quarta-feira, setembro 30, 2009

Ozu, século XXI

É, por certo, um dos mais belos, encantados e encantatórios filmes que este ainda poderemos ver nos nossos ecrãs: Andando (título internacional: Still Walking) apresenta-se como uma crónica familiar, marcada pela memória de um luto difícil, transfigurando um encontro banal numa travessia metódica, e metodicamente reveladora, dos mais discretos sinais do quotidiano. Realizado por Hirokau Kore-eda, o cineasta de Ninguém Sabe (2004), é também a prova real de que a herança temática e estética do minimalismo de Yasujiro Ozu (1903-1963) se mantém viva no século XXI, celebrando o cinema como arte de todos os enigmas vitais. A estreia está marcada para 8 de Outubro — para já, fiquemos com o trailer de Andando (legendas em espanhol).

Madonna no tempo (1/3)

A promoção da dupla antologia Celebration faz-se a partir de um jogo de contrastes, sobreposições e colagens de imagens emblemáticas dos telediscos de Madonna. É a maneira justa de apresentar um álbum que, de facto, resiste às rotinas de um normal "best of". Porquê? Porque o tempo está alterado para além de qualquer cronologia. Dito de outro modo: Madonna baralha (e volta a dar) os capítulos da sua história — musical & pessoal —, propondo uma viagem que, certamente não por acaso, começa com o emblemático verso de Hung Up (2005): "Time goes by so slowly". Talvez seja essa a moral da dita história: devolver ao tempo alguma lentidão — envelhecer é também esse desafio.

Pop a 360 graus

Reencontramos hoje o trio Au Revoir Simone, naquele que é o mais recente teledisco rodado para uma canção do seu terceiro álbum de originais lançado já este ano, Still Night Still Light. O teledisco mostra as três Au Revoir Simone vistas de vários planos num olhar de 360 graus. Aqui fica Shadows, teledisco realizado por Brendan Colthurst e Vikram Gandhi.

Danger Mouse + J. Mercer = Broken Bells

Danger Mouse não gosta de tirar férias. E já tem nova banda na agenda. Formou-a com James Mercer, dos The Shins, com quem colaborou há alguns meses no álbum (não editado) Dark Night Of The Soul (o tal com imagens de David Lynch do qual foram publicadas as imagens mas não a música…). Danger Mouse e Mercer deverão assinar juntos como Broken Bells. Um primeiro álbum está previsto para 2010.

A geração seguinte

Estes filhos de peixe parece que sabem mesmo nadar! Chamam-se NiteVisions e são um duo de pop electrónica que, na verdade, representa a primeira descendência directa dos Duran Duran. Como? Bom, dos Duran Duran, em aventuras a solo, já sairam bandas como os Power Station, Arcadia ou Neurotic Outsiders… Mas os NiteVisions não são mais que um duo constituído por Andy Taylor Jr e James Taylor, respectivamente filhos de Andy Taylor e Roger Taylor, o guitarrista e baterista da formação clássica dos Duran Duran. Estão a trabalhar num primeiro disco, que será editado pela editora recentemente criada pelo colectivo de produtores Xenomania. Diz quem os ouviu que pelo som passam referências a nomes como os New Order, Depeche Mode, David Bowie e… Duran Duran.

Um café em Londres

Há uns 20 anos tomar um expresso em Londres era uma aventura. Aventura porque era preciso saber onde os havia. E muitas vezes só nos restaurantes italianos (nem em todos) havia máquinas para tirar expressos. Hoje Londres tem outra oferta em cafés. E um dos novos espaços chama-se mesmo The Espresso Room. O café está situado em Bloomsbury (em concreto na Great Ormond St, nº 31 e 33). Há bolos, mas a aposta da casa são mesmo os cafés e as bebidas de café e leite (estas sempre servidas de forma a mostrar um padrão ou desenho na superfície da chávena).

Visões do apocalipse

Alex Proyas assinou um dos melhores filmes de ficção científica dos anos 90 com o sombrio Dark City (1998). Antes tinha já apresentado The Crow (1994), regressando ao género em 2004 em I Robot (com a escrita de Asimov como ponto de partida). Pelo caminho este realizador australiano, que tem carreira igualmente feita na realização de telediscos, apresentou Garage Days, narrativa em volta de uma banda de rock’n’roll, em 2002. Em 2009, regressou ao cinema de ficção científica com Sinais do Futuro (Knowing, no original), talvez um dos filmes mais sovados do ano. Mas que, na verdade, nem é assim tão mauzinho (nem nada do outro mundo, também)...
 
O filme assenta numa (mais uma, é verdade) transposição das escritas sobre o apocalipse a um cenário que é o do nosso tempo, com rotinas do quotidiano pelo meio. Em traços largos, a história apresenta-nos primeiro uma jovem estudante que, em 1959, desafiada a desenhar o futuro daí a 50 anos, não faz mais que uma página cheia de números. Guardados durante 50 anos, os desenhos dos colegas e estes números são reencontrados em 2009. O papelito com os números cai na mão do filho de um astrofísico do MIT (Nicholas Cage). Este, descobrindo o seu sentido, neles encontra as datas, locais e número de vítimas dos grandes acidentes dos últimos 50 anos. Repara que faltam três datas nos dias que se seguem, uma das quais anuncia o que interpreta ser o fim do mundo…
Com temperos característicos do thriller, a narrativa evolui com desvios inesperados, revelando personagens misteriosas, com pitada de algo assustador, que só a sequência final vai desvendar. Na medula da história corre um debate (mais um, é verdade) sobre a oposição entre a fé e a razão. O astrofísico acreditando numa existência que resulta do acaso químico. O seu pai, um reverendo, aceitando uma ordem maior acima de tudo. A história segue num caminho que conduz o homem de ciência no sentido de debater as suas próprias verdades. O desfecho estará contudo longe de consensual, pecando talvez por saltar para o patamar da alegoria quando, até aí, a relação entre os ecos das escritas apocalípticas, os medos do Homem e uma história que se tenta alicerçar num mundo real haviam assegurado uma narrativa com relativa solidez (no quadro das linguagens da ficção científica, entenda-se).

terça-feira, setembro 29, 2009

O "Big Brother" de Cavaco Silva

A declaração do Presidente da República ao país, sob o denominado "caso das escutas", gerou uma nova e reveladora maioria. De facto, para além de diferenças, nuances e sensibilidades, a maioria das reacções (políticas e mediáticas) ao discurso de Cavaco Silva aponta a especulação sem fundamento detectável, o culto de uma ambiguidade pouco salutar e o penoso prolongamento de uma situação que, de facto, podia e devia ter sido enfrentada na origem. E para além disso? Como viver — e, acima de tudo, como pensar — este imbróglio de desentendimentos e contradições a que chegámos?

