sábado, junho 30, 2007

Para que serve uma jornalista?

Chama-se Mika Brzezinski e apresenta as notícias da manhã no canal americano MSNBC (disponível na TV Cabo). No passado dia 26, achou por bem manifestar a sua opinião sobre o alinhamento das notícias, mais concretamente sobre o facto de os seus editores terem escolhido como tema de abertura, não uma questão premente da actualidade dos EUA, mas a saída da prisão desse símbolo da redundância que é Paris Hilton. Brzezinski acabou por se exprimir em directo, mostrando de forma muito explícita o que entendia que devia ser feito com o referido tema de abertura: destruiu as respectivas folhas.
São três espantosos minutos de televisão, realmente capazes de tocar no cerne desse populismo mediático que, hoje em dia, infesta tantas formas de jornalismo. E mesmo que, como algumas vozes americanas têm tentado fazer crer, nada disto tenha sido espontâneo, então importa dizer: todas as notícias são encenadas, no sentido em que não resultam de nenhuma forma de espontaneidade virginal; todas as notícias são encenadas, no sentido em que decorrem de escolhas concretas e formas específicas de escrita e narrativa audiovisual. Mesmo que os responsáveis da MSNBC soubessem o que Brzezinski ia fazer, isso não anula a importância e a pertinência da sua posição crítica.
O episódio pode ser visto no próprio site da MSNBC ou, então, nesta transcrição disponível no YouTube. Aqui fica, com uma dedicatória para o profissionalismo e a seriedade dos que lêem notícias nas televisões portuguesas.

Joel Siegel (1943-2007)

Foi uma das figuras mais populares da crítica de cinema e, sobretudo, do jornalismo cinematográfico na tele-visão dos EUA: Joel Siegel morreu ontem (29 de Junho), vitimado por um cancro do cólon, poucos dias antes do seu 64º aniversário. Figura emblemática da ABC e, em particular, do programa matinal Good Morning America (ao qual esteve ligado mais de 25 anos), Siegel foi, acima de tudo, um divulgador do entertainment em todas as suas frentes. Vale a pena recordá-lo a entrevistar George Harrison na edição do programa Eyewitness News, transmitida a 18 de Novembro de 1976: aí se falava da nova editora de Harrison (Dark Horse) e também da possibilidade de reunião dos... Beatles!

À espera de Cronenberg

Viggo Mortensen e Naomi Watts. Também Vincent Cassel, Armin Mueller-Stahl e Sinéad Cusack. E ainda alguns dos suspeitos do costume, incluindo Peter Suschitzky (fotografia) e Howard Shore (música). Chama-se Eastern Promises e é o novo filme de David Cronenberg.
Anunciado para 14 de Setembro nas salas dos EUA (e para o mês de Janeiro em Portugal), Eastern Promises é uma história situada no labirinto do crime organizado, em Londres, escrita por Steven Knight, argumentista inglês que obteve uma nomeação para os Oscars com o seu trabalho em Estranhos de Passagem/Dirty Pretty Things (2002), de Stephen Frears. O trailer é um espanto.

Bom dia, quero um café sónico...

Depois de Paul McCartney... os Sonic Youth! O próximo álbum da banda será uma compilação cujo alinhamento será essencialmente escolhido por admiradores conhecidos da banda. Cada um seleccionará o seu tema preferido dos Sonic Youth e escreverá um pequeno texto sobre a canção. O alinhamento incluirá ainda uma canção inédita, qua a banda irá gravar brevemente. A grande novidade (daí a ligação McCartney) é o facto deste disco ser editado pela Starbucks. Estará fisicamente à venda em cafés Starbucks de apenas oito cidades norte-americanas. Para o resto do mundo estará acessível para download... Como dizia Thurston Moore à Pitchfork há dias: "os Starbucks são as novas lojas de discos"... Parece que sim...

... e um jornal funk

Sinais dos tempos... Os Sonic Youth vendem um best of nos cafés Starbucks... E Prince vai oferecer a primeira edição do seu novo álbum, Planet Earth, com uma edição do diário britânico Daily Mirror que já anunciou que nesse dia (a anunciar brevemente) vai aumentar a sua tiragem para perto de dois milhões. A "oferta" de Prince surge no seguimento de um desentendimento com os retalhistas ingleses, ao que parece pela recusa de um estabelecimento de um plano de lançamento para o seu novo álbum. A sua editora não irá, de todo, colocar o álbum à venda nas lojas inglesas... Mais discos serão ali oferecidos na compra dos bilhetes para os seus concertos em solo britânico. E não são poucos!

Ryan Adams 2007

A canção Two, no novo álbum Easy Tiger — Ryan Adams, com The Cardinals, actuando na edição de 27 de Junho de The Late Show, de David Letterman. O disco tem lançamento português agendado para 2 de Julho.

54 minutos com Miles

Esta é uma oportunidade privilegiada para revisitar o universo de Miles Davis (1926-1991): a rádio pública americana, NPR, dedicou-lhe uma das recentes edições do programa Jazz Profiles. São 54 minutos de evocação biográfica e acutilante comentário musical, tudo, obviamente, entrelaçado com os sons inconfundíveis de Miles, de Birth of the Cool a Tutu, de Kind of Blue a Bitches Brew. O programa está disponível para ser ouvido, mas também para download.

Ten Years After 1969

Algum tempo depois do "Verão do Amor", mais preci-samente a 17 de Agosto de 1969: os Ten Years After, de Alvin Lee, actuam no Festival de Wood-stock, interpretando I'm Going Home — imagens do filme Woodstock (1970), de Michael Wadleigh (na equipa de montagem incluía-se um jovem cineasta em começo de carreira, de seu nome Martin Scorsese).

Veludo 1967

Título: Uma Jovem Hippie, 1967. Esta é uma imagem do lendário "Verão do Amor", há 40 anos. Segundo o seu autor, Baron Wolman, a fotografia resume toda uma época: "Esta é a minha metáfora visual sobre o que foi o Verão do Amor. Ela está descalça, usa um vestido de veludo e tem uma vela. Mas tem aquela pequena bandeira americana. Tudo isso junto, para mim, condensa o sonho que eles trouxeram a São Francisco, no Verão do Amor."
Baron Wolman, um dos fotógrafos de referência na história da Rolling Stone é entrevistado na mais recente edição da revista. Para além das suas memórias, propõe-nos a (re)descoberta de 18 das suas fotografias de finais da década de 60. Outros temas desta edição: um ensaio de Sean Wilentz sobre "A herança de 1967", uma entrevista com Michael Moore, a propósito do filme Sicko, e um relato sobre o embaraçoso momento em que Larry King, ao entrevistar em directo Paul McCartney e Ringo Starr, se dirigiu a Ringo chamando-o... George.

sexta-feira, junho 29, 2007

Chegou o iPhone

29 de Junho de 2007 — esta arrisca-se a ser uma data charneira na história das comunicações globais, da tecnologia do século XXI, das relações entre as pessoas e de cada um com o seu próprio saber e informação: neste dia, a Apple lança o iPhone, objecto que se pretende um avanço espectacular no mundo do iPod e dos telemóveis e, ao mesmo tempo, a abertura para novos conceitos e práticas de relação com a Internet. Apresenta-se, aliás, como a conjugação de um "telefone revolucionário", um "iPod de ecrã largo" e "a Internet no seu bolso".
Quando foi anunciado por Steve Jobs, há cerca de seis meses, de imediato o iPhone se perfilou como um desafio radical aos actuais modelos de consumo, sobretudo nessa área em que se cruzam os telefones e o acesso aos conteúdos musicais. Agora, depois de testado o iPhone, Walter S. Mossberg, do Wall Street Journal, não tem dúvidas em considerá-lo como uma "experiência completamente nova".
De uma espessura mínima, inferior à de alguns telemóveis correntes, o iPhone chega hoje às lojas dos EUA, às 18h00 (hora da costa Leste) e, para já, trabalha em exclusivo com a rede da AT&T. Vai custar entre 499 e 599 dólares (371 a 445 euros).
De acordo com dados analisados pelo jornal Le Monde, o custo global do iPhone (portanto, incluindo a assinatura e a utilização do telefone) deverá ascender, num período de dois anos, a 2419 dólares (cerca de 1800 euros). Sobre o lançamento português do iPhone, aguardam-se informações oficiais da Apple — em todo o caso, a sua chegada aos primeiros mercados europeus, nomeadamente em França, está prevista para o final do ano.

