quarta-feira, setembro 30, 2009
Ozu, século XXI
Madonna no tempo (1/3)
Pop a 360 graus
Danger Mouse + J. Mercer = Broken Bells
A geração seguinte
Um café em Londres
Visões do apocalipse
O filme assenta numa (mais uma, é verdade) transposição das escritas sobre o apocalipse a um cenário que é o do nosso tempo, com rotinas do quotidiano pelo meio. Em traços largos, a história apresenta-nos primeiro uma jovem estudante que, em 1959, desafiada a desenhar o futuro daí a 50 anos, não faz mais que uma página cheia de números. Guardados durante 50 anos, os desenhos dos colegas e estes números são reencontrados em 2009. O papelito com os números cai na mão do filho de um astrofísico do MIT (Nicholas Cage). Este, descobrindo o seu sentido, neles encontra as datas, locais e número de vítimas dos grandes acidentes dos últimos 50 anos. Repara que faltam três datas nos dias que se seguem, uma das quais anuncia o que interpreta ser o fim do mundo…
Com temperos característicos do thriller, a narrativa evolui com desvios inesperados, revelando personagens misteriosas, com pitada de algo assustador, que só a sequência final vai desvendar. Na medula da história corre um debate (mais um, é verdade) sobre a oposição entre a fé e a razão. O astrofísico acreditando numa existência que resulta do acaso químico. O seu pai, um reverendo, aceitando uma ordem maior acima de tudo. A história segue num caminho que conduz o homem de ciência no sentido de debater as suas próprias verdades. O desfecho estará contudo longe de consensual, pecando talvez por saltar para o patamar da alegoria quando, até aí, a relação entre os ecos das escritas apocalípticas, os medos do Homem e uma história que se tenta alicerçar num mundo real haviam assegurado uma narrativa com relativa solidez (no quadro das linguagens da ficção científica, entenda-se).
terça-feira, setembro 29, 2009
O "Big Brother" de Cavaco Silva
1. Autoridade(s). Para além disso, não se vislumbra que o imaginário político-televisivo em que vivemos tenha capacidade e vontade de lidar com a mais perturbante questão de fundo que esta crise arrasta. A saber: a progressiva erosão das figuras de autoridade. Bem sabemos que tal questão é quase sempre reduzida a um maniqueísmo primário. Simplificando, digamos que a vocação utópica das esquerdas recusa enfrentar os dramas da ordem simbólica da sociedade, enquanto a matriz conservadora das direitas reduz a crise de autoridade às formas de organização das forças policiais.
2. Que verdade? De facto, este episódio de matizes ora trágicos, ora rocambolescos agrava ainda mais a fragilidade das figuras que, idealmente, deveriam existir como padrões de identificação social e, nalguns aspectos, projecção afectiva. Aliás, dito de outro modo: nesta sociedade em que o Big Brother triunfou como padrão dos olhares televisivos — fazendo-nos acreditar que onde está uma câmara está uma verdade que "não devemos" discutir —, não deixa de ser cruelmente irónico que as alegadas escutas em Belém se configurem como uma variação fantasmática do mais obsceno dos reality shows.
3. Símbolo(s). O certo é que assistimos, assim, ao reforço de uma decadência simbólica a que, por princípio, quase todos os comentadores políticos (e também quase todos os políticos) são indiferentes. Vivemos mesmo numa sociedade em que, dos protagonistas políticos aos professores, todos os dias são metodicamente enfraquecidos os padrões mais legítimos — e também estruturalmente mais necessários — das mais diversas formas de autoridade. Em boa verdade, o seu papel foi ocupado por "alternativas". Quais? Os presidentes dos clubes de futebol ou os jurados de concursos de televisão. A esses sim, é conferido um reconhecimento tão abrangente quanto supostamente intocável. Certamente não por acaso, faz parte do anedotário ideológico português insultar todas as formas de intervenção crítica sobre as artes (com tradicional destaque para o domínio da arte mais popular: o cinema) — já era assim no tempo do Estado Novo, continua a ser assim em plena democracia.
