quinta-feira, julho 31, 2008
As Olimpíadas com (pouca) Internet
Nolan, Soderbergh e... os dólares
Paisagens da Estónia
Um duende na cidade
TV On The Radio em Setembro
Blancmange: reedições e regresso
Stephen King em filmes de 2 minutos
A série N. está a ser divulgada, até 29 de Agosto, no site NiShere.com. Este é um exemplo modelar da conjugação de vários registos, ou "plataformas", de difusão. Na sua criação/distribuição estão envolvidas as seguin-tes entidades: a editora Scribner, do grupo Simon & Schuster, a Marvel Comics e a CBS Mobile (telemóveis), isto para além de estar também prevista a sua venda através do iTunes. Tudo isto, enfim, desembocará nos livros (que, ironicamente, já não surgem no início da cadeia artística): ainda este ano, em Novembro, a história de King integrará a sua colectânea Just After Sunset; já em 2009, a Marvel publicará N. num álbum de banda desenhada.
quarta-feira, julho 30, 2008
Britney Spears vs. Barack Obama
Temos, agora, um novo exemplo: um spot da campanha de John McCain que coloca o outro concorrente ao cargo de Presidente dos EUA, Barack Obama, a par de figuras como Britney Spears e Paris Hilton. O spot desemboca na pergunta que McCain tem sustentado como base das suas críticas a Obama: "Is he ready to lead?" ("Será que ele tem condições para liderar?").
Vale a pena ver (analisar e discutir) o spot de McCain.
Madonna 50 vezes (6/10)
[1/5]
6. Desse tempo ficou-me o gosto infantil de, face a uma palavra ambígua de um texto que leio, ou mesmo perante a incerteza daquilo que estou a escrever, ir automaticamente ao dicionário. Esperando alguma gratificação, confesso. Procuro uma espécie de luminosidade abstracta que subtraia as palavras ao rigor da lei, como se fosse possível encontrar um tempo anterior em que as palavras e as coisas coincidiam por inteiro. “Amante”: que ou aquele que ama.
7. A interdição de algumas palavras é uma escola dura, eventualmente nefasta, que nos deixa, no entanto, uma paixão nunca satisfeita pelo rigor do dizer e do escrever. Para compreender isto, talvez seja preciso ter crescido num tempo em que a palavra “merda” não era apenas calão, mas sintoma de degradação social. Uma vez, aos cinco ou seis anos, o meu filho disse-me que sabia uma asneira (“merda”). Eu disse-lhe que era pouco, que eu sabia muitas mais.
8. Em 1994, Madonna lançou uma canção (escrita por Björk) que fala do sentimento contraditório, feito de precisão e desgaste, que as palavras podem arrastar. Chama-se “Bedtime Story” e abre com uma declaração de abandono das palavras: “To-day is the last day that I’m using words / They’ve gone out, lost their meaning / Don’t function anymore.” Quando penso no que é, ou pode ser, uma declaração genuinamente política, penso nestes versos.
9. A palavra política é, hoje em dia, a mais degradada. Falo, não da política como arte superior de dirimirmos as perplexidades do nosso destino colectivo, mas da “cena política”, esse espaço de narcisismo decadente induzido e gerido pelas forças televisivas. A mediocridade instalada arregimentou mesmo uma palavra, “tabu”, para sugerir a suspensão informativa sobre a política. É assim o nosso tempo: políticos que nunca leram Freud e falam de “tabu”.
10. Quando a palavra “tabu” se banaliza, isso quer dizer que o tecido social já não tem noção dos seus próprios interditos: somos levados a crer que “não haver interditos” é a suprema consumação da ideia de felicidade. Em Portugal, isso traduz-se num novo pensamento totalitário que define o pré-25 de Abril como o tempo em que nada aconteceu, porque tudo era interdito. A noção de liberdade passou a confundir-se com a posse do último modelo de telemóvel.
