segunda-feira, julho 28, 2008

Madonna 50 vezes (1/5)

A revista Egoísta assinalou os 50 anos do Casino Estoril com uma edição especial dedicada ao número "50" — este texto integra essa edição, com o título 'She's not me' [fotogramas do video de Love Don’t Live Here Anymore (1996), dirigido por Jean-Baptiste Mondino].

1. Madonna Louise Ciccone nasceu a 16 de Agosto de 1958. Este é o ano do seu 50º aniversário, precedido, a 28 de Abril, pelo lançamento de um novo álbum de originais, o 11º, chamado “Hard Candy”. Sob a capa de uma ambiência electrónica oculta-se um discurso confessional que a leva, inclusivamente, a supor a sua (im)possível substituição por outra: “She’s not me / She doesn’t have my name / She’ll never have what I have / It won’t be the same.”

2. O aniversário da minha mãe era a 16 de Agosto. Quando uma vez lhe disse que seria uma honra para Madonna saber que fazia anos no mesmo dia dela, disse-me que era o contrário: ela é que se sentia honrada. Não tenho a certeza se o amor dela me faz falta porque não tenho a certeza que o amor se possa medir em termos de falta. Aliás, o amor não se pode medir. Desde as telenovelas às montras com vestidos de noiva, tudo nos diz que o podemos medir. Mas é mentira.

3. A expressão “hard candy” joga num tradicional efeito de retórica: aproximar os contrários, neste caso a crueza (“hard”) e a doçura (“candy”), para sugerir um equilíbrio feito de paradoxos e contradições. O título contém também uma calculada sugestão sonora, evocando, nem que seja como um pudico gesto de fuga, a expressão “hard core” (utilizada para classificar os filmes pornográficos em que é mostrada a actividade dos órgãos genitais).

4. Na década de 1960, na gíria dos circuitos da droga, a expressão “hard candy” identificava a heroína, podendo também referir-se a uma qualquer substância tóxica numa cápsula. Mas essa é apenas uma das muitas sugestões que, historicamente, a palavra “candy” pode arrastar. No plano sexual, também nos anos 60, “candy” é o parceiro passivo de uma relação homossexual. Mais genericamente, pode ser uma pessoa, de qualquer sexo, sexualmente atraente.

5. Nos anos 60, quando eu andava no liceu, a palavra “amante” remetia, inequi-vocamente, para o imaginário do pecado e, mais do que isso, para uma noção de ilegalidade. O homem que tinha uma “amante” era aquele que corrompia a harmonia do seu espaço conjugal (o mesmo, mas duplamente escandaloso, se fosse uma mulher a ter uma relação com um homem que não fosse o marido). Mas ter uma relação íntima sem casamento era também ter uma “amante”.
[continua]