Na conjuntura actual, avizinham-se dias agitados em que se vão digladiar as culpas repartidas entre "Cavaco" e "Sócrates". Na prática, encarados de tal maneira, eles estão e estarão reduzidos a figurantes mais ou menos intermutáveis de uma mesma decomposição de valores. Por uma ou outra via, apenas se acentuará uma insinuação brutal: a de que não sabemos viver em colectivo. É essa descrença que nenhuma força política ousa enfrentar. Porquê? Porque a coragem de o fazer implicaria uma clara demarcação dos modos correntes de fazer a própria política.
Eleições 2009: "Maria vai com as outras..."
Eram 20h23 de domingo, dia 27, quando, na RTP1, Marcelo Rebelo de Sousa resumiu as previsões eleitorais através de um novo conceito: o de que as sondagens dos últimos dias geram um efeito de clonagem (a palavra é minha) e que, por isso, os eleitores tendem a favorecer quem vai à frente, adoptando uma atitude de “Maria vai com as outras” (as palavras são do comentador). Num ápice, Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu duas coisas tristes: primeiro, desvalorizar o trabalho das televisões que, apesar do populismo das programações, tentam compreender os movimentos sociais; segundo, legitimar a suposição de que muitos eleitores portugueses são imaturos.
Que contraponto tivemos para contrariar esta ligeireza? Em boa verdade, não foi fácil orientarmo-nos. Por um lado, as televisões investiram na criação de aparatos visuais que, para além do “conteúdo”, sugerissem uma “forma” mais ou menos sofisticada e futurista. Por outro lado, importa perguntar se essa agitação das imagens (e dos sons) gera pertinência informativa e precisão analítica. De facto, a profusão de números e gráficos favoreceu, por vezes, um barroquismo desmobilizador: quando uma imagem se limita a ostentar uma lógica de acumulação, o desejo de olhar vai-se anulando.
Aliás, voltando às palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, importa dizer em sua defesa que ele se limita a encarnar um modelo de comunicação (?) que se tornou dominante: o de que é preciso dizer num brevíssimo instante aquilo que, eventualmente, levou horas a pensar ou uma vida inteira a encontrar. Por mim, como espectador, gostava de não ver profissionais talentosos a correr atrás de políticos, “exigindo-lhes” que digam numa fracção de segundo aquilo que, afinal, não têm gosto em dizer.
O marketing de cinema... acabou?
Não gosto de favorecer “estatísticas” construídas a partir de experiências meramente pessoais. Em todo o caso, com o passar dos anos, é inevitável prestar alguma atenção a sinais muito peculiares (aliás confirmados por outros). Assim, sempre me surpreendeu a quantidade de pessoas, espectadores regulares de cinema, que me dizem uma de duas coisas: ou que não sabiam que determinado filme estava em exibição, ou que tentaram ver um outro filme, mas já não o encontraram nas salas...
No celeiro...
A outra banda
Em Tóquio, com a 'Monocle'
Quando o telefone toca...
Hugh Jackson não saiu da personagem, mas não escondeu que o facto o incomodou. Convenhamos que tem razão. A arte de ser espectador pede as suas regras. Uma delas a de desligar os telemóveis.
Para revisitar 'Abbey Road'
Ongoing... where?
A TVI volta a estar na esfera de influência de José Eduardo Moniz. A Ongoing, grupo no qual assumiu a vice-presidência em Agosto, acaba de comprar uma posição de 29,69% da Media Capital, com possibilidade de chegar aos 35%. Uma operação que avalia a Media Capital em 450 milhões de euros, pelo que o investimento da Ongoing será de 134 milhões de euros (...).
segunda-feira, setembro 28, 2009
Eleições 2009: o que é "governabilidade"?
Em Portugal, o comentário político faz-se também de vagas de "conceitos" que, com maior ou menor enraizamento nos próprios factos políticos, tentam enquadrar o pensamento (também ele político). Deste último processo eleitoral fica um desses produtos conceptuais — a "governabilidade" — cuja existência justificaria, em si mesma, uma minuciosa desmontagem psicológica e simbólica.