Em conversa: Philip Glass (3)

Conclusão, hoje, da versão integral de uma entrevista apresentada, em forma editada, na edição de 23 de Junho do DN:

Passaram nove anos sobre a estreia da ópera O Corvo Branco, que foi apenas apresenrada em Lisboa e Madrid, e ainda não houve qualquer edição (em disco ou DVD) da mesma. Está nos seus planos gravá-la?
O que se passa é que, hoje, a gravação de óperas já não é financiada por editoras. Mas eu continuo a gravá-las. E recentemente concluí até a gravação de The Voyage, que foi composta antes de O Corvo Branco. Ou seja, esperei 14 anos para o fazer… Quero começar a gravar O Corvo Branco brevemente. Primeiro as partes instrumentais e só depois os cantores. Vou precisar de uns dois anos antes de o poder fazer. Mas essa é uma ópera que considero como importante entre as que já fiz. E uma das razões pelas quais a quero gravar é o facto de quem nunca a viu poder querer ouvi-la. Ao saber da sua gravação, a notícia vai circular e a ópera deixará de ser um segredo. E espero que, depois, possa haver mais produções de O Corvo Branco.

Ter uma editora própria (a Orange Mountain Music) ajuda-o, assim, a fazer o que outras editoras hoje não podem fazer?
O negócio da música mudou. As editoras começam a enfrentar finalmente a necessidade de ter a música accesible por donwload, o que já fazemos há algum tempo. Vendo mais discos pela minha editora que pela Warner ou Sony. A grande vantagem é que, ao colocar um disco no meu catálogo, ele fica ali para sempre. Assim posso pensar num ciclo de vida mais longo para os discos (e as suas vendas). Noutras editoras, quando os discos não vendem, são descatalogados e desaparecem. Na minha visão, de longo prazo, posso pensar em termos de várias gerações. A mudança para companhias mais pequenas e independentes traz benifícios para o ouvinte e o compositor. Hoje, muita da minha música está disponível na Amazon ou no iTunes. E penso sempre assim ao editar um novo disco. Faço ainda CDs, porque ainda os posso vender. Mas penso prioritariamente nos downloads

Através da sua própria editora tem colocado no mercado uma série de gravações antigas. Ou seja, pode colocar o seu arquivo pessoal, aos poucos, em disco…
Começámos agora a editar uma série de gravações a que chamámos “archival recordings” [gravações de arquivo], com peças que fui gravando nos anos 80 e 90, que vamos colocar no mercado. Nos anos 90 reparei que tinha as fitas de muitas gravações da minha música e resolvi começar a editá-las. São discos fáceis de fazer, porque já tenho as gravações. E podem interessar a quem goste de música. Em poucos anos de actividade, a editora chegou aos 40 títulos. Espero poder duplicar esse número.

Mantém relacionamentos com outras editoras?
Recentemente falei com o director da Nonesuch, de quem sou amigo. Ele disse-me que para cada artista só pode gravar editar um disco por ano. Ao passo que eu posso, por mim, lançar uns seis ou sete! Ele riu-se e disse não o podia fazer, mas que comprendía o que eu estava a fazer. Estou a tentar criar um legado musical, que Quero preservar para as gentes do futuro. Para mim é muito importante poder actuar desta maneira.

Há anos que a Nonesuch fala da eventual edição de uma caixa de gravações suas...
Vão lançar uma caixa de dez CD. Estamos a trabalhar nela neste momento. Temos uma boa relação, apesar dos objectivos das nossas editoras serem diferentes! Na minha editora sou o compositor, mas também o publisher.

Este ano uma das suas edições na OMM, o The Witches Of Venice, surge de uma gravação de arquivo sua…
Aí está mais um ejemplo de algo que veio do meu arquivo pessoal. Essa gravação estava feita há uns dez anos! Foi feita para um evento em Milão, no Scala… E só recentemente reparámos que eu era o dono da gravação e que tinha as fitas comigo! A série “archival recordings”, que agora iniciei, também creio que vai revelar coisas interessantes. De há uns anos para cá comecei a juntar as fitas e a guardá-las. Agora dou-lhes uso.


Para assustar os monstros

Ano Bowie – 52
‘Scarry Monsters’ – Álbum, 1980



Depois de umas férias de neve na Suíça, com o filho Joe, David Bowie voou para Nova Iorque. Fevereiro de 1980. Duas semanas de primeiros trabalhos nos estúdios Power Station, com Tony Visconti novamente na produção, revelaram o compromisso de Bowie em registar um álbum claramente menos experimental que os anteriores. O processo de construção das canções, que depois teve continuidade em Londres, mostrou igualmente uma vontade de fugir aos espaços de maior improvisação vocal e narrativa dos últimos quatro álbuns, revelando-se Scarry Monsters o seu disco de canções mais meticulosamente elaboradas desde Young Americans, cinco anos antes. Contando entre os parceiros de trabalho nomes como os de Robert Fripp e Pete Townshend, o álbum reflecte um sentido de versatilidade considerável, demonstrando vontade em caminhar além dos princípios ensaiados na trilogia Low / Heroes /Lodger, contudo sem a renegar. De resto, este é claramente um álbum charneira, um disco que congrega uma súmula de feitos e conquistas (sobretudo recrutando elementos na segunda metade de 70) e que, ao mesmo tempo, se mostra atento ao mundo em mudança e à nova década que se anunciava. Eleito como “guru” pela emergente cena neo-romântica, David Bowie via o single de avanço do álbun, Ashes to Ashes, ser apontado como o cartão de entrada na nova década. Coube, todavia a Fashion, o papel de hino da nova geração de admiradores, com gosto trabalhado em sucessivas Bowie Nights que então se espalhavam, depois de Londres e Birmingham, um pouco por toda a Europa. Editado em Setembro de 1980, o álbum revelou-se o disco comercialmente mais bem sucedido de Bowie desde Young Americans, tendo somado um número um em Inglaterra (Ashes To Ashes, cujo pierrot do teledisco de David Malett deu, depois, sugestão para a capa do próprio álbum) e mais três singles top 40 (Scarry Monsters, Fashion e Up The Hills Backwards). Entre originais de Bowie, uma versão de Kingdom Come, de Tom Verlaine. Se a esta juntarmos as palavras de abertura do disco, em japonês, por Michi Hirota, verificamos como, uma vez mais, Bowie consegue o feito de sedução do grande público, sem evitar trazer à sua música frestas menos pop(ulares) do seu gosto pessoal.

quinta-feira, junho 28, 2007

Timbaland + The Hives = um belo teledisco

Eis uma pequena delícia visual feita para o mais recente álbum do mais requisitado produtor dos últimos tempos: Timbaland. O álbum, Shock Value, é uma reunião de notáveis — 50 Cent, Justin Timberlake, The Hives e Elton John, entre outros — que se prestaram a entrar no jogo de Timbaland, integrando e, por assim dizer, exponen-ciando as suas experiências. O teledisco pertence, justamente, à canção interpretada por The Hives, Throw It On Me, e funciona como uma espécie de revisitação paródica do mundo de BD/cinema de Sin City, cruzado com a iconografia específica do punk revivalista desta banda sueca.

"Eu, Michael Moore"

Pode gostar-se ou não, mas Michael Moore não engana ninguém: não faz documentários "objectivos", mas sim verdadeiros panfletos cinematográficos em que o assumir da primeira pessoa é elemento vital da estratégia de encenação & reportagem. O seu filme sobre o sistema de saúde nos EUA — Sicko — está a chegar às salas do seu país e tem, além do mais, um cartaz que é uma bela proeza formal e de marketing.
Depois da sua passagem em Cannes, depois de uma divulgação agitada e polémica, Sicko estreia amanhã (dia 29) em 441 salas americanas (francamente menos que o anterior filme de Moore, Fahrenheit 9/11, que ultrapassou as 2 mil salas). O seu trailer é uma peça elucidativa da estratégia narrativa de Moore. Quanto ao mercado português, Sicko, para já, não consta de nenhuma lista dos distribuidorers portugueses.

