sexta-feira, agosto 31, 2012

"Morangos com Açúcar": o filme???

Face à série televisiva Morangos com Açúcar, o recém-estreado Morangos com Açúcar - O Filme é apenas mais do mesmo. Com a agravante de o produto ser agora servido como... cinema! Dito de outro modo: o horror televisivo ocupa, literalmente, o espaço comunicacional do cinema. E não tenhamos dúvidas que tem imenso poder económico e simbólico — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 Agosto), com o título 'A nova tragédia social'.

Uma atitude corrente no meio jornalístico, misto de hipocrisia e soberba, “recomenda” que se reduza Morangos com Açúcar a motivo de chacota... Há em tal atitude uma cegueira idêntica à dos puristas de esquerda que, em 1975, se empenhavam em denunciar os críticos “imperialistas” que defendiam um filme chamado Tubarão, de um tal Steven Spielberg. De facto, por muitas razões, a começar pelas jornalísticas, importa não passar ao lado do fenómeno: com ele, e através dele, se tem (des)educado várias gerações de jovens espectadores, reduzindo a ficção a uma colagem de anedotas pueris sobre namoros assexuados, ao mesmo tempo que se trata as imagens como uma derivação preguiçosa da mais medíocre estética publicitária e a banda sonora como uma antologia de jingles para promover a venda de discos.
Pois bem, a tudo isto importa acrescentar agora que o populismo televisivo que gera um produto como este acredita que ele é transponível para cinema: Morangos com Açúcar – o Filme aí está, sendo penoso observar como se consegue gastar hora e meia em imitações requentadas da própria série, sem que seja possível detectar a mais discreta ideia... de cinema. Dir-se-ia que assistimos a uma montagem arbitrária de “spots” que, na melhor das hipóteses, tentam vender uma determinada marca de gelados.
No meio de tudo isto, deambula uma galeria de jovens incautos e esforçados, “dirigidos” para se comportarem face a uma câmara com tiques que reduzem a nobre arte de representar uma personagem a uma pose banal para um anúncio falhado de água de colónia. Podemos (e devemos) admitir que, em alguns deles, há talentos que ficaram por cumprir. Mas isso apenas agrava a tragédia social, mediática e simbólica que tudo isto arrasta.

"Women Are Heroes": fotografia & filme

Como fotografar os outros? E como mostrar/devolver as suas imagens? Women Are Heroes, de JR, é um filme enraizado nessas interrogações — este texto foi publicado no Diário de Notícias, com o título 'Imagens do novo museu urbano'.

Provavelmente, o artista que assina JR não quis fazer um documentário sobre as “mulheres” que classifica pelo seu “heroísmo”... E, no entanto, é difícil não considerar que o seu filme Women Are Heroes envolve uma importante dimensão documental. Resta saber o que está ele a documentar. Pois bem, o seu próprio trabalho de artista plástico, fotógrafo e performer. Dito de outro modo: as mulheres fotografadas por JR valem tanto quanto podem valer as suas imagens. Banal mercantilização? Não sejamos moralistas. Digamos que se trata antes de glosar o efeito de abstracção que o mercado pode gerar. Assim, em vez de registar imagens para, depois, as ampliar noutro lugar, JR expõe as suas fotografias nos próprios espaços (casas, comboios, favelas) em que se movem as suas protagonistas. E tudo pode ser superfície de exposição: o museu deixa de ser um espaço “alternativo”, sobreponde-se agora, literal e metaforicamente, ao mapa urbano.
Há uma assumida dimensão “frustrante” em tudo isto. Perto do final, essa sensação é mesmo explicitada com desarmante sinceridade: o mais certo é que as fotografias, e a intervenção artística que materializam, desapareçam sem deixar rastro... No limite, podemos ler em tal reconhecimento o cansaço de uma postura “pós-pós-moderna” que vive num jogo de espelhos com as linguagens, contemplando o esvaziamento simbólico de cada uma dessas linguagens. Daí a contradição insolúvel de Women Are Heroes: é um filme que nos contagia pelo exuberante artifício da sua escrita visual, mas que, feitas as contas, já não tem qualquer relação próxima com as matérias que integra. Se quisermos evocar a lição de Roland Barthes, talvez possamos dizer que lhe falta, não o labor das formas, mas esse tremor da linguagem a que podemos dar o nome de sensualidade.