1. Autoridade(s).
Para além disso, não se vislumbra que o imaginário político-televisivo em que vivemos tenha capacidade e vontade de lidar com a mais perturbante questão de fundo que esta crise arrasta. A saber: a progressiva erosão das figuras de autoridade. Bem sabemos que tal questão é quase sempre reduzida a um maniqueísmo primário. Simplificando, digamos que a vocação utópica das esquerdas recusa enfrentar os dramas da ordem simbólica da sociedade, enquanto a matriz conservadora das direitas reduz a crise de autoridade às formas de organização das forças policiais.

2. Que verdade?
De facto, este episódio de matizes ora trágicos, ora rocambolescos agrava ainda mais a fragilidade das figuras que, idealmente, deveriam existir como padrões de identificação social e, nalguns aspectos, projecção afectiva. Aliás, dito de outro modo: nesta sociedade em que o Big Brother triunfou como padrão dos olhares televisivos — fazendo-nos acreditar que onde está uma câmara está uma verdade que "não devemos" discutir —, não deixa de ser cruelmente irónico que as alegadas escutas em Belém se configurem como uma variação fantasmática do mais obsceno dos reality shows.

3. Símbolo(s).
O certo é que assistimos, assim, ao reforço de uma decadência simbólica a que, por princípio, quase todos os comentadores políticos (e também quase todos os políticos) são indiferentes. Vivemos mesmo numa sociedade em que, dos protagonistas políticos aos professores, todos os dias são metodicamente enfraquecidos os padrões mais legítimos — e também estruturalmente mais necessários — das mais diversas formas de autoridade. Em boa verdade, o seu papel foi ocupado por "alternativas". Quais? Os presidentes dos clubes de futebol ou os jurados de concursos de televisão. A esses sim, é conferido um reconhecimento tão abrangente quanto supostamente intocável. Certamente não por acaso, faz parte do anedotário ideológico português insultar todas as formas de intervenção crítica sobre as artes (com tradicional destaque para o domínio da arte mais popular: o cinema) — já era assim no tempo do Estado Novo, continua a ser assim em plena democracia.

* * * * *

Na conjuntura actual, avizinham-se dias agitados em que se vão digladiar as culpas repartidas entre "Cavaco" e "Sócrates". Na prática, encarados de tal maneira, eles estão e estarão reduzidos a figurantes mais ou menos intermutáveis de uma mesma decomposição de valores. Por uma ou outra via, apenas se acentuará uma insinuação brutal: a de que não sabemos viver em colectivo. É essa descrença que nenhuma força política ousa enfrentar. Porquê? Porque a coragem de o fazer implicaria uma clara demarcação dos modos correntes de fazer a própria política.

Eleições 2009: "Maria vai com as outras..."

Vincent van Gogh
Camponesa
1885

Eram 20h23 de domingo, dia 27, quando, na RTP1, Marcelo Rebelo de Sousa resumiu as previsões eleitorais através de um novo conceito: o de que as sondagens dos últimos dias geram um efeito de clonagem (a palavra é minha) e que, por isso, os eleitores tendem a favorecer quem vai à frente, adoptando uma atitude de “Maria vai com as outras” (as palavras são do comentador). Num ápice, Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu duas coisas tristes: primeiro, desvalorizar o trabalho das televisões que, apesar do populismo das programações, tentam compreender os movimentos sociais; segundo, legitimar a suposição de que muitos eleitores portugueses são imaturos.
Que contraponto tivemos para contrariar esta ligeireza? Em boa verdade, não foi fácil orientarmo-nos. Por um lado, as televisões investiram na criação de aparatos visuais que, para além do “conteúdo”, sugerissem uma “forma” mais ou menos sofisticada e futurista. Por outro lado, importa perguntar se essa agitação das imagens (e dos sons) gera pertinência informativa e precisão analítica. De facto, a profusão de números e gráficos favoreceu, por vezes, um barroquismo desmobilizador: quando uma imagem se limita a ostentar uma lógica de acumulação, o desejo de olhar vai-se anulando.
Aliás, voltando às palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, importa dizer em sua defesa que ele se limita a encarnar um modelo de comunicação (?) que se tornou dominante: o de que é preciso dizer num brevíssimo instante aquilo que, eventualmente, levou horas a pensar ou uma vida inteira a encontrar. Por mim, como espectador, gostava de não ver profissionais talentosos a correr atrás de políticos, “exigindo-lhes” que digam numa fracção de segundo aquilo que, afinal, não têm gosto em dizer.

O marketing de cinema... acabou?

Pânico em Hollywood/What Just Happened é apenas um exemplo próximo e sintomático. De quê? Dos filmes que já não têm tempo — entenda-se: tempo de vida comercial — para encontrar o seu público — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 de Setembro), com o título 'Que faz o marketing?'.

