quarta-feira, novembro 30, 2011

Lady Gaga na "Vanity Fair"

Um novo video (Marry the Night), uma nova reflexão sobre o casamento (ou a sua impossibilidade) e algumas novas e exuberantes máscaras (My Fair Lady passou por aqui...). Tudo devidamente, pacientemente, talentosamente fotografado por Annie Leibovitz — Lady Gaga estará na capa da edição da Vanity Fair com data de Janeiro de 2012.

De que falamos quando falamos de fado?

Afinal, quando olhamos imagens emblemáticas como esta (de Stuart Carvalhais), que relação mantemos com as memórias plurais do fado? Participamos de um património em que, de facto, nos reconhecemos ou contemplamos apenas os sinais de algo cuja essência já não conhecemos?
São perguntas tanto mais actuais quanto o recente reconhecimento do fado como Património Imaterial da Humanidade corre o risco de ser confundido com uma efémera agitação mediática. O texto que se segue integrava a segunda parte de um Especial DN sobre o 'Fado a Património'.

* * * * *

A noção segundo a qual o fado simboliza uma espécie de unidade ideal dos portugueses é uma daquelas evidências que, mais do que nunca, importa discutir. Não que possamos menosprezar os factores que nos aproximem e congreguem, em particular nos domínios específicos de uma cultura popular tão abalada pelo triunfo social do populismo televisivo. Em todo o caso, precisamente contra esse populismo e as suas mais correntes linguagens, talvez seja saudável não embarcarmos em unanimismos redentores que, em boa verdade, apenas acentuam o simplismo de muitas formas sociais de duvidoso ecumenismo.
Não se trata, como é óbvio, de pôr em causa todo o complexo processo que consagrou o fado como património imaterial da Humanidade. Trata-se, isso sim, de regressar à mais básica questão identitária: de que falamos quando falamos de fado?
A história do nosso tão ignorado cinema dá-nos algumas pistas curiosas. Pensemos, por exemplo, no clássico Fado – História de uma Cantadeira, realizado por Perdigão Queiroga em 1947, com Amália Rodrigues no papel central. Pensemos, sobretudo, no modo como esse filme, ainda que menoríssimo no plano formal, acabou por se impor como modelo, não apenas da figura simbólica de Amália, mas da dimensão mitológica do próprio fado. Com as armas narrativas de um cinema limitado pelo seu academismo, Queiroga colocava em cena uma matriz cultural dominada pelo peso incontornável e sedutor de um determinismo musical e nacional: cantar, viver a cantar o fado, ou mesmo morrendo a cantá-lo, seria o cumprimento de um destino.
Muitas décadas depois, em 2008, surgiu Amália – O Filme, de Carlos Coelho da Silva. E o quadro em que tudo acontece é tão diferente que, de alguma maneira, também pode servir de sintoma das muitas convulsões por que passou, não apenas o cinema, mas todo o país. Fado – História de uma Cantadeira era um produto directo de uma conjuntura em que a produção cinematográfica emergia como um valor social e politicamente instalado, e tanto mais quanto a ditadura do Estado Novo tinha apostado no seu desenvolvimento. Amália – O Filme possui um título involuntariamente irónico, já que os seus valores narrativos e toda a sua teia simbólica decorrem de um rotina dramática imposta pelo modelo da telenovela. Na prática, deparamos com um contraste inevitavelmente trágico: no primeiro filme, Amália é um corpo que se confunde com a sua própria voz; no segundo, a intérprete (Sandra Barata Belo) está condenada a seguir o playback que lhe confere uma falsidade corporal que é lei em todos os simulacros televisivos.
Provavelmente, o fado vive nesta encruzilhada social. O facto de, agora, encher manchetes não quer dizer que se mantenha o seu enraizamento no imaginário colectivo. Pode até significar que a sua mais primitiva energia tenha sido devorada pela “festa” mediática que, hoje em dia, tende a enquadrar quase todos os fenómenos colectivos. Podemos formular tal dúvida a partir de uma dicotomia bizarra: é verdade que todos queremos celebrar a gloriosa internacionalização do fado, mas quem sente ainda que a voz rouca de Alfredo Marceneiro [foto] é uma ferida aberta na sua própria alma? Não está na moda falar da alma, mas isso é o nosso fado.

"Men in Black III": a imagem pela escrita

A estreia de Men in Black III está marcada para 25 de Maio. Será que a franchise resiste à passagem do tempo, depois de uma boa estreia (1997) e uma sequela apenas mediana (2002)? Para já, fiquemo-nos pelo primeiro exercício de figuração: um cartaz em que a imagem é, literalmente, gerada pela escrita.

500 milhões para "Twilight"... e depois?


Este é o Freud (Viggo Mortensen) de David Cronenberg, em Um Método Perigoso. Há aqui uma avalancha de acontecimentos que mereciam ser noticiados. Eis alguns:
1 - um cineasta ousa abordar as raízes da psicanálise sem se submeter ao determinismo moralista de muitas (tele)biografias.
2 - um actor compõe Freud, não como uma mera transcrição dos compêndios de história, mas como personagem activa do seu próprio pensamento (a demanda do prazer e os charutos, hélas!).
3 - a personagem e a sua esfinge (que Freud visitava no Belvedere, Viena) definem um método de pensamento e acção em que a crueza do real se enreda com o labirinto das heranças mitológicas.

* * * * *

Nada disto é motivo de notícia nos jornais, telejornais e afins... E, no entanto, hoje, do muito sério Variety ao mais medíocre recanto "cinéfilo" da Internet, repete-se a grata notícia: as receitas do novo episódio da saga Twilight ultrapassaram os 500 milhões de dólares!
E depois? Não é a notícia enquanto tal que importa discutir. É, isso sim, esta agonia economicista com que, todos os dias, o cinema é apresentado e celebrado como se se esgotasse nas folhas de deve & haver de um qualquer contabilista... A informação que celebra de forma passiva estas proezas favorece, nem que seja por distracção, a morte do cinema e o gosto dos filmes.
E nada disto tem a ver com o facto de, pela minha parte, considerar Twilight uma lamentável banalidade. Assistimos a este fenómeno também em torno de filmes admiráveis. O que está em causa é a redução do fenómeno cinematográfico a uma mera acumulação de estatísticas, tão esquemáticas que nem sequer tentam compreender o labirinto financeiro da produção cinematográfica.