Uma canção para o Verão
Mais inéditos e raridades de Dylan
Alicia Keys e Jack White cantam com 007
terça-feira, julho 29, 2008
George Carlin em CD
Senhoras de 50 anos
"Material girls" (BBC 4)
Foi a 9 de Março 1959 que surgiu a primeira boneca Barbie, cerca de nove meses depois do nascimento de Madonna. Por circunstâncias que, como é hábito dizer-se, ficaram para a história, ambas marcaram a evolução do conceito de feminino no último meio século — desde o tratamento do corpo até aos modos de afirmação social, boneca e cantora partilham a mesma ânsia de afirmação da sua diferença.
Por certo, os especialistas da difamação-à-portuguesa acharão que se trata de um paralelismo anedótico, promovido por algum fan menos contido. Esquecem-se, como sempre, que não é preciso ser fan de ninguém para ter o gosto de conhecer e pensar as formas (das mais universais às mais específicas) da cultura popular. Foi o que fez a BBC 4, num programa cujo título é um delicioso achado: "Material girls".
Entre o palco e a vida selvagem
Este é Rooks, um dos temas mais “agitados” do novo álbum dos Shearwater, aqui em versão ao vivo captada na mais recente edição do SXSW. Ou seja, quase “em casa”...
Estas são a segunda e quarta das quatro partes de um filme que acompanha o lançamento de Rook, e que apresenta os elementos da banda em plenas ilhas Falkland (ao largo da Argentina), em busca de uma espécie de gralhas (“rook”) às quais pediram o nome emprestado. Algo entre uma postura à la David Attenborough e uma agenda de promoção de um excepcional disco de uma banda indie rock... Porque não? O resto da “aventura” pode ver-se no YouTube.
Byrne + Eno = 18 de Agosto
segunda-feira, julho 28, 2008
Spiritualized em concerto
Para acabar com o cinema português
Na sexta-feira, neste mesmo jornal (revista “Notícias TV”), foi publicada uma entrevista com o produtor de cinema Alexandre Valente. A pretexto do seu projecto Second Life, o entrevistado tece algumas considerações sobre o estado do cinema português que merecem ser discutidas.
Alexandre Valente considera que “durante uns 15 ou 20 anos, o cinema português foi feito não para os espectadores, mas para os amigos dos realizadores.” Será uma autocrítica, uma vez que podemos encontrar o seu nome, por exemplo, na ficha de O Quinto Império (2004), de Manoel de Oliveira [em cima: foto do filme], na qualidade de director de produção. E é um facto que O Quinto Império (8218 espectadores) não foi um sucesso. Por mim, direi que se trata de um dos objectos maiores de toda a produção artística portuguesa do último meio século. Mas isso é um pormenor. Alexandre Valente tem outra visão dos filmes. Aliás, quando lhe é perguntado “o que é que o seu cinema tem de diferente”, responde simplesmente: “O meu dinheiro.”
É em nome dessa visão que avança com exemplos de filmes que ilustram o mal do cinema português: O Delfim (2002) e 98 Octanas (2006), ambos de Fernando Lopes, serão dois desses nefastos objectos sobre os quais se escreveu que “eram dos melhores filmes”, mas que, depois, “as pessoas foram ver e não perceberam”.
Curiosa condensação informativa. Na verdade, O Delfim ultrapassou os 50 mil espectadores, no contexto português um número inequivocamente positivo (há muitos filmes americanos que fazem muitíssimo menos, mas o preconceito dominante faz crer que se pode analisar a vida económica do cinema português rasurando tudo o que está à volta). Quanto a 98 Octanas, é verdade que se ficou pelo valor muito fraco de 6246 espectadores. Mas Alexandre Valente engana-se quando tenta estabelecer uma conexão automática entre o que se escreve sobre os filmes e a sua performance comercial: basta lembrar que, em dois jornais de referência (Diário de Notícias e Público), 98 Octanas foi objecto de leituras claramente negativas, não um filme protegido por amigos (nem tinha que ser).