Não gosto de favorecer “estatísticas” construídas a partir de experiências meramente pessoais. Em todo o caso, com o passar dos anos, é inevitável prestar alguma atenção a sinais muito peculiares (aliás confirmados por outros). Assim, sempre me surpreendeu a quantidade de pessoas, espectadores regulares de cinema, que me dizem uma de duas coisas: ou que não sabiam que determinado filme estava em exibição, ou que tentaram ver um outro filme, mas já não o encontraram nas salas...
Por mim, desconcerta-me o facto de os principais agentes do mercado não darem a devida atenção ao estudo desta conjuntura (quanto mais não seja, porque estão a perder receitas). É uma ilusão considerar que os filmes são “conhecidos” através da comunicação social. Claro que são. Mas isso não deve impedir que se avalie o que o mercado realmente faz para que cada filme encontre o seu público potencial. Isso tem um nome: marketing. E tal como as coisas estão, parece que, muitas vezes, o marketing apenas sabe trabalhar com os filmes que estão antecipadamente vendidos.

No celeiro...

É já o quarto single (e teledisco) que vemos ser extraído do álbum de apresentação da aventura a solo da vocalista dos The Knife. Assinando como Fever Ray apresenta agora este Seven, aqui em teledisco assinado por Johann Renck.

A outra banda

Thom Yorke (Radiohead) juntou uma banda que lhe permitirá levar a sua música a solo ao palco. A banda inclui as presenças de Flea (Red Hot Chilli Peppers), Nigel Godrich (produtor), Joey Varonker (baterista de Beck) e o percussionista Mauro Refosco.

Em Tóquio, com a 'Monocle'

A edição de Outubro da revista Monocle apresenta um dossier especial sobre a cidade de Tóquio. O retrato da capital japonesa inclui um olhar pela sua arquitectura, design, oferta artística, escolas de culinária, hotéis, restaurantes, bares, lojas, aeroportos, o metro, os sistemas de entrega rápida disponíveis… Não falta um “snack attack”, na verdade, uma foto de prateleiras de snacks numa qualquer loja de conveniência que nos permite descobrir a oferta local para enganar a fome… Em 24 páginas mostram-se factos, lugares e imagens. Não substitui um guia, mas ajuda a fazer boas escolhas.

Quando o telefone toca...

Não deve haver actor que goste de ouvir um telemóvel a tocar na plateia durante uma peça de teatro. Hugh Jackson deixou bem clara a sua insatisfação pela interrupção inesperada quando, contracenando com Daniel Craig em A Steady Rain, de Keith Huff, no palco do Gerald Schoenfield Theatre, na Broadway (Nova Iorque), um telemóvel toca em plena plateia… Triiimmmm… Sem meias medidas, pediu ao dono do telemóvel que atendesse… “Podemos esperar”, acrescentou…



Hugh Jackson não saiu da personagem, mas não escondeu que o facto o incomodou. Convenhamos que tem razão. A arte de ser espectador pede as suas regras. Uma delas a de desligar os telemóveis.

Para revisitar 'Abbey Road'

A edição mais recente da revista Mojo apresenta como complemento um CD no qual propõe um retrato completo do alinhamento do álbum Abbey Road dos Beatles através de uma série de versões, muitas delas por nomes ainda longe de viver sob os holofotes das atenções. Entre os quase ilustres desconhecidos surgem alguns vultos como, por exemplo, os Noah and The Whale (em Carry That Weight), Gomez (Sun King), Cornershop (Mean Mr Mustard / Polythene Pam) ou, assinando o melhor momento do disco, os Leisure Society, revisitando o magnífico Something.

Ongoing... where?

Com ou sem aspas, ficámos ontem a saber que José Eduardo Moniz [foto] "regressa" à TVI. Transcrevo de uma notícia publicada no Diário de Notícias:

A TVI volta a estar na esfera de influência de José Eduardo Moniz. A Ongoing, grupo no qual assumiu a vice-presidência em Agosto, acaba de comprar uma posição de 29,69% da Media Capital, com possibilidade de chegar aos 35%. Uma operação que avalia a Media Capital em 450 milhões de euros, pelo que o investimento da Ongoing será de 134 milhões de euros (...).

Esperava eu que, perante estes dados, os especialistas em conspirações, cataclismos e outras turbulências mediáticas nos viessem esclarecer e ajudassem a pensar no meio da confusão. Afinal, se José Eduardo Moniz foi vítima de uma cabala do governo, que se está a passar? Esse mesmo governo não passa de uma patética colecção de meninos de coro? Ou a gelada lógica do dinheiro transcende os cálculos de muitas formas de jogo político, mesmo as mais cínicas?
De facto, não sabemos. Literalmente: não sabemos nada. Apenas podemos intuir algo que, por princípio, a maioria dos comentadores políticos, e os próprios políticos, recusa enfrentar: os movimentos das grandes entidades económicas — por certo importantes e influentes na dinâmica política das sociedades — decorrem de determinações e estratégias que, pelo menos até certo ponto, se enraizam na própria (ir)racionalidade do dinheiro e dos seus (des)equilíbrios. Essa crueza simbólica do dinheiro é algo que o nosso imaginário mediático tem imensa dificuldade em enfrentar — é sempre mais fácil tratar a realidade como o desastrado argumento de um péssimo thriller político.

segunda-feira, setembro 28, 2009

Eleições 2009: o que é "governabilidade"?

