quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Cartas de Iwo Jima: escrita japonesa

Cartas de Iwo Jima não é exactamente a "continuação" de As Bandeiras dos Nossos Pais. De facto, Clint Eastwood nem sequer se preocupa em sublinhar os inevitáveis contrastes entre a visão dos combates para conquistar a ilha de Iwo Jima, primeiro do lado americano, agora no seio das tropas japonesas. Aquilo que prevalece — sobretudo se olharmos os dois filmes como outros tantos capítulos de um painel cinematográfico de quase cinco horas de duração (132 + 142 minutos) — é a noção de que há uma cruel distância entre os desígnios colectivos da guerra e a sua percepção (e vivência) no plano individual. No fundo, Eastwood filma heróis para quem a verdade do heroísmo não possui nada de redentor, muito menos de espectacular.
As Bandeiras dos Nossos Pais era um filme sobre uma sociedade (americana) fortemente dependente do poder do imaginário visual e, mais especificamente, da função simbólica das imagens — afinal de contas, a célebre fotografia dos soldados a erguer a bandeira americana em território conquistado ao Japão era uma espécie de máscara política que se transformava numa imenso (e festivo) logro colectivo.
Como contraponto, Cartas de Iwo Jima dá evidência àquilo que está implícito no próprio título: uma cultura em que os valores, as hierarquias e as tragédias passam pela escrita e pelo seu singular poder de ligar e religar os seres humanos (vale a pena ver o trailer japonês). Estamos perante um retrato de prodigiosa sensibilidade humanista do Japão, assinado por um autor que, nem por um momento, renega a sua fidelidade ao mais nobre cinema clássico de Hollywood.