Os (outros) melhores filmes americanos

Uma lista de "melhores" (ou "piores") é apenas isso mesmo: uma lista, quer dizer, uma selecção cuja parcialidade é a sua própria motivação. Recentemente, o American Film Institute avançou com a sua lista dos "100 melhores filmes" da história do cinema americano. Escusado será dizer que, a partir do nº 1 (Citizen Kane, de Orson Welles), se tratava de um inventário de muitas maravilhas, emblemáticas da vitalidade, da energia e, acima de tudo, da diversidade da produção dos EUA.
Obviamente, uma lista pode sempre ser combatida... por outra lista! É o que acontece agora nesse curioso blog (hoje referido pelo iMDB) que é Through a Blog Darkly, dedicado aos filmes de que "ninguém" se recorda e que, como lá se diz, "provavelmente não vão estar num cinema perto de si". Entre os esquecidos do AFI encontram-se "coisas" tão admiráveis como Touch of Evil/A Sede do Mal (1958), de Orson Welles, Days of Heaven/Dias do Paraíso (1978), de Terrence Mallick [foto], Greed/Aves de Rapina (1924), de Eric Von Stroheim, Notorious/Difamação (1946), de Alfred Hitchcock, ou The Man Who Shot Liberty Valance/O Homem que Matou Liberty Valance (1962), de John Ford.
Vale a pena dar uma vista de olhos a esta lista alternativa. E, talvez, quem sabe, ce-dermos um pouco às ilusões da auto-indulgência e acrescen-tarmos os "nossos" títulos esquecidos. Por mim, avanço com três: Some Came Running/Deus Sabe Quanto Amei (1958), de Vincente Minnelli, Lilith/Lilith e o Seu Destino (1964), de Robert Rossen, e Casino/Casino (1995), de Martin Scorsese.

De Montreal

Mais uma banda canadiana com ordem para conhecer o mundo. Chamam-se Malajube e acabam de editar, entre nós, o seu segundo álbum Trompe L'Oeil. Referências pop-rock variadas, dos Flaming Lips aos Radiohaed, dos Sigur Rós aos Sparklehorse... Cantam quase sempre em francês e podem cativar com facilidade um culto entre os europeus. Aqui fica o teledisco de Montreal 40º, mais um exemplo de uma boa ideia ao serviço de um orçamento relativamente discreto.

Em conversa: Philip Glass (2)

Continuamos a publicação da versão integral de uma entrevista com Philip Glass que, em forma editada, surgiu na edição de 23 de Junho do DN:

Há uma nova geração de músicos, de um Rufus Wainwright a um Owen Palett, que o admira e chega mesmo a citá-lo. Como lida com estes jovens admiradores?
O que fazem é tremendamente elogiante! Eu não nasci em Nova Iorque, mas mudei-me para a cidade aos 19 anos para estudar música e porque queria estar no espaço musicalmente mais activo que existisse. E Nova Iorque ainda é assim. Conheço muitos jovens compositores e alguns trabalham inclusivamente no meu estúdio. Interessa-me o que eles fazem, mesmo que eles não se interessam pelo que faço.

Além da sua obra, a sua postura profissional é também referida como novo paradigma...
Creio que ao longo da minha vida desenvolvi maneiras diferentes de trabalhar como compositor. Tive de aprender a ganhar a vida trabalhando tão activamente como performes, assim como enquanto compositor. Para pessoas como um Rufus Wainwright e tantos outros da sua geração, esta atitude interessa-lhes tanto como a própria música. Muitos jovens compositores interessam-se pela música para cinema e também pela música para publicidade. Quando era jovem, fazer música para publicidade era considerado um trabalho menor... E de evitar...

Mas não o evitou!
Tinha de ganhar a vida! Para ser franco não tinha escolha. E houve compositores que o fizeram durante anos a fio. Nunca me envergonhou. Até porque me ensinou a perceber o que era o grande público! E neste mundo, isso é últil. Hoje, os compositores mais jovens interessam-se por todas as formas de música, da experimental à soul... A ideia do metier do compositor envolve hoje uma enorme variedade de práticas.

Nos últimos 25 anos, o seu trabalho para o cinema levou-o a outros e mais vastos públicos. É um veículo interessante?
Comecei a fazer música para cinema em projectos underground, como o Koyaanisqatsi, do Godfrey Reggio. Os primeiros sete ou oito filmes em que trabalhei foram produções independentes, quase sem distribuição, para pequenas plateias. Mas nestes 25 anos, muitos desses filmes viraram casos de culto, e alguns são hoje muito conhecidos. Aos poucos comecei a trabalhar em filmes mais comerciais. O primeiro foi o Mishima. E mais tarde o Kundun, de Martin Scorsese.

Recentemente trabalhou em blockbusters.
O primeiro em que trabalhei foi As Horas. Recebi uma nomeação para os Oscar. É interessante, porque para ser aceite em Los Angeles foi-me mais difícil ser aceite como compositor para cinema que como compositor de música “séria”. Não acreditavam que pessoas como eu poderiam fazer música para cinema! Interessa-me muito a associação da música à imagem, tanto no cinema como no teatro, na ópera e dança. O ser ou não ser comercial não é critério para mim. Interessa-me sobretudo o talento do realizador ou o trabalho da fotografia. Nos últimos tempos fiz a música d’O Ilusionista e o Diário de Um Escândalo. Foram filmes vistos por pessoas que nunca iriam a um concerto meu. E agora sabem o meu nome! Ao dar concertos pelo mundo, há muitas pessoas que aparecem porque me decobriram em bandas sonoras!

Chegou a estar pensado para fazer a banda sonora de The Inner Life Of Martin Frost, de Paul Auster...
É verdade. Mas não aconteceu. E quando as coisas pareciam indicar nesse sentido, já estava com a agenda cheia com o trabalho para o novo de Woody Allen e um outro projecto de colaboração com Leonard Cohen que ainda este ano devo gravar. Estou também a preparar uma ópera para a San Francisco Opera. Quando o Paul Auster conseguiu o orçamento para podermos trabalhar, já estava atulhado em trabalho! Mas há muito que falamos em colaborar. E um dia teremos de o fazer. Tenho pena que não tenha sido agora, porque gosto da história

É diferente fazer música para gilmes antigos? Falo em concreto de trabalhos que fez sobre La Belle et la Bête de Jean Cocteau ou Drácula, de Todd Browning.
O que há de muito interessante ao trabalhar em filmes antigos é o facto do realizador e o priodutor não estarem por perto. E aí funcionamos como compositores, da mesma forma como se estivéssemos a trabalhar numa ópera. Em Hollywood, e até mesmo em proyectos independentes, nunca é assim. O Godfrey Regio considerava-me co-autor, pelo que nesses filmes [Koyaanisqatsi, Powwaqatsi e Naqoyqatsi] discutimos tudo juntos. Mas é caso raro no cinema. Quando fiz o La Belle Et La Bête obtive autorização para o que entendesse. Com o Dracula foi diferente. Fui contratado pela MGM, que queria reeditar o filme [de 1931]. Fiz a música e eles aceitaram… Nunca tive de falar com o Todd Briowning nem o Bela Lugosi… Nem podia! (risos) Em muitos filmes actuais, os actores principias por vezes chegam a ter directo a ouvir e comentar a música que fazemos… Há gente muito talentosa a trabalhar no cinema. Mas fazer um filme por vezes implica certas limitações artisticas. Não diria que chegam para me desencorajar. Tento fazer o melhor que posso, respeitandio sempre as condições. E por vezes alcançam-se resultados belos. Creio que isso aconteceu n’As Horas.

Aí, o realizador Stephen Daldry quase parece ter pensado o filme para servir a música. Parece mesmo uma ópera…
E há em Hollywood quem pense que essa é uma ideia muito má!... Há em Hollywood quem diga que a minha música nem é de cinema, porque tem presença a mais… Eu acho que é antes uma vantagem. E a verdade é todos os anos chegam uns telefonemas e consigo sempre trabalho num ou outro filme.

(conclui amanhã)

Miss Kittin reunida com The Hacker

Uma das duplas de referência do electroclash voltou a reunir-se seis anos depois. Miss Kittin e The Hacker apresentam o EP Hometown. Se as Spices se reunem, porque não estes dois?

