quinta-feira, novembro 17, 2011

Benetton contra o ódio (1/6)

Integrada na nova campanha da Benetton, UnHate ("Contra-o-Ódio"), esta imagem foi a primeira vítima do campo de batalha — mediático, social, simbólico, etc. — em que, hoje em dia, vivem as imagens. Nela vemos o resultado de uma manipulação digital: um beijo entre o Papa e Ahmed Mohamed el-Tayeb (Imã da mesquita Al-Azhar, no Cairo). Depois dos protestos do Vaticano e de alguns sectores católicos, a Benetton decidiu retirar a imagem, restando cinco da mesma campanha, todas elas fake, construídas de acordo com o mesmo princípio: dois líderes do mundo contemporâneo beijando-se.
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Escusado será dizer que a retirada da imagem envolve, no mundo contemporâneo, qualquer coisa de irrisório — a proliferação instantânea da Net já inscreveu a imagem no olhar, porventura na consciência, de muitos milhões de cidadãos, independentemente da sua nacionalidade, credo ou filosofia de vida.
Em todo o caso, compreende-se que o Vaticano não pudesse aceitar o desafio simbólico inerente a este tipo de figuração "perversa", alicerçada nas práticas de manipulação que a tecnologia digital generalizou (das brincadeiras pessoais à indústria da pornografia, o fake tornou-se mesmo uma espécie de sarcástico esperanto figurativo do espaço virtual).
Não se terá tratado de reagir contra a proximidade de um líder de outra religião. Nem creio que o factor decisivo sejam as eventuais conotações homossexuais que a imagem pode convocar, mesmo se é verdade que, nesse aspecto, a muito global "voz do povo" da Net, tendencialmente anónima, de imediato expressou os mais radicais preconceitos (para já, nenhuma instituição religiosa achou por bem manifestar qualquer repúdio face a esses preconceitos).
O que terá importado é a própria demarcação em relação à imagem enquanto imagem: para o Vaticano, trata-se de deixar bem claro que não aceita a delegação figurativa que a imagem pressupõe. Não é tanto que a Benetton não deva representar o Papa assim; é antes que a Benetton não deva representar o Papa, ponto final.
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Em paralelo, para a Benetton, o que importa é o inconsciente de qualquer processo figurativo (recorde-se o processo em muitos aspectos semelhante que, em 2003, envolveu o teledisco de American Life, de Madonna: para lá das muitas diferenças de contexto, a sua retirada de circulação, por opção da própria Madonna, iluminou de forma contundente os mecanismos ambivalentes que enquadram a percepção corrente das imagens).
A exigência de retirada da imagem mostra algo de básico, mas todos os dias recalcado (sobretudo pela cultura televisiva). A saber: nenhuma imagem é transparente, porque ecoa sempre no tecido social das linguagens — retira-la de circulação é apenas dar a ver os limites em que se move o outro.