Steven Soderbergh foi a descoberta absoluta da edição de 1989 de Cannes, onde arrebatou a Palma de Ouro — para a sua primeira longa-metragem: Sexo, Mentiras e Video —, atribuída por um juri presidido por Wim Wenders. Depois, a sua filmografia evoluiu da produção rigorosamente independente aos grandes estúdios, do classicismo mais depurado a experimentação mais arriscada. Que é como quem diz: de Kafka (1991) a Ocean's Thirteen (2007), passando por Erin Brokovich (2000), Solaris (2002) ou Bubble (2005). Por vezes, esquecemo-nos de uma verdade rudimentar: ele é, afinal, a par de David Fincher, um dos grandes experimentadores do moderno cinema americano.
Digamos, para simplificar, que o seu novo filme em competição em Cannes — Che, com Benicio Del Toro no papel de Ernesto Che Guevara — é um caso raro de riqueza e complexidade criativa. A saber: uma biografia histórica de Guevara que evolui como um imenso fresco histórico, sem nunca deixar de ser uma espécie de viagem interior por uma personagem na corda bamba entre os gestos concretos e a abstraccao mitológica.
Inicialmente anunciado como um duplo filme ("The Argentine" + "Guerrilla"), Che é, de facto, um filme em dois capítulos, separados por um pequeno intervalo e com uma duração total de 4 horas e 28 minutos. Na prática, tudo indica que sera comercializado como dois objectos distintos ("Che - Parte I" + "Che - Parte II"), a estrear com um intervalo de cerca de um mês (e, pelo menos, assim que se anuncia para Outubro/Novembro, no mercado francês). Em qualquer caso, estamos perante uma prodigiosa aventura cinematográfica, dessas que se revelam capazes de relativizar todas as nossas certezas, abrindo novos territórios de expressão e percepção — eis as imagens da televisão oficial do festival, mostrando Soderbergh e a sua equipa a entrar para a projecção oficial de Che.