Imagens para Bon Iver


As canções do mais recente álbum de Bon Iver foram ponto de partida para a criação de uma série de pequenos filmes. Aqui ficam as imagens que acompanham Holocene, um dos temas do álbum. A realização é de Dan Huiting e Andre Durand.

Novas edições:
Lady Gaga, Born This Way - The Remix


Lady Gaga 
“Born This Way – The Remix” 
Universal 
3 / 5 

Não é propriamente uma novidade. Já em fim de ciclo The Fame/The Fame Monster uma colecção de remisturas de temas dessa etapa foi arrumada num único disco. A selecção de originais era bem mais interessante que a de transformações e, salvo junto dos mais próximos admiradores de Lady Gaga, esse primeiro álbum de remisturas não deverá ter marcado muitos pontos... Curioso como, pouco mais de um ano depois, a coisa corre algo ao contrário num novo disco de remisturas onde encontramos nomes como os de Twin Shadow, Hurts, Goldfrapp, The Horrors ou Metronomy. Born This Way não repetiu o patamar dos dois discos anteriores, apesar de revelar alguns momentos de inspiração que certamente acabarão na lista de um futuro best of da cantora norte-americana. Contudo, e mesmo espelhando o carácter irregular que sempre mora em colecções de remisturas nas mãos de vários artistas diferentes, a série de novos olhares sobre as canções de Born This Way juntam alguns momentos verdadeiramente surpreendentes, que mostram como, por vezes, um rearranjo de elementos acaba por revelar outra canção onde a original não chegara... Na verdade as duas melhores remisturas que encontramos em Born This Way – The Remix correspondem até a dois dos episódios mais suculentos do álbum. Bloody Mary (com travo Madonna no original) é reinventado em cativante ambiente denso e tenso pelos The Horrors. O tema-título, por sua vez, conhece nova dinâmica mais clássica, de travo new wave, com Twin Shadow, sob insistente linha de baixo naquele que é o grande “caso” deste disco. Judas, talvez o melhor momento pop de Born This Way, veste agora a pompa épica que é imagem de marca dos Hurts. Já os Wild Beasts resolvem, de modo espantoso (e mais convincente que os Metronomy, que se debruçam sobre o mesmo tema) o menos inspirado You and I na forma de uma viagem texturalmente bem elaborada entre ecos da canção original. Os Two Door Cinema Club aplicam um olhar à la Kitsuné a Electric Chapel. Depois há uns instantes menores, como a dispensável versão a travão dos Goldfrapp para Judas... E não faltam as inevitáveis propostas para pista de dança mais acelerada onde nem sempre moram as melhores ideias. Em suma, há aqui episódios que poderão até cruzar atenções entre admiradores da cantora e os seguidores das obras daqueles que convidou a remisturar as suas canções. E, se deixarem o preconceito de lado, haverá surpresas.

Porque isto é (mesmo) um filme


Chegou a Cannes escondido numa pen, dentro de um bolo e foi um dos casos do festival. Mesmo com ordem para estar calado, e fechado em casa, o realizador iraniano Jafar Panahi fez um filme . E o mundo pode vê-lo e tirar conclusões acerca do seu caso... Recentemente estreado entre nós em sala, Isto não é um Filme está já disponível em DVD.

As mordaças podem forçar o silêncio, mas não calam quem, quando pode, ainda tem voz. E sabe como a usar. Ou tem ainda como a poder usar... Foi o que aconteceu com Jafar Panahi. Condenado a seis anos de prisão e a uma longa interdição de filmar não pareceu muito dado a respeitar o que, na verdade, não é senão uma falta de respeito pela liberdade que costuma caracterizar a criação artística. Em casa, enquanto esperava o veredicto, e ia conversando com quem tratava da sua defesa, medindo os cenários que poderia ter pela sua frente, não deixou de ter o cinema como parte do seu quotidiano. Acorda e liga uma câmara. Filma-se a tomar o pequeno almoço, a tratar de questões caseiras, a lidar com Iggy, a iguana da sua filha. Recebe a visita de um colega e amigo, o realizador documentarista Mojtaba Mirtahmasb. E este acaba por dar por si a filmar Jafar Panahi quando, na claustrofobia do seu moderno apartamento em Teerão, lhe explica a ideia que tem para fazer um filme sobre alguém que está fechado em casa... Um filme sem fazer um filme, explica. Contado. O seu filme... E que na verdade não é senão um filme sobre si mesmo. Pungente e emotivo, mesmo contido na forma como arruma o contexto no texto, Isto Não é um Filme não só é um filme que marca a história de 2011 como mostra que o silêncio não é opção.

A Lua, segundo os Air


Na noite de abertura da edição deste ano da Festa do Cinema Francês vimos uma nova versão restaurada e colorida do histórico Le Voyage Dans la Lune, de Meliès com nova banda sonora assinada pelos Air. Desse trabalho para o cinema de Meliès nasceu entretanto a música para um novo álbum da dupla francesa que conta com a participação vocal de Victoria Legrand (dos Beach House) num dos temas e a colaboração das Au Revoir Simone na escrita de letras. Com o título Le Voyage Dans La Lune, o novo álbum dos Air deverá ter edição em inícios de Fevereiro de 2012.

I am a Camera: novas imagens


Mais uma série de imagens lançadas no tumblr I Am A Camera. Desta vez passando por lugares como Paris, Copenhaga, Nova Iorque, a Baía das Gatas (Cabo Verde), as Furnas (em S. Miguel, nos Açores), Atenas, Assuão, Berlim, Munique e Praga.

Podem ver as imagens aqui.

A caminho de Marte: Viking 1 (1975)


Continuando a fazer um percurso pela história da exploração marciana passamos hoje por aquela que, depois das primeiras sondas soviéticas lançadas nos anos 60, foi a primeira missão no solo marciano a enviar para a Terra imagens da sua superfície. Lançada em 1975, a Viking 1 atingiu a órbita marciana a 19 de Junho de 1976 e chegou ao solo um dia depois, aí ficando activa durante seis anos e 116 dias, deixando de enviar informação em 1982, ano em que ficou desactivada.


