Afinal de contas, filmar um concerto o que é? Seguir a música no seu espaço, ou inventar um espaço para seguir a música? Este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Maio), com o título 'A galáxia Scorsese'.
Muito se fala, e muito se falará, a propósito da idade dos sempre activos membros dos Rolling Stones: Mick Jagger e Keith Richards têm ambos 64 anos; Charlie Watts, o mais velho, já chegou aos 66; Ron Wood vai nos 60. Mas importa acrescentar um outro número, sem dúvida fundamental para compreendermos o fulgor, real e simbólico, dos Stones em Shine a Light. É que o realizador deste prodigioso documentário, Martin Scorsese, pertence à mesma geração dos elementos da banda, contando actualmente 65 anos de idade.
Daí os dois parâmetros que podem ajudar a descrever o filme e também compreender a sua energia musical e emocional. Por um lado, trata-se de fabricar uma espécie de ritual de celebração dos Stones, registando-os em concerto, no Beacon Theater, em Nova Iorque (duas noites de finais de 2006); por outro lado, a revisão de muitas canções de referência vai a par de uma revisitação de memórias do próprio cinema. Entre essas memórias incluem-se imagens de Gimme Shelter (1970), de Albert Maysles e David Maysles, título emblemático na história dos “filmes-concerto” (com o primeiro dos dois irmãos, aos 81 anos, a marcar presença como convidado de Scorsese e “segundo” operador de câmara).
Hoje em dia, há que reconhecer que existe alguma saturação de métodos e efeitos nas formas de filmagem da música. Ainda há bem pouco tempo tivemos o desconcertante exemplo de U2 3D, filme que aplica as mais recentes novidades tecnológicas (com imagens a “três dimensões”), ao mesmo tempo que é sustentado por um olhar profundamental convencional e académico. Scorsese, bem pelo contrário, apostou num modo de filmar em que as rotinas televisivas não têm lugar. As suas câmaras adoptam uma postura que, sem nunca perder o contacto com a matéria musical, apresenta características eminentemente documentais. Daí que os resultados nada tenham a ver com a mera colagem de “telediscos” ao vivo. Shine a Light funciona como uma vertiginosa viagem ao interior de uma exuberante performance musical. Tudo se passa como se, em última instância, o olhar de Scorsese gerasse um “quinto elemento” dos Stones, próximo, cúmplice e infinitamente atento às mais pequenas vibrações vividas em palco.
A obra de Scorsese, em boa verdade, sempre manteve uma relação activa com a música e, em particular, com o rock’n’roll. Ele já afirmou, aliás, que há casos em que concebe determinadas sequências dos seus filmes a partir de canções. Ora, como se prova uma vez mais, tudo isso é inseparável de um conceito musical das próprias narrativas e, muito em particular, do trabalho de montagem. Daí que seja fundamental citar o nome de David Tedeschi como uma referência consolidada na galáxia Scorsese: depois de ter sido o montador de No Direction Home (2005), sobre Bob Dylan, reaparece aqui com as mesmas funções. O programa mantém-se: percorrer os labirintos, as memórias e as utopias da própria música.
Muito se fala, e muito se falará, a propósito da idade dos sempre activos membros dos Rolling Stones: Mick Jagger e Keith Richards têm ambos 64 anos; Charlie Watts, o mais velho, já chegou aos 66; Ron Wood vai nos 60. Mas importa acrescentar um outro número, sem dúvida fundamental para compreendermos o fulgor, real e simbólico, dos Stones em Shine a Light. É que o realizador deste prodigioso documentário, Martin Scorsese, pertence à mesma geração dos elementos da banda, contando actualmente 65 anos de idade.
Daí os dois parâmetros que podem ajudar a descrever o filme e também compreender a sua energia musical e emocional. Por um lado, trata-se de fabricar uma espécie de ritual de celebração dos Stones, registando-os em concerto, no Beacon Theater, em Nova Iorque (duas noites de finais de 2006); por outro lado, a revisão de muitas canções de referência vai a par de uma revisitação de memórias do próprio cinema. Entre essas memórias incluem-se imagens de Gimme Shelter (1970), de Albert Maysles e David Maysles, título emblemático na história dos “filmes-concerto” (com o primeiro dos dois irmãos, aos 81 anos, a marcar presença como convidado de Scorsese e “segundo” operador de câmara).
Hoje em dia, há que reconhecer que existe alguma saturação de métodos e efeitos nas formas de filmagem da música. Ainda há bem pouco tempo tivemos o desconcertante exemplo de U2 3D, filme que aplica as mais recentes novidades tecnológicas (com imagens a “três dimensões”), ao mesmo tempo que é sustentado por um olhar profundamental convencional e académico. Scorsese, bem pelo contrário, apostou num modo de filmar em que as rotinas televisivas não têm lugar. As suas câmaras adoptam uma postura que, sem nunca perder o contacto com a matéria musical, apresenta características eminentemente documentais. Daí que os resultados nada tenham a ver com a mera colagem de “telediscos” ao vivo. Shine a Light funciona como uma vertiginosa viagem ao interior de uma exuberante performance musical. Tudo se passa como se, em última instância, o olhar de Scorsese gerasse um “quinto elemento” dos Stones, próximo, cúmplice e infinitamente atento às mais pequenas vibrações vividas em palco.
A obra de Scorsese, em boa verdade, sempre manteve uma relação activa com a música e, em particular, com o rock’n’roll. Ele já afirmou, aliás, que há casos em que concebe determinadas sequências dos seus filmes a partir de canções. Ora, como se prova uma vez mais, tudo isso é inseparável de um conceito musical das próprias narrativas e, muito em particular, do trabalho de montagem. Daí que seja fundamental citar o nome de David Tedeschi como uma referência consolidada na galáxia Scorsese: depois de ter sido o montador de No Direction Home (2005), sobre Bob Dylan, reaparece aqui com as mesmas funções. O programa mantém-se: percorrer os labirintos, as memórias e as utopias da própria música.