cinéfila o associa, sobretudo, à fotografia a preto e branco — ou como o glamour é também a arte de perverter a linearidade da tradição.

Cannes + Spielberg + Kechiche

Abdellatif Kechiche e, ao fundo, Steven Spielberg
CANNES, 26 de Maio de 2013
O palmarés de Cannes/2013, atribuído por um júri presidido por Steven Spielberg, foi uma lição de pedagogia cultural — este título foi publicado no Diário de Notícias, com o título 'O sexo dos anjos'.

Numa Europa cultural viciada em muitos preconceitos anti-americanos, o 66º Festival de Cannes não deixou de atrair novas versões de velhos lugares-comuns contra Steven Spielberg, este ano presidente do júri. Com uma ironia mais ou menos habilidosa, sugeriu-se que, afinal, o autor de A Lista de Schindler teria vindo à Côte d’Azur para, de uma maneira ou de outra, tratar dos seus “negócios”. Nada de novo: em 1975, defender um filme chamado Tubarão dava direito a ser acusado de perigosa aliança com o “imperialismo” (este ano, hélas!, Tubarão foi um dos clássicos exibidos nas sessões de cinema ao ar livre, na praia Macé).
Acontece que, com a cumplicidade dos seus magníficos colegas de júri, Spielberg rubricou uma belíssima prova de amor cinéfilo: por um lado, definindo um palmarés que espelha a fascinante pluralidade da selecção oficial (ficaram grandes filmes de fora, mas era inevitável); por outro lado, através da Palma de Ouro para La Vie d’Adèle, consagrando um objecto que, ao abordar uma história de amor entre duas mulheres, não vacila perante o rigor de um realismo muito francês cuja modernidade persiste. Daí que Spielberg tenha dito que a Palma ia, não para o realizador (tradicional consagrado), mas para “três artistas”: Kechiche e as suas duas admiráveis actrizes, Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux. Kechiche recordou, aliás, que este filme o levou descobrir uma juventude que quer e sabe “viver livremente, exprimir-se livremente e amar livremente”.
Como duas figuras angelicais, Adèle e Léa levam-nos a lidar com as máscaras que a sexualidade sempre envolve. Ou seja: numa Europa que todos os dias tolera a violência pornográfica do Big Brother e seus derivados, foi um cineasta de um pudor muito americano que nos veio ajudar a repensar a ética dos nossos olhares.