Não é fácil esclarecer de onde veio esta ideia de "governabilidade", quem a formulou e como a sua expressão se tornou quase obrigatória no quotidiano de debates e comentários. Uma coisa é certa: a premência da "governabilidade" sugere ao eleitor que o seu voto pode ser um erro. Porquê? Porque se não for possível governar o país, a culpa é do próprio voto... Como é óbvio, semelhante insinuação moral articula-se com outra sugestão, esta mais explicitamente política: a de que o voto "útil" é condição essencial para a garantir a dita "governabilidade".
Efeito prático de tudo isto? Desde logo, o de favorecer essa monstruosidade ideológica segundo a qual existem votos "inúteis". Mas também, o de "forçar" o eleitor a considerar que o princípio básico da delegação democrática de poderes — o de fazer uma escolha consciente e motivada — pode e deve ser secundarizado. Em boa verdade, esta hiper-conceptualização da vida político-eleitoral faz do eleitor um jogador de um xadrez cujas regras são tanto mais difusas quanto a sua possibilidade sugere uma hipótese mais ou menos maligna: a do eleitor, incauto ou distraído, votar contra a viabilidade histórica do seu próprio país. Como aqueles comentadores desportivos que gastam horas a proclamar que um resultado foi "injusto" — como se eles tivessem alguma hipótese secreta de resultado que não dependesse das... bolas que entram nas balizas.
Não deixa de ser curioso que, depois, as boas almas venham, pesarosas, lamentar-se da indiferença de alguns sectores da juventude pelas práticas eleitorais. De facto, se votar implica ser sancionado por causa do sentido do próprio voto, para quê votar?
Queer Pop: Farmer por Ferrara
Vale a pena começar por recordar a presença de Mylène Farmer através de alguns telediscos que reflectem um profundo desejo de ficção e, através dela, uma lógica de aproximação a certos modelos cinematográficos. California (do álbum Anamorphosée, 1996) é um excelente exemplo, tanto mais que reflecte o encontro da estética barroca de Farmer com o realismo cru de Abel Ferrara. Em boa verdade, não é possível assistir ao teledisco sem sentir como Ferrara deixa as marcas do seu desencantado romanesco — Dangerous Game, com Madonna, lançado em 1993, é uma referência incontornável, e tanto mais quanto Farmer aposta numa duplicação (iconográfica & dramática) que é uma marca forte de vários telediscos da 'Material Girl'.
"Estado de Guerra", Hollywood e... o resto
Estreou-se esta semana nas salas portuguesas [17 de Setembro] o fabuloso filme Estado de Guerra (título original: The Hurt Locker), de Kathryn Bigelow, não apenas um retrato íntimo de um grupo de soldados americanos no Iraque, mas também um exercício de cinema que se coloca na vanguarda do debate contemporâneo sobre as virtualidades do realismo e a necessidade, estética e ética, de reagir ao generalizado “naturalismo” televisivo.
A simples existência do filme de Bigelow serve de desmentido a um velhíssimo e muito poderoso preconceito segundo o qual o cinema americano é avesso a lidar com as convulsões da história e, em particular, com os traumas políticos e afectivos do seu próprio país. Por vezes, face a certo tipo de discursos “jornalísticos”, tem-se a sensação de que só é possível discutir o cinema americano a partir de uma birra infantil: os filmes teriam que ser todos “bons” ou todos “maus”... Em boa verdade, um olhar minimamente disponível compreende que, desde os tempos fundadores de David W. Griffith [foto] até à actualidade de David Fincher, a energia criativa de Hollywood revela uma sistemática, por vezes muito corajosa, capacidade de lidar com a história dos EUA, enfrentando os seus eventos, símbolos e contradições. Nesse sentido, qualquer imagem unívoca de Hollywood, reduzindo o labor dos seus filmes aos clichés promocionais dos blockbusters de Verão, não é apenas factualmente incorrecta: através de tal imagem, empenhada em “denunciar” o imobilismo ideológico do cinema americano, apenas se promove um outro tipo de chantagem ideológica, enraizada no mais ancestral anti-americanismo primário.