Marc Chagall
Relógio
1914

Em Portugal, o comentário político faz-se também de vagas de "conceitos" que, com maior ou menor enraizamento nos próprios factos políticos, tentam enquadrar o pensamento (também ele político). Deste último processo eleitoral fica um desses produtos conceptuais — a "governabilidade" — cuja existência justificaria, em si mesma, uma minuciosa desmontagem psicológica e simbólica.
Não é fácil esclarecer de onde veio esta ideia de "governabilidade", quem a formulou e como a sua expressão se tornou quase obrigatória no quotidiano de debates e comentários. Uma coisa é certa: a premência da "governabilidade" sugere ao eleitor que o seu voto pode ser um erro. Porquê? Porque se não for possível governar o país, a culpa é do próprio voto... Como é óbvio, semelhante insinuação moral articula-se com outra sugestão, esta mais explicitamente política: a de que o voto "útil" é condição essencial para a garantir a dita "governabilidade".
Efeito prático de tudo isto? Desde logo, o de favorecer essa monstruosidade ideológica segundo a qual existem votos "inúteis". Mas também, o de "forçar" o eleitor a considerar que o princípio básico da delegação democrática de poderes — o de fazer uma escolha consciente e motivada — pode e deve ser secundarizado. Em boa verdade, esta hiper-conceptualização da vida político-eleitoral faz do eleitor um jogador de um xadrez cujas regras são tanto mais difusas quanto a sua possibilidade sugere uma hipótese mais ou menos maligna: a do eleitor, incauto ou distraído, votar contra a viabilidade histórica do seu próprio país. Como aqueles comentadores desportivos que gastam horas a proclamar que um resultado foi "injusto" — como se eles tivessem alguma hipótese secreta de resultado que não dependesse das... bolas que entram nas balizas.
Não deixa de ser curioso que, depois, as boas almas venham, pesarosas, lamentar-se da indiferença de alguns sectores da juventude pelas práticas eleitorais. De facto, se votar implica ser sancionado por causa do sentido do próprio voto, para quê votar?

A IMAGEM: Brigitte Lacombe, 2002

Brigitte Lacombe
Nicole Kidman
2002

Queer Pop: Farmer por Ferrara

No Queer Lisboa 2009, a segunda sessão do Queer Pop [apresentada pelos autores deste blog] foi um espaço de redescoberta da pop francesa — aliás, em boa verdade, tendo em conta as restrições dos canais de difusão, terá sido, em grande parte, uma descoberta.
Vale a pena começar por recordar a presença de Mylène Farmer através de alguns telediscos que reflectem um profundo desejo de ficção e, através dela, uma lógica de aproximação a certos modelos cinematográficos. California (do álbum Anamorphosée, 1996) é um excelente exemplo, tanto mais que reflecte o encontro da estética barroca de Farmer com o realismo cru de Abel Ferrara. Em boa verdade, não é possível assistir ao teledisco sem sentir como Ferrara deixa as marcas do seu desencantado romanesco — Dangerous Game, com Madonna, lançado em 1993, é uma referência incontornável, e tanto mais quanto Farmer aposta numa duplicação (iconográfica & dramática) que é uma marca forte de vários telediscos da 'Material Girl'.

"Estado de Guerra", Hollywood e... o resto

O extraordinário filme de Kathryn Bigelow, Estado de Guerra [foto em cima], é um esclarecedor exemplo da ousadia criativa dos grandes autores americanos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 de Setembro), com o título 'Redescobrindo a energia criativa de Hollywood'.

Estreou-se esta semana nas salas portuguesas [17 de Setembro] o fabuloso filme Estado de Guerra (título original: The Hurt Locker), de Kathryn Bigelow, não apenas um retrato íntimo de um grupo de soldados americanos no Iraque, mas também um exercício de cinema que se coloca na vanguarda do debate contemporâneo sobre as virtualidades do realismo e a necessidade, estética e ética, de reagir ao generalizado “naturalismo” televisivo.
A simples existência do filme de Bigelow serve de desmentido a um velhíssimo e muito poderoso preconceito segundo o qual o cinema americano é avesso a lidar com as convulsões da história e, em particular, com os traumas políticos e afectivos do seu próprio país. Por vezes, face a certo tipo de discursos “jornalísticos”, tem-se a sensação de que só é possível discutir o cinema americano a partir de uma birra infantil: os filmes teriam que ser todos “bons” ou todos “maus”... Em boa verdade, um olhar minimamente disponível compreende que, desde os tempos fundadores de David W. Griffith [foto] até à actualidade de David Fincher, a energia criativa de Hollywood revela uma sistemática, por vezes muito corajosa, capacidade de lidar com a história dos EUA, enfrentando os seus eventos, símbolos e contradições. Nesse sentido, qualquer imagem unívoca de Hollywood, reduzindo o labor dos seus filmes aos clichés promocionais dos blockbusters de Verão, não é apenas factualmente incorrecta: através de tal imagem, empenhada em “denunciar” o imobilismo ideológico do cinema americano, apenas se promove um outro tipo de chantagem ideológica, enraizada no mais ancestral anti-americanismo primário.
Não deixa de ser irónico que o filme de Bigelow tenha sido lançado em simultâneo com um outro título, Pânico em Hollywood, que tem por tema central os próprios bastidores do cinema americano e, em particular, as relações nem sempre muito saudáveis entre produtores, actores e pessoal executivo. Realizado por Barry Levinson, o filme distingue-se por um tom de comédia muito sarcástica, e tanto mais quanto nasce de um olhar visceralmente interior: Pânico em Hollywood foi escrito pelo produtor Art Linson, adaptando o seu próprio livro What Just Happened? Bitter Hollywood Tales from the Front Line. No elenco figuram nomes tão fortes como Robert De Niro, Sean Penn, John Turturro, Robin Wright Penn, Kristen Stewart (a jovem protagonista de Crepúsculo) e Bruce Willis. A sua presença, até pela auto-ironia que por vezes implica (veja-se a composição de Willis como estrela caprichosa), reforça o efeito perverso de assistirmos a uma cruel contemplação de Hollywood no espelho das suas contradições.
Neste contexto, o mais bizarro é o tempo que foi preciso esperar para, finalmente, vermos os dois filmes. Pânico em Hollywood teve a sua estreia mundial em Maio de 2008, no Festival de Cannes (com honras de filme oficial de encerramento), enquanto Estado de Guerra foi revelado, também em 2008, há cerca de um ano, na Mostra Cinematográfica de Veneza. Dir-se-ia que a própria máquina de difusão de Hollywood evoluiu de forma também ela perversa, a ponto de não saber o que fazer com algumas das suas produções mais radicais, ou apenas estranhamente “diferentes”. Como se os estrategas do marketing já só soubessem lidar com blockbusters...