A união pode fazer a força

Chega finalmente aos ecrãs portugueses Dear Wendy, de Thomas Vinterberg (o mesmo realizador de A Festa, ainda em “regime” dogma, e do soberbo teledisco No Distance Left To Run, dos Blur). O filme tem argumento de Lars Von Trier, é aquilo a que poderíamos chamar (caso militemos entre os descontentes dessa obra), um Dogville “em bom”. Ou seja, usando coordenadas narrativas semelhantes, uma noção de lugar claramente claustrofóbica e um quadro de personagens mais poderosas que o cenário que as acolhe, revela contudo um mais evidente sentido de corpo, de espaço, vencendo o dispositivo teatral que até parecia interessante nesse filme de Von Trier, mas que acabou em (literal) massacre.
Tal como em Dogville, a acção coloca-nos numa pequena cidade americana, da qual praticamente só conhecemos um largo central, ao qual se junta uma mina em laboração e uma outra, desactivada (ambas nas imediações do mesmo largo). É neste largo que moram ou pelo menos se cruzam todas as personagens, casas, lojas, carros. Aqui encontramos Dick Dandelion (Jamie Bell), um rapaz tímido, um loser, cuja vida se cruza com a de outros espíritos desmotivados, gozados pelos colegas, pontapeados para as zonas de sombra de uma vida citadina onde, na verdade, nunca entra muita luz. Dick e o seu discreto colega de profissão, num mini-mercado, descobrem uma paixão mútua por armas de fogo e do seu potencial papel na projecção de um certo aumento de auto-confiança que motivam pela simples presença de as ter por perto, no bolso das calças ou mesmo na bata que usam no trabalho. A eles juntar-se-ão outros losers da cidade, todos eles escolhendo a sua própria arma, estudando-a, a sua história, design e técnica, aprendendo a conhecer os seus efeitos. Lêem livros, vêem filmes, treinam num campo de tiro privado, tudo isto no espaço subterrâneo de uma mina abandonada. Auto-intitulam-se “dandies” e regem-se por um código de honra que autoriza o porte de arma, mas nunca a sua utilização fora da sede deste clube secreto. Até ao dia em que um acidente que lhes é exterior os coloca em confronto com a comunidade e, ao bom jeito de Von Trier, de uma sucessão de erros de comunicação e mal entendidos. A tragédia acaba por acontecer.
.

Dear Wendy não parece querer ser um manifesto contra o livre porte de arma. Nem um estudo sobre a timidez patológica que se abate sobre franjas da população juvenil onde não mora a arrogância musculada dos dominantes. É apenas uma fábula (ostensivamente tida enquanto exercício de ficção, o que nos é sugerido pela claustrofobia não realista do espaço em que decorre a acção) na qual a ideia do mal-entendido e a não integração nos hábitos “banais” da sociedade dos “normais” são matéria-prima para um filme absolutamente deslumbrante. E necessariamente perturbante. Junte-se ainda ao magnífico filme uma espantosa banda sonora essencialmente contdada em canções dos Zombies. Que mais se poderia pedir?

Monstros húngaros

É, por certo, uma das mais desconcertantes estreias de todo este ano de 2007 (com mais de um ano de atraso, já que foi uma das grandes revelações da secção "Un Certain Regard" de Cannes 2006). Ou seja: uma parada de coisas bizarras, situações surreais e personagens monstruosas através das quais entramos no coração da história moderna da Hungria e nas suas paisagens mais fantasmáticas — chama-se Taxidermia, tem realização de György Pálfi, e o mínimo que se pode dizer é que o espectador, por certo, nunca viu nada assim...
Por mim, acrescentarei que me parece um objecto admirável, digno dessa noção primitiva, mas enérgica, segundo a qual o cinema não serve para "reproduzir" o mundo, mas sim para o expor para além das visões automáticas e conservadoras do quotidiano: Taxidermia é uma espécie de psicodrama catártico sobre o comunismo húngaro, desmontando, em particular, a sua política de "purificação" forçada dos corpos e das emoções.
Escusado será dizer que se trata de um filme para separar sensibilidades, gostos e ideias. Isto é, um objecto que não pode gerar unanimidades. Tanto melhor, digo eu, quanto mais não seja porque a barulhenta monotonia das hiper-campanhas dos blockbusters já chega para nos entorpecer (mesmo quando os blockbusters possam ser brilhantes). Ao espectador interessado, recomenda-se que procure Taxidermia mesmo na sala mais escondida, já que, por certo, não o vai ver anunciado em grandes cartazes de rua.

quarta-feira, junho 27, 2007

Paris: franceses + estrangeiros

Texto publicado no Diário de Notícias (revista "NS", 7 de Junho), com o título 'Mitologia e nostalgia' >>> Ao longo de anos recentes, o “filme-por-episódios” reconquistou espaço nos mercados cinematográficos. Trata-se de um conceito muito ligado à década de 60 que serviu para afirmar os nomes dos autores que, na época, podiam personificar as mais diversas vontades de diversificação temática e evolução estética. Caso emblemático que ficou para a história é Paris Visto Por..., uma produção de 1965 em que vários cineastas da Nova Vaga francesa (incluindo Jean-Luc Godard, Eric Rohmer e Claude Chabrol) se propunham retratar a Cidade Luz a partir de pequenas ficções mais ou menos fundadas em episódios banais do quotidiano.
O projecto de Paris, Je T’Aime não anda muito longe dessa experiência, mesmo se agora o número total de histórias cresceu para dezoito. Aliás, a diferença fundamental não estará tanto na quantidade de sketches, mas sim na diversidade geográfica e cultural de quem os assina. Por um lado, como é óbvio, surgem vários nomes do cinema francês, incluindo Olivier Assayas, Gérard Depardieu (a realizar e interpretar) e Bruno Podalydès; por outro lado, o leque de países de origem dos autores inclui, entre outros, os EUA (Joel & Ethan Coen, Gus Van Sant, Richard LaGravanese), Japão (Nobujiro Suwa — com Juliette Binoche, na foto), Alemanha (Tom Tykwer), Austrália (Christopher Doyle) e Brasil (Walter Salles).
Há episódios num registo irónico, quase burlesco, como o dos irmãos Coen, com Steve Buscemi a protagonizar uma pequena aventura mais ou menos rocambolesca. Outros, como o de Nobuhiro Suwa, fazem apelo a um lirismo próximo do fantástico. Outros ainda convocam o romantismo de Paris, como acontece na proposta insólita de Gus Van Sant (em que participa, como actriz, Marianne Faithfull). Todos partem de uma espécie de nostalgia desencantada das memórias mitológicas de Paris, ao mesmo tempo que coleccionam pequenas fatias da vida dos nossos dias.
O resultado, mesmo desequilibrado, acaba por traduzir algo de essencial: estamos perante uma antologia de contrastes que reflectem, de uma só vez, as diferenças dos olhares dos respectivos cineastas e as formas plurais da produção contemporânea. Isso mesmo se pode confirmar através dos extras (reunidos num segundo disco). De facto, os breves “making of” dos dezoito episódios como que definem uma antologia de estilos e olhares à procura de uma expressão cúmplice.
Não estamos, como é óbvio, perante a mesma lógica criativa dos tempos da Nova Vaga. Das técnicas às opções criativas, as mudanças são imensas. Em todo o caso, prevalece um sentimento muito forte: o de que o cinema se pode subtrair aos modelos mais vulgares de narrativa (que, nos nossos dias, são quase sempre de raiz televisiva) para propor novas visões daquilo que, afinal, está para além das rotinas aparentemente indiferentes de uma grande metrópole.

A dor de dentes

Começam a avolumar-se os motivos para desejar cada vez mais o encontro com We Are The Night, novo disco dos Chemical Brothers, com lançamento agendado para a próxima semana. Antes do álbum, o single Do It Again faz as honras de cartão de visita, acompanhado por um teledisco, assinado por Michael Haussman, que não esconde afininidades com Babel, de Iñarritu.

Em conversa: Philip Glass (1)

Iniciamos hoje a publicação da versão integral de uma entrevista com Philip Glass que, em forma editada, surgiu na edição de 23 de Junho do DN:

Em tempos, numa entrevista para um dos quatro documentários de uma série sobre novos compositores americanos, descreveu o seu público como estando dividido entre os que gostavam da sua música porque era clássica. E os que dela gostavam porque não era clássica…
Gosto desse paradoxo. E tem ver com a minha história pessoal, nos dias em que vivia em Baltimore. O meu pai tinha uma pequena loja de discos, muito diferente das que existem hoje. Parecia uma padaria... Trabalhei na loja a partir dos 12 anos, e então escutei toda a música que por lá havia, fosse música hillbilly (ainda não se lhe chamava country & western nessa altura), fosse clássica, contemporânea ou jazz. Tudo era-me familiar. Nunca achei que umas músicas fossem melhores que outras. Havia compositores talentosos em todas as formas musicais. Assim como havia gente sem tralento em todas elas, também! Gostava de música bela, fosse de Bernstein, Boluez, Eliot Carter ou... Paul Simon! O que me importava mais era já a qualidade da invenção e a exponteneidade da expressão. E isso encontramos em todas as formas de música. Estudei anos depois em Chicago, onde ouvi, ao vivo, Charlie Parker, John Coltrane, Sonny Rollins, mais tarde Ornette Coleman e Pharaoh Sanders... Eu não era improvisador, mas ouvia e conhecia aquela música! Admirava-a e respeitava-a. Posso dizer que o meu gosto sempre foi muito vasto e que nunca criei barreiras. Tentei sempre olhar sobre essas barreiras.

Há já muitos anos que a sua música se afastou do que se considerou ser “minimalista”. Mas esse é ainda o rótulo que, invariavelmente, é aplicado por muitos a quase tudo o que faz...
É uma descrição que já não serve o que faço há algum tempo. Colou-se a mim por um tempo, é verdade. Quando eu era menino, sempre que se falava do Debussy ou Ravel usava-se a palavra “impressionistas”. Já não se ouve dizê-lo... Por isso essas coisas desaparecem. Não é relevante. Por exemplo, n’O Corvo Branco, cuja música data de 1992, há aspectos minimalistas, mas sobretudo elementos mais líricos. Estas coisas passam com o tempo. E não me preocupam.

A sua recente oitava sinfonia desafiou os seus próprios cânones. Revelou novos sentidos numa demanda pessoal. É importante essa noção de desafio colocado a si mesmo ao compor?
Não costumo desafiar quem me ouve, mas sempre a mim mesmo. Quem tem um trabalho criativo deve desafiar as suas limitações. E eu estou a tentar desenvolver a minha linguagem e a minha visão musical. E para cada desafio coloco à minha frente expectativas distintas.

Segue-se, como mandam os números, a nona, que foi a última sinfonia de vários compositores. Beethoven, Mahler (que nunca terminou a décima), Bruckner (que a deixou, inclusivamente, incompleta), Dvorák…Teme a eventual “maldição” da nona?
Bom, essa “maldição” não travou Shostakovich! (risos) Mas já tenho um plano! Vou tentar que me encomendem a nova e a décima ao mesmo tempo. E farei ambas no mesmo ano. Gostaria de chegar à 12ª sinfonia... As últimas de Shostakovich são muito interessantes.

Em Lisboa apresentou uma série de peças para piano. O piano é ainda o melhor amigo do compositor?
Creio que é. Mas seu eu quem o diz. E creio que o digo porque tenho a idade que tenho. Se tivesse uns 30 anos, estaria a trabalhar com computadores. O piano ainda é o meu instrumento prioritário em termos de composição. Mas não faço quaisquer objecções ao computador. O computador nunca o será um instrumento com o peso do piano para mim, porque a curva de tempo exigida para aprender uma nova tecnología teria de me afastar da composição e da interpretação por uns tempos. É preciso tempo para aprender a usar qualquer nova tecnología. Mas é também verdade que, especialmente no trabalho para cinema, acabo por usar já, de certa maneira, os computadores. Tenho muitos computadores no estúdio e reconheço que são máquinas muito úteis. Não tenho nada contra eles… Mas o tempo que ainda puder gastar a fazer música e a tocá-la é para mim mais importante que aquele que teria de gastar para aprender qualquer nova tecnología.

Fez 70 anos em Janeiro, mas na altura não os comemorou publicamente com discos ou concertos...
Não tinha tempo... Estava muito ocupado (risos)... Mas, pronto, o que quer que faça este ano é uma celebração... Vou estrear o Book Of Longing, baseado em poemas do Leonard Cohen... Mas podia estrear essa obra no dia dos meus anos ou num outro dia qualquer. Não quero gastar tempo com festas se tenho outras coisas para fazer. E divirto-me muito mais a escrever nova música que a celebrar a antiga. Em Lisboa toquei música antiga. E é verdade que nos últimos anos tenho regressado por vezes a peças que já escrevi há bastante tempo. Mas tenho outras maneiras de as escutar hoje, como se estivesse a aprender de cada nova vez que as escuto.
(continua amanhã)

Trolaró 2.03

A nova versão da velha coluna, agora em formato semanal e digital. Esta semana, naturalmente, a crónica das primeiras visitas ao Museu Colecção Berardo, no CCB, em Lisboa

Interior With Restful Paintings (1991), Roy Lichtenstein

O Museu

Não vou aqui comentar os recentes acontecimentos no CCB. A demissão de Mega Ferreira e o que representa... Vou, apenas, deixar as primeiras impressões de uma primeira visita ao Museu Colecção Berardo. Na tarde de inauguração, naturalmente, não vi quase nada... Havia um batalhão de ministros e, entre a multidão, alguns ex-ministros. Candidatos à Câmara de Lisboa eram vários. Figuras da cultura, dos media, dos negócios. E artistas plásticos vindos dos mais variados destinos. Foram perto de 800 os convidados à inauguração do Museu Colecção Berardo, que agora ocupa as salas do Centro de Exposições do CCB. Informal, Joe Berardo acolheu os presentes com palavras de satisfação. Mais formal, Isabel Pires de Lima lembrava a importância recente (na cultura, no turismo, na economia) para as cidades de Bilbao e Valencia da existência de activos pólos museológicos e, ao citar Wim Wenders, sublinhava como se ama o país pela cultura e não pela economia. José Sócrates, a fechar os discursos afirmava que, contra um cenário anterior, no qual os roteiros da arte contemporânea terminavam em Madrid, agora começam em Lisboa... E lá partimos todos, então, à descoberta das salas do novo museu. Escada abaixo rumo, primeiro, ao piso zero, subindo depois para o andar superior... Em ritmo de cortejo lento, poucos realmente viam as obras expostas. Viam-se mais uns aos outros. Nada de grave. É sempre assim... E um museu nunca se vê, realmente, em tarde de inauguração.
Regressei um dia depois. E com outra tranquilidade, convenhamos que a visita é obrigatória. Ao reflectir sobre o que se disse, talvez os discursos oficiais tenham passado tábua rasa a outros espaços museológicos portugueses igualmente dedicados à arte contemporânea. Gulbenkian e Serralves, para citar dois dos espaços mais visitados do país, têm actividade regular na área. E Lisboa tem, no Museu do Chiado, um outro museu de arte contemporânea. Certo é, contudo, que o país não tinha ainda, à disposição do cidadão, uma colecção tão representativa de caminhos e nomes da arte contemporânea como esta o é, de facto.
Num mesmo conjunto de salas encontramos obras de Miró, Picasso, Max Ernst, Bacon, Warhol, Rotella, Lichtenstein, Vieira da Silva, Paula Rego, Jorge Molder, Judd, Cabrita Reis, Nauman, Helena Almeida, Duchamp, Magritte, Dali, Mondrian, Balthus, Cesariny, Man Ray, Klein, Stella, Cindy Sherman, Nan Goldin... A lista é impressionante! Obras bem expostas, espaço de contemplação e respiração previsto, tranquila luz natural a invadir discretamente as salas. Faltam, apenas, sobretudo no andar superior, bancos para ocasional paragem do visitante. Há, contudo, um calcanhar de Aquiles, a rever: falta mais eficaz legendagem no indicar do que é o quê e na distribuição, em sala, e, acima de tudo, o cumprir de mínimos olímpicos de informação para quem quiser saber afinal o que ali vê. As folhinhas de sala não dispensam texto em parede.
À cidade e ao país, agora, o convite à visita. Aos governantes, e para fazer das palavras da ministra da cultura uma ressalva consequente, o desafio de uma comunicação internacional do novo museu que o saiba colocar, de facto, na agenda internacional da arte contemporânea e do turismo.