Há nas palavras de Alexandre Valente uma curiosa disfunção artística: “O cinema que faço não é necessariamente o cinema de que gosto.” Mas os particularismos psicológicos são irrelevantes. Este é o discurso que insiste em dividir o cinema português em profis-sionais “correctos” e profissionais “malignos”, nestes se incluindo pessoas como Fernando Lopes, a meu ver um dos autores essenciais de toda a história do cinema português (sou amigo dele, confesso, e argumentista de 98 Octanas). Em contraponto, para Second Life, Alexandre Valente anuncia nudez feminina e outras proezas cinéfilas: “Vamos ter table dances, personagens com tendências homossexuais, etc.”
Permito-me, por isso, reiterar o meu empenho em defender a diversidade do cinema português. E em defender um lugar, no interior dessa diversidade, para Alexandre Valente. Resta saber que sentido faz denegrir, por princípio, todos os que preferem filmar outras coisas (nuas ou vestidas). Afinal de contas, Alexandre Valente tem direito à sua voz e não pode ser responsabilizado pelo facto de nem Governo nem oposição terem qualquer projecto para o cinema português. Política, precisa-se.
Youssef Chahine (1926 - 2008)
>>> Site oficial de Youssef Chahine.
Discos da semana, 28 de Julho
Shearwater
“Rook”
Matador / Popstock
5 / 5
Para ouvir: MySpace
A história dos artistas internacionais com passagem por Portugal nos seus mais verdes anos não é vasta, mas vai do mainstream (Bryan Adams) à pop alternativa (Katherine Frank, das Rainbirds). 2008 junta mais um nome ao lote, com potencial para eventual carreira de sucesso, apesar do evidente berço indie. Trata-se da sueca Lykke Li, hoje com 22 anos e autora do mais aclamado álbum de estreia da pop sueca deste ano. Filha de uma fotógrafa e de um músico, viveram seis anos em Portugal antes, mais tarde, passar por paragens como Marrocos, o Nepal e a Índia. Regressada à Suécia, Lykke Li começou a seguir as pisadas do pai. E, em finais de 2007, quando edita o EP de estreia Little Bit, é responsável por verdadeira tempestade de entusiasmo entre bloggers de todo o mundo (podendo agradecer à eficácia do teledisco que acompanhava a canção muita da ajuda nessa etapa de quebra de gelo e conquista de primeiros admiradores). Recentemente ouvimos novo single. E, agora, um álbum de estreia que em tudo confirma as melhores expectativas. Produzido por Björn Yttling (um dos elementos do trio Peter, Björn & John), Youth Novels é um disco que parte da identidade indie que parece formadora em Lykke Li, mas abre alas ao desafio dos horizontes que tem pela sua frente e, ou não estivéssemos em terreno sueco, não teme o prazer do grande melodismo pop. O som é o tempero fulcral de um álbum que exibe espantosa capacidade de contenção perante o vasto mundo de instrumentos que conta em seu redor. A voz de Lykke Li é, depois, o veículo que transporta histórias bipolares (de amor e depressão – ou não se tratassem de memórias de juventude) até canções com um encanto peculiar. Nunca festivas, mas longe de implosivas e fugidias. A composição é interessante e os arranjos capazes de sugerir invulgar solidez para uma estreia. Já se ouviram comparações a nomes como Feist, Kate Nash, Lilly Allen ou Björk... A verdade é que Lykke Li mostra já aqui espantosa personalidade (musical e vocal) e, por mérito próprio, pode já militar na linha da frente da nova geração pop sueca.