Apenas 25 segundos depois de atingido o solo, na chamada Chryse Planitia, começou logo a captação da sua primeira imagem, durando quatro minutos o tempo de transmissão para a Terra. Seguiu-se então a criação de uma panorâmica de 300 graus, que revelou uma paisagem pedregosa, de solo arenoso. Que, no dia seguinte, com as primeiras imagens a cores, revelou o tom avermelhado que caracteriza a paisagem marciana.


Duas imagens do solo marciano captadas durante a missão Viking 1 da Nasa e, a fechar o trio, um pôr do sol visto pela sonda a partir da superfície do planeta. Além das fotografias a sonda (que ficou estática no solo) efectuou várias experiências científicas com vista ao estudo do solo marciano e, uma vez mais, a busca de eventuais sinais e vida (que não encontrou).

De regresso à casa partida

Mês Kate Bush - 27

 

Ao longo deste mês Kate Bush foi figura em destaque diário no Sound + Vision. Assinalando a chegada de 50 Words For Snow recordámos alguns dos seus telediscos, as suas histórias e escutámos algumas opiniões de jornalistas e bloggers sobre álbuns da cantora que moram na sua lista pessoal de referencias. A fechar o mês Kate Bush regressamos ao álbum de estreia The Kick Inside, de 1978, para recordar o teledisco que então acompanhou Them Heavy People, tema que conheceu edição em single no Japão.

terça-feira, novembro 29, 2011

Scorsese e os "filmes-pipoca"


'Temos de reagir contra os "filmes-de-parques-temáticos", por mais bem feitos que sejam e por mais agradáveis que alguns deles possam ser. (...) Creio que há uma reacção contra esses 'filmes-pipoca'. Existem seis ou sete mitos em que se fundamenta toda a nossa literatura. Julgo que alguns cineastas vivem no pânico de que se rompa essa linha que nos liga a esses mitos antigos e vitais. E quando tal acontece, o filme fica à deriva — é apenas uma colecção de ruídos e efeitos.'

Martin Scorsese
(entrevista à BBC)

Na verdade, a reacção contra a normalização dos "efeitos especiais" — e também contra a deseducação dos espectadores mais jovens que confundem um filme com o seu aparato técnico e, não poucas vezes, com os milhões que nele se gastaram — está muito longe de ser um tema gerado pela crítica de cinema. Como estas palavras de Scorsese muito bem ilustram, os seus efeitos, e as preocupações que desencadeia, começam no interior da própria indústria.
As declarações de Scorsese foram proferidas em Londres, por ocasião da estreia de gala do seu novíssimo Hugo. Vale a pena recordar que se trata também de um filme que não renega, em nada, os poderes dessa mesma indústria, para mais marcando a estreia de Scorsese no formato 3D. Razões que bastam para aguardarmos a sua estreia com enorme expectativa — Hugo chega às salas portuguesas a 16 de Fevereiro, com o título A Invenção de Hugo.

Os malefícios do tabaco

Impressionando com um video que viu no YouTube, mostrando uma criança indonésia, de 2 anos, viciada em nicotina (entretanto tratada da sua dependência), o fotógrafo belga Frieke Janssens decidiu fazer um portfolio capaz de expor a ambivalência das campanhas anti-tabaco que tratam os seus receptores como figuras necessariamente infantis. Mais do que isso: a conjuntura do seu país — onde,  no passado mês de Abril, foi implementada uma lei que restringe de forma drástica os consumos públicos de cigarros — suscitava uma abordagem dos malefícios do tabaco que, reagindo contra moralismos automáticos, não omitisse a parte de prazer que o fumo envolve.
O resultado é um conjunto de admiráveis fotografias que não promovem coisa nenhuma, a não ser a imensa liberdade com que as imagens podem ajudar a reagir à cegueira purificadora de alguns discursos contemporâneos. Todas as imagens (e video sobre a produção) estão no blog FashionProduction. Pormenor didáctico: os cigarros são falsos.
>>> Daily Art Press: outros trabalhos de Frieke Janssens.

De regresso a Brooklyn


As notícias continuam a chegar de Brooklyn. Desta vez com banda sonora assinada pelos High Highs. Acabam de editar um EP de estreia ao qual dão o nome da própria banda. Aqui fica o teledisco que acompanha Flowers Bloom, um dos temas deste disco. A realização é de Video Marsh.

Qual é o melhor álbum de Kate Bush?

Mês Kate Bush - 26 


Na recta final de um mês dedicado à música de Kate Bush, e que assistiu ao lançamento do novo álbum de originais 50 Words For Snow, colocamos a questão aos leitores do Sound + Vision: qual é o melhor álbum de Kate Bush? Até domingo podem responder na barra lateral do blogue. Aqui fica a lista dos discos da cantora. Ou seja, aqueles que vão a votos:

The Kick Inside (1978)
Lionheart (1978)
Never For Ever (1980)
The Dreaming (1982)
Hounds of Love (1985)
The Sensual World (1989)
The Red Shoes (1993)
Aerial (2005)
Director's Cut (2011)
50 Words For Snow (2011)