Não deixa de ser irónico que o filme de Bigelow tenha sido lançado em simultâneo com um outro título, Pânico em Hollywood, que tem por tema central os próprios bastidores do cinema americano e, em particular, as relações nem sempre muito saudáveis entre produtores, actores e pessoal executivo. Realizado por Barry Levinson, o filme distingue-se por um tom de comédia muito sarcástica, e tanto mais quanto nasce de um olhar visceralmente interior: Pânico em Hollywood foi escrito pelo produtor Art Linson, adaptando o seu próprio livro What Just Happened? Bitter Hollywood Tales from the Front Line. No elenco figuram nomes tão fortes como Robert De Niro, Sean Penn, John Turturro, Robin Wright Penn, Kristen Stewart (a jovem protagonista de Crepúsculo) e Bruce Willis. A sua presença, até pela auto-ironia que por vezes implica (veja-se a composição de Willis como estrela caprichosa), reforça o efeito perverso de assistirmos a uma cruel contemplação de Hollywood no espelho das suas contradições.
Neste contexto, o mais bizarro é o tempo que foi preciso esperar para, finalmente, vermos os dois filmes. Pânico em Hollywood teve a sua estreia mundial em Maio de 2008, no Festival de Cannes (com honras de filme oficial de encerramento), enquanto Estado de Guerra foi revelado, também em 2008, há cerca de um ano, na Mostra Cinematográfica de Veneza. Dir-se-ia que a própria máquina de difusão de Hollywood evoluiu de forma também ela perversa, a ponto de não saber o que fazer com algumas das suas produções mais radicais, ou apenas estranhamente “diferentes”. Como se os estrategas do marketing já só soubessem lidar com blockbusters...
Os espaços da memória
Single e antologia antes do filme
Novo filme de François Ozon
'Ander' vence Queer Lisboa 13
Nos documentários o filme vencedor foi Fig Trees, do canadiano John Greyson, uma ópera-documentário sobre a história da luta contra a sida. Nesta categoria, uma Menção Especial foi atribuída a a Verliebt, Verzopft, Verwegen, de Katharina Lampert e Cordula Thym.
Nas Curtas Metragens, a vitória sorriu a Y Solo Miro, de de Gorka Cornejo.
E afinal há água na Lua!
Fala-se que a descoberta poderá chamar novamente as atenções para a exploração lunar. Uma das razões tem a ver com o facto de, após esta descoberta, se levantarem novos motivos para a busca de sinais de presença de vida fora da Terra.
Eleições 2009: o que é um eleitor?
Uma das "leis" mais espantosas que as televisões todos os dias nos tentam impor é a da motivação compulsiva. Exemplo? Veja-se o futebol: um golo pode entrar porque um jogador falhou o pontapé, outro escorregou e, finalmente, porque um buraco na relva alterou a trajectória da bola... mas há sempre um comentador esforçado que nos consegue "demonstrar" que tudo aquilo resultou de uma estratégia de "pressão", de uma táctica em "losango" ou ainda dessa coisa maravilhosa que é a excelência do "jogo aéreo"...
Na noite das eleições legislativas de 27 de Setembro, assistiu-se a algo semelhante. Como? Pelo modo como algumas vozes nos quiseram fazer crer que o eleitorado falou. Claro que falou. Mas quando se aplica tal noção é quase sempre para avançar com deduções que, de facto, extrapolam muito para além do domínio individual e privado em que, por definição, o voto é exercido.
Curiosamente, este tipo de "raciocínios" tem sempre o mesmo efeito: o de mascarar que, depois da contagem dos votos, as decisões são naturalmente — isto é, democraticamente — transferidas para a classe política. É por isso, aliás, que se fala em democracia representativa. Dir-se-ia que há comentadores que confundem cada eleitor com um ilustrador das interpretações que eles próprios defendem, na prática esvaziando e, num certo sentido, des-responsabilizando a classe política.
domingo, setembro 27, 2009
"Taking Woodstock" em cartaz
Eleições 2009: que comunicação social?
Ao terminar a campanha eleitoral, creio que não será arriscado afirmar que há um sentimento maioritário de cansaço: os eleitores, ou melhor, todos nós, cidadãos com direito de voto, suportamos cada vez menos a retórica política, a vulgaridade televisiva, a mediatização “espectacular”, mas inócua. Em todo o caso, creio que começamos apenas a pressentir um saldo que transcende o espaço específico da política, tanto mais perturbante quanto pouco abordado: tem a ver com a percepção pública dos meios de comunicação, em geral, os jornais e as televisões, em particular.
