São palavras de Rich Cohen, na sua entrevista a Angelina Jolie, publicada na Vanity Fair com data de Julho — chama-se 'A woman in full'. Com fotografias de Michael Roberts, reminiscentes do glamour clássico de Hollywood, trata-se de uma viagem através da própria condição de estrela e de todos os elementos que excedem o seu estatuto mítico: dos conflitos com o pai (Jon Voight) à vida de casados (sem casamento) com Brad Pitt, da gravidez ao trabalho humanitário, do filme do Oscar em 2000 — Girl, Interrupted/Vida Interrompida, de James Mangold — ao recentíssimo papel no blockbuster Wanted [trailer aqui em baixo]. É um retrato exemplar de uma vedeta exemplar, não confundindo a fama com a cedência à mediocridade jornalística. Diz ela (quando Cohen lhe pergunta se procura os tablóides para ler histórias de outras estrelas): "Nunca faria tal coisa. Estaria a ler sobre alguns bons amigos e nem sequer quero isso na minha cabeça... uma fábula invertida sobre pessoas de que gosto. Não quero pensar nisso. Devo-lhes isso, não prestar atenção. Sei que não é verdade. Mais de 95 por cento do que se diz sobre nós é totalmente falso."
segunda-feira, junho 30, 2008
Jolie, Angelina
São palavras de Rich Cohen, na sua entrevista a Angelina Jolie, publicada na Vanity Fair com data de Julho — chama-se 'A woman in full'. Com fotografias de Michael Roberts, reminiscentes do glamour clássico de Hollywood, trata-se de uma viagem através da própria condição de estrela e de todos os elementos que excedem o seu estatuto mítico: dos conflitos com o pai (Jon Voight) à vida de casados (sem casamento) com Brad Pitt, da gravidez ao trabalho humanitário, do filme do Oscar em 2000 — Girl, Interrupted/Vida Interrompida, de James Mangold — ao recentíssimo papel no blockbuster Wanted [trailer aqui em baixo]. É um retrato exemplar de uma vedeta exemplar, não confundindo a fama com a cedência à mediocridade jornalística. Diz ela (quando Cohen lhe pergunta se procura os tablóides para ler histórias de outras estrelas): "Nunca faria tal coisa. Estaria a ler sobre alguns bons amigos e nem sequer quero isso na minha cabeça... uma fábula invertida sobre pessoas de que gosto. Não quero pensar nisso. Devo-lhes isso, não prestar atenção. Sei que não é verdade. Mais de 95 por cento do que se diz sobre nós é totalmente falso."
Camané: no interior do fado
Bruno de Almeida — que também o realizou o teledisco de Sei de um Rio [aqui em baixo] — instala-se no estúdios da Valentim de Carvalho, em Paço d'Arcos, não tanto para fazer uma "reportagem", mas sim para sentir o trabalho interior da música. Na sua relação com o produtor José Mário Branco, descobrimos a singular energia criativa de Camané, sempre na fascinante corda bamba entre uma fragilidade exposta e uma obstinada procura de rigor. Se Sempre de Mim é um momento emblemático para pensarmos o(s) futuro(s) do fado, o filme que o acompanha permite pressentir as encruzilhadas desse trabalho em que a verdade da tradição se combina com as peculiaridades do nosso presente.
A agonia da imprensa desportiva
... Mas é um facto absolutamente chocante: estas são as primeiras páginas de hoje, dia 30 de Junho de 2008, dos três principais diários desportivos portugueses. Já sabíamos que, depois da histe-ria "patriótica" em torno da selecção portuguesa, a imprensa despor-tiva reduzira o Euro 2008 a um acontecimento irrelevante — basta recordar o que tinha acontecido ontem. Seja como for, ninguém poderia imaginar que a indiferença chegasse a este ponto: três modestíssimas chamadas de capa para aquele que é o maior evento futebolístico do continente europeu e, objectivamente, o segundo maior do mundo. Veja-se, por contraste, o que faz um jornal de referência no mundo do jornalismo desportivo, para mais de um país (França) cuja selecção nem sequer foi além da fase de grupos.
