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quarta-feira, dezembro 31, 2008
Figura do ano: Barack Obama (2/4)
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Sophe Lux: expressionismo pop

Figura do Ano: Barack Obama (1/4)


Com Obama a política ganha um novo paradigma. O da modernidade (no discurso, nas ideias, nas ferramentas de comunicação, na forma de angariar fundos para campanhas). O da seriedade (rejeitando, por exemplo, fazer de questões da vida pessoal dos adversários, como a gravidez da filha de Palin um alvo político). O da competência (preferindo falar aos canalizadores em vez de os levar ao palco para deles fazer maus oradores do tipo basta-juntar-água). Nasceu assim o modelo do político para o século XXI. (pena que sem a mínima correspondência, em que frente seja, por estes lados).
Os melhores de 2008: DVD
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1. História(s) do Cinema, Jean-Luc Godard (Midas)
2. Nos Lábios Não, de Alain Resnais (LNK)
3. Não Toquem no Machado, de Jacques Rivette (Atalanta)
4. Seis Contos Morais, Eric Rohmer (Atalanta)
5. O Dinheiro, Robert Bresson (Midas)
6. A Noite, Michelangelo Antonioni (Costa do Castelo)
7. O Evangelho Segundo São Mateus, Pier Paolo Pasolini (Costa do Castelo)
8. Moloch, Aleksandr Sokurov (Midas)
9. O Poder da Arte, Simon Schama (Lusomundo)
10. Eros, Michelangelo Antonioni, Steven Soderbergh e Wang Kar-Wai (LNK)

1. The Promise Of Music, de Enrique Sánchez Lanson (Deutsche Grammophon)
2. As Curtas da Pixar, de vários realizadores (Disney/Zon Lusomundo)
3. Mishima, de Paul Schrader (Criterion)
4. 1984 (ópera de Lorin Maazel), de Brian Large (Decca)
5. A Linha da Beleza (série), de Saul Dibb (BBC/Prisvídeo)
6. Weeds 2 (série), de Jenji Kohan (Sony Pictures)
7. Joy Divsion, de Grant Gee (Midas)
8. Wild Combination: A Portrait Of Arthur Russell, de Chuck Russell (Plexi Film)
9. Harryhausen Collection (Sony Pictures)
10. Kraftwerk & The Electronic Revolution, de Thomas Arnold (Plastic Head)
Com os desejos de um bom ano novo...

'Pink Flag', agora para ler
terça-feira, dezembro 30, 2008
Beck: "Modern Guilt" na rádio

Eis a emissão completa:
Este é um registo videográfico de parte do mesmo programa (14 minutos), com os temas Gamma Ray, Modern Guilt e Orphans.
Jim Carrey à deriva

Com a estreia do filme Sim! (Yes Man), de Peyton Reed, voltamos a deparar com esse bizarro paradoxo: por um lado, reencontramos Jim Carrey, sem dúvida um dos mais fabulosos actores que o cinema americano revelou nos últimos vinte anos; por outro lado, continuamos a perguntar por que razão tanto talento continua a ser esbanjado em filmes que, mesmo quando partem de ideias sugestivas (um homem negativista que decide adoptar o “sim” como princípio de vida), acabam por se submeter aos clichés da comédia mais banal e repetitiva. Vale a pena lembrar que o nome de Carrey está ligado a pelo menos dois filmes fulgurantes, exemplares da sua espantosa versatilidade: A Vida em Directo (1998), de Peter Weir, e Homem na Lua (1999), de Milos Forman. O certo é que a sua imagem associada a títulos menores como Ace Ventura (1994) parece emergir sempre como uma condicionante artística. A sua carreira à deriva reflecte um drama insólito: a perda de poder de algumas grandes estrelas numa conjuntura em que os filmes de “acção” privilegiam os efeitos especiais contra os actores.
Portugal, país da gripe