Os espaços da memória

Os Zoot Woman estão de volta. O grupo, liderado por Stuart Price (a figura-chave do álbum Confessions On A Dance Floor de Madonna) acaba de editar o seu terceiro álbum. Tem por título Things Are What They Used To Be, e dele foi agora extraído um novo single. É este Memory, com espantoso teledisco assinado pela dupla Mirjam Baker e Michael Kren.

Single e antologia antes do filme

A antecipar a estreia do filme This Is It, chegarão ao mercado um novo single e uma antologia em CD duplo de Michael Jackson. O single não é mais que o tema-título do filme e conta com as vozes dos irmãos de Jackson nos coros. O álbum reúne os clássicos que são apresentados no filme, juntando-lhes ainda o novo single e um poema.

Novo filme de François Ozon

Meses depois da estreia entre nós do inesperadamente desapontante Ricky, François Ozon começa a apresentar no circuito dos festivais o seu novo filme. Trata-se de Le Refuge, que nas últimas duas semanas passou já por Toronto e San Sebastian. O filme segue a história de uma jovem grávida que vê morrer de overdose o namorado. Viviam juntos no rico apartamento da mãe deste último, em Paris… A jovem decide ficar com o filho. Mas não na casa de Paris… Pelos condimentos da descrição (segundo o site oficial do Festival de Toronto) parece cruzar uma pitada de Sous le Sable com um travo de Le Temps Qui Reste… Não parece má ideia…

'Ander' vence Queer Lisboa 13

O festival Queer Lisboa 13 chegou ao fim atribuindo a vitória na secção de Melhor Longa Metragem ao filme Ander, de Robert Castón, a primeira ficção com temática abertamente gay produzida no País Basco. O actor Josean Bengoetxea, que veste a pele do protagonista, venceu o prémio e Melhor Actor. A Melhor Actriz foi a grega Mina Orfanou, em Strella. Uma Menção Especial foi atribuída a Rabioso Sol, Rabioso Cielo, do mexicano Julián Hernandez.
Nos documentários o filme vencedor foi Fig Trees, do canadiano John Greyson, uma ópera-documentário sobre a história da luta contra a sida. Nesta categoria, uma Menção Especial foi atribuída a a Verliebt, Verzopft, Verwegen, de Katharina Lampert e Cordula Thym.
Nas Curtas Metragens, a vitória sorriu a Y Solo Miro, de de Gorka Cornejo.

E afinal há água na Lua!

A sonda lunar indiana Chandrayaan-1 (o nome significa veículo lunar, em sânscrito) permitiu este fim-de-semana mais uma importante descoberta científica ao contribuir para a detecção de água na Lua. A descoberta foi feita pelas medições do M3 (Moon Mineralogy Mapper), um aparelho construído pela Nasa e colocado a bordo da sonda indiana. As leituras indicaram a presença de discretas quantidades de água em rochas da região equatorial lunar, confirmando indícios em tempos assinalados pelas missões Cassini e Deep Impact. Recorde-se que, quando os astronautas da missão Apollo trouxeram rochas do solo lunar, as amostras não foram mantidas em isolamento total, tendo o contacto com a atmosfera terrestre mudado então quaisquer hipóteses de fazer leituras neste campo.
Fala-se que a descoberta poderá chamar novamente as atenções para a exploração lunar. Uma das razões tem a ver com o facto de, após esta descoberta, se levantarem novos motivos para a busca de sinais de presença de vida fora da Terra.

Eleições 2009: o que é um eleitor?

PAUL KLEE, Carnaval nas Montanhas (1924)

Uma das "leis" mais espantosas que as televisões todos os dias nos tentam impor é a da motivação compulsiva. Exemplo? Veja-se o futebol: um golo pode entrar porque um jogador falhou o pontapé, outro escorregou e, finalmente, porque um buraco na relva alterou a trajectória da bola... mas há sempre um comentador esforçado que nos consegue "demonstrar" que tudo aquilo resultou de uma estratégia de "pressão", de uma táctica em "losango" ou ainda dessa coisa maravilhosa que é a excelência do "jogo aéreo"...
Na noite das eleições legislativas de 27 de Setembro, assistiu-se a algo semelhante. Como? Pelo modo como algumas vozes nos quiseram fazer crer que o eleitorado falou. Claro que falou. Mas quando se aplica tal noção é quase sempre para avançar com deduções que, de facto, extrapolam muito para além do domínio individual e privado em que, por definição, o voto é exercido.
Na prática, isso faz com que o eleitor X ou Y que, por exemplo, voltou a votar no mesmo partido A, B ou C seja instrumentalizado de forma abusiva: afinal, mesmo que ele nem sequer tenha pensado no assunto, o seu voto está condenado a significar "outra coisa"... Do mesmo modo, aquele que mudou o seu voto pode ser citado como alguém que tem uma posição claramente definida sobre maiorias e minorias, governos ou acordos parlamentares.
Curiosamente, este tipo de "raciocínios" tem sempre o mesmo efeito: o de mascarar que, depois da contagem dos votos, as decisões são naturalmente — isto é, democraticamente — transferidas para a classe política. É por isso, aliás, que se fala em democracia representativa. Dir-se-ia que há comentadores que confundem cada eleitor com um ilustrador das interpretações que eles próprios defendem, na prática esvaziando e, num certo sentido, des-responsabilizando a classe política.

domingo, setembro 27, 2009

"Taking Woodstock" em cartaz

De facto, os filmes não são apenas a sua imagem promocional. Mas, por vezes, as componentes do marketing acabam por ter qualquer coisa de implacavelmente revelador. Veja-se este cartaz de lançamento de Taking Woodstock, de Ang Lee, no Reino Unido. Se o filme padece de uma trágica dificuldade para emprestar consistência (humana e simbólica) às suas personagens, o cartaz reflecte isso de forma desastradamente anedótica: estamos perante um arranjo tosco de figuras mais ou menos caricaturais cujo conjunto não tem unidade, nem sequer no mero plano gráfico.
Quem sabe o que foi o Festival de Woodstock, que pode reconhecer aqui? Nada. Quem não sabe, que motivação recebe? Nenhuma, a não ser a de que talvez esteja perante uma reedição involuntária das mais banais "comédias para adolescentes". É pena, quanto mais não seja porque, em qualquer caso, o esforço de Ang Lee não merecia ser reduzido a esta irrisão.