Não é, entenda-se, um mero problema de “qualidade” (como quando se tenta opor os filmes de “qualidade” ao cinema “popular”). É uma questão que nos remete para a inserção social desses meios de comunicação e, sobretudo, para o seu papel na dinâmica de ideias e valores, do que se diz e recalca, do que se mostra ou oculta.
Qual é o meu ponto? É um ponto de pedagógica humildade: creio que atravessámos uma campanha eleitoral que deixa nos cidadãos questões novas também sobre as informações que lhes chegam através da comunicação social. São questões que estão para além da dicotomia “verdade/mentira”, uma vez que implicam diferentes visões do mundo, a começar pelo mundo da política.
Devo dizer, sem ambiguidade, que encaro essa dinâmica como um factor eminentemente positivo: leitores/espectadores mais atentos e exigentes só podem contribuir para formas mais ricas e construtivas de pensar e fazer jornalismo. O modelo de imprensa dos “famosos”, mesmo sem ser dominante, lançou um véu de banalidade sobre o nosso quotidiano, tornando tudo fútil, irrisório, por vezes grosseiramente obsceno. Trata-se agora de saber se crescemos o suficiente para voltar a pensar quem somos e como vivemos. Isso tem, aliás, um nome nobre: política.
sábado, setembro 26, 2009
Pedro Costa, cineasta e português
Enquanto ainda circulam os ecos televisivos dos polémicos penalties da última jornada futebolística, está a decorrer, em Londres, numa das mais prestigiadas instituições artísticas do planeta (Tate Modern), uma retrospectiva integral da obra de um dos grandes cineastas portugueses. Chama-se ele Pedro Costa, nasceu em 1959, e o seu nome é desconhecido da esmagadora maioria da população do seu próprio país.
Bem sabemos a triste confusão que circunstâncias como esta quase sempre lançam na praça pública. Na melhor das hipóteses, ficaremos pelo voto piedoso de celebrar o prestígio que os nossos artistas conseguem “lá fora”; na pior, assistiremos à renovada avalancha de demagogia que proclama que os intelectuais só falam de filmes que “ninguém” quer ver (demagogia que, curiosamente, passou incólume da época do Estado Novo para os tempos da democracia). Vale a pena, por isso, desviarmo-nos e dar alguma atenção às convulsões internas da obra de Pedro Costa. Ou seja, e de acordo com o voto de Baudelaire, vale a pena sermos parciais, políticos e apaixonados.
Os três filmes que Pedro Costa fez no Bairro das Fontainhas, entre 1997 e 2006 (Ossos, No Quarto da Vanda e Juventude em Marcha), constituem um desafio extremo, e de extrema beleza, inerente ao mais radical cinema contemporâneo, de Jean-Luc Godard a David Lynch: trata-se de saber como é possível continuar a contar histórias que respeitem a complexidade dos seres humanos, ao mesmo tempo recusando a normalização estética e moralista de muitas ficções de raiz televisiva. No caso de Pedro Costa, podemos perceber agora que esse empenhamento liga a austeridade do filme de estreia, O Sangue (1989), com a estranha musicalidade do recentíssimo Ne Change Rien, com Jeanne Balibar. Além do mais, o penalty que deu a vitória ao Benfica foi mal assinalado.
"Abbey Road": a contracapa
Vale a pena, desta vez, nem que seja por ironia, contrapor à imagem da capa de Abbey Road a sua sombra nunca lembrada. Ou melhor: a contracapa (tão interessante quanto a capa). Nela vemos uma figura feminina que sai de campo, deixando-os apenas face à precisão informativa do lugar. Podemos perguntar: quem é aquela mulher que a história não regista? A resposta, mesmo que não a tenhamos (aliás, sobretudo porque não a temos), envolve sempre uma promessa de ficção. Ou como qualquer dinâmica cultural se faz tanto das histórias que se contam como das que ficam por contar.
It was 40 years ago today...
1969 tinha já assistido à gravação (não acabada) de um disco frente às câmaras (durante a qual George Harrisson quase bateu com a porta), a um concerto no telhado da sede da Apple, às primeiras acções de intervenção política de John Lennon… O clima era de claro fim à vista. Mas havia contudo um ponto final por escrever. E com a chegada do verão, os quatro músicos resolvem reencontrar-se para gravar um novo álbum, desafiando Geroge Martin a retomar o seu lugar na produção. Como o confirmaram mais tarde na autobiografia Anthology, sabiam que seria o seu último disco. Mas não imaginavam, naturalmente, que seria também um dos seus melhores...
Tal como acontecera durante a gravação do álbum “branco” de 1968, o disco viu frequentemente os quatro elementos dos Beatles a trabalhar em separado, na verdade muitas vezes juntos apenas para lançar a estrutura das canções. John Lennon sofreu um acidente de automóvel e foi hospitalizado, chegando a estúdio alguns dias depois dos outros... A principio colaborou nas gravações em curso. Mas acabaria por dar ao disco alguns dos seus momentos mais memoráveis com Come Together e Because. O álbum destaca contudo a mestria em estúdio de Paul McCartney e confirma definitivamente o talento autoral de George Harrisson, que assina Here Comes The Sun e Something, outros clássicos nascidos deste alinhamento de despedida.
Trabalharam no álbum de início de Julho a finais de Agosto, pensando em Everest como o eventual título a dar ao álbum. Era a marca de cigarros usada por um dos técnicos do estúdio e tinham levantado a hipótese de fazer uma foto da banda, com o pico do monte Everest por cenário... Mas a 8 de Setembro, Paul McCartney propõe uma alternativa, dando-lhe o nome dos estúdios onde tinham registado grande parte da sua obra, escolhendo como imagem da capa uma foto (hoje mítica) dos quatro a atravessar uma passadeira a poucos metros do nº 3 de Abbey Road.
As sessões em Abbey Road prolongam-se até finais de Agosto. No dia 20 assinam a sua derradeira sessão conjunta a quatro (a seguinte, e essa sim a definitiva sessão de gravação dos Beatles, seria já em Janeiro de 1970, para overdubs em Get Back, mas juntando apenas Paul e Ringo). Segiu-se, no dia 22, a última sessão fotográfica. E o fim estava finalmente mais perto que nunca. E do divórcio a caminho só não houve notícias mais cedo à conta de negociações que decorriam com a editora. A 13 de Setembro, a dias do lançamento de Abbey Road, Lennon dá o seu primeiro com a Plastic Ono Band em Toronto (Canadá). Em Outubro Lennon regressava aos estúdios Abbey Road, desta vez com a sua nova banda. No mesmo mês um jornalista batia à porta da quinta de McCartney na Escócia, onde este dá uma entrevista para desmontar de vez a história que dava conta da sua morte três anos antes. Ainda nesse mês, e com George Martin na produção, Ringo Starr era o primeiro Beatle a gravar um disco realmente a solo. Pouco depois, inicialmente sob o pseudónimo Billy Martin, Paul McCartney começava a gravar o seu primeiro álbum a solo entre sessões em casa e ocasionais tardes de trabalho num estúdio profissional em Willesden. George Harrisson, por sua vez, lançava as bases para o que seria All Things Must Pass, o seu triplo álbum de estreia a solo.
Imagens do filme promocional da época que acompanhou Something, canção de George Harrison escolhida como single entre o alinhamento de Abbey Road.
A IMAGEM: o ensaio
Um momento de um ensaio da companhia francesa Asphalte, em plena Semana da Dança em Sofia.
Queer Lisboa 13: dia 9
À noite, pelas 21.00, a Gala de Encerramento apresentará os vencedores das secções competitivas. Ao que se segue o filme Were The World Mine, um musical assinado por Tom Gustafson, que tem por peça central uma produção do ‘Sonho de Uma Noite de Verão’, de Shakespeare.
Informação completa sobre as sessões do dia de hoje aqui, no link ‘Calendário das Sessões’.
Trailers dos filmes no festival aqui.
sexta-feira, setembro 25, 2009
O Mal segundo Orson Welles
Enfim, deixemo-nos de lirismos e lembre-mos que The Stranger/O Estrangeiro (1946) passou a estar disponível em DVD, permitindo-nos reencontrar o autor de O Mundo a Seus Pés (1941) numa altura em que a sua relação com o sistema de estúdios já se tinha começado a degradar, mesmo se é verdade que estamos perante um dos seus títulos de maior sucesso comercial. Seguindo um registo de thriller — um elemento da Comissão da ONU para os Crimes de Guerra (Edward G. Robinson) tenta identificar um nazi (Welles) que assumiu nova identidade, casou-se com a filha (Loretta Young) de um juiz e integrou-se numa pequena cidade americana —, Welles filma, em última instância, o labor do Mal no interior das rotinas do quotidiano. É, além do mais, um filme que reage, ainda a quente, às memórias da Segunda Guerra Mundial. Tradicionalmente encarado como um objecto "menor" na trajectória de Welles, O Estrangeiro aí está, desafiando os clichés da história e, com ou sem cobertura mediática, distinguindo-se como um dos grandes acontecimentos recentes no espaço do DVD.
Eleições 2009: erotismo ma non troppo
Um dos mais interessantes cartazes surgidos nesta campanha faz-se com um grande plano de um rapaz e uma rapariga, abraçados. Ele está de costas, ela olha para fora da imagem e trinca a ponta da orelha dele. Há uma clara sugestão de cumplicidade sexual, confirmada pela frase mais destacada: “A tua primeira vez...”. Através das restantes frases, percebemos que se trata da “primeira vez” eleitoral: “Não deixes que escolham por ti, vota!”.
O cartaz [em cima] é da Juventude Social Democrata e tem, pelo menos, o mérito de fugir ao modelo dominante desta campanha: os líderes são quase sempre representados como cabeças de marioneta, literalmente sem corpo, sob fundo mais ou menos neutro, sem qualquer contexto realista ou simbólico. Por vezes, a simples qualidade fotográfica é banal, como em alguns cartazes de Francisco Louçã ou Manuela Ferreira Leite, o que só pode enfraquecer ainda mais o impacto das “mensagens”.
Quase ninguém arriscou qualquer tipo de discreta erotização, como aquela que, com calculada ironia, se encontra no cartaz da JSD. As outras excepções são os dois cartazes de José Sócrates, sob o lema “Avançar Portugal”: o primeiro rodeado de personagens femininas; o segundo [em baixo] mais abstracto mas, apesar de tudo, remetendo para alguma contextualização humana.
A contradição é preocupante: por um lado, os partidos têm sempre qualquer coisa de panfletário para dizer sobre a sociedade da “informação”, o mundo das “imagens”, a importância dos “media”, etc., etc.; por outro lado, revelam uma impotência iconográfica que os faz parecer associações civis a pregar para uma sociedade onde ainda nem sequer existe rádio. O problema não é a eventual mediocridade de conselheiros de imagem ou técnicos de marketing: é não haver políticas verdadeiramente imaginativas que os ponham a trabalhar de outro modo.
Pela estrada fora (de barco)
Damon olímpico?
Palau dá um exemplo
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Queer Lisboa 13: dia 8
Neste penúltimo dia do Queer Lisboa 13 a música volta a ter algum protagonismo, hoje com a exibição do documentário Pansy Division: Life Of A Gay Rock Band, que dá a conhecer a história de um nome de referência do universo queercore.
Informação completa sobre as sessões do dia de hoje aqui, no link ‘Calendário das Sessões’.
Trailers dos filmes no festival aqui.
Em alternativa à banda sonora...
'Something New' (álbum americano), 1964
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Nos EUA a primeira edição de temas ligados ao filme A Hard Day’s Night ficou por conta da United Artists, que distribuiu o filme. Nos EUA, a Capitol Records lançou então um outro álbum alternativo. O alinhamento de Something New recolhe oito canções do álbum inglês, junta ainda dois momentos do EP Long Tall Sally e uma versão em alemão de I Want To Hold Your Hand. Nos EUA nunca foi acima do nº2, suplantado pelas vendas da banda sonora, editada pela United Artists. Houve na época uma edição especial deste disco para venda entre as forças armadas americanas em bases europeias.