Os melhores de 2008: filmes

1. Corações, de Alain Resnais
2. Alexandra, de Aleksandr Sokurov
3. Destruir depois de Ler, de Joel e Ethan Coen
4. Haverá Sangue, de Paul Thomas Anderson
5. No Vale de Elah, de Paul Haggis
6. A Solidão, de Jaime Rosales
7. Quatro Noites com Anna, de Jerzy Skolimowski
8. I’m Not There, de Todd Haynes
9. Antes que o Diabo Saiba que Morreste, de Sidney Lumet
10. A Ronda da Noite, de Peter Greenaway

1. Os Fragmentos de Tracey, de Bruce McDonald
2. Patti Smith: Dream Of Life, de Steven Sebring
3. Darjeeling Limited, de Wes Anderson
4. XXY, de Lucia Puenzo
5. Persepolis, de M Satrapi e V Ponnaraud
6. Otto, or up With Dead People, de Bruce LaBruce
7. Nós Controlamos a Noite, de James Gray
8. Valsa com Bachir, de Ari Folman
9. Wall-E, de Andre Stanron
10. Il Pranzo di Ferragosto, de Gianni di Gregorio
Freddie Hubbard (1938-2008)

Morreu aos 70 anos, em Los Angeles. Em Novembro havia sido internado num hospital na sequência de um ataque cardíaco.
(em actualização)
Canções de 2008 (7)

A música, por quem a grava
Ann Savage (1921 - 2008)

Com Tom Neal, seu parceiro de Detour [cartaz da época com o par], Ann Savage surgiu em mais três filmes: Klondike Kate/Uma Mulher às Direitas (1943), de William Castle, Two Man Submarine/Submarino de Algibeira (1944), de Lew Landers, e The Unwritten Code (1944), de Herman Rotsten. De acordo com a matriz consagrada em Detour, Ann assumia muitas vezes o papel da femme fatale cuja primeira e ostensiva imagem de marca era o modo provocante de fumar. Tal como outros actores e actrizes das mesmas áreas de produção, a partir dos anos 50, também ela viu a sua carreira orientar-se, sobretudo, para a televisão. Além de Ulmer, trabalhou sob a direcção de outros mestres da série B, como André de Toth e Allan Dwan, respectivamente em Passport to Suez (1943) e Woman They Almost Lynched (1953).
A IMAGEM: Jeff Stahler, 2008

The Columbus Dispatch, Dez. 2008
segunda-feira, dezembro 29, 2008
Realismo contra (tele)novelas

Não está na moda, mas anda por aí: o realismo cinematográfico continua a marcar algumas das mais estimulantes imagens e narrativas do nosso presente. Mais do que produto de uma estética (há no seu seio muitas e variadas tendências), trata-se da afirmação de uma ética que nos ajuda a sobreviver à formatação das narrativas e à normalização dos olhares todos os dias decorrentes do domínio totalitário das telenovelas.
Curiosamente, o fim de ano cinematográfico foi marcado por quatro estreias que nos permitem compreender os fascinantes riscos criativos desse realismo, ou melhor, realismos que não aceitam submeter-se à estreiteza mental dos modelos narrativos que ocupam os horários nobres das televisões e também a imprensa cor de rosa que os cauciona. São, além do mais, todas elas estreias europeias, a confirmar a vitalidade do cinema do nosso continente (o que, como é óbvio, não implica qualquer desinteresse pela actualidade de muitos títulos fascinantes da produção americana).
O Silêncio de Lorna [foto], dos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, poderá servir de símbolo de tudo aquilo que está em jogo. Filmando a saga de uma jovem albanesa (interpretada pela fabulosa Arta Dobroshi) que tenta adquirir a nacionalidade belga, os irmãos Dardenne mergulham fundo nas inquietações de uma Europa que nem sempre sabe lidar com as suas próprias contradições internas. Se o trabalho dos Dardenne visa criar uma ambígua ilusão de documentário, Steve McQueen, artista plástico inglês, filma um desespero que tende para a indizível nitidez da morte. O seu filme Fome, premiado com a Câmara de Ouro (melhor primeira obra) do último Festival de Cannes, é uma evocação da greve da fome de Bobby Sands e outros militantes do IRA que, em 1982, lutavam pelo estatuto de prisioneiros políticos. Tanto O Silêncio de Lorna como Fome são exercícios em que o olhar realista passa, antes de tudo o mais, pela vibração dos corpos.