Lykke Li
“Youth Novels”
Warner
4 / 5
Para ouvir: MySpace
Poucas bandas têm uma carreira tão entregue ao sabor (sempre interessante) da deriva como os Primal Scream. Ao longo de 26 anos de actividade, já apontaram azimutes em tantas direcções quantas as vezes que editaram álbuns, do olhar retro de Sonic Flower Groove (injustamente esquecido, mas magnífico, álbum de estreia, em 1987) ao reencontro com a genética dos blues em Riot City Blues (2006), da visão pop dançável do mítico Screamadelica (o seu disco que fica para a história, de 1991) ao desafio aos sentidos de Vanishing Point (1997)... Tudo isto numa obra onde não faltaram os tropeções, seja no desnorte de Give Out But Don’t Give Up (1994) ao politicamente pretencioso (e na verdade inconsequente) XTRMNTR (2000)... Na verdade, a surpresa é esperada a cada novo álbum. E Beautiful Future não foge à regra. Radicalmente distante do apenas curioso disco de há dois anos, o novo álbum devolve a banda aos terrenos da pop e, a dados momentos mesmo, ao prazer do reencontro com o prazer do convite à dança. Sem representar, necessariamente, um álbum de balanço, ou mesmo de síntese, Beautiful Future é, mais que um olhar novo, um devolver de atenções a terrenos já vividos. Não faltam boas canções, entre as quais se conta uma soberba revisão de um original dos Fleetwood Mac (Over & Over), em colaboração com Linda Thompson, através do qual reencontram algumas das mais remotas experiências do primeiro álbum. Não se trata de uma operação de nostalgia. Nunca o fariam. Mas, antes, de um rearrumar de ideias numa obra que, entre tamanha diversidade, raras vezes tomou discos seus como ponto de partida para eventuais sequelas e desenvolvimentos. Em Beautiful Future os Primal Scream olham para si mesmos e reposicionam-se num terreno no qual nos deram alguns dos seus melhores momentos. Não os iguala. Mas representa o seu mais recomendável conjunto de novos temas desde o já distante Vanishing Point, de há onze anos...
Primal Scream
“Beautiful Future”
B Unique / Warner
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Há alguns meses eram alvo dos maiores aplausos entre bloggers e sites de afinidade indie pela rede fora. O “som de 2008”, a banda do futuro e exageros afins, daqueles do tipo rei-morto-rei-posto que hoje elegem uns para amanhã falar dos seguintes... Criou-se o entusiasmo, a banda assinou contrato. Bernard Butler chega para assumir a cadeira da produção... Primeiro single, primeiro hit. Chega o álbum... E eis que começa a reacção... Primeiro nos blogues, pedindo o fim do hype... Agora a Pitchfork, para quem a banda antes parecia o melhor que o futuro guardava, arraza o disco. Terá a reacção algo a ver com o facto do álbum ter conseguido visibilidade invulgar em Inglaterra? Tipo... sucesso? Na verdade, talvez não seja o sucesso dos Black Kids o motor do desconforto. Mas, antes o facto de, comparando a arte final de Partie Traumatic com o som do EP de estreia Wizzard Of Ahhhs (de Agosto de 2007), se sentir que o que era um caldeirão de boas ideias em ebulição acabou demasiado arrumado, polido e, no fim, algo descaracterizado. Naturais da Florida, os Black Kids não serão propriamente uma banda de grandes e novas ideias. São mais uma entre uma geração que despertou para os discos dos pais (ou seja, a colheita de 80) e neles descobriu referências sobre as quais decidiu definir a sua identidade. A diferença era, há um ano, sugerida pela forma festiva e entusiasmada como abordavam essas referências para a criação de canções com sabor a híbrido com viço contemporâneo. O carácter multiracial do colectivo e a forma frontal de abordagem a temáticas sem filtro, temperavam a ideia com aquele picante de subversão que conquistou atenções. O álbum não perde nenhuma destas características genéricas, mas arrumou o caos sugerido em favor de uma ordem que denuncia, agora, alguns exemplos de escrita menos apurada entre algumas das novas canções. Estão ainda aqui os ecos de uns Associates, Orange Juice e outros contemporâneos. Há boas canções, como é o exemplo de I’m Making Um Charm. Mas o que parecia uma promessa única acaba, no todo, não muito diferente do que temos ouvido recentemente...
Black Kids
“Partie Traumatic”
AlmostGold / Universal
2 / 5
Para ouvir: MySpace
Em tempos falava-se no “difícil terceiro disco” como uma barreira que definia sims e sopas para a vida de muitas bandas... Hoje, talvez pelo ritmo de vida mais acelerado que a sociedade nos impõe, essa mesma fasquia desceu para o segundo álbum. E ao longo dos últimos anos foi aí que tropeçaram muitas das bandas que deram que falar num primeiro encontro mas que, afinal, não tinham muito mais para nos contar que na primeira mão cheia de canções. The Killers, She Wants Revenge, Kaiser Chiefs, Futureheads, Editors... A lista é longa e agora acolhe mais uma das estreias que mais deu que falar em 2006: as brasileiras Cansei de Ser Sexy. Apesar de gravado em São Paulo, contando com um novo elemento na banda (substituindo a baixista que abandonou a aventura pop para continuar os estudos), Donkey está longe da ingenuidade lo-tech e da festa despretenciosa que fizera da estreia um “caso”. Na verdade, o grupo perdeu muito entre o lançamento original do álbum de estreia pela Trama (no Brasil) e a edição global (via Sub Pop) ao omitir as canções em português nas quais realmente brilhava. Mesmo assim, muita festa e pouca ambição saíram-lhes pela porta certa. E o mundo respondeu aceitando a sua chegada... Dois anos depois, a banda não mais parece a que nos deu aquelas canções que deram cor ao verão de 2006. Está mais “arrumada”, mostra nova identidade cosmopilita nas letras. E quase perdeu por completo as marcas de genética paulista (cidade de antiga e interessante tradição pós-punk, é certo), em detrimento de uma lógica de aproximação aos modelos de raiz da new wave made in USA (e periferias). É um álbum tecnicamente competente. Não abdica da vontade de fazer pop. Mas perde o viço do entusiasmo da estreia. Ou seja, a alma que fazia a festa...
Cansei De Ser Sexy
“Donkey”
Sub Pop
2 / 5
Para ouvir: MySpace
Também esta semana:
M Faithfull (live), Black Affair, Nine Inch Nails, Mr Scruff, Forward Russia, Alva Noto, Billy Idol (best of)
Brevemente:
4 de Agosto: Connor Oberst, David Vandervelde, Brazilian Girls, Joseph Arthur, Elvis Presley (68 Comeback Special), Prodigy (reedições), Atlas Sound, Sonic Youth
11 de Agosto: Late Of The Pier, Levellers (reedições), Simian Mobile Disco (remisturas)
18 de Agosto: Stereolab, Dandy Warhols, Fiery Furnaces, Lindstrom, Juliana Hatfield,
Agosto: Teddy Thompson, Durutti Column (BSO), The Faint
Setembro: Brian Wilson, Giant Sand, Calexico, Okkervil River, Parenthetical Girls, The Cure, Mercury Rev, Morrissey
Madonna 50 vezes (1/5)
1. Madonna Louise Ciccone nasceu a 16 de Agosto de 1958. Este é o ano do seu 50º aniversário, precedido, a 28 de Abril, pelo lançamento de um novo álbum de originais, o 11º, chamado “Hard Candy”. Sob a capa de uma ambiência electrónica oculta-se um discurso confessional que a leva, inclusivamente, a supor a sua (im)possível substituição por outra: “She’s not me / She doesn’t have my name / She’ll never have what I have / It won’t be the same.”
2. O aniversário da minha mãe era a 16 de Agosto. Quando uma vez lhe disse que seria uma honra para Madonna saber que fazia anos no mesmo dia dela, disse-me que era o contrário: ela é que se sentia honrada. Não tenho a certeza se o amor dela me faz falta porque não tenho a certeza que o amor se possa medir em termos de falta. Aliás, o amor não se pode medir. Desde as telenovelas às montras com vestidos de noiva, tudo nos diz que o podemos medir. Mas é mentira.
3. A expressão “hard candy” joga num tradicional efeito de retórica: aproximar os contrários, neste caso a crueza (“hard”) e a doçura (“candy”), para sugerir um equilíbrio feito de paradoxos e contradições. O título contém também uma calculada sugestão sonora, evocando, nem que seja como um pudico gesto de fuga, a expressão “hard core” (utilizada para classificar os filmes pornográficos em que é mostrada a actividade dos órgãos genitais).