>>> Site oficial de JR.

Uma canção para o verão (5.21)

A fechar mais um ciclo 'Uma canção para o verão' recordamos um clássico dos Blondie. Editado em 1982 e com tempero solarengo e caribenho, este é Island of Lost Souls, o single que então anunciava a edição do álbum The Hunter. Aqui fica o teledisco.

Reedições:
Mike Oldfield, QE 2


Mike Oldfield 
“QE2” 
Mercury / Universal 
2 / 5

Há discos de transição que acabam arrumados numa certa terra de ninguém, nem tanto ao mar nem tanto à terra, perdidos entre o ténue ensaio de novas ideias e a vontade em não abdicar das antigas... Apesar de ocasionais momentos interessantes, o álbum de 1980 de Mike Oldfield foi uma experiência falhada, que transporta um pouco desta alma dividida, não optando nunca por tomar caminhos, tentando antes andar um pouco por todos ao mesmo tempo. É claro que só se podia perder nesse labirinto que ele mesmo criou. O anterior Platinum (1979) já havia ensaiado um modelo de fuga às composições longas de alma sinfonista dos dias de Tubular Bells e Incantations, mas mesmo assim os quatro temas do lado A do álbum construíam uma suite. Em QE2 Mike Oldfield aproxima-se dos formatos de duração da “canção” pop, transcendendo o espaço dos quatro minutos em apenas dois temas, nenhum deles chegando aos onze... É contudo nesses dois temas que a sua música respira, a composição de alma sinfonista, que evita os modelos de repetição de módulos da canção revelando um sentido plástico mais elaborado (e de alma prog) que Oldfield sempre trabalhou e fora do qual, tirando pontuais canções, nunca brilhou. Taurus I enceta uma série que teria resolução de maior fôlego no seguinte Five Miles Out. Já o tema título herda o interesse pela exploração de ideias escutadas entre os minimalistas, acabando contudo por juntar tantos condimentos (o que faz ali a música celta?) que torna o resultado final coisa com o sabor de medley que não sabe para onde quer ir... Depois há umas composições menores, de alma mais pop, ora citando Bach (como em Conflict) como ensaiando o potencial de novas tecnologias, juntando ainda, a momentos, percussões africanas e a bateria a cargo de Phil Collins. E com cereja (pop) do bolo numa versão (pouco inspirda) de Arrival dos Abba e uma outra de Wonderful Land, dos Shadows. As guitarras e instrumentos mais convencionais partilham espaço com sintetizadores e vocoders. A voz surge em primeiras sugestões de ideias que concretizaria melhor (novemente) em Five Miles Out e Crisis. Pedido entre uma identidade prog e uma vontade em explorar a música pop, QE2 soa a mais dúvidas que certezas, as respostas tendo chegado mais tarde, nos discos seguintes, deixando este com o sabor a ensaio de algo que não se concretizou em pleno. Nesta nova reedição (entre nós não saiu a versão com um CD ao vivo extra) juntam-se dois lados B e uma nova e inconsequente abordagem a Sheba (como Shiva)...

Nos 25 anos de 'Bad'


30 de agosto de 1987, hora do jantar, mais coisa menos coisa... Estava então em Filadélfia. A cidade preparava iniciativas para assinalar os 200 anos da constituição. Esperava-se (chegaria daí a um mês) pelo regresso aos pequenos ecrãs de Star Trek, no primeiro episódio da Next Generation, que iniciaria uma vida de sete anos no pequeno ecrã em finais de setembro. Contavam-se os dias para o concerto dos U2 (e compravam-se já os bilhetes para a visita dos Depeche Mode, daí a alguns meses, para atuarem igualmente no Spectrum)... Mas naquela noite o protagonisra e centro das atenções era outro. Com um teledisco criado por Martin Scorsese, que mais parecia um pequeno filme, Michael Jackson surgia nos pequenos ecrãs de televisão ao som de uma nova canção. É claro que algum tempo tinha sido editado Farewell My Summer Love, o álbum com inéditos recuperados do seu tempo na Motown e pelo caminho Michael tinha-se reunido aos irmãos para um último disco dos Jacksons... Mas anunciava-se o lançamento do seu primeiro álbum desde Thriller. Tal como a canção que Scorsese levara ao teledisco que a TV mostrou em prime time, o álbum chamar-se-ia Bad... E no dia seguinte, 31 de agosto (faz hoje 25 anos) poucos eram os que no metro, à hora de regressar a casa ao fim de dia, não levavam consigo um embrulho com o formato de um álbum de vinil...