Assim vai agonizando um espaço fundamental, não apenas do jornalismo, mas da cultura popular — a imprensa desportiva —, transformando os seus leitores em corretores imaginários dos negócios dos empresários do futebol... E não se julgue que se trata de "hierarquizar" jornais e jornalistas entre "sérios" e "fúteis", muito menos de julgar as competências seja de quem for. Trata-se, isso sim, de perguntar o que pensa a classe jornalística desta perda dos mais simples, e também mais nobres, valores editoriais.
Tom Waits entrevista Tom Waits
A pretexto da sua recente passagem por Edimburgo, o jornal britânico The Independent solicitou uma entrevista a Tom Waits. Assim se fez, com o pormenor não exactamente secundário de ser uma... auto-entrevista. Artistas que moldaram a sua vida criativa? Kerouac, Dylan, John Ford, Weegee, Jagger... Que está errado com o mundo? Estamos enterrados sob o peso da informação, confundindo-o com conhecimento. Coisas notáveis encontradas em lugares inesperados? O sítio com mais lojas de presentes: Fátima, Portugal. Enfim, não dá mesmo para resumir... É um exercício de encenação, exuberante e exuberantemente paradoxal, porque muito confessional — vale mesmo a pena ler.
"Woodstock negro"
domingo, junho 29, 2008
Jakob Dylan em tom intimista
Uma excelente oportunidade de escutar, ao vivo, várias canções do primeiro álbum a solo de Jakob Dylan, Seeing Things. Trata-se de um concerto gravado no passado dia 31 de Maio, em Filadélfia, no âmbito da NON-COMMvention, promovida pela rádido da Universidade da Pensilvânia, WXPN — são cerca de 40 minutos em ambiente de contagiante initimismo.
Vergílio Ferreira inédito
Um grande acontecimento literário: o início da publicação dos inéditos de Vergílio Ferreira (1916-1997), precisamente com Diário Inédito 1944-1949 (Bertrand Editora), organizado e anotado por Fernanda Irene Fonseca. Pelo seu carácter fragmentário, mas obstinado, este é um exercício de escrita que antecipa muitas caracteríticas dos volumes de Conta-Corrente. Além do mais, pelas circunstâncias peculiares da vida do autor — o casamento, o trabalho como professor, o desencanto face ao Portugal do pós-guerra —, encontramos também aqui os ecos de um tempo de profunda reflexão e transformação pessoal. Nesta perspectiva, é particu-larmente interessante perceber como a leitura de vários filósofos, sobretudo Jean-Paul Sartre, vai moldando a personalidade de um dos maiores escritores portugueses do século XX.
>>> Vergílio Ferreira no site do Instituto Camões.
>>> Blog da Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira (Gouveia).
O Euro 2008 nunca existiu
Cascatas em Nova Iorque
A arte de comunicar
Um talento precoce?
O Terceiro Irmão surgiu em 2005, três anos depois de Doze. Tal como no primeiro romance, o livro sugere traços de afinidade do autor para com os cenários que acolhem a narrativa e os ambientes que recebem as personagens que cria. Construído por pequenos capítulos, definindo o rumo dos acontecimentos pela soma ordenada de fragmentos de acções, pensamentos ou memórias, O Terceiro Irmão divide palcos essencialmente entre Banguecoque (na Tailândia) e Nova Iorque. A vivência asiática, que em parte pode ser fruto de um estágio do autor na Time Asia durante o seu segundo ano em Harvard, define a primeira parte da história. O protagonista Mike é, não muito longe da experiência pessoal Nick McDonell, um jovem jornalista, de 19 anos, a cumprir um estágio em Hong Kong e estudante universitário. Enviado para acompanhar um sénior num trabalho em Banguecoque vê-se imerso num submundo que o força a repensar o seu universo pessoal. A segunda parte do livro transporta-nos para o caos da baixa de Manhattan no dia 11 de Setembro de 2001. O horror do ataque às Torres Gémeas partilha as preocupações do protagonista com os fantasmas que atormentam o irmão mais velho, Lyle, um dos quais não sendo mais que um "terceiro irmão" que, na verdade, não existe. Mas tal como o World Trade Center, a família de Mike é, no fim do dia, um destroço...