Novas edições:
Portugal - The Man,
In The Mountain In The Cloud


Portugal – The Man 
“In The Mountain in The Cloud” 
Atlantic 
3 / 5 

Chamam-se Portugal – The Man, mas nasceram em Portland, no Oregon e parte da banda tem mesmo origens no Alaska. Com sete anos de vida vão já no seu sexto álbum que, como os anteriores, mostra um gosto claro pela não repetição de fórmulas nem ideias, mantendo contudo firme um interesse pelas heranças do psicadelismo (que enfrentam sem a necessidade de recorrer aos modelos que fizeram escola entre seguidores de nomes como os Flaming Lips, Mercury Rev ou até mesmo uns Of Montreal). Até aqui, e apesar das interessantes ideias que juntam no cardápio de referências, nunca foram propriamente um “caso” capaz de despertar atenções maiores fora do universo ao seu redor. Convenhamos que não será em In The Mountain in The Cloud que a sua sorte vai conhecer uma reviravolta maior. Mas, e tal como alguns textos críticos já apontaram, este parece ser o mais bem arrumado (há quem tenha usado, e com razão, o termo “coeso”) dos seus álbuns. Mais não é apenas neste departamento que o álbum soma argumentos eventualmente mais convincentes que os seus títulos anteriores. Memórias dos dias fundadores do glam rock, em particular os discos de David Bowie e, mais ainda, dos T-Rex em inícios dos anos 70, parecem ser aqui o motor que faz acontecer o som que as canções acabam por revelar. So American, que abre o alinhamento, mostra como estas genéticas podem conviver com uma pose elegante, de arranjos elaborados, entre ecos de memória surgindo uma ideia pop/rock actual que não visa todavia uma agenda de mimetismos e ponto final. O disco está longe de ser um potencial pólo de atenções como o foram um Soft Bulletin para os Flaming Lips ou Deserter’s Songs de uns Mercury Rev. Mas mostra uma banda que, por espaços não muito distantes (a eles juntando a já citada condimentação Bolan/Bowie) gera um álbum que, mais que nunca, pode chamar atenções para esta banda com o Portugal no nome.

A caminho de Marte: Mariner 4 (1965)


Numa altura em que o Curiosity ruma a Marte, o Sound + Vision recorda alguns episódios significativos da história da exploração do planeta vermelho. A observação possível a olho nu fez de Marte um dos primeiros corpos astronómicos a serem identificados. Porém, é com a invenção do telescópio e a mais atenta observação que nascem hipóteses sobre a eventualidade da presença de vida (e até mesmo de uma civilização) em Marte. De resto, tanto as observações de Percival Lowell no século XIX (nas quais se levantava a hipótese da existência de uma rede de canais construídos a cruzar grande parte do planeta) como o próprio exercício de ficção assinado por H.G. Wells em A Guerra dos Mundos (ainda antes da viragem para o século XX) aprofundaram expectativas a que só a chegada da era espacial deu respostas.

Na verdade a primeira resposta “realista” sobre o que, afinal, poderíamos encontrar em Marte chegou apenas em Julho de 1965. A sonda Mariner 4, lançada pela Nasa em 1964, assegurou a primeira captação (e transmissão) de imagens de um outro mundo para a Terra. E a chegada da primeira das imagens que resultaram da passagem da sonda perto de Marte revelou um mundo com um aspecto mais desolado que o esperado, a presença de crateras na sua superfície, afinal mais próxima de uma Lua que das paisagens do nosso mundo, alertando para realidades que se afastavam dos cenários de um possível planeta habitado e dominado por uma civilização. Não ficava todavia respondia a questão maior: mesmo assim, haveria (ou terá em tempos havido) vida em Marte?


Três imagens que mostram os primeiros olhares sobre a superfície marciana, tal e qual chegaram à Terra em 1964, enviadas pela sonda Mariner 4.

A bela (e os monstrinhos)


O concerto passou por nós há perto de um ano. E deixou claro junto dos que encheram o Pavilhão Atlântico que, mais que apenas uma executante competente das suas canções e uma performer de versátil relação com o palco, Lady Gaga é, sobretudo, uma grande comunicadora. Chamou então “pequenos monstrinhos” aos que ali estavam, o seu discurso vincando uma valorização de todos os que se julgam menorizados ou diferentes. Agora, tanto para os que ali marcaram presença, como para os que não couberam na sala, a edição em Blu Ray (também disponível em DVD) de Monster Ball Tour mostra um retrato de uma digressão que muito terá contribuído para o firmar do estatuto de sucesso global que a cantora hoje goza.

Filmado em Nova Iorque, na recta final de uma residência de cinco dias na mais mítica das salas da cidade, The Monster Ball Tour: At Madison Square Garden resulta de um especial rodado pela HBO. Em palco encontramos a sucessão de quadros cénicos que vimos em Lisboa, com alguns extras que o tempo entretanto juntou ao alinhamento. Mais próximo de uma ideia de teatro musical que de uma derivação do conceito de performance suportada por um trabalho em vídeo (que Madonna tão bem domina e outras não alcançam num patamar semelhante), o concerto de Lady Gaga junta às canções (essencialmente de The Fame e The Fame Monster, mais breves incursões pelo então ainda inédito Born This Way) um trabalho de coreografia, a presença evidente de músicos (que muitas digressões secundarizam) e uma protagonista que faz questão de ir além do argumento escrito, improvisando momentos, lançando palavras a quem na plateia a olha. Dialogando, num registo entre uma ideia de auto-ajuda e um era-uma-vez que recorda como, nos dias de escola, lhe disseram que nunca seria uma estrela... Tem por isso valor acrescentado para este registo do concerto em Nova Iorque o facto de na plateia estar Liza Minelli, figura inspiradora para Lady Gaga, a própria lembrando como, quando lhe traçavam esse cenário de não-futuro, encarava a figura da filha de Judy Garland como um exemplo motivador.

O filme alterna as sequências em palco com imagens de bastidores que deixam claro o feito de produção que um espectáculo destas dimensões implica. Realização e montagem têm momentos melhores, outros nem por isso... Boa imagem, bom som. E como extra há inclusivamente um breve documentário de bastidores, no qual assistimos ao momento do encontro entre Liza Minelli e Lady Gaga no camarim, antes do concerto. A veterana dá-lhe um conselho: knock’m down. E a antiga admiradora segue-o à risca.

Que consumos culturais?


N. G.: A mais interessante das conclusões que podemos tirar da pequena consulta de opinião que o Sound + Vision lançou aos leitores revela que, mesmo em tempo de crise e de cintos apertados, a vontade de abandonar os padrões de consumos culturais a que nos habituámos é pouca. Seja na expressão de quem afirmou que os vai tentar manter. Ou nas formas alternativas, que vão dos produtos em segunda mão a buscas de preços mais combativos na Internet... Escusado será dizer que semlhantes opções de vontade em manter as fasquias elevadas (ou relativamente elevadas) não parecem morar junto de quem faz as nossas políticas culturais. De resto, na hora de fazer cortes, a cultura surge habitualmente na linha da frente das opções (ou seja, não é novidade). Como se não fosse a cultura um investimento fulcral na formação de um povo, na sua valorização pessoal e promoção de ideias e feitos lá fora. Com a consequente expressão de uma ideia de modernidade, acção e visão... Mas isso não deve ser coisa interessante. Ou quem pensa a cultura não atingiu a coisa... talvez por falta de cultura. Se os modelos de apoio à cultura (quer por via governamental ou por processos de mecenato) e se a produção de cultura com apoios oficiais e privados são ou não os ideais, isso já é outra questão.