Juntamente com Off The Wall (1979) e Thriller (1982), Bad completou então uma trilogia na obra de Michael Jackson que, com a produção (e visão) de Quincy Jones, o elevou de promissora voz de sucesso nos espaços do rhythm’n’blues e dele fez a maior estrela global da música pop. Há alguns dias Christopher Nolan sugeria, a caminho da estreia do seu mais recente Batman, que raras são as trilogias em que o terceiro capítulo gera algo de mais marcante (ou consegue mesmo ser melhor) que os dois anteriores... E basta lembrarmo-nos de A Guerra das Estrelas ou Indiana Jones para lhe darmos razão (até o terceiro O Senhor dos Anéis, que foi o que brilhou nos Oscares corresponde à regra: o primeiro é o melhor da série). Mais distante dos caminhos soul e de genética assimilada do funk de Off The Wall, Bad de facto segue em frente segundo a opção pop que Thriller vincou. Mas em nada é um baixar de braços, uma vez que não só junta mais uma mão cheia de magníficas canções, como indicia caminhos futuros (escute-se Speed Demon ou Another Part of Me e reconheça-se um interesse que o conduziria ao swing beat que afloraria mais evidente em Dangerous). Em Bad abre espaço a uma sequência instrumental de alma jazzy... Já em Dirty Diana ensaia um diálogo com guitarras rock que retomaria em Black or White (não sendo, contudo, a sua zona de conforto). Mas é claro que Smooth Criminal é uma sequela de Wanna Be Sartin’ Something e baladas como Liberian Girl e I Just Can’t Stop Loving You seguem os mesmos caminhos das que escutávamos em Thriller.

Como nos conta Quincy Jones nos extras de uma reedição de Bad, o disco nasceu de um dueto com Prince que foi idealizado, tentado, mas não se concretizou... Mais sorte teve o produtor quando “arrancou” Scorsese da sala de montagem onde estava a trabalhar em A Cor do Dinheiro, dizendo-lhe que precisava dele por quatro dias, levando-o para Nova Iorque para realizar o teledisco.

Longe de ser o álbum mais-do-mesmo que muitos ali teimam em ouvir, Bad é o espaço de confirmação da opção pop que o disco de 1982 lançara. Vale a pena reouvi-lo e reconhecer aqui um dos títulos (no seu todo) mais importantes da obra de Michael Jacskon... E, já agora, ficamos à espera do filme Bad 25 que Spike Lee hoje estreia em Veneza.


Imagens de algumas das capas que ajudaram a fazer a história de Bad a 45 rotações. É que, entre I Just Can’t Stop Loving You (editado ainda antes do lançamento do álbum, em julho de 1987) e Speed Demon (um 'promo' que chegou ao formato a 45 rotações em outubro de 1989), foram ao todo 10 os temas de Bad com edição em single. Do alinhamento original do vinil (o CD juntava Leave me Alone, da banda sonora do filme Moonwalker, como extra), só Just Good Friends ficou por editar a 45 rpm.

Um Hercules por detrás dos pratos


Boa notícia para os admiradores de Hecules & Love Affair: a edição de um volume da série DJ Kicks. O disco é editado a 29 de outubro e inclui no alinhamento temas como Don’t Keep Me Waiting (Mankind), Strut Your Techno Stuff (Faz Yourself), Do You Want Me (Cloud 9) ou mesmo Release Me, do próprio projeto de Andrew Butler.

quinta-feira, agosto 30, 2012

Uma canção para o verão (5.20)

Em reta final de mais uma série 'uma canção para o verão', revisitamos um dos temas de Felt Mountain, o álbum de estreia de Goldfrapp. Eis Lovely Head, num dos dois telediscos criados para então acompanhar o lançamento do sinhle.