Londres: Rembrandt + Hals

Frans Hals
Willem Coymans (1645)


Começa hoje, na National Gallery, em Londres, aquela que, pelo menos a nível europeu, se arrisca a ser uma das grandes exposições do Verão de 2007: são "Retratos Holandeses", mais precisamente uma viagem através de "A Idade de Rembrandt e Frans Hals". Trata-se de evocar um período específico do século XVII, a chamada Idade de Ouro holandesa: com a emergência de uma nova classe média de comerciantes, o retrato revalorizou-se como forma de afirmação daqueles que, além do mais, se transformaram nos principais patronos das artes.
Organizada em colaboração com o Museu Mauritshuis (Galeria Real de Pintura, em Haia), a exposição inclui cerca de seis dezenas de obras, pintadas entre 1600 e 1680. Os quadros expostos vão desde os pequenos retratos individuais, para as casas particulares, até às composições de grande dimensão, concebidas em especial para os espaços institucionais. A exposição estará patente até 16 de Setembro.

terça-feira, junho 26, 2007

Regresso a 1996

A propósito do magnífico teledisco em continuidade dos Bat for Lashes (ver post anterior), vale a pena regressarmos a 1996 e rever um outro exemplo de aposta nas delícias do plano-sequência: Madonna, filmada por Jean-Baptiste Mondino, em Love Don't Live Here Anymore — registado a 4 de Março de 1996, em Buenos Aires, durante a rodagem de Evita.

As bicicletas inglesas

Depois de The Russian Ark, de Sokurov, não todos os dias que um filme nos impressiona se feito de um único plano. What's A Girl To Do, o mais recente teledisco dos britânicos Bat For Lashes, tem apenas 2 minutos e 57 segundos de duração. Não se compara, naturalmente, ao feito de produção do filme de Sokurov, mas é simplesmente deslumbrante. Decididamente mais simples, mas espantosamente eficaz (além de servir, em pleno, a belíssima canção que ilustra).
PS. A banda, que assinou pela Parlophone (grupo EMI), vai ver o seu álbum de estreia devidamente reeditado (e repromovido) em breve. Justo!

David Sylvian em Portugal

A The World Is Everything Tour, de David Sylvian, nova digressão mundial a arrancar a 7 de Setembro em Estocolmo, anunciu mais datas. E duas são em Portugal. Sylvian regressa a Lisboa, desta vez para actuar no CCB, a 21 de Outubro. No dia 23 actua no Theatro Circo, em Braga.

A lição ao piano

Foto de Gonçalo Santos

Com a boa disposição que lhe é reconhecida, Philip Glass fez questão de não deixar a comunicação com a plateia apenas pelas notas de música que, a solo, tocou durante cerca de hora e meio ao piano. Falou a cada peça que apresentava, frequentemente com uma tirada de humor que arrancou gargalhadas de uma plateia que, em quase respeito religioso, se calava logo depois para escutar, sem interruopções ou ruídos, a obra que se seguia. Quase em jeito de discreta e agradável lição, explicando ponto a ponto o que íamos ouvir, "mestre" Glass brilhou uma vez mais num palco lisboeta. Após dois encores, a ovação de pé agradeceu, firme, no fim.
De negro (como sempre se apresenta em palco), óculos no rosto, sem partituras sobre o piano, Philip Glass levou ao Grande Auditório do CCB uma inesquecível noite de peças para piano, umas delas originalmente composta para teclas, outras (como os casos de um excerto de Thin Blue Line ou o Knee Play 4 de Einstein On The Beach) em transcrição para aquele que era o único instrumento em palco.
Depois de saudar uma plateia praticamente cheia com Mad Rush e Wichita Sutra Vortex, mergulhou nos quatro primeiros andamentos do ciclo Metamorphosis que, como vincou no momento, compôs em 1987 para explorar sugestões de semelhança entre as peças. Notaram-se bases feitas de módulos com poucas diferenças, aceitando depois as sugestões melódicas na mão direita, estas mesmo assim contidas e de evidente afinidade entre cada peça. Seguiu-se, para contraste, parte do ciclo Études For Piano, estes escritos quase dez anos depois a vincar uma lógica inversa, revelando a cada vez mais presente curiosidade e liberdade lírica da mais recente música de Philip Glass.
O compositor sabe que não é um virtuoso no piano. De resto, muitas das gravações das suas obras para piano são interpretações de Michael Riseman. Mas nas suas mãos, a sua música respira uma verdade e humanidade que arrebatam e encantam. As palavras ditas depois sublinhando essa rara capacidade de cativar. Como sempre, venceu!

(Texto e foto originalmente publicados no DN de 25 de Junho de 2007)

Para os interessados, aqui fica o alinhamento completo:
"Mad Rush"
"Wichita Sutra Vortex"
"Metamorphosis 1"
"Metamorphosis 2"
"Metamorphosis 3"
"Metamorphosis 4"
"Etude No.1"
"Etude No.2"
"Etude No.4"
"Etude No.6"
"Etude No.10"
"Night On The Balcony"
"Closing (from Glassworks)"
"Knee Play 4"
"Thin Blue Line"

'The Boss' em Dublin

Passou-se quase um ano sobre o lançamento de We Shall Overcome: The Seeger Sessions. Agora, Bruce Springsteen, ainda com The Sessions Band, propõe aquele que não pode deixar de ser considerado um prolongamento natural do álbum anterior. Que é como quem diz: um registo ao vivo, retomando as referências folk de We Shall Overcome. Chama-se Live in Dublin e corresponde a três dias de concertos, em Novembro de 2006, no The Point, um teatro de Dublin. A edição mais completa do CD (duplo) inclui ainda um DVD com a filmagem, em video de alta definição, correspondente ao alinhamento do álbum. São mais de duas horas de exuberância e contenção, celebração e intimidade, com Springsteen a fazer muito mais do que uma simples acumulação de covers: de facto, ele integrou no espectáculo alguns temas lendários da sua obra (Atlantic City, If I Should Fall Behind, Highway Patrolman, etc.), transformando Live in Dublin num verdadeiro auto-retrato de um rocker a aproximar-se pacientemente dos seus gloriosos 60 anos — completa 58 no próximo dia 23 de Setembro.

segunda-feira, junho 25, 2007

Haydn + Harnoncourt

Nikolaus Harnoncourt / Haydn, Orlando Paladino (Deutsche Harmonia Mundi, 2006) >>> Como símbolo perfeito da era clássica, a obra de Joseph Haydn (1732-1809) terá na ópera Orlando Paladino uma espécie de desvio bizarro, e bizarramente irónico. Isso mesmo recorda Nikolaus Harnoncourt quando, num breve texto de apresentação, se refere à “aliança do patético e da ironia”, sublinhando ainda que se trata de “uma paródia que coloca o melómano perante um espelho implacável”. Dirigindo o seu Concentus Musicus Wien, Harnoncourt conta com um precioso elenco de vozes, dominado por Patricia Petibon (soprano) e Christian Gerhaher (barítono), para uma interpretação, também ela, tecida de minuciosas ambivalências: assim, a exuberância dos contrastes afectivos encontra expressão numa finesse a que, ainda por ironia, apetece chamar neutra. Afinal de contas, esta música e este canto celebram a impossível neutralidade de todas as emoções humanas.
(Texto publicado na revista Op, # 22, Primavera 2007)