Contra o entusiasmo que acolheu Doze, o segundo romance de Nick McDonell dividiu opiniões. Os elogios de uns contrastam com as palavras mais cautelosas de outros. De facto, se a estrutura fragmentada da escrita e a evolução da narrativa em curtos capítulos revelam um gosto pela definição de um ritmo cativante de leitura em tudo fiel à lógica dos tempos em que vivemos, por outro O Terceiro Irmão acaba por transpirar um caso de mais olhos que barriga. A ligação entre as três partes é frágil. E dosear de protagonismos entre figuras e cenários da acção acaba por retirar algum peso ao “terceiro irmão” que dá título ao livro. Mais uma vez vale a pena reflectir sobre se um comportamento precoce é necessariamente indicador de talento futuro. E sobre as consequências do sucesso demasiado rápido.
Obama: uma fotografia apenas
Aqui em baixo, podemos ver um outro exemplo da ressonância da candidatura de Obama na comunidade artística americana — tele-disco da canção We Are the Ones, por Will.i.am (que já compusera Yes We Can).
sábado, junho 28, 2008
Música para os 90 anos de Mandela
Sob o signo de Annie Leibovitz
Tem sempre qualquer coisa de desconcertante encontrar na tele-visão referências ao mundo da fotografia. Quanto mais não seja porque a informação televisiva, estonteada pelo seu pró-prio “movimento”, quase só utiliza as imagens fotográficas como uma espécie de lapso: a câmara (televisiva) não estava lá... Foi, por isso, um prazer muito especial poder ver na madrugada do dia 21 (RTP2) um documentário sobre Annie Leibovitz, fotógrafa que, desde os tempos heróicos da revista Rolling Stone até à sua actual ligação com a Vanity Fair, tem construído uma obra fascinante em que as noções de reportagem e artifício parecem coexistir e até, por vezes, complementar-se em termos criativos.
Produzido pela PBS americana em 2006, com realização da irmã de Annie, Barbara Leibovitz, Annie Leibovitz: Life Through a Lens segue um dispositivo tradicional, combinando uma entrevista central com depoimentos de personalidades e mate-riais de arquivo. Se o seu efeito supera qualquer pendor académico, isso resulta, não apenas da evidente cumplicidade que existe entre as duas irmãs, mas também do facto de o filme ter sido rodado sob o efeito da publicação do livro A Photographer’s Life: 1990-2005, verdadeiro objecto confes-sional em que, pela primeira vez, Leibovitz se dá a ver com a sua família e, em particular, na sua relação com Susan Sontag (1933-2004).
A travessia de um universo como o de Leibovitz é tanto mais estimulante quanto ela foi (e continua a ser) uma das mais brilhantes retratistas de famosíssimas personalidades, em particular da música e do cinema, sem nunca ceder a qualquer simplificação “voyeurista”, muito menos moralista. Entre os muitos momentos marcantes da sua carreira está a lendária fotografia de John Lennon, nu, abraçado a Yoko Ono, imagem que serviria de capa à Rolling Stone publicada logo após o assassinato de Lennon (a 8 de Dezembro de 1980). A evocação, por Yoko Ono, da respectiva sessão fotográfica foi um dos momentos mais intensos, e também mais pudicos, deste documentário capaz de nos ensinar a respeitar as imagens.
O renascimento pop dos Sparks
sexta-feira, junho 27, 2008
Na esplanada da Cinemateca
Filme sobre Glass no DocLisboa
Ao serviço de James Bond
'A View To A Kill' (single), 1985
A última gravação da formação original dos Duran Duran antes da sua reunião em 2001 representou não só um dos seus maiores êxitos mas, também, um dos mais sólidos clássicos da sua obra. A história da canção começou quando, uma noite, e sem grande diplomacia numa primeira abordagem, o baixista John Taylor, grande admirador de James Bond, perguntou ao produtor Cubby Briccoli, responsável pelos filmes, quando poderia ele ver alguém “decente” a compor para o espião 007... Os mais recentes filmes, com canções de vozes como Rita Coolidge, Shirley Bassey (em terceira colaboração Bond em Moonraker) e Sheena Easton (menos mal que as demais) tinham revelado canções muito aquém do filão que outrora gerara clássicos como Goldfinger (da já citada Shirley Bassey), You Only Live Twice (Nancy Sinatra) ou The Man With The Golden Gun (Lulu)... A conversa deu fruto e, pouco depois, os Duran Duran eram convidados a assinar o tema para o novo filme, A View To A Kill. Foram apresentados a John Barry, autor da banda sonora, com quem trabalharam em conjunto na composição e de quem receberam, depois, sumptuoso arranjo de cordas. O single foi editado em Maio, e rapidamente subiu aos primeiros lugares das tabelas mundiais, atingindo o número um em países como os EUA, Canadá, Itália ou Suécia. A View To A Kill é, ainda hoje, o único single de uma canção para James Bond a ter atingido o número um nos EUA. No lado B surge A View To A Kill (That Fatal Kiss), um arranjo orquestral da canção, igualmente presente na banda sonora do filme. A View To A Kill foi um dos quatro temas que o grupo apresentou na sua participação no Live Aid, em Julho desse ano. Esse momento representou a última actuação da formação original do grupo antes do já referido reencontro em 2001.