J. L.: Dificilmente regressaremos ao domínio do vinyl — é um facto. E é também um facto que, melhor ou pior, teremos de viver com a noção de que o livro já não é o padrão cultural dominante... Evitemos, ainda assim, a nostalgia fácil. O inquérito que aqui promovemos, dedicado aos chamados consumos culturais, deixa a ideia de que há uma vontade de encontrar vias mais ou menos alternativas para "tentar manter os consumos habituais" (opção que congregou 44% de respostas).
Escusado será dizer que a dimensão do universo de respostas não autoriza grandes especulações ou generalizações. Em todo o caso, permito-me sublinhar a percentagem muito significativa (quase um terço do total: 30%) de pessoas que refere a possibilidade de "comprar menos jornais". Podemos detectar em tal valor um sintoma de uma quotidiana deseducação para a escrita de que a cultura telenovelesca é uma das principais responsáveis. Mesmo assim, mesmo não esquecendo a devastação que essa cultura espalha, impunemente, no tecido social, vale a pena lembrar que pelo menos uma parte desse distanciamento dos leitores tem a ver com... os próprios jornais. Dito de outro modo: uma parte importante da dinâmica cultural portuguesa passa pelos jornais e, sobretudo, pela sua capacidade de se (re)pensarem para o tempo presente.

Ken Russell (1927 - 2011)


Autor de filmes polémicos sobre Tchaikovsky, Mahler ou Liszt, o cineasta inglês Ken Russell foi símbolo de um atitude criativa apostada em desafiar convenções e linguagens — faleceu no dia 27 de Novembro, contava 84 anos.
Construindo muitos dos seus filmes entre o desafio grotesto e a pura caricatura, Russell marcou o cinema inglês das décadas de 60 e 70, suscitando um culto paradoxal, menos pelas qualidades cinematográficas do seu trabalho, mais pelo kitsch das suas encenações. Mulheres Apaixonadas (1969), baseado em D. H. Lawrence, porventura o seu filme mais tradicional, valeu-lhe uma grande projecção internacional, sancionada por uma nomeação para o Oscar de melhor realizador. O seu gosto por personagens grandiosas, tratadas como ícones lendários, traduziu-se em diversas biografias "surreais", incluindo Tchaikovsky, Delírio de Amor (1970), Mahler, Delírio Fantástico (1974), Lisztomania (1975) e Valentino (1977), este com Rudolf Nureyev no papel de Rudolph Valentino (é, a meu ver, o seu filme mais conseguido). Entre os grandes sucessos da sua carreira incluem-se The Devils (1971), uma parábola sexual centrada num grupo de freiras, em França, no século XVII, e Tommy (1975), adaptação feérica da ópera-rock da banda The Who, em muitos aspectos antecipando a "idade dos telediscos" — video com o tema I'm Free.


>>> Obituário na BBC.

segunda-feira, novembro 28, 2011

O ministro que tem um Audi

Na sua edição de hoje, o jornal Correio da Manhã faz manchete com o facto de o ministro Mota Soares ter passado a usar um automóvel Audi, de 86 mil euros, ele que ficou conhecido por se manter fiel ao seu transporte de duas rodas (uma Vespa). Na prática, esta é uma "denúncia" que satisfaz o estado de espírito mediático em que o país vive (ou é obrigado a viver). De duas maneiras:
1 - promove a noção revanchista segundo a qual "os políticos são todos iguais" e igualmente "irresponsáveis";
2 - permite relançar as culpas sobre o fantasma de José Sócrates, até porque, diz a notícia, o próprio ministro prefere assumir-se como marioneta sem vontade política, considerando que se trata de uma "herança" do Governo anterior.

* * * * *

Na prática, apenas se multiplica o infantilismo com que, de um modo geral, a ideologia mediática dominante trata o cidadão comum. Primeiro, quiseram convencer-nos que o facto de existir um ministro que usava uma Vespa era um fenómeno transcendente e de que nos devíamos orgulhar; agora, ficamos a saber que, afinal, os problemas de fundo que o país enfrenta seriam bem diferentes se não se tivessem gasto 86 mil euros num automóvel...
É uma questão de escala, antes do mais. Porque é que o automóvel de Mota Soares é um drama nacional, enquanto os 645 milhões de euros dos estádios do Euro2004 foram esquecidos em nome da "auto-estima" e outras banalidades postas a circular pelo discurso moralista de Luís Filipe Scolari?
Provavelmente, o simples bom senso recomendaria que o ministro defendesse a sua imagem (e, já agora, a sua segurança) investindo num outro modelo de automóvel e, sobretudo, que não fosse mais um a transferir para os "outros" a lógica das suas próprias opções. Ainda assim, a demissão intelectual de Mota Soares é um detalhe de secundaríssima importância. O que aqui se detecta, uma vez mais, é o facto de já não nos deixarem viver, a não ser em regime de permanente e agressiva fulanização.

* * * * *

Tornou-se difícil encontrar notícias: predominam os autos de fé. A cidadania para que nos convocam consiste apenas em saber qual a próxima figura a ser publicamente "decapitada". Que se espera, então, de nós? Que interpretemos o papel de multidão ululante.

Por umas unhas negras...


Responde pelo nome Pictureplane mas na verdade chama-se Travis Egedy. Figura da cena electrónica de Denver (no Colorado, EUA), acaba de lançar mais um álbum. Black Nails é, precisamente, um dos temas do alinhamento desse Thee Physical. A realização do teledisco é do próprio músico.

Segunda mão é a melhor opção?



Feitas as contas, a vontade de não perder o comboio é grande. E os leitores do Sound + Vision não querem abandonar os seus consumos culturais. 26% dizem mesmo que vão tentar manter os índices de consumo habituais, independentemente deste tempo de cintos apertados.