Clint Eastwood em DVD x 2

Texto publicado no Diário de Notícias (revista "NS", 23 de Julho) com o título 'Ser ou não ser americano' >>> Os extras que acompanham os dois filmes de Clint Eastwood sobre a Segunda Guerra Mundial no Pacífico não são propriamente originais em relação ao modelo que aplicam. Que é como quem diz: no essencial (sobretudo no caso de As Bandeiras dos Nossos Pais, em que ocupam um segundo disco) temos uma série de fragmentos temáticos (os heróis, a bandeira, etc.) unidos por um enorme depoimento do próprio Clint Eastwood. Mas é também esse “convencionalismo” que faz destes extras um interessantíssimo complemento para nos ajudar a percorrer ambos os filmes.
De facto, as palavras de Clint Eastwood (e, em particular, o modo quase didáctico através do qual nos dá a conhecer a gestação deste projecto duplo) situam-nos face a duas questões fundamentais: em primeiro lugar, tratava-se de revisitar a história da guerra através de abordagens que superassem as convenções do tradicional “filme de guerra”; depois, importava abrir o imaginário made in USA ao confronto com outras personagens e outras sensibilidades.
Como é óbvio, este último aspecto exprime-se de modo particularmente intenso em Cartas de Iwo Jima [na foto], uma vez que o filme aborda o “outro lado” da guerra: num contraponto fascinante, Eastwood vira-se para o universo dos soldados japoneses, descobrindo uma mesma tragédia na sua cruel simetria (e é também admirável como o realizador, sem saber uma palavra de japonês, consegue dirigir os seus actores de forma tão subtil e acutilante).
Em todo o caso, importa também lembrar que As Bandeiras dos Nossos Pais está longe de ser um mero sucedâneo dos muitos filmes que, sobretudo nas décadas de 40/50, Hollywood dedicou à Segunda Guerra Mundial. Isto porque a sua acção se organiza a partir de um objecto muito peculiar, isto é, uma fotografia. Eastwood parte da lendária imagem obtida por Joe Rosenthal, mostrando seis soldados a erguer a bandeira dos EUA no topo do Monte Suribachi, na ilha de Iwo Jima: seguindo, depois, os sobreviventes dessa fotografia e, em particular, a sua utilização como símbolos de propaganda, As Bandeiras dos Nossos Pais resulta um estranho requiem sobre a solidão individual num contexto de tão premente mobilização colectiva.
Valerá a pena recordar que Clint Eastwood dirige filmes há quase quatro décadas (a sua primeira longa-metragem como realizador, Play Misty for Me/Destinos nas Trevas, data de 1971). Para além dos altos e baixos de cerca de três dezenas de títulos com a sua assinatura, o seu labor sempre passou por uma interrogação identitária. Ou seja: que significa ser americano? As Bandeiras dos Nossos Pais e Cartas de Iwo Jima são uma das mais belas concretizações desse programa cinematográfico e, inseparavelmente, político, simbólico e afectivo.

Discos da semana, 25 de Junho

Inicialmente lançada em 1996 pelo clube de fãs francês do grupo, a compilação The In Sound From Way Out! revelava um dos mais deslumbrantes olhares alternativos pela música dos Beastie Boys. Ao juntar num só disco versões instrumentais de Check Your Head e Ill Communication, completando alinhamento com alguns inéditos, o disco revelava elegância e ecletismo na cenografia por vezes secundarizada da obra do trio nova-iorquino. Para muitos (e aqui incluo-me na lista) esse ainda hoje é o melhor disco dos Beastie Boys. Daí que, durante anos, a ideia de um disco de instrumentais dos Beastie Boys fosse sonho desejado. Não há muito tempo, numa ocasião em estúdio, registaram um instrumental. Gostaram. A coisa ganhou fôlego e, de repente, tinham um álbum em mãos. Um álbum contudo diferente, porque feito de uma relação com instrumentos “clássicos” (ou seja, tocados pelos próprios músicos) e não nascido de jogos de corte e colagem. Contudo, The Mix Up é quase uma desilusão. Parece mais maquete de uma valente jam session, com os músicos claramente entregues ao prazer de tocar mas sobre a qual não parece haver depois a necessária dose de reflexão (e posterior acção). O disco pode querer significar uma fuga ao processo habitual de construção musical do grupo, camada pensada sobre camada, intenção sobre intenção, manipulação sobre manipulação. Pelo contrário, tudo aqui aponta para uma lógica de esboço de ideias e acção directa, a música mostrada como surgiu, coligindo os instrumentais algumas das referências que parecem naturais ao grupo, funk, psicadelismo, rock, travo jazzy, beats, numa aparente sessão tranquila que mais parece coisa de dia de folga que fruto de árduo trabalho... Interessante, claro, mas em nada surpreendente, muito menos genial.
Beastie Boys
“The Mix Up”
Capitol / EMI
3/5
Para ouvir: MySpace


Manda o preconceito que, perante disco feito por DJs, será mais que certa a apresentação de um ou mais caminhos dentro daquele grande universo (mais feito de destinos práticos que de atitudes estéticas) a que vulgarmente se chama a música de dança. Manda? Errado! Eis-nos perante uma prova em contrário (mas que, não deixa de, a momentos, convocar quem o entender à dança). Os Maps Of Africa são Harvey Basset (também conhecido como DJ Harvey) e Thomas Bullock (ou seja, metade dos Rub’n’Tug). E ao contrário de recentes outras manifestações de desafio por músicos vindos destas bandas, não trazem para um álbum, claramente de reflexão sobre rotas e destinos pop/rock, as condimentações punk, pós-punk e kraut em voga. Map Of Africa é um mundo intrigante e, convenhamos, de geografia bizarra. Com origem britânica, o duo encontrou casa no estado de Nova Iorque e aí criou uma viagem sugerida que passa pela assimilação das genéticas do funk, pragmatismos dub e, sobretudo, mergulhos de reencontro com heranças primordiais do rock (e talvez nesse sentido se explique a noção de África, como mãe genética de todos nós). O disco é uma amálgama de ideias e visões, que partem da convocação de velhos ícones de 70 (dos Pink Floyd aos Black Sabnbath), procurando deles fazer brotar uma música que seja veículo para a reinvenção dessas sugestões num contexto actual, onde as guitarras ditam a lei mas as máquinas estão também presentes. Por vezes, como em Get Outta Bed, aproximam-se dos LCD Soundystem (com quem já colaboraram). Em Plastic Surgery quase antecipam o que poderão ser uns Franz Ferdinand de tempero electrónico. Mas, na essência, vivem aqui uma aventura de descoberta. Para já, contudo, mais de interessantes ensaios que de grandes e definitivos achados. Map Of Africa
“Map Of Africa”

Whatever We Want / Flur
3/5
Para ouvir: MySpace


O filão "pós-pós-punk" continua bem activo. O que não quer necessariamente significar que esteja de boa saúde e a dar-nos discos que justifiquem o entusiasmo que mereceram nos últimos anos. Antes pelo contrário... Apesar da evidente colagem aos norte-americanos Interpol, os Editors, nascidos de um colectivo de universitários em Birmingham, fizeram do seu álbum de estreia (The Back Room, em 2005) um dos mais convincentes herdeiros de um rock sombrio, de afinidades com a memória gótica, entre os parceiros de geração. Munich, Blood ou All Sparks viraram hinos, que conquistaram sobretudo depois de tocados ao vivo. O sucessor, era, como não podia deixar de ser, aguardado em alguns círculos com alguma ansiedade. Porém, e como tantos outros "segundos álbuns" desta geração "pós-pós-punk", acabam agora irremediavelmente atolados nas armadilhas do que começaram a ver como referências. Nas novas canções mostram-se incapazes (ou sem vontade) de ultrapassar as marcas de época de um rock sombrio, de geração de 80, que estimularam o primeiro disco. Citaram bem à primeira vez. Mas não parecem capazes de avançar para o passo seguinte sem se repetir. De novo, de resto, juntam apenas às canções uma irritante avidez por uma grandiosidade sinfonista inconsequente, por vezes resvalando mesmo nas armadilhas (ou decalques) de insuportáveis mimetismos aos Coldplay. A voz, ainda segura e claramente dramática de Tom Smith, é agora afogada entre camadas de som e mais som, e por aí adiante, escondendo as canções por detrás de tanta roupa que quase lhes perdemos a noção da forma. Agora é que vai ser um êxito!
Editors
“An End Has A Start”
Pias / Edel
2/5
Para ouvir: MySpace


Natural de Houston (Texas), Jana Hunter foi, com Blank Unstaring Heirs Of Doom (2005), a responsável pela estreia em disco da independente Gnomonsong (de Devendra Banhart e Andy Cabic). A sua vida musica já a levou a pisar palcos com várias bandas (presentemente milita nos Jracula) e a gravar com diversas figuras (entre as quais Chris Bishop, da “família” Elephant 6). Para o seu segundo álbum Jana dá um evidente passo em frente, afastando-se claramente do som quase ingénuo do álbum de estreia. There’s No Home revela uma outra ambição e capacidade de concretização. O disco alterna entre a revelação de pequenos mundos interiores, e a discreta exposição de uma nova luz. O alinhamento abre com um convite à meditação em Palms, daí partindo Jana Hunter (e amigos convocados a estúdio) à descoberta de canções directas, frequentemente abaixo da fasquia dos três minutos de duração. Jana Hunter mostra aqui como é possível a coexistência de uma música com evidências de genéticas rurais, ou seja, de simplicidade evidente nas formas, com uma poética por vezes elaborada, desafiante, ocasionalmente no limiar de uma certa abstracção. Aplicar-lhe o rótulo freak folk é descrição hoje redutora para uma personalidade artística que aqui encontramos em claro processo de evolução (e consequente busca da expressão ideal para uma personalidade de traços já evidentes). There’s No Home é sinal claro de busca por um lugar seu, que dispensa hoje o artifício e busca, acima de tudo, um novo sentido de verdade. Um nome e uma voz a ter sob observação.
Jana Hunter
“There’s No Home”