Nem todo o cinema europeu tem estas marcas realistas. Aliás, mais do que nunca, importa reconhecer a sua pluralidade e defender a respectiva existência cultural e económica. Seja como for, esta exigência de “colar” as histórias à realidade social decorre de uma exigência fundamental: a de olhar à sua volta e não pactuar com a mediocridade televisiva.
Os melhores de 2008: discos
2008 foi um ano intenso em acontecimentos para o verbo ouvir. Veteranos e estreantes assinaram feitos que escreveram a história de 12 meses que nos deram banda sonora da qual é quase difícil fazer agora escolhas (porque necessariamente deixam de lado títulos e nomes não menos interessantes e importantes para a história do ano que os que aqui hoje se ordenam em listas top 10). Já iremos à produção nacional e à clássica. Comecemos pelo espaço pop/rock onde, sem dúvida, o ano elege dois discos fulcrais: o primeiro dos Vampire Weekend (traduzindo inteligente passo adiante para estímulos que brotam da assimilação da herança pop new wave, acrescentando África e memórias da tradição clássica europeia) e o que se revelou no regresso dos Portishead. Third, de resto, acaba por merecer o título de “disco do ano” não apenas pela aposta ousada de novas visões para a canção, como por ser tradução prática da coragem de um nome veterano, e com identidade formada, que aceita o desafio de se reinventar e não jogar no mais do mesmo, enfim, no seguro, na hora de retomar o contacto com quem os ouve. A surpresa arrebatou. E a sua passagem por palcos nacionais tudo confirmou. Da história dos grandes regressos de 2008 convém não esquecer ainda nomes como os Bomb The Bass ou Grace Jones. Jonathan Meiburg “separou-se” dos Okkervil River, ganhando com a decisão os Shearwater. The Notwist assinaram o melhor álbum mais injustamente ignorado do ano. Simon Bookish deixou as electrónicas e descobriu no seu passado que pode colocar o que aprendeu na preparação para ser compositor ao serviço da pop. Kelley Polar já o havia entendido e volta a surpreender. Byrne e Eno dão, por seu lado, uma lição de “mestria” num soberbo álbum de canções que mostra que não é preciso inventar a novidade para criar um disco que possa marcar o presente. De um breve balanço sublinhe-se ainda, e para falar de discos que acabaram fora do top 10, os belos álbuns de estreia de nomes como os Late Of The Pier, MGMT, Fleet Foxes, Last Shadow Puppets, Lykke Li, Santogold...
1. Portishead "Third"
2. Vampire Weekend "Vampire Weekend"
3. Shearwater "Rook"
4. The Notwist "The Devil You + Me"
5. Simon Bookish "Everything / Everything"
6. Kelley Polar "I Need You To Hold On While The Sky Is Falling"
7. The Ruby Suns "Sea Lion"
8. Department Of Eagles "In Ear Park"
9. David Byrne + Brian Eno "Everything That Happens Will Happen Today"
10. Spiritualized "Songs in A & E"Entre nós o ano foi agitado. Como há muito não se via, sublinhe-se. E a melhor das heranças que 2008 nos deixa é a do reencontro do pop/rock português com a nossa língua. Terminam assim dez anos de yé yé (com mais escorregões que momentos que um dia justifiquem a memória), de sonhos pop que ainda não se concretizaram. E em grande parte porque o nosso pop/rock em inglês soa tão estranho lá fora como para nós o é a pronuncia de KD Lang quando canta o Fado Hilário (se bem que a cantora canadiana lhe dê uma intensidade que nem todo o fadista alcança). Isto para nem falar dos tropeções na gramática das letras, mas enfim. Cada um que cante como entender... Mas se verificarmos o que se passa lá fora, concluímos que o verdadeiro sucesso internacional da produção nacional em 2008 são os Buraka Som Sistema! Valerá então a pena tentar o inglês só para ver se a coisa ganha passaporte?... Alguns dos momentos mais marcantes do ano nacional fizeram-se em português. B Fachada, Samuel Úria, Macacos do Chinês, Tiago Guillul, Os Pontos Negros, João e a Sombra, Feromona... A estes podemos juntar os veteranos Mão Morta (numa aventura falada), Rui Reininho (em estreia a solo que lhe dá o seu melhor disco desde os anos 80) e Rádio Macau. E na selecção de 2009 esperam-se as estreias de Os Golpes e, até que enfim, a dos Doismileoito. Por seu lado, o fado já conheceu anos de colheita mais farta... O melhor do ano, contudo, coube a um regresso (e uma estreia ao mesmo tempo). O regresso é o de António Pinho Vargas, a solo, ao piano. A estreia, a de David Ferreira como editor em nome próprio. Que haja mais “investidas” em 2009!
1. António Pinho Vargas "Solo"
2. Rui Reininho "Companhia das Índias"
3. Mão Morta "Maldoror"
4. B Fachada "Viola Braguesa"
5. Dead Combo "Lusitania Playboys"
6. Noiserv "One Hunderd Miles From Thoughtlessness"
7. Tiago Guillul "IV"
8. Rocky Marsiano "Outside The Pyramid"
9. Buraka Som Sistema "Black Diamond"
10. Camané "Sempre de Mim"O universo da “clássica” tem quase mil anos de composições escritas à disposição de todos os que acreditam que a música começou antes de Elvis ter entrado nos estúdios da Sun Records para gravar os seus primeiros singles. Porém, quem programa o que se escuta nos palcos portugueses muitas vezes parece esquecer-se dos últimos cem anos (assim como os primeiros 500), acabando a oferta por navegar, salvo pontuais excepções (como o foram este ano os centenários de Messiaen e Carter ou no ano passado o de Shostakovich), em volta de uma espécie de cânone de mestres e eleitos. Nada contra o que se ouve. Falta apenas poder ouvir mais, sobretudo os compositores vivos, aqueles que, tal como os Portishead, Animal Collective ou Radiohead, fazem a história do nosso presente. Valem-nos os discos. E aí o ano tanto nos deu sublimes novas gravações de peças fundamentais na história da música (a Criação de Haydn por McCreesh ou Brahms por Kent Nagano), como redescobriu pérolas esquecidas (os concetros com que Boulez encerra a gravação da obra orquestral de Bartók). A elas juntam-se primeiras gravações de obras de Nico Muhly ou Giya Kancheli. O ano destacou ainda talentos em afirmação como, sobretudo, o maestro venezuelano Gustavo Dudamel, que registou em Fiesta o ambiente, de facto festivo, que tem corrido palcos do mundo com a Orquestra Simón Bolívar. O centenário de Messiaen foi devidamente assinalado em edições e reedições. Já o de Eliott Carter passou ao lado... O ano deu-nos ainda uma magnífica antologia de Philip Glass. E uma sublime caixa com gravações históricas de obras de Bernstein, dirigidas pelo mesmo. Mas do seu 90º aniversário (assinalado pelo mundo fora), nicles junto de quem faz os programas de concertos de música sinfónica mais mediatizados por estes lados... No surprises, como diriam os Radiohead...
1. Leonard Bernstein "Bernstein Conducts Bernstein"
2. Kent Nagano "Brahms - Symphony Nº 4"
3. Gustavo Dudamel "Fiesta"
4. Nico Muhly "Mothertongue"
5. Philip Glass "Glassbox"
6. Paul McCreesh "Haydn - The Creation"
7. Giya Kancheli "Little Imber"
8. Pierre Boulez "Bartók - Concertos"
9. Andreas Scholl "Crystal Tears"
10. Leif Segerstam "Rautavaara - Manhattan Trilogy"

1. Patti Smith e Kevin Shields "The Coral Sea"
2. AGF "Words Are Missing"
3. Aldina Duarte "Mulheres ao Espelho"
4. Spiritualized "Songs in A & E"
5. Portishead "Third"
6. Beck "Modern Guilt"
7. The Cinematic Orchestra "Live at the Royal Albert Hall"
8. The Fireman "Electric Arguments"
9. Vampire Weekend "Vampire Weekend"
10. Amy Winehouse "Frank & Back to Black"
domingo, dezembro 28, 2008
Nuri Bilge Ceylan: realismo digital

Os sons do silêncio
'Alina', de Arvo Pärt
(compsições de 1976 e 78, editadas em 1999)



Imagens de uma masterclass de Arvo Pärt, na qual lhe é pedido que fale de Für Alina. Mais que explicar as motivações que conduziram à obra, caminha sobre o teclado, deixando que as notas revelem as ideias, que então vai explicando.
1941 - Ano "louco" em Lisboa

Os dois filmes, que têm como denominador comum a presença de António Lopes Ribeiro, foram restaurados em alta definição para a reedição em DVD que junta documentários (entre os quais o que em 1941 o realizador apresentou sobre a Exposição do Mundo Português de 1940), depoimentos e ainda um livro com biografias, filmografias e testemunhos pessoais.
Diálogos com Jon Stewart

Todos os dias vemos (e ouvimos!) a agonia do debate político em Portugal e, em particular, nos espaços televisivos. Por um lado, os lapsos dos intervenientes passaram a contar tanto ou mais do que a exposição das suas ideias. Porquê? Sem dúvida porque grande parte dos dispositivos televisivos integraram a chantagem ética e estética dos “apanhados”. Por outro lado, o debate tende a diluir o valor específico das argumentações na produção de frases mais ou menos esquemáticas, susceptíveis de funcionar como sound-bytes.
A questão de fundo não é voluntarista. Não se trata de saber como fazer “mais” e “melhores” debates. Creio mesmo que os operadores televisivos dariam uma bela prova da sua inteligência declarando que talvez precisemos de menos debates. Mais do que isso: reconhecendo que um épico de David Lean ou uma peça de Ibsen podem ser muito mais enriquecedores para a nossa visão do mundo do que um ministro e um líder da oposição a trocar piropos, nem sempre muito elegantes, sobre o modo como o “meu” partido é que tem as “soluções” para “sairmos da crise”...
Numa recente edição de The Daily Show (SIC Radical), Jon Stewart (na foto) deu um excelente exemplo de como é possível manter vivo o diálogo político sem recorrer a estratagemas gratuitos de “espectáculo”. Entrevistava ele Mike Huckabee, republicano, ex-governador do Arkansas, candidato derrotado (por John McCain) à nomeação pelo seu partido para as presidenciais americanas de 2008. Huckabee lançou há poucas semanas o livro Do the Right Thing e, não se coibindo de exprimir pontos de vista contrários ao do seu convidado, Stewart questionou-o, com especial veemência, sobre a sua resistência à legalização do casamento de homossexuais.
Claro que não se trata de sugerir que qualquer jornalista, em qualquer contexto, deva lançar os seus próprios pontos de vista nos debates (sabemos que a maioria dos programas não tem o grau de personalização de The Daily Show). Trata-se, isso sim, de relembrar o óbvio: a televisão não tem que procurar a “polémica” pela “polémica”. Uma televisão viva e inteligente é uma televisão que pensa. E, mais do que isso, possui o condão de fazer pensar.
>>> Este é o registo da parte do diálogo a que o texto se refere — o programa, na sua totalidade, pode ser visto aqui.
sábado, dezembro 27, 2008
Figuras do ano: Gilberto Madaíl

Gilberto Madaíl, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, quer prosseguir essa saga de futebolização do país, da televisão e das mentes, continuando a militar pela organização do Mundial de Futebol de 2018 no nosso país (em associação com a Espanha). Este simples facto transforma-o numa personalidade marcante do ano que agora termina e, mais do que isso, na figura cultural do ano. Porquê? Porque nada disto tem a ver com o esplendoroso espectáculo que é (ou pode ser) o futebol. Antes porque o projecto de Madaíl pode vir a marcar os valores colectivos e as grandes opções do país na próxima década, voltando a colocar sectores importantes — construção civil, publicidade, mobilização da juventude — a reboque do futebol.
A miragem de "Austrália"

São muitos os filmes que nos permitem perceber as contradições internas da história da Austrália. Podemos evocar a obra-prima de Alfred Hitchcock, Sob o Signo de Capricórnio (1949), melodrama com Ingrid Bergman em que a sociedade australiana do século XIX emerge como fantasma moral da Grã-Bretanha. Mais próximo, podemos citar o caso de A Vedação (2002), de Philip Noyce, sobre a política que, na década de 1930, levou à separação compulsiva de muitas crianças aborígenes das respectivas famílias.
>>> Um dos espantosos planos-sequência de Sob o Signo de Capricórnio, com Ingrid Bergman a recordar os acontecimentos tráumaticos que a conduziram à Austrália.
Baz Luhrmann terá querido fazer uma síntese, sem dúvida conceptualmente interessante, porventura impossível em termos de produção. O seu Austrália pretende ser uma fusão espectacular de todas essas memórias traumáticas e, certamente não por acaso, apresenta-se mesmo narrado a partir do ponto de vista de Nullah (Brandon Walters), uma criança “marginal”, nascida de uma mãe aborígene e um pai branco. Nullah introduz no filme uma mágoa enraizada numa idealização do próprio país que tem sempre dificuldade em combinar-se com a love story construída em torno das personagens de Nicole Kidman e Hugh Jackman.
Mesmo não esquecendo dois ou três momentos fulgurantes, Austrália apresenta-se como um objecto ferido pela ambição de querer relançar uma matriz cinematográfica enraizada na herança de clássicos como E Tudo o Vento Levou (1939). Luhrmann acaba por não ter um background de produção que lhe permita sustentar uma estética coerente: na primeira parte, por exemplo, a imponência física do deserto é um fundamental elemento dramático até que, a pouco e pouco, a “falsidade” dos cenários digitais vai tomando conta do filme. Reveja-se Lawrence da Arábia (1962) e imagine-se o que ficou por fazer.
>>> Da lista dos '100 Maiores Filmes de Sempre', pelo American Film Institute: apresentação de Lawrence da Arábia.
Histórias de Nanni Moretti

Desde o seu anúncio, o projecto de Caos Calmo surgiu sob o efeito do “patrocínio” de Nanni Moretti. Desde logo porque Moretti ia assumir a personagem principal de um filme cuja realização seria de outro cineasta (Antonello Grimaldi), mas também porque ele fazia questão em deixar a sua marca no argumento (co-assinado com Laura Paolucci e Francesco Piccolo). O mínimo que se pode dizer é que os resultados foram compensadores, nomeadamente em Itália, com Caos Calmo a receber três prémios David di Donatello (palmarés anual da produção italiana), com destaque para o de melhor actor secundário atribuído a Alessandro Gassman (filho de Vittorio Gassman, no filme intérprete do irmão de Moretti).

É essa a grande lição de Moretti: a de praticar um cinema atento ao presente, mas mantendo uma relação viva com o património cinematográfico do seu país. É um cinema que, além do mais, se demarca da formatação televisiva que, ao longo dos anos, deixou as suas marcas nefastas, quer na linguagem, quer na organização económica de muitas zonas da produção audiovisual italiana.


Se outras razões não houvesse, estas bastariam para fazer de Caos Calmo um filme eminentemente actual. Nele se conta a história de Pietro Paladini, administrador de uma empresa de televisão (o pormenor não será secundário) que, na sequência da morte acidental da mulher, passa a viver uma estranha rotina: todos os dias acompanha a filha Claudia ao colégio, sem depois se dirigir ao emprego; fica no jardim em frente ao colégio, vai lendo, frequentando o café, conhecendo pessoas. Com o decorrer dos dias, Pietro acaba mesmo por ir recebendo colegas e familiares, como se tivesse criado um novo “escritório” que tem tanto de posto profissional como de confessionário.
Produção italiana apresentada no Festival de Berlim do passado mês de Fevereiro, Caos Calmo está, em termos temáticos, muito próximo do padrão de telefilmes familiares que faz parte da produção regular de algumas televisões europeias (nomeadamente em Itália e França). Em todo o caso, demarca-se das suas convenções e do seu determinismo, antes do mais graças a um trabalho de argumento que em nenhum momento procura encerrar as personagens em “modelos” dramáticos ou moralistas.
E se é verdade que a realização de Antonello Grimaldi (precisamente alguém com experiência dividida entre cinema e televisão) possui a vantagem da sobriedade, não é menos verdade que é difícil imaginar Caos Calmo sem a muito contida, e também muito subtil, composição de Nanni Moretti na personagem de Pietro. Moretti consegue colocar em cena o desconcertante paradoxo de um homem dividido entre as obrigações sociais que decorrem do seu próprio luto (de acordo com as regras desse luto, as outras pessoas esperam que ele se comporte de forma “lógica”) e a súbita descoberta de um vazio interior que, afinal de contas, ele próprio desconhecia.
Ao contrário de uma telenovela, a história de Caos Calmo, adaptada de um romance de Sandro Veronesi, não se encerra num esquema de “soluções”, “inocentes” e “culpados” (mesmo se é verdade que o tema da culpa perpassa por todo o seu desenvolvimento). O filme acaba mesmo por possuir a transparência simples, porventura naïf, de um retrato social que, para lá do jogo das aparências, nos revela a solidão das suas personagens. Talvez possamos defini-lo como um conto moral cuja “mensagem”, algo irónica, está condensada no próprio título: este é um sistema de relações profundamente abalado nos seus valores e certezas e, ao mesmo tempo, um universo que se distingue por uma bizarra e contagiante serenidade. Dito de outro modo: mesmo sob o efeito normativo da televisão, o cinema social italiano continua vivo.
Um inesperado clássico de Natal

Brian Eno compõe para Peter Jackson
sexta-feira, dezembro 26, 2008
Figuras do ano: Jon Stewart

Deneuve: memórias sem nostalgia


London Astoria fecha a 15 de Janeiro

Os londrinos, em particular músicos e melómanos, não acolheram com indiferença a notícia do fim da sala. Houve campanha pela salvação da sala, mas sem consequência, Inaugurada em 1927 como cinema, a sala foi adaptada para espectáculos de palco nos anos 70. E, desde então, poucos foram os nomes que fizeram a história da música pop que por ali não passaram. Por lá foram vistos, em palco, Nirvana, U2, David Bowie, Rolling Stones, Prince, Franz Ferdinand, White Stripes... Os Radiohead gravaram ali o seu primeiro concerto a editar em vídeo, em 1994. Os Eels registaram ali o álbum ao vivo Live and In Person! London 2006...
Pessoalmente guardo do London Astoria memórias de concertos inesquecíveis dos Blur, Pet Shop Boys, Suede e Placebo (nos seus melhores dias). Quase todos na sala principal, o dos Suede na sala mais pequena, com alma de clube, na cave.
Imagens de 2008 (8)

De regresso ao cinema
'Out Of My Mind' (single), 1997´

O teledisco de Out Of My Mind é um dos melhores (e menos conhecidos) da videografia dos Duran Duran nos anos 90. Realizado por Dean Farr, foi rodado num castelo na República Checa, apresentando os três elementos do grupo a vestir a pele de várias personagens, numa história de tons barrocos, com fantasmas pelo meio. E sem qualquer ligação com o filme que usou a canção na sua banda sonora.
Eartha Kitt (1927 - 2008)

Marcada por uma infância de discriminação e solidão, transformou-se numa figura emblemática dos cabarets e do espectáculo teatral, com uma carreira multifacetada em televisão e cinema. Foi revelada por Orson Welles, em 1950, em Time Runs, uma variação sobre Fausto em que ela assumia a personagem de Helena de Tróia. Muito popular no começo dos anos 60 pelo seu papel de 'Catwoman' na série televisiva Batman, viu-se marginalizada, no tempo de Lyndon Johnson, por causa das suas opiniões contra a guerra do Vietname. Regressaria, em apoteose, em 1978, integrando o elenco de Timbuktu, na Broadway, uma versão 100 por cento afro-americana de Kismet — na altura, o Presidente Jimmy Carter fez questão em saudá-la pessoalmente. As canções C'est si Bon e Santa Baby constituem imagens de marca da sua arte de cantar. Há cerca de seis semanas, Eartha Kitt concuíra a gravação de um programa especial para a PBS, a emitir em Fevereiro de 2009.
Este é um registo de 1962: uma espantosa, ligeirísima, interpretação de Just an Old Fashioned Girl.
>>> Biografia na MTV.
>>> Obituário em The New York Times.
>>> Entrevista na NPR: 'The Long View'.
quinta-feira, dezembro 25, 2008
Natal no Cambodja

Harold Pinter (1930 - 2008)
Morreu, vitimado por cancro, um dos nomes maiores da literatura do século XX (Nobel em 2005) e, em particular, do teatro contemporâneo — Harold Pinter faleceu na véspera do dia de Natal, contava 78 anos.
A primeira peça de Pinter, The Room, surgiu em 1957. Se há linha de continuidade e coerência numa obra que viria a repartir-se pelo teatro (29 peças), cinema (26 argumentos), poesia, ensaio, televisão e rádio, talvez a possamos definir através de uma paradoxal insuficiência da palavra: as personagens das suas peças mais famosas — The Birthday Party (1957), The Caretaker (1959), The Homecoming (1964), No Man's Land (1975), Betrayal (1978), One for the Road (1984) ou Moonlight (1993) — vivem quase sempre nesse espaço intermédio (de facto, uma terra-de-ninguém) em que a comunicação favorece um sistema de trocas que, por trágica ironia, amplia a solidão de cada um.
De algum modo, a sua ligação ao cinema, com argumentos originais, adaptados ou baseados em peças de sua autoria, reflecte a mesma dinâmica temática e criativa. A sua ligação ao negrume crítico da obra de Joseph Losey (1909-1984) foi particularmente marcante, tendo-se saldado por três títulos — O Criado (1963), Acidente (1967) e O Mensageiro (1970) —, de alguma maneira unidos pela contemplação dos restos do romantismo clássico. O mesmo se poderá dizer, aliás, da sua adaptação do romance de John Fowles, A Amante do Tenente Francês, filmada em 1981 por Karel Reisz, com Meryl Streep e Jeremy Irons nos principais papéis — eis o respectivo trailer.
Com formação e prática de actor (nos anos 50, usando o pseudónimo 'David Baron'), Pinter teve toda a sua carreira pontuada por diversos trabalhos em palco, no cinema e na televisão. Em 2006, no âmbito da temporada comemorativa dos 50 anos do Royal Court, Pinter interpretou a personagem de Krapp numa breve carreira (nove representações) de Krapps's Last Tape, de Samuel Beckett. No passado mês de Outubro, assumira a presidência da Central School of Speech and Drama, precisamente a escola em que estudara arte dramática em 1950-51.
Distinguido em 2005 com o Prémio Nobel da Literatura, o seu discurso de agradecimento é uma notável peça literária e de oratória, reflectindo os seus continuados empenhamentos políticos e, em particular, a sua condenação da intervenção dos EUA no Iraque.
>>> Site oficial de Harold Pinter.
>>> Entrevista conduzida pelo actor e director Harry Burton (8 Set. 2008).
>>> Obituário na BBC.
>>> Obituário em The New York Times.
>>> Obituário em Le Monde.
>>> Site oficial da Central School of Speech and Drama.
>>> Página no British Film Institute.
>>> Teatro de Pinter pelos Artistas Unidos.
>>> Video do discurso do Nobel.