A mais interessante das conclusões desta consulta surge na forte expressão das alternativas de consumo, quer através do recurso ao mercado de segunda mão, com 45% de respostas favoráveis, quer em buscas de preços mais combativos em lojas online (37% de respostas).

Nos consumos propriamente ditos os maiores cenários de quebra surgem nos discos (23%), jogos (19%), concertos (19%), cinema (19%) e DVD (18%). Valores todos muito aproximados entre si, é verdade. O Blu Ray é o formato menos penalizado (14% de quebra) mas talvez por não representar ainda uma alternativa massificada.

Nos media, as revistas são mais penalizadas que os jornais. 22% contra 17% respectivamente.

Novas edições:
Casiokids, Abenbaringen Over Aaskammen


Casiokids
"Abenbaringen Over Aaskammen"
Moshi Moshi Records
4 / 5

Já lá vão dez anos desde aqueles instantes que colocaram a Noruega no centro das atenções do mapa pop (e afins) europeu. Havia “casos” pontuais a considerar na história “export” da música mande in Noruega, com nomes como os A-ha e Fra Lippo Lippi a marcar pontos no departamento pop mainstream, os Bel Canto a alargar horizontes a outras paisagens menos imediatas (pelos terrenos do jazz e da clásica a história vai mais atrás no tempo e com mais substância). Em 2001 da Noruega chegava uma nova geração de nomes que então marcavam a agenda do momento. Kings Of Convenience, Royksoppp, Sondre Lerche faziam a primeira fila do movimiento. E depois chegavam mais figuras, dos Slo-pho aos Flunk e outros mais… A intensidade da concentração dos acontecimentos de 2001 e ano seguinte não se repetiu, mas nomes como os Royksopp ou Kings Of Convenience ganharam um estatuto global que ainda hoje sustenta carreiras activas e reconhecidas. Sem uma agenda “export” em mente, a Noruega manteve naturalmente a sua puslação pop activa. E entre os projectos nascidos a pensar para dentro numa altura em que muitos olhavam esencialmente para fora, os Casiokids revelaram uma das visões mais interesantes. Uma pop híbrida, onde electrónicas e electricidade convivem com uma cenografia feita de discretos, mas elaborados elementos de fundo, sobre os quais uma voz frágil e aguda canta em norueguês. Depois de um álbum de estreia que não venceu as fronteiras, o seu segundo disco, Top Stemming Pa Local Bar, de 2010, ganhou alguma projecção exterior sobretudo pela força do irresistível Fot I Hose, single de apelo tribal para o século XXI que cativou algunas atenções sobre um disco onde não faltavam outros instantes dignos de chamar atenções mesmo sem que uma palavra se entenda (convenhamos que o norieguês está longe da dieta linguística do cidadão comum). Agora, Abenbaringen Over Aaskammen Continua a história onde Top Stemming Pa Local Bar a deixou. É um caso de evolução na continuidade que aarruma ideias, afina pontarias e, acima de tudo, aprofunda as características de uma linguagem bem demarcada e peculiar e insiste na exploração da arte final das canções. Abenbaringen Over Aaskammen é uma bela colecção de momentos onde o gosto cenográfico afirma um espaço de trabalho bem sucedido. Da abertura que pede as imagens de um filme para ser coisa completa aos belos momentos pop ao sabor de temas como Det Haster! (o single) ou Elefantenes Hemmelige Gravplass, os Casiokids mostram que souberam dar conta do recado. E fazer de uma agradável promessa uma segura certeza.

Curiosidade marciana


A sonda Curiosity já vai a caminho de Marte... Lançada na semana passada, esta sonda robotizada vai tentar procurar no planeta vermelho a resposta a uma das mais antigas questões lançadas pelo homem: estaremos sós? A sua missão mais importante é, no entanto outra, uma vez que, mais que analisar o solo em busca de vestígios da presença (actual ou antiga) de formas de vida, ao robot é pedido um estudo sobre a habitabilidade do planeta. Isto é, a avaliação de uma série de parâmetros que nos permitam avaliar as capacidades de Marte para sustentar a presença humana.

Na verdade a missão responde pelo nome MSL. Ou seja, Mars Science Laboratory. E leva a bordo o robot Curiosity, que deverá chegar à Cratera Gale a 12 de Agosto de 2012. Com a maior carga de equipamento científico alguma vez lançada da Terra para Marte, a Curiosity foi lançada por um foguetão Atlas V 541 este sábado e terá, no solo do planeta nosso vizinho, uma missão de trabalho de cerca de um ano marciano (perto de 680 dias).



Esta sequência de imagens ilustra o processo de descida da Curiosity sobre a superfície marciana, usando métodos com controle mais seguro (e fiável, assim esperamos) que os usados em experiências de aterragem anteriores, nem todas elas bem sucedidas.

Podem acompanhar a evolução da missão MSL aqui.

Para recordar Gershwin

Mês Kate Bush - 25

 

Uma versão de um clássico de Gershwin. Esta foi em 1994 a contribuição de Kate Bush para o tributo Glory Of Gershwin, que a si juntava ainda contribuições de nomes como os de Elvis Costello, Peter Gabriel ou Elton John. Ao lado da Larry Adler, aqui ficam imagens que, na altura, acompanharam a edição do single The Man I Love.

Musical? Qual musical?


O dito, ao que parece, era afinal um não dito. Chegaram a circular ontem notícias sobre a eventual autorização de David Bowie para a cedência de canções suas para um musical de palco que, a estrear em Março de 2012, contaria a história da sua vida... Um comunicado oficial do músico deixa claro que não há qualquer autorização de Bowie nesse sentido. Segundo podemos ler no site oficial do músico: "Neither the David Bowie Organisation, nor its co-publishers EMI Music and Chrysalis, has issued a license for this performance at the O2. There are no negotiations pending for a long running musical featuring the music of Mr. Bowie" (que é como quem diz, nem a David Bowie Organization nem os seus publishers, a EMI Music e a Chrysalis, emitiram uma qualquer licença para esta permance na O2 Arena. Não há negociações pendentes sobre um musical com a música do senhor Bowie). Nicles!

domingo, novembro 27, 2011

Benetton contra o ódio (5/6)

[1]  [2]  [3]  [4]

Que acontece quando imaginamos um beijo entre os líderes das duas Coreias, Norte e Sul, respectivamente Kim Jong-il e Lee Myung-bak? Uma simulação erótica? Sim, talvez, sobretudo se conseguirmos conceber que, aqui, tudo é do domínio da simulação — não apenas a sugestão sexual (qual sugestão sexual?...), mas a mera sensação de alguma proximidade física. As imagens fake da série UnHate não existem como ilustração, mas como delírio figurativo: o seu realismo é puramente intelectual, aceita ficar pelos limites do nosso pensamento. E talvez seja isso que suscita tanta revolta e tanta "denúncia" contra a campanha da Benetton: no mundo tele-acelerado em que nos obrigam a viver, são cada vez menos os que toleram uma imagem, seja ela qual for, que se atreva a pensar.

