terça-feira, junho 03, 2008

Discos da semana, 2 de Junho

Cinco anos depois de Amazing Grace, Jason Pierce regressa com um disco que corre o risco de se transformar num dos marcos de referência da sua obra, quase a ombros com a sua obra-prima (que ainda o é) Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space, de 1997. O novo álbum de Spiritualized é mais que uma mera colecção de 12 canções e seis curtos interlúdios instrumentais. É reflexo de um tempo concreto na vida de um músico. É história de regresso depois de uma experiência de confronto directo com um cenário de morte, iminente no período em que foi internado nos cuidados intensivos (o A & E do título traduz a expressão “accident & emergency” usada nesses espaços em hospitais) durante o ano de 2005. É certo que muitas das canções aqui apresentadas já estavam escritas antes do internamento de Jason. Porém, foi do seu reencontro com as histórias que contam e da descoberta de outros sentidos pessoais nas suas entrelinhas que brotou a vontade de lhes dar segunda vida, reescrever e gravar. Songs in A & E não é um álbum de canções compostas por quem esteve à beira da morte. Mas um depoimento de vida de quem nestas composições encontrou pontes entre o antes e o depois. No álbum encontramos marcas das habituais obsessões de Jason Pierce. Palavras como “soul”, “fire”, “god” habitam pequenas reflexões ou contos sobre o amor, a fé, a perda, a demência. Aqui encontramos também as genéticas características nos discos de Spiritualized, do rock ao gospel, sob um clima que reflecte o gosto pela construção de arranjos elaborados, cativantes. A novidade encontra-se na cortante simplicidade que muitas das canções nos mostram (sobretudo evidente na balada irresistível e directa que se mostra em Soul On Fire) e numa deliciosa integração de elementos folk (como se escuta, por exemplo, em Goodnight Goodnight). No fundo, marcas de exposição íntima de uma alma criativa face a um mundo que Jason enfrenta com renovado sentido de optimismo.
Spiritualized
“Songs In A & E”
Spaceman / Popstock
5 / 5
Para ouvir: MySpace

Há discos que não se revelam num primeiro encontro. Guardam segredos, convidam ao reencontro. E é quando a familiaridade se estabelece que, finalmente, a comunicação acontece em pleno. Os alemães The Notwist, que com o anterior álbum Neon Golden (de 2002) ganharam um lugar num patamar “de referência” da música popular dos nossos dias, propõem no seu novo The Devil, You + Me um novo desafio, que nos pede tempo e dedicação. Foram seis anos de espera, durante os quais o grupo apostou na divulgação desse seu outro disco, dividindo-se depois em mil e uma experiências paralelas. O regresso faz-se aceitando que Neon Golden indicava caminhos a seguir. Porém, em vez de uma sequela, o grupo aposta no ensaio de um aprofundar das ideias e soluções que aí nos haviam já mostrado. A atmosfera tranquila e o tom mais intimista definem um estreitar do olhar, do plano geral rumo ao prazer do pormenor. As electrónicas voltam a ser ferramentas estruturais, mas com maior capacidade de diálogo com instrumentos e convidados chamados a colaborar. O alinhamento revela-nos 11 canções de meticulosa concepção, atentas ao detalhe, ao aproveitamento sonoro dos pequenos acontecimentos, ao entendimento cuidado de uma produção que arruma ideias. Isto sem fazer de The Devil, You + Me um palco de prazer meramente intelectual, o saborear dos acontecimentos acabando por surgir uma vez estando o ouvinte em sintonia com as sugestões propostas. O álbum é mais uma galeria de experiências que apelam aos sentidos que uma grelha de significados e códigos a desafiar a reflexão. Longe de abstracto, porque se revela firme a relação do grupo com a canção, The Devil, You + Me saboreia-se contudo como um quadro no qual, apesar as linhas e cores lançadas na tela, cada qual nelas encontra o seu caminho. Vale a pena esperar seis anos para um reencontro como este.
The Notwist
“The Devil, You + Me”

City Slang / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace

Nada como um disco intrigante, sobretudo quando apresentado por um artista em tempo de estreia, para nos convidar à descoberta do que possa esconder nas entrelinhas. É assim que se nos coloca pela frente o primeiro encontro com White Williams, cujo álbum de estreia Smoke é finalmente disponibilizado entre nós. Na berlinda está Joe Williams, um jovem músico de Cleveland (Ohio) cujas primeiras experiências na música apontam a aventuras noise em bandas de finais de 90, entretanto desviado para outros azimutes pela descoberta do mundo das electrónicas e da pop. Smoke tem-lhe valido algumas comparações (e a voz ajuda) com Beck, nomeadamente com o álbum Midnite Vultures. Contudo, mais que atento a Beck, White Williams reflecte um sentido de curiosidade semelhante ao do senhor Hansen. E em Smoke notam-se sobretudo sinais de curiosidade para com a obra de finais de 70 de dois ilustres veteranos: David Bowie e, sobretudo, Brian Eno. Como nos discos que ambos criavam nessa etapa, White Williams tem particular interesse pelo cruzamento do bizarro com o familiar, da experiência sónica e textural com o melodismo da canção pop. O laptop pode ser a sua ferramenta da trabalho primordial, mas Smoke revela um mundo de acontecimentos bem mais intrigante e curioso que o de parceiros com quem já trabalhou como, por exemplo, Dan Deacon. Smoke junta ao gosto pelas electrónicas actuais sinais de assimilação de heranças de 70 que vão do glam rock ao punk, do funk ao electro pop. Headlines e New Violence são, de resto, duas das melhores revisitações recentes do legado pós-punk. A capa, com uma foto de Sophia Lamor, deixa claro que estamos perante algo desafiante. Arty, entre a experiência e a forma mais definida, Smoke convida à descoberta.
White Williams
“Smoke”