O teledisco de A View To A Kill assegurou o reencontro do grupo com a dupla Goldley & Creme, que quatro anos antes havia assinado o polémico vídeo de Girls On Film. O grupo surge em situações encenadas na Torre Eiffel, cenário de uma das sequências de acção do filme. A montagem cruza as imagens dos cinco Duran Duran com a perseguição de Roger Moore a Grace Jones, como se todos os acontecimentos estivessem a decorrer em simultâneo, no mesmo lugar.
quinta-feira, junho 26, 2008
"Speed Racer": um clássico do futuro
>>> John Gaeta e os efeitos especiais de Speed Racer, no VRMag.
>>> Site oficial da BD [imagens aqui por baixo] e da série de televisão.
Inspirada nas personagens originais, criadas por um dos pioneiros do anime, o japonês Tatsuo Yoshida (1933-1977), a série de animação americana Speed Racer, também conhecida como Mach Go Go Go, surgiu em 1967 — era este o genérico de abertura.
Os americanos de Robert Frank
Visões e sensações
'Joy Division' estreia a 17 de Julho
E os melhores discos de Maio foram...
INTERNACIONAL:
1º. Santogold “Santogold” - 31%
2º. Cut Copy “In Ghost Colours” - 21%
3º. Martha Wainwright “I Know You’re Married But I’ve Got Feelings Too” - 12%
4º. Jamie Lidell “Jim” - 10%
5º. M83 “Saturdays = Youth” - 7%
....Robert Forster “The Evangelist” - 7%
....Tindersticks “The Hungry Saw” - 7%
8º. Scarlett Johansson “Anywhere I Lay My Head” (*) - 6%
9º. The Whip “X Marks Destination” - 6%
10º.Scott Matthew “Scott Matthew” - 2%
NACIONAL:
1º. Mesa “Para Todo o Mal” - 55%
2º. NBC “Maturidade” - 35%
3º. Rocky Marsisno “Outside The Pyramid” - 10%
(*) Apesar da igualdade no arredondamento, Scarlett Johansson teve mais um voto que os The Whip
quarta-feira, junho 25, 2008
De Hollywood para... Bollywood?
Ry Cooder em tom "retro-futurista"
Vieram do outro mundo...
Para andar às voltas sem sair do lugar
Novo disco dos Pop Dell'Arte
terça-feira, junho 24, 2008
Uma pérola esquecida
Friends assinalou o regresso da banda ao estúdio após o conturbado colapso desse sonho interrompido que se chamou Smile, disco abandonado a meio, e entretanto transformado em Smiley Smile e no imediatamente seu sucessor, Wild Honey, ambos em 1967. Friends representou o último momento de protagonismo de Brian Wilson nos Beach Boys até meados de 70 e a sua presença é bem evidente num disco curto, feito de visões pop, de certa maneira seguindo algumas das sugestões de Pet Sounds. Talvez o segundo melhor álbum da longa discografia dos Beach Boys, Friends acabou, por razões várias, um dos mais injustamente ignorados discos da sua obra e, na tabela de vendas norte-americana não subiu além do número 128!... 1968 foi um ano agitado, dos conflitos nas ruas de Paris aos protestos contra a guerra no Vietname. Sem esquecer as mortes de Luther King e de Robert Kennedy... Friends, apolítico, tranquilo, com marcas pontuais do envolvimento do grupo com a meditação transcendental, era a banda sonora oposta ao rumo dos acontecimentos. E como se o contexto de época não bastasse, a história pessoal do último ano na carreira dos Beach Boys em nada contribuiu para o benefício da dúvida de um público que, entretanto, caminhara rumo a outros heróis... Friends é um disco curto, elegante, pacífico. O tempo deu-lhe atenção e hoje, mesmo mal amado pelas dietas que reduzem a história da pop a uma soma de sucessos, é reconhecido como um dos mais importantes álbuns dos Beach Boys.