Discos Pe(r)didos:
The Tyrell Corporation, North East Of Eden


The Tyrrel Corporation 
“North East of Eden” 
Cooltempo 
(1992)

A revolução criada pela música de dança em finais dos anos 80 teve profundo impacte em várias frentes. E na alvorada dos noventas vários híbridos ganharam forma, ensaiando e cruzando linguagens, entre as consequências diretas dos acontecimentos nos universos da house e periferias e escolas mais “clássicas”, da pop ao rhythm’n’blues (e por aí adiante). Hoje claramente esquecidos, os Tyrrel Corporation brilharam por momentos, sobretudo ao som do single The Bottle (de 1992). Mas vale a pena, mesmo não sendo um daqueles monumentos mais inesquecíveis do seu tempo, voltar a focar algumas atenções sobre North East of Eden, o primeiro dos seus dois álbuns, onde canções de alma pop e com evidente interesse pelos caminhos da música soul, nasciam sob arquitetura rítmica de raiz colhida na house music. Eram uma dupla. Joe Watson cantava e assegurava parte da composição. Tony Barry escrevia as letras e era o principal teclista (na verdade ambos tocavam teclados). Oriundos de Redcar (no nordeste inglês), mudaram-se, um de cada vez, para Londres e, com os mais variados e nada musicais dos empregos, financiaram tempo de estúdio para gravar a sua música. Estrearam-se em single com Six o’Clock. Cativam atenções da Cooltempo e avançam para a criação de North East of Eden, um álbum que não esconde a sua fisionomia pop e um desenho de linhas diretamente assimiladas da cultura house, apesar de transportar genéticas que ora passam por memórias que vão da philly soul ao disco sound. The Bottle, a faixa central do alinhamento, é um parente próximo do que os keyboard wizzards de inícios dos noventas (como Adamski) vinham a ensaiar, contando com o valor acrescentado de ua voz de inspiração soul (dispensando-se todavia os solos de harmónica e guitarra que habitam a reta final da canção). O alinhamento avança depois por vários caminhos, da house à la Mr Fingers (com presença destacada do piano) cruzada com disco (de tempero Philly soul) em Six 0’Clock a uma revisão, na era house de memórias R&B dos sessentas em Walking With a Stranger, não esquecendo as mais diretas consequências do “efeito” Soul II Soul no panorama brit de então em Ballad of British Justice e Lies Before Breakfast ou uma mais colorida expressão pop de heranças soul e disco em Grapes of Wrath. Cantavam a noite e os copos, mas também o mundo ao seu redor, não deixando de comentar o país em pontuais afloramentos de consciência política que assim partilhava espaço com um terreno de festa e libertação. Bem mais interessante que o segundo – e quase ignorado Play For Today, de 1994 – o álbum de estreia dos Tyrrel Corporation (sim, o nome é diretamente inspirado em Blade Runner) faz agora 20 anos que foi editado. Sem expectativas maiores, vale a pena (pelo menos) conhece-lo.

Um filme ao som de Arthur Russell


A música de Arthur Russel está a dar que falar em 2012. Além do tributo que vem a caminho, e onde colaboram nomes que vão de Nico Muhly, Robyn, Hot Chip ou Devendra Banhart aos Scissor Sisters, uma banda sonora essencialmente feita das suas canções promete ser um dos acontecimentos musicais do ano cinematográfico. Estreado em Sundance em janeiro e apresentado depois na Berlinale, o filme de Ira Sachs Keep The Lights On inclui temas de Arthur Russell como Close My Eyes, Soon To Be Innocent Fun ou Your Motion Says. A banda sonora, escolhida pelo realizador, em colaboração com Tom Lee (que viveu com o músico), Matt Wolf (autor de um documentário sobre Arthur Russell) e o responsável da Audika Records, a editora que assegura o seu lançamento, a 4 de setembro, para já apenas em formato digital.

Olhos com gente dentro


Chega hoje às salas de cinema portuguesas o filme Women Are Heroes, do fotografo JR. Este texto é uma versão editada de um outro que foi publicado na edição de 29 de agosto do DN com o título ‘Quem Vive por detrás dos olhos que JR Fotografou?