4. Na década de 1960, na gíria dos circuitos da droga, a expressão “hard candy” identificava a heroína, podendo também referir-se a uma qualquer substância tóxica numa cápsula. Mas essa é apenas uma das muitas sugestões que, historicamente, a palavra “candy” pode arrastar. No plano sexual, também nos anos 60, “candy” é o parceiro passivo de uma relação homossexual. Mais genericamente, pode ser uma pessoa, de qualquer sexo, sexualmente atraente.
5. Nos anos 60, quando eu andava no liceu, a palavra “amante” remetia, inequi-vocamente, para o imaginário do pecado e, mais do que isso, para uma noção de ilegalidade. O homem que tinha uma “amante” era aquele que corrompia a harmonia do seu espaço conjugal (o mesmo, mas duplamente escandaloso, se fosse uma mulher a ter uma relação com um homem que não fosse o marido). Mas ter uma relação íntima sem casamento era também ter uma “amante”.
domingo, julho 27, 2008
Spencer Elden: agora vestido
O homem na cidade
Autor do assombroso O Segredo de Joe Gould (editado entre nós pela D. Quixote, com prefácio assinado por António Lobo Antunes), e durante longos anos presença regular nas páginas da New Yorker, Joseph Mitchell trabalhou, em início de carreira, ou seja nos anos 30, como jornalista para diversos jornais nova-iorquinos. Natural de Iona (Carolina do Norte), tinha chegado a Manhattan em 1929 com 21 anos, falhado um futuro universitário pela absoluta inaptidão com a matemática. Salvo os meses em que atravessou o mar, em viagem até à cidade Leninegrado (hoje São Petesburgo, na Rússia), a bordo de um navio, regressando logo depois, viveu e descobriu Nova Iorque em busca de histórias e das suas personagens.
Em tempo de colapso económico, encontrou primeiros trabalhos em pequenos e grandes jornais nos quais fez, como tantos outros principiantes, as rondas da noite entre esquadras de polícia, tribunais, quartéis de bombeiros, hospitais, enviando para a redacção pedaços de notícias cuja arte final escapava aos seus dedos. Começou no The World, depois fez notícias locais para o Herald Tribune e mais tarde trabalhou como colunista no hoje extinto The World Telegram antes de, em 1938, ser convidado para integrar a equipa da New Yorker. Datam desta etapa de descoberta e aprendizagem os textos reunidos em Sou Todo Ouvidos (o primeiro livro de crónicas que a Âmbar publicou entre nós em finais de 2006), não só um espantoso exercício do mais cativante e sóbrio jornalismo como, e sobretudo, um retrato vivo, com cor e cheiro, das gentes do lado errado da Nova Iorque dos anos 30. Já em 2007 a mesma editora lançou em Portugal O Fundo da Baía, uma segunda colecção de crónicas, datando estas de finais dos anos 40 e da década de 50.
Para a (re)descoberta de Joseph Mitchell, nada como começar pelas pequenas grandes histórias e figuras que nos revela em Sou Todo Ouvidos. Apesar de, no final do livro, se registarem encontros com George Bernard Shaw, Gene Krupa e algumas mais figuras públicas - a quem Mitchell chamava “moedores de ouvidos” – Sou Todo Ouvidos vive essencialmente de histórias e retratos de anónimos com “uma intimidade velha de anos com a pobreza”. Strippers em espectáculos de burlesque, bêbedos em noites de copos a fio em bares esquecidos, pregadores (e seus negócios pouco claros), jogadores de baseball frustrados, uma condessa pugilista, fumadores de marijuana em noitadas de rent party, praticantes de vudu no coração da grande cidade, sem abrigo em noites de sono solto em asilos, desempregados que passam as noites de Verão nas praias de Conney Island, condenados por assassínio de um colega de copos a caminho da cadeira eléctrica, um anarquista popular entre os desafortunados... “As únicas pessoas que não estou interessado em ouvir são as mulheres da alta-roda, os grandes industriais, os autores reputados, os ministros, os exploradores, os actores de cinema (...) assim como qualquer actriz com menos de trinta e cinco anos”, explica o autor num prefácio que define princípios, onde sublinha ainda que “não pode haver mais praga para um jornal que um jornalista que se põe a tentar escrever literatura”. A escrita de Joseph Mitchell é, de facto, clara, directa, intensa e realista, olhos e ouvidos feitos palavra. E Sou Todo Ouvidos, um documento de figuras e lugares de uma Nova Iorque verdadeira, que descobrimos com a mesma curiosidade de um jovem jornalista, em busca de histórias, há 70 anos.
