terça-feira, setembro 08, 2009

Cine-Madonna (5/7)

Está a chegar Sujidade e Sabedoria (estreia: 10 Setembro), primeiro filme de Madonna cineasta, suscitando memórias do seu trajecto em cinema — é uma boa oportunidade para revisitarmos alguns dos seus trabalhos como actriz, começando por recusar a mitologia negativa que considera a sua carreira "irrelevante". [1] [2] [3] [4]

Com Harvey Keitel e Madonna, sob a direcção de Abel Ferrara, começou por se chamar Snake Eyes e estreou nos EUA a 19 de Novembro de 1993. Com recepção genericamente muito negativa na imprensa (nalguns casos, ironicamente, ilibando o trabalho de Madonna), foi ainda penalizado por desentendimentos radicais entre Madonna e Ferrara. Ela sem grandes pudores: "Apesar de ser um filme de merda e que eu odeio, estou muito bem nele." Ele respondendo-lhe democraticamente: "Ela nunca teve uma crítica boa do Village Voice ou do New York Times, mas teve boas críticas com este filme e veio a público para o destruir. Nunca a hei-de perdoar por isso."
Em boa verdade, ambos se enganaram, e para seu próprio prejuízo: trata-se, por certo, do mais complexo e sofisticado trabalho de Madonna como actriz e, provavelmente, do filme de Ferrara mais vocacionado para adquirir o cristalino estatuto de clássico. Centrando-se nas relações entre uma actriz (Madonna) e o seu realizador (Keitel), é um retrato muito cru dos bastidores do trabalho cinematográfico, ou melhor, do modo como esse trabalho existe sempre como um eco mais ou menos perverso dos seus bastidores -- nessa medida, reencontrando uma tradição de Hollywood que passa por momentos emblemáticos como The Bad and the Beautiful/Cativos do Mal (1952), de Vincente Minnelli, ou Assim Nasce uma Estrela/A Star Is Born (1954), de George Cukor. A cena final, com James Russo e Madonna a filmar uma cena em que ele aponta uma arma à cabeça dela, enquanto o realizador tenta provocar a ficção até um extremo intolerável de realismo, constitui, por si só, um pequeno tratado sobre a trama de verdade/ilusão de que se tece o cinema.
Mas a história é o que é, e o filme estreou em pouquíssimos países: França foi uma excepção, quand même, enquanto Portugal seguiu a regra geral e apenas lançou o filme, mais tarde, em DVD, com o título infeliz de Linha de Separação. Entretanto, na origem, o título tinha sido mudado para Dangerous Game.