Quem voasse naquele dia sobre as casas de Kibera (no Quénia) veria um cenário diferente. Era como se os telhados tivessem olhos e, alguns deles, rostos. Rostos de mulheres da região. Do outro lado do Atlântico, no Morro da Providência, a primeira favela do Rio de Janeiro, outros olhos e outras caras vestem as paredes das casas que sobem, amontoadas, encosta acima. Longe dali, em Nova Deli, na Índia, um olhar a preto e branco fita-nos. É feito de tijolos, ora empilhados, ora levados dali , a imagem sendo por isso coisa que vive por alguns instantes.

As imagens são na verdade parte de um projeto com expressão global idealizado por JR, um fotógrafo francês. Podemos vê-las nas páginas de Women are Heroes, um livro originalmente publicado em 2009. E, agora, e com o mesmo título, chega às salas de cinema um documentário, assinado pelo próprio JR, onde não só vemos (mas sem uma lógica de making of) a cosntrução e expressão do projeto, como entramos nos espaços e nas vidas das mulheres cujas imagens o fotógrafo trabalhou. Conhecemos então mais que os seus olhares e os seus rostos e ouvimo-las a falar do quotidiano nesses lugares onde os turistas não passam. JR escolheu em concreto locais de que tinha ouvido falar nas notícias, onde há histórias de violência e morte. O filme não quer ser contudo nem um levantamento de vidas difíceis em lugares desencantados nem um retrato sociológico da condição feminina no mundo que habitamos neste tempo em que vivemos. Contudo, todo esse texto acaba por habitar o contexto onde JR encontra a matéria prima para este seu projeto.

De perfil semi-incógnito (sabemos pelo menos da sua aparência, que nasceu em 1983 e é francês), JR começou por fazer graffiti e, ao descobrir na fotografia a sua “voz”, passou a usá-la um pouco como o fazia com os sprays de tinta: aplicando as imagens nas paredes. Projeto a projeto foi ganhando visibilidade, tendo ganho em 2011 o Ted Award (associado a um conjunto de conferências anuais onde se debate o mundo na perspetiva de mudanças que o possam fazer um lugar melhor).

JR é um artista de rua, e das ruas faz as suas galerias. E é entre as populações que fotografa que resolve tudo o que precisa para levar as ideias a bom porto. Não pede nunca autorizações formais. Discute antes com as comunidades onde deseja trabalhar. Apesar do projeto fotográfico ser mais vasto, para o filme concentrou-se em figuras e lugares entre o Brasil, o Quénia, Índia e Camboja.

Numa altura em que se fala da diluição das fronteiras entre o documentário e a ficção, Women Are Heroes expressa semelhante espaço de cruzamento entre o documentarismo e a criação artística. Porque mais que apenas um making of, o filme é também ele uma expressão visual desta intervenção de JR nas paisagens que visitou.

As cozinhas de Steven Meisel

O título fala de personagens de guarda-roupa devidamente elaborado, mas... sem lugar para ir. Dito de outro modo: Steven Meisel decide ficar em casa, literalmente, combinando o glamour da moda com cenários correntes de... cozinhas! O resultado, imbuído de uma poética desconcertante, fala-nos de um mundo liberto de imanências, de vocação tão vulgar quanto inapelavelmente grave. De uma tristeza tocante. Está tudo nas páginas da Vogue italiana de Agosto, podendo ser visto no FashionProduction.

quarta-feira, agosto 29, 2012

Para acabar com o 3D?

Que está a acontecer, afinal, com o 3D? Será que um dos maiores trunfos comerciais do novo cinema digital vai desembocar num esgotamento sem alternativa? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Agosto) com o título 'A agonia dos filmes 3D'.

Afinal, que valor podemos atribuir à nova vaga de filmes a três dimensões? Que aconteceu desde que começaram a surgir títulos como Chicken Little (2005), primeiro filme dos estúdios Disney em 3D digital, ou Beowulf (2007), a animação dirigida por Robert Zemeckis, fabricada a partir da filmagem prévia de actores (motion capture)? E qual a herança do fenómeno global que foi Avatar (2009), de James Cameron?
No plano meramente comