terça-feira, dezembro 30, 2008

Portugal, país da gripe

1. Sintomas. Há qualquer coisa de conto do absurdo quando vemos, e ouvimos, as autoridades sanitárias virem a público dar conta dos efeitos da sobrecarga das urgências hospitalares com doentes com gripe. A saúde é um bem precioso? Certo. Em todo o caso, estes desequilíbrios — ou disfunções, como agora se diz — são sintomas de outras doenças sociais.
Que doenças? Essas que começam no entendimento da vida quotidiana como uma colecção de catástrofes que se subtituem umas às outras, mantendo-nos sempre no limiar da aniquilação total... Estou a tentar fazer graça? Não, não estou. É mesmo muito triste compreendermos que o poder normativo dos media — sobretudo dos que, directa ou indirectamente, seguem as opções da televisão mais populista — acabou por gerar esta sociedade de cidadãos em histeria permanente (que somos nós).
2. Guerras. Os exemplos são muitos, pelo menos desde que se começou a transformar em feriado nacional a saída de algum patético concorrente da casa do Big Brother. Nessa perspectiva, um surto de gripe vale tanto quanto um golo anulado na última jornada do futebol. Dito de outro modo: tudo o que puder ser encenado em termos de catástrofe, temperado com muitas insinuações, enfim, suscitando dúvidas e suspeitas, tudo pode ser... notícia! Na prática, já não temos notícias. Temos alertas de guerra!
Não somos parvos. Sabemos que a velocidade do mundo em que vivemos afecta tudo, incluindo a saúde (ou a falta dela). Somos sensíveis ao facto de até mesmo a gripe (a saudosa gripe que, em tempos pré-históricos, se curava... ficando em casa) pode ser sinal de qualquer coisa de mais grave e, sobretudo, mais abrangente.
3. Doentes. Em todo o caso, fica a pergunta: como é que nos transformámos neste colectivo de doentes ansiosos, por tudo e por nada à procura de protecção e, sempre que possível, de maleitas que justifiquem que nos queixemos (de preferência na televisão e aos gritos)?
Claro que tudo o que aqui está dito pode não fazer sentido e ser até uma maneira de nos afastar dos nossos reais problemas. Sem dúvida. Mas se pensarmos assim, então será melhor acrescentar que pensamos também que o governo do nosso país e a classe médica portuguesa nos andam a enganar e, de facto, os engripados das urgências são apenas a ponta de um medonho iceberg: estamos à beira de uma catástrofe nacional com milhares, ou mesmo milhões, de mortos... Atchim.