Fados


Fados. Assim mesmo, com um "s". Para ler e entender como coisa plural. Como tão bem o disse Carlos Saura...

Três capas de discos. Três fados. Três momentos que são assim expressão de uma música que, a partir de hoje, é Património Imaterial da Humanidade. Em sequência, as capas de Fado, dos Heróis do Mar (single de 1986), Com Que Voz, de Amália Rodrigues (álbum de 1970) e Povo Que Lavas No Rio, de António Variações (single de 1982).

Entre imagens de Berlioz



Obras de Berlioz pelos Musiciens du Louvre, dirigidos por Marc Minkowski. Com o violetista Antoine Tamestit em Harold en Italie e com Anne Sofie Von Otter em Les Nuits d’Eté. A edição é da Naïve.

Os primeiros compassos de Harold en Italie poderão levar muito boa gente a uma breve memória das imagens (ainda bem recentes) de A Árvore de Vida, de Terrence Malick, onde um excerto de uma gravação desta obra sinfónica de Berlioz é usada. A história desta obra nasce, na verdade, de imagens. Mas de outras imagens, que o compositor francês colheu de uma passagem por Itália na década de 30 do século XIX, essa experiência pessoal juntando-se depois a uma ideia de ficção para dar corpo a uma obra que teve como verdadeiro ponto de partida uma solicitação de um outro compositor, Paganini, que, tendo comprado recentemente uma viola feita por Stradivari lhe havia dito que só ele seria capaz de criar uma peça na qual ele pudesse explorar devidamente o seu novo instrumento. Ao mostrar a partitura, que revelava mesmo assim um espaço para uma viola solista, Paganini não gostou… Opinião bem diferente tiveram as plateias que, desde a sua estreia, em 1834, fizeram de Harold en Italie um dos “casos” de maior reconhecimento entre a obra de Berlioz, e que o próprio dirigiu inúmeras vezes ao longo da sua vida. Foi, de resto, uma das obras que apresentou quando, em 1868, assinalou a sua última actuação como maestro, em S. Petesburgo.

Num exemplo magnífico do que é fazer uma boa edição discográfica, a belíssima interpretação desta obra pelos Musiciens du Louvre, sob direcção de Marc Minkowski, e com o violetista Antoine Tamestit como solista é mote para um lançamento que junta ao disco um booklet com imagens de itália e varios textos, um deles sendo inclusivamente um exceerto das memorias do próprio compoistor, no qual lemos o “episódio” da co-protagonizado por Paganini. Além de Harold en Italie o disco inclui uma sublime interpretação vocal de Anne Sofie von Otter em Les Nuits d’Eté e ainda Le Roi de Thulé, um momento de La Damnation de Faust, uma das obras maiores de Berlioz.

Entrevistas de arquivo:
Michael Cunningham (2005)

 
Em 2005 esta entrevista com Michael Cunningham foi apresentada nas páginas do DN, numa altura em que entre nós era publicado o seu livro Dias Exemplares.

Neste livro a presença e as palavras de Walt Whitman acompanham as três situações que narra. Porque o trouxe para estas histórias?
Ele está para este livro um pouco como a banda sonora de Philip Glass n’As Horas, ou seja, é uma forma de ligação entre as histórias. Mas é também um complemento e um contraponto entre elas. Eu escrevi três histórias sobre uma América sombria e difícil. E o grande poema de Whitman, Folhas de Erva, nasceu numa altura em que a América parecia a caminho de se transformar a nação mais generosa, abundante e democrática alguma vez vista. Eu estava assim, no presente, a escrever sobre um sonho que acabou mal. E uso-o como a voz do sonho quando ainda o era. Uma voz de esperança... Porque acredito que, enquanto houver uma pessoa viva, as coisas podem sempre melhorar um dia...

Há bombistas-suicidas que, numa das histórias, citam Whitman como ponte para um mundo melhor...
Esperam ir para um mundo melhor. E sinceramente creio que os terroristas devem sentir o mesmo. Duvido que muito poucos terroristas que eventualmente tenham sobrevivido a este tipo de atentados cheguem à noite a casa e pensem: “mais um dia de maldade para o mundo”... Não creio que o George W. Bush pense também assim... As pessoas fazem o que pensam que é certo, mesmo que isso seja terrível e destrutivo.

Vê o seu livro como uma reflexão sobre os pesadelos da América do presente, apesar de conter uma história no passado e uma no futuro?
Seria difícil olhar para a América de hoje e dizer “que bem que isto está a correr!” Não está. Como escritor posso escrever apenas sobre o que vejo. E não me vejo a escrever sobre a América do sonho feito realidade, mas a do sonho que se fez pesadelo.

No prólogo fala sobre a necessidade de ser preciso quando se escreve sobre o passado. Usa a ficção como um olhar pessoal sobre o real?
Penso dessa forma, sim. Há opções que escolho como romancista, outras que tomo porque fazem parte da minha natureza. Acho a realidade difícil, mas interminavelmente interessante.

Experimenta também a ficção científica na terceira história. Como se preparou para esse tipo de registo menos familiar em si?
Foi a parte mais difícil de escrever, e curiosamente as pessoas perguntam-se se me diverti, porque parece-lhes ter sido a mais fácil... A boa ficção científica deve ser divertida. É quase sempre satírica. E tentei, assim, respeitar essas ideias, com uma piada ou outra. Mas foi-me difícil inventar um mundo. E sei que há um risco de parecer ridículo.