Gnomonsong / Sabotage
3/5
Para ouvir: MySpace


O primeiro disco de Marc Almond depois do aparatoso acidente que quase lhe tirou a vida em 2004 devolve-o a terreno seguro em duas frentes. Ou seja, Stardom Road é um disco apenas feito de versões, a todas elas aplicada a incontornável operação de maquilhagem que as acaba por transformar a todas em... torch songs! Não é de facto a primeira vez que Almond entrega a totalidade do alinhamento de um álbum seu a canções de terceiros. Fê-lo em 1989 em Jacques, reinventando à sua maneira uma mão cheia de clássicos de Brel. Da chanson vieram as sugestões e pistas para Absynthe, em 1993. E da Rússia, as inesperadas canções que registou no menos inspirado Heart On Snow (2003). Desta vez a receita é simples e muito sua: clássicos bizarros ou esquecidos da tradição pop, escolhidas num intervalo entre 1959 (o ano em que nasceu) e finais de 70 (quando formou com Dave Ball os Soft Cell). Os resultados são contudo irregulares. Bobby Darin pode ter sido um dos seus ícones de inspiração para este projecto, mas as leituras de Dream Lover e The Curtain Falls são pouco entusiasmantes. Ainda em campeonato crooner, Stranger In The Night é constrangedor... Mais convincente é o dueto com Sarah Cracknell em I Close My Eyes And Count To Ten (de Dusty Springfield) ou a reinvenção sinfonista de London Boy (do álbum de 1967 de Bowie). Intensa e dramática é, depois, a colaboração com Antony Hegarthy na recriação de The Ballad Of The Sad Young Men, de Shirley Bassey. Marc Almond sempre teve particular gosto pela recriação de canções de terceiros. Tainted Love (ainda com os Soft Cell), Something’s Gotten Hold Of My Heart ou The Days Of Pearly Spencer são hoje mais célebres na sua voz que nos originais. Stardom Road, contudo, raras vezes está ao nível do seu melhor.
Marc Almond
“Stardom Road”

Sequel / Edel
2/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Philip Glass, Sebadoh, The Bravery (ed local), U2 (DVD), Pedro Abrunhosa

Brevemente:
2 de Julho: Chemical Brothers, Jorge Palma, Crowded House, Blondie (reedição), Depeche Mode (reedição), Frank Black, Clinic, Ryan Adams, Komputer, Happy Mondays, PolyPhonic Spree, Datarock
9 de Julho: Interpol, Philip Glass (archive edition), Buffalo Tom, Smashing Pumpkins

Julho: O. Golijov, David Bowie (DVD)

Estas datas podem ser alteradas pelas editoras a todo o momento

Philip Glass no CCB: a duas mãos

A mão esquerda a estabelecer a paisagem de fundo, os ritmos e repetições sobre os quais se vêm inscrever as derivações da mão direita... À medida que as coisas avançam, as duas mãos parecem libertar-se da sua função inicial, mas sempre de forma paradoxal: afinal de contas, cada uma delas tem por assumida missão surpreender-nos com o desconcertante apelo metafísico de uma música que permanece ligada à terra, à materialidade simples dos gestos e das intenções.
Foi assim Philip Glass no CCB (sábado, dia 23), num concerto a solo que teve algo de reunião intimista, espécie de viagem "aleatória" através de uma obra de paciente e fascinante pesquisa formal. O segundo e último encore — um tema da banda sonora de The Thin Blue Line (1988), de Errol Morris — acabou por sublinhar a mensagem mais austera: esta é uma música que tende para as imagens e que, ao mesmo tempo, vive liberta de qualquer dependência figurativa. Em resumo: hora e meia (um pouco mais...) com um senhor abençoado por uma sereníssima ironia.
A assinalar mais uma passagem de Philip Glass por palcos portugueses, uma viagem pelas suas aventuras no mundo da canção...

Morgan Geist “Most Of All”
Postal Service “Grow Old With Me”
Scott Matthews “Surgery”
RJD2 “You Never Had It So Good”
The Hidden Cameras “Boys of Melody”
Partisan Seed “The Old Garden”
Philip Glass “Mishima (opening)”
Rufus Wainwright “Do I Disapoint You”
Beirut “Elephant Gun”
Of Montreal “No Conclusion”
White Stripes “A Martyr For My Love For You”
Wraygunn “Hoola Hoop Woman”
Raveonettes “One Day At A Time”

Micro Audio Waves “That’s Me Man, Half A Man”
Au Revoir Simone “Stars”
The Bird And The Bee “Because”
Philip Glass “Opening (from Glassworks)”
Philip Glass “A Gentleman’s Honour”
Philip Glass “Liquid Days”
Ute Lemper “Streets Of Berlin”
Marisa Monte “Ao Meu Redor”
Pierce Turner “The Answer”
Philip Glass + David Bowie “Heroes (Aphex Twin Remix)”
Philip Glass “Etude # 1 (Androval Remix)”
S-Express “Hey Music Lover (The Glass Cut)”
Philip Glass “Powaaqatsi”
Três Tristes Tigres “Linha Turva”

Discos Voadores - Sábado 18.00 / Domingo 22.00
Radar 97.8 FM ou www.radarlisboa.fm

domingo, junho 24, 2007

Reinventar as imagens

Texto publicado no Diário de Notícias (24 de Junho), com o título 'Emoção e política segundo Madonna' >>> Na turbulência de mensagens mediáticas em que todos os dias mergulhamos (e somos mergulhados), que faz a diferença? Que imagens sabem superar o conformismo de muitos modos de informação/desinformação?
Uma vez mais, Madonna convoca-nos para esse universo em que se joga a coexistência do particular e do universal, do individual e do colectivo. O seu novo teledisco, da canção Hey You, composta para os concertos do Live Earth (7 de Julho), é um pequeno grande exemplo de como é possível lidar com imagens correntes, reintegrando-as num discurso pessoal que tem tanto de emocional como de político, recordando-nos que o político não é uma “purificação” da emoção, mas sim uma via específica de apropriação das suas intensidades.
Madonna não aparece no teledisco. Escusado será dizer que essa auto-exclusão é tão significativa quanto seria a sua inclusão (porventura mais). Mostrar-se faz parte das regras de uma estrela: pela sua presença, através das suas imagens, uma estrela é alguém que assina visualmente o seu próprio trabalho. Ora, Madonna não só não aparece como encena Hey You como uma vertiginosa peça de... telejornal.

Somos confrontados com imagens que, directa ou indirectamente, remetem para o tema central do Live Earth: o aquecimento global do planeta Terra e as hipóteses de, politicamente, contrariar os seus efeitos, criando novas condições de existência. Mais ainda: retomando uma marca visual do teledisco de American Life (2003), as palavras da canção surgem encenadas através de sucessivas bandeiras nacionais, num jogo (concreto e abstracto) de simbólica internacionalização.
São quatro minutos de glorioso entertainment. É o tempo suficiente para compreendermos que as mudanças de atitude passam também pelos modos de representação do mundo e dos seus laços interiores. Vemos figuras míticas (John Lennon, Martin Luther King, Albert Einstein, etc.), a par de protagonistas da actual cena política internacional (George W. Bush e Nicolas Sarkozy, entre outros). O seu envolvimento com imagens que lembram os desequilíbrios económicos e ambientais produz um misto de panfleto e objecto contemplativo, aliás sublinhado pelo apelo a não desistir, a explorar as alternativas que (ainda) nos restam: “Hey you / Don’t you give up / It’s not so bad / There’s still a chance for us.”

Realizado por Johan Söderberg e Marcus Lindkvist (o primeiro ligado à montagem de alguns trabalhos anteriores de Madonna e à produção visual de “The Confessions Tour”), o teledisco de Hey You funciona como um radioso acidente no interior do nosso audiovisual: faz-nos ver que mesmo as imagens mais repetidas podem ser reinventadas.