Domino / Edel
4 / 5
Para ouvir: MySpace

São professores universitários. Mas o trabalho conjunto na música deles fez um dos nomes mais reconhecidos da música electrónica da presente década. Têm obra que remonta a finais de 90. Foi também por essa altura que Björk os convidou para uma remistura. Os Matmos acabariam por ser seus colaboradores em Vespertine e Medúlla, assim como em duas digressões. O que não lhes retirou espaço para a afirmação de uma identidade, sobretudo dada a conhecer pela excelência (musical e conceptual) do álbum A Chance To Cut Is A Chance To Cure, de 2001, todo ele feito de sons colhido na mesa de operações, entre cirurgiões. A ideia de criar discos suportados por um conceito tem sido estrutural na obra dos Matmos. E o novo Supreme Balloon não é excepção. A ideia, desta vez, levou-os a tomar uma decisão do foro técnico: “não foram usados microfones para gravar este disco”. É a frase que se lê no booklet e que, desde logo, alerta para uma mudança formal para um projecto habituado a gravar sons do mundo não musical, trabalhando-os depois enquanto elementos dos quais nasce a música. Este é um disco apenas criado pelo recurso a sintetizadores de outros tempos, dele nascendo uma espécie de homenagem a grandes pioneiros das electrónicas em contexto pop dos anos 70. O melodismo característico dos pioneiros electrónicos marca aqui presença. Assim como são evidentes vénias à memória de figuras de referência como Walter Carlos (Les Folies Françaises) ou os Kraftwerk de inícios de 70 (no longo tema-título, onde também se sente a presença pontual de marcas da música de Jean Michel Jarre ou Vangelis). Entre sugestões de prazer sonoro (reencontrando velhos teclados Moog, ARP ou Korg), um sentido de deleite mais cerebral e, ocasionalmente, rasgos de bom humor, Supreme Balloon é um mundo de acontecimentos que desafiam a memória e o paladar dos que acompanham com atenção a história das electrónicas ao serviço da música popular.
Matmos
“Supreme Baloon”

Matador / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace

Ao terceiro álbum (segundo com edição internacional), a sueca Sarah Assbring, também conhecida como El Perro Del Mar, demarca em definitivo um terreno no qual a melancolia dita o clima dos acontecimentos. O que não exclui a esperança, a luz, a pontual alegria... pop. De Gotemburgo (de onde é natural e ainda reside), Sarah levou para o mundo a revelação de uma música de formas delicadas, sobre as quais uma voz sussurrante nos conta histórias do lado sombrio da vida. From The Valley To The Stars é um disco no qual se assiste a um ligeiro afastamento face aos modelos mais próximos da assimilação (e transformação) folk dos álbuns anteriores, apontando como mais evidentes pólos de interesse certos domínios indie pop para teclas. Um clima de tranquilidade domina os cenários, nos quais não habita necessariamente a monotonia. As canções mostram, de resto, como se expressa melancolia sem que tal implique uma claustrofobia de soluções musicais. Há, inclusivamente, espaço para o ensaio de uma noção de pop ambiental, com instantes de maior interesse em To Give Love (que quase lembra a relação da voz com as reclas em North Star, de Philip Glass) ou no planante Inner Island. A contrariar o clima dominante, em jeito de ocasionais “safanões”, a pop (e a esperança) emergem. Ora de forma discreta (e interessante) como em Into The Sunshine, ora mais festiva, em Somebody’s Baby. Entre os sorrisos e as mágoas, o álbum não perde as marcas de identidade de El Perro del Mar. Vinca, inclusivamente, personalidade.
El Perro del Mar
“From The Valley To The Stars”

Memphis Industries / Popstock
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Ladytron, Aldina Duarte, Paul Weller, Aimee Mann, Radiohead (best of), Broadcast, Los Campesinos (ed nacional), Mistery Jets, Sparks

Brevemente:
9 de Junho: Coldplay, Joan As Policewoman, Fratellis, Yazoo (reedições), Mark Stewart, Beach House, Joseph Arthur, No Age (ed nacional), Gonzales
16 de Junho: The Rascals, Dennis Wislon, The Feeder, The Music, Herbaliser, Dead can Dance (reedições), Beach Boys (caixa de singles)
23 de Junho: Sigur Rós, The Presets, Mariza, My Bloody Valentine (reeedição), Cage The Elephant, Donna Summer, Morten Harket, Disco Itália (compilação), Infadels, Marc Almond (compilação), Billy Idol (best of)

Junho: David Bowie (reedição), Black Kids, Silver Jews, Young Gods, Weezer, No-Man, Burt Bacharah (antologia)
Julho: Patti Smith + Kevin Shields, Ratatat, Tricky, Jonathan Richman, Dirty Pretty Things, Micah P Hinson, Mr Scruff, Wire, U2 (reedições)