Eleições 2009: que comunicação social?

Este texto integra a série "Política das imagens", nas páginas do DN ao longo da campanha para as eleições de 27 de Setembro — foi publicado no dia 25, com o título 'À procura da política perdida'.

Ao terminar a campanha eleitoral, creio que não será arriscado afirmar que há um sentimento maioritário de cansaço: os eleitores, ou melhor, todos nós, cidadãos com direito de voto, suportamos cada vez menos a retórica política, a vulgaridade televisiva, a mediatização “espectacular”, mas inócua. Em todo o caso, creio que começamos apenas a pressentir um saldo que transcende o espaço específico da política, tanto mais perturbante quanto pouco abordado: tem a ver com a percepção pública dos meios de comunicação, em geral, os jornais e as televisões, em particular.
Não é, entenda-se, um mero problema de “qualidade” (como quando se tenta opor os filmes de “qualidade” ao cinema “popular”). É uma questão que nos remete para a inserção social desses meios de comunicação e, sobretudo, para o seu papel na dinâmica de ideias e valores, do que se diz e recalca, do que se mostra ou oculta.
Qual é o meu ponto? É um ponto de pedagógica humildade: creio que atravessámos uma campanha eleitoral que deixa nos cidadãos questões novas também sobre as informações que lhes chegam através da comunicação social. São questões que estão para além da dicotomia “verdade/mentira”, uma vez que implicam diferentes visões do mundo, a começar pelo mundo da política.
Devo dizer, sem ambiguidade, que encaro essa dinâmica como um factor eminentemente positivo: leitores/espectadores mais atentos e exigentes só podem contribuir para formas mais ricas e construtivas de pensar e fazer jornalismo. O modelo de imprensa dos “famosos”, mesmo sem ser dominante, lançou um véu de banalidade sobre o nosso quotidiano, tornando tudo fútil, irrisório, por vezes grosseiramente obsceno. Trata-se agora de saber se crescemos o suficiente para voltar a pensar quem somos e como vivemos. Isso tem, aliás, um nome nobre: política.

sábado, setembro 26, 2009

Pedro Costa, cineasta e português

Pedro Costa, cineasta português, é neste momento um nome em destaque na programação da Tate Modern, em Londres... Quem? Onde? Eis as perguntas que muitos cidadãos, mais ou menos surpresos, poderão fazer — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 de Setembro), com o título 'Continuar a contar histórias'.

Enquanto ainda circulam os ecos televisivos dos polémicos penalties da última jornada futebolística, está a decorrer, em Londres, numa das mais prestigiadas instituições artísticas do planeta (Tate Modern), uma retrospectiva integral da obra de um dos grandes cineastas portugueses. Chama-se ele Pedro Costa, nasceu em 1959, e o seu nome é desconhecido da esmagadora maioria da população do seu próprio país.
Bem sabemos a triste confusão que circunstâncias como esta quase sempre lançam na praça pública. Na melhor das hipóteses, ficaremos pelo voto piedoso de celebrar o prestígio que os nossos artistas conseguem “lá fora”; na pior, assistiremos à renovada avalancha de demagogia que proclama que os intelectuais só falam de filmes que “ninguém” quer ver (demagogia que, curiosamente, passou incólume da época do Estado Novo para os tempos da democracia). Vale a pena, por isso, desviarmo-nos e dar alguma atenção às convulsões internas da obra de Pedro Costa. Ou seja, e de acordo com o voto de Baudelaire, vale a pena sermos parciais, políticos e apaixonados.
Os três filmes que Pedro Costa fez no Bairro das Fontainhas, entre 1997 e 2006 (Ossos, No Quarto da Vanda e Juventude em Marcha), constituem um desafio extremo, e de extrema beleza, inerente ao mais radical cinema contemporâneo, de Jean-Luc Godard a David Lynch: trata-se de saber como é possível continuar a contar histórias que respeitem a complexidade dos seres humanos, ao mesmo tempo recusando a normalização estética e moralista de muitas ficções de raiz televisiva. No caso de Pedro Costa, podemos perceber agora que esse empenhamento liga a austeridade do filme de estreia, O Sangue (1989), com a estranha musicalidade do recentíssimo Ne Change Rien, com Jeanne Balibar. Além do mais, o penalty que deu a vitória ao Benfica foi mal assinalado.

"Abbey Road": a contracapa

Por cada imagem que acede ao panteão dos símbolos, quantas ficam esquecidas?... É uma pergunta curiosa que a nossa cultura mediática cada vez mais justifica, sobretudo enquanto cultura que se alimenta, obsessivamente, de imagens que possam restringir o campo dos possíveis, formatando a próprio comunicação (observe-se o labor maniqueísta da maior parte da informação televisiva).
Vale a pena, desta vez, nem que seja por ironia, contrapor à imagem da capa de Abbey Road a sua sombra nunca lembrada. Ou melhor: a contracapa (tão interessante quanto a capa). Nela vemos uma figura feminina que sai de campo, deixando-os apenas face à precisão informativa do lugar. Podemos perguntar: quem é aquela mulher que a história não regista? A resposta, mesmo que não a tenhamos (aliás, sobretudo porque não a temos), envolve sempre uma promessa de ficção. Ou como qualquer dinâmica cultural se faz tanto das histórias que se contam como das que ficam por contar.

It was 40 years ago today...

Foi a 26 de Setembro de 1969, passam hoje 40 anos. Era então editado Abbey Road, o último álbum gravado pelos Beatles (apesar de Let It Be, registado meses antes ser depois editado, já em 1970). É um dos melhores discos dos Beatles, um conjunto de visões individuais somadas a quatro, mostrando uma banda no auge do domínio da escrita de canções, e também das técnicas de estúdio. O texto que se segue recorda o antes, durante e pós-Abbey Road. E é um excerto, editado, de um texto maior publicado no DN Gente, a 5 de Setembro, com o título ‘O Último Verão‘.

1969 tinha já assistido à gravação (não acabada) de um disco frente às câmaras (durante a qual George Harrisson quase bateu com a porta), a um concerto no telhado da sede da Apple, às primeiras acções de intervenção política de John Lennon… O clima era de claro fim à vista. Mas havia contudo um ponto final por escrever. E com a chegada do verão, os quatro músicos resolvem reencontrar-se para gravar um novo álbum, desafiando Geroge Martin a retomar o seu lugar na produção. Como o confirmaram mais tarde na autobiografia Anthology, sabiam que seria o seu último disco. Mas não imaginavam, naturalmente, que seria também um dos seus melhores...
Tal como acontecera durante a gravação do álbum “branco” de 1968, o disco viu frequentemente os quatro elementos dos Beatles a trabalhar em separado, na verdade muitas vezes juntos apenas para lançar a estrutura das canções. John Lennon sofreu um acidente de automóvel e foi hospitalizado, chegando a estúdio alguns dias depois dos outros... A principio colaborou nas gravações em curso. Mas acabaria por dar ao disco alguns dos seus momentos mais memoráveis com Come Together e Because. O álbum destaca contudo a mestria em estúdio de Paul McCartney e confirma definitivamente o talento autoral de George Harrisson, que assina Here Comes The Sun e Something, outros clássicos nascidos deste alinhamento de despedida.
Trabalharam no álbum de início de Julho a finais de Agosto, pensando em Everest como o eventual título a dar ao álbum. Era a marca de cigarros usada por um dos técnicos do estúdio e tinham levantado a hipótese de fazer uma foto da banda, com o pico do monte Everest por cenário... Mas a 8 de Setembro, Paul McCartney propõe uma alternativa, dando-lhe o nome dos estúdios onde tinham registado grande parte da sua obra, escolhendo como imagem da capa uma foto (hoje mítica) dos quatro a atravessar uma passadeira a poucos metros do nº 3 de Abbey Road.

As sessões em Abbey Road prolongam-se até finais de Agosto. No dia 20 assinam a sua derradeira sessão conjunta a quatro (a seguinte, e essa sim a definitiva sessão de gravação dos Beatles, seria já em Janeiro de 1970, para overdubs em Get Back, mas juntando apenas Paul e Ringo). Segiu-se, no dia 22, a última sessão fotográfica. E o fim estava finalmente mais perto que nunca. E do divórcio a caminho só não houve notícias mais cedo à conta de negociações que decorriam com a editora. A 13 de Setembro, a dias do lançamento de Abbey Road, Lennon dá o seu primeiro com a Plastic Ono Band em Toronto (Canadá). Em Outubro Lennon regressava aos estúdios Abbey Road, desta vez com a sua nova banda. No mesmo mês um jornalista batia à porta da quinta de McCartney na Escócia, onde este dá uma entrevista para desmontar de vez a história que dava conta da sua morte três anos antes. Ainda nesse mês, e com George Martin na produção, Ringo Starr era o primeiro Beatle a gravar um disco realmente a solo. Pouco depois, inicialmente sob o pseudónimo Billy Martin, Paul McCartney começava a gravar o seu primeiro álbum a solo entre sessões em casa e ocasionais tardes de trabalho num estúdio profissional em Willesden. George Harrisson, por sua vez, lançava as bases para o que seria All Things Must Pass, o seu triplo álbum de estreia a solo.
Em 1970, no mesmo ano do adeus, saboreado com Let It Be (o álbum finalmente construído a partir das sessões para o nunca materializado Get Back), os admiradores dos Beatles contavam com quatro álbuns, cada qual sob o nome de um ex-fab four (na verdade Lennon lançando a sua carreira na Plastic Ono Band, só assinando com o seu nome a partir de 1971, ano em que edita Imagine). A realidade era nova e definitiva. Mas o sonho, na verdade, terminara no Verão de 1969. Em Abbey Road.



Imagens do filme promocional da época que acompanhou Something, canção de George Harrison escolhida como single entre o alinhamento de Abbey Road.

A IMAGEM: o ensaio

Foto de V. Donev publicada no The Guardian

Um momento de um ensaio da companhia francesa Asphalte, em plena Semana da Dança em Sofia.

Queer Lisboa 13: dia 9

O dia de encerramento do Queer Lisboa 13 conta com mais uma sessão de telediscos comentados pelos autores deste blogue. Pelas 18.00, na Sala Buondi do Cinema São Jorge apresentam-se telediscos das francesas Mylène Farmer e Zazi, assinados por realizadores como, por exemplo, Abel Ferrara (na imagem uma referência a California, de Mylène Farmer), Jean Baptiste Mondino ou Luc Besson.
  À noite, pelas 21.00, a Gala de Encerramento apresentará os vencedores das secções competitivas. Ao que se segue o filme Were The World Mine, um musical assinado por Tom Gustafson, que tem por peça central uma produção do ‘Sonho de Uma Noite de Verão’, de Shakespeare.

Informação completa sobre as sessões do dia de hoje aqui, no link ‘Calendário das Sessões’.
Trailers dos filmes no festival aqui.

sexta-feira, setembro 25, 2009

O Mal segundo Orson Welles

Esperaríamos, talvez, que algo ou alguma coisa estremecesse no nosso sistema mediático... Mas não. É apenas um Orson Welles que saíu em DVD. A nomeação do árbitro para o Porto-Sporting é mais importante...
Enfim, deixemo-nos de lirismos e lembre-mos que The Stranger/O Estrangeiro (1946) passou a estar disponível em DVD, permitindo-nos reencontrar o autor de O Mundo a Seus Pés (1941) numa altura em que a sua relação com o sistema de estúdios já se tinha começado a degradar, mesmo se é verdade que estamos perante um dos seus títulos de maior sucesso comercial. Seguindo um registo de thriller — um elemento da Comissão da ONU para os Crimes de Guerra (Edward G. Robinson) tenta identificar um nazi (Welles) que assumiu nova identidade, casou-se com a filha (Loretta Young) de um juiz e integrou-se numa pequena cidade americana —, Welles filma, em última instância, o labor do Mal no interior das rotinas do quotidiano. É, além do mais, um filme que reage, ainda a quente, às memórias da Segunda Guerra Mundial. Tradicionalmente encarado como um objecto "menor" na trajectória de Welles, O Estrangeiro aí está, desafiando os clichés da história e, com ou sem cobertura mediática, distinguindo-se como um dos grandes acontecimentos recentes no espaço do DVD.