Este é o filme promocional que, na época, acompanhou o lançamento de Friends, tema-título do álbum e único single dele então extraído. O arranjo vocal não deixa dúvidas sobre a presença protagonista de Brian Wilson em estúdio. Apesar dos maus resultados obtidos pelo álbum, o single ainda subiu ao número 47 nos Estados Unidos. Fraco, todavia, para quem anos antes mal saia do top 10
Os bons selvagens
Auto-edição, parte 765
François Bégaudeau: ressacas do futebol
Recordo-me de, há mais de vinte anos, como colaborador do semanário Expresso, escrever regularmente sobre imagens do futebol, tentando trabalhar sobre duas ideias básicas: primeiro, que o futebol estava a abrir novos espaços formais e simbólicos na comunicação televisiva; segundo, que o futebol, enquanto fenómeno mediático, estava a protagonizar muitas transformações dos laços internos da colectividade. Recordo-me também que, com frequência, algumas vozes amigas (dentro e fora do jornal) me vinham dar conta da sua preocupação com a minha sanidade mental: “Então tu perdes o teu tempo a escrever sobre futebol?...”
O meu caso pessoal é, obviamente, irrelevante. Além do mais, é com carinho que recordo esses tempos. Seja como for, não posso deixar de constatar como os tempos mudaram. Hoje em dia, o futebol é uma espécie de “língua franca” da sociedade e todo aquele que, no exercício das suas funções jornalísticas, não manifestar alguma disponibilidade em relação às suas peripécias, corre o risco de ser etiquetado de pretensioso e intelectual (com essa particularidade muito portuguesa de a palavra “intelectual” ser aplicada como uma forma “natural” de insulto).
Depois do afastamento da selecção portuguesa do Euro 2008, tudo isso adquire nova pertinência, quanto mais não seja porque se está a assistir a um curioso fenómeno mediático: com a derrota face à Alemanha, os discursos de exaltação patriótica remeteram-se a um comprometido silêncio. Porquê? A resposta é desoladoramente simples. De facto, tais discursos vivem de uma única “ideia”: a de que a Pátria se afirma através de “vitórias”. Uma simples derrota é vivida como um trágico bloqueio ideológico: literalmente, não sabem que dizer face à evidência (de muitas décadas...) da excelência do futebol alemão.
Mesmo sem esquecer as respeitáveis excepções, vale a pena perguntar: que valores “patrióticos” nos são inculcados através do futebol? Permito-me citar este exemplar resumo de tais valores, neste caso a propósito de alguns comentários televisivos: “Fixação agressiva na arbitragem, imaginário de que todos conspiram para nos prejudicar, progressiva decomposição da voz à medida que o pior se torna certo; e, sobretudo, demissão total da vocação elementar da sua função, a de compreender melhor o jogo.”
Hélas! São palavras que não se referem ao caso português, mas sim ao que aconteceu em França (cuja selecção foi eliminada na fase de grupos). Quem as escreve é François Bégaudeau, notável comentador do jornal Le Monde (edição do dia 20), há muitos anos empenhado em partilhar um gosto real pelo fascínio do jogo jogado, sem que isso o impeça de se demarcar em relação a todas as demagogias televisivas e “patrióticas”.
Bégaudeau é, como agora se diz, uma personalidade transversal. Escreveu o livro Entre les Murs, sobre a sua experiência como professor, tendo interpretado o seu próprio papel no filme homónimo com que Laurent Cantet ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Quando Entre les Murs estrear entre nós (Outubro), e tendo em conta a sua subtil encenação das relações professores/alunos, ficamos todos à espera de saber se os sacerdotes do futebol sentem o mesmo fervor patriótico face aos problemas da educação. E também, já agora, à importância social do cinema.