Luís de Freitas Branco na Naxos
sábado, julho 26, 2008
"Geração Google": a nova estupidez?
Qual é a componente mais típica da "geração Google"?
(E quem pertence à "geração Google"?... Nós todos, por certo, habituados à aceleração de acesso a milhões de informações, todos os instantes esquecendo que a acumulação de dados não constitui, por si só, uma forma de saber, muito menos uma via de conhecimento.)
Para Bryan Appleyard, num artigo publicado em The Sunday Times (20 Julho), a "geração Google" distingue-se pela sua crónica distracção sustentada por esses "grandes distractores" que são entidades como Microsoft, Google, IBM, Intel... Há mesmo já uma sub-geração juvenil (des)educada na permanente falta de concentração, dependente da proliferação histérica de (des)informação e levada a acreditar que há uma espécie de neutralidade indolor na acumulação de telemóveis, mails, phones disto e phones daquilo...
Citando o livro Distracted: The Erosion of Attention and the Coming Dark Age, de Maggie Jackson, Appleyard lembra o que será essa "idade das trevas" que corremos o risco de estar a construir: "À medida que se vão deteriorando os nossos dotes de atenção, mergulhamos numa cultura da desconfiança, da fraude e da desumana fusão entre homem e máquina." Primeira perda trágica deste processo: a da capacidade de concentração na leitura. Segunda perda, eminentemente civilizacional: a do prazer da leitura e, por extensão, do gosto e rigor da escrita (bem visível no "nada de ideias/vale tudo" que domina muitos discursos bloguistas).
O artigo de Bryan Appleyard poderá ser visto como sintoma de um extremo e discutível cepticismo. Seja como for, nada invalida a inquietação que refere — "a era digital está a destruir-nos, arruinando a nossa capacidade de concentração" — nem a ponderada pertinência dos seus argumentos. Vale a pena ler. Chama-se: "Stoooopid .... why the Google generation isn’t as smart as it thinks".
>>> Site oficial de Bryan Appleyard.
>>> Internet e crise de identidade — artigo publicado por The Royal College of Psychiatrists.
>>> A "geração Google" e a ideologia do "copy/paste" — artigo da BBC.
Maiakovski para sempre
avestruz exótica,
emplumada de estrofes, metros e rimas.
E o tolo que sou esforça-se por esconder a cabeça,
enfiando-a na sua plumagem sonora.
Eu não te pertenço, monstro de neve.
Minha alma
enfia-te, mais fundo, nas plumas!
Então aparecerá uma outra pátria
que vejo -
uma vida do Sul toda queimada.[...]
in 'À Rússia'
Quando abrem a porta ao porteiro
Visage, o derradeiro extraído do álbum com o mesmo título, em Julho de 1981, sucedeu a Tar, Fade To Grey e Mind Of A Toy e antecedeu, na discografia do grupo, The Damned Don’t Cry. A canção cruza os condimentos que então definiam a família neo-romântica: guitarras atentas ao melodismo, electrónicas quanto baste e heranças directas do disco sound na arquitectura rítmica. O teledisco mostra imagens do clube Blitz, o “berço” londrino do movimento.
Rolling Stones assinam pela Universal
>>> Notícia do novo contrato dos Stones: BBC, Rolling Stone, Billboard.