Mas não o fez como forma alternativa de comentar o mundo real?
Obviamente. Toda a boa ficção científica é uma extensão do mundo real. Comenta os possíveis destinos do mundo. E o mundo que imagino é uma América em declínio. Esta já não é uma potência. Metade está tão poluída que se tornou inabitável, e a outra está dominada por fundamentalistas religiosos e corporações. E com sistemas de informação tão dominados, que ninguém sabe o que se passa. Não é o futuro inevitável da América. Mas nada na América de hoje faz este futuro imaginaldo algo implausível. Mas gostava que não o fosse.

Há marcas de uma cidade que viveu o 11 de Setembro no seu livro. Até mesmo na Nova Iorque do século XIX, na cena em que as costureiras se lançam das janelas de uma fábrica a arder [o que aconteceu, de facto]...
Foi intencional, sim. Este é um livro sobre o admirável mundo novo que começou com a industrialização, a mecanização, a possibilidade de construir prédios altos que podem arder. A culpa não é das máquinas. E hoje vivemos num mundo em que há prédios de cem andares nos quais pode embater um avião... Mas não diria que vivemos sob ameaças sem precedentes. No passado falou-se várias vezes de vário fins do mundo. Mas é verdade que estamos progressivamente mais nervosos à medida que o tempo avança. E temos motivos para estar.

Apesar destes retratos de pesadelo, como vê Nova Iorque no contexto da América actual?
Foi em Nova Iorque que os atentados de 11 de Setembro aconteceram e, nas últimas eleições, foi claramente uma cidade anti-Bush e contra o ataque ao Iraque. Mas foi no Indiana, onde não cairam aviões com terroristas, que as pessoas se sentiram mais ameaçadas e, assim, a vontade de os matar antes que nos matem a nós.

Espera que Nova Iorque seja exemplo num processo de reinvenção de modelos para uma nova América?
Tenho toda a espécie de esperanças. Mas não sei se Nova Iorque tem mais esse estatuto. Muitos americanos são fundamentalistas religiosos e vivem em lugares onde nunca viram alguém diferente de si. Os americanos, e não só os americanos, são perigosamente desinformados e pouco cultos. 47 por cento da população americana acredita que foi Saddam Hussein quem mandou atacar as torres gémeas. E_acreditam que o que se está a fazer é ir atrás de quem atacou os americanos.

No passado disse que uma das suas missões como escritor era evitar que homens como Bush chegassem à Casa Branca. Acha que fracassou?
É claro que esperamos que a nossa escrita (ou pintura, ou música) tenha um efeito político sobre o mundo. Mas não nos enganemos... Alguém acredita que Dick Cheney entre na Sala Oval, com o meu livro na mão e diga: “Sr. Presidente, li este romance de Michael Cunningham e senti que agimos mal!”... Se queremos de facto a mudança, devemos fazer o nosso trabalho bem feito e depois talvez comprometer-nos pessoalmente com acções políticas concretas.

O sucesso de As Horas mudou muito a sua vida?
Passei a estar mais ocupado, e mais nervoso. Depois de tantos anos ignorado, o telefone começou a tocar e os emails a chegar... Seria um disparate queixar-me, mas foi quase excessivo. E quando se tem um sucesso desta amplitude temos de aceitar que o próximo livro pode ser mal recebido por algumas pessoas e algumas más críticas, independentemente do que escreva...

E isso desperta ansiedades?
Sim, algumas, mas ultrapassamo-las. Se 20 anos de má sorte não me deitaram abaixo, porque não resistir a um acesso de boa sorte? E_a dada altura concluí que esta visibilidade só pode ser usada em favor de escrita mais arriscada. sO sucesso às vezes é nocivo para muitos escritore, porque de repente alcança-se algo que se não quer perder. Então fica-se cauteloso. E a cautela é inimiga da arte.

Que lhe pareceram as adaptações ao cinema dos seus romances?
Ambas foram adaptações muito boas. A diferença esteve no facto de As Horas ter sido um sucesso internacional, e de Uma Casa No Fim do Mundo ter sido visto por... 17 pessoas. E não fez dinheiro algum. Mas as coisas são assim mesmo. De resto, ninguém esperava que As Horas, livro ou filme, fosse um êxito. Quando entreguei o livro ao editor, ele agarrou-o, olhou para mim e disse:_“Virginia Woolf? O que queres fazer com isto?” Pensámos que ia vender umas mil cópias e seguir depois, com a dignidade possível, para a mesa das sobras.

Dias Exemplares nasceu depois de toda essa agitação amansada?
Na verdade tive a ideia para este livro e de As Horas quase ao mesmo tempo. E tive de escolher qual escreveria primeiro. Vi que tinha então 43 anos, a mesma idade que Virginia Woolf tinha quando escreveu Mrs. Dalloway. Tomei essa pista como um sinal, e escrevi As Horas.

Na primeira das histórias de Dias Exemplares, o jovem protagonista crê numa vida depois da morte para o irmão. Acredita na transcendência?
Tenho muitas dúvidas sobre se há alguma coisa depois da morte. Suspeito que algo de nós continua, mas não é a nossa personalidade, não somos nós. Tenho a ideia de que continuamos de uma outra forma que não é pessoal, e que na nossa forma presente não podemos contemplar. Não me imagino de asas para a eternidade, nem no inferno, o que até era mais provável. E não sei se é isso que queria... Todos queremos acreditar num sentido de personalidade, a que os cristãos chamam alma, que acredito que sobreviva. O livro, sendo sobre a América, é mais sobre um sentido de religiosidade que eu necessariamente não abraço. Não se pode escrever sobre a América sem falar de religião.

Teme a morte?
Sinto que uma das missões como seres humanos é tentar derrotar o medo da morte. É uma das coisas que nos distingue dos demais mamíferos. Um gato julga que vai viver para sempre... Somos amaldiçoados e abençoados com a ideia que a vida acaba... Mas em vez de vivermos em terror, devemos aproveitar o máximo.

Teve Virginia Woolf n’As Horas. Agora Whitman. Vai precisar de outro escritor no próximo livro?
Não. É como as mulheres a fazer bolos n’As Horas e no Uma Casa No Fim Do Mundo. Só faço essas coisas duas vezes. Não me repito mais... É a minha conta!