Eleições 2009: erotismo ma non troppo

Este texto integra a série "Política das imagens", nas páginas do DN ao longo da campanha para as eleições de 27 de Setembro — foi publicado no dia 24, com o título 'Elogio de um discreto erotismo'.

Um dos mais interessantes cartazes surgidos nesta campanha faz-se com um grande plano de um rapaz e uma rapariga, abraçados. Ele está de costas, ela olha para fora da imagem e trinca a ponta da orelha dele. Há uma clara sugestão de cumplicidade sexual, confirmada pela frase mais destacada: “A tua primeira vez...”. Através das restantes frases, percebemos que se trata da “primeira vez” eleitoral: “Não deixes que escolham por ti, vota!”.
O cartaz [em cima] é da Juventude Social Democrata e tem, pelo menos, o mérito de fugir ao modelo dominante desta campanha: os líderes são quase sempre representados como cabeças de marioneta, literalmente sem corpo, sob fundo mais ou menos neutro, sem qualquer contexto realista ou simbólico. Por vezes, a simples qualidade fotográfica é banal, como em alguns cartazes de Francisco Louçã ou Manuela Ferreira Leite, o que só pode enfraquecer ainda mais o impacto das “mensagens”.
Quase ninguém arriscou qualquer tipo de discreta erotização, como aquela que, com calculada ironia, se encontra no cartaz da JSD. As outras excepções são os dois cartazes de José Sócrates, sob o lema “Avançar Portugal”: o primeiro rodeado de personagens femininas; o segundo [em baixo] mais abstracto mas, apesar de tudo, remetendo para alguma contextualização humana.

A contradição é preocupante: por um lado, os partidos têm sempre qualquer coisa de panfletário para dizer sobre a sociedade da “informação”, o mundo das “imagens”, a importância dos “media”, etc., etc.; por outro lado, revelam uma impotência iconográfica que os faz parecer associações civis a pregar para uma sociedade onde ainda nem sequer existe rádio. O problema não é a eventual mediocridade de conselheiros de imagem ou técnicos de marketing: é não haver políticas verdadeiramente imaginativas que os ponham a trabalhar de outro modo.

Pela estrada fora (de barco)

Os noruegueses Kings Of Convenience estão de volta aos discos, anunciando para breve o lançamento de um terceiro álbum de originais. Declaration Of Dependence tem data de lançamento marcada para dia 2 de Outubro. Para já está aí um primeiro single. É este Boat Behind

Damon olímpico?

Damon Albarn é, segundo avança o The Independent, o nome que o Comité Olímpico inglês quer para assinar a concepção da cerimónia de abertura dos jogos de Londres em 2012. O jornal revela que já foram encetadas negociações nesse sentido. Recorde-se que, em 2008, durante as olimpíadas de Pequim, Albarn colaborou com a BBC concebendo a música para o genérico do programa que então acompanhou os jogos.

Palau dá um exemplo

A pequena república de Palau, uma ilha-estado em pleno oceano Pacífico (a 800 quilómetros a leste das Filipinas) vai anunciar hoje, nas Nações Unidas, a proibição da pesca comercial do tubarão nas suas águas. Muitas espécies estão em risco de extinção, não resistindo à procura do mercado de barbatanas, ingrediente para a sopa de barbatana de tubarão. No dia em que esta importante medida é apresentada, o Sound + Vision apresenta imagens de Palau, um estado edificado sobre uma série de atóis em pleno Pacífico do qual poucas vezes se fala (apesar de jocosamente usado por Michael Moore no seu eticamente muito questionável Farenheit 9/11).
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Palau é uma pequena nação com cerca de 20 mil habitantes. O território divide-se entre oito ilhas e 250 ilhéus, espalhados ao longo de 200 quilómetros de extensão, em pleno Oceano Pacífico. As indústrias da pesca, do turismo e a agricultura são as principais fontes de subsistência do território.

Queer Lisboa 13: dia 8

O filme clássico de Victor Flemming, O Feiticeiro de Oz, que este ano celebra o 70º aniversário da sua estreia, é hoje exibido pelas 19.30 na Sala 1 do Cinema São Jorge. Meia hora antes, na Sala Boundi, no Espaço da Memória, João Lopes evoca a figura de Judy Garland.

Neste penúltimo dia do Queer Lisboa 13 a música volta a ter algum protagonismo, hoje com a exibição do documentário Pansy Division: Life Of A Gay Rock Band, que dá a conhecer a história de um nome de referência do universo queercore.

Informação completa sobre as sessões do dia de hoje aqui, no link ‘Calendário das Sessões’.
Trailers dos filmes no festival aqui.

Em alternativa à banda sonora...

Discografia Beatles - 22
'Something New' (álbum americano), 1964
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Nos EUA a primeira edição de temas ligados ao filme A Hard Day’s Night ficou por conta da United Artists, que distribuiu o filme. Nos EUA, a Capitol Records lançou então um outro álbum alternativo. O alinhamento de Something New recolhe oito canções do álbum inglês, junta ainda dois momentos do EP Long Tall Sally e uma versão em alemão de I Want To Hold Your Hand. Nos EUA nunca foi acima do nº2, suplantado pelas vendas da banda sonora, editada pela United Artists. Houve na época uma edição especial deste disco para venda entre as forças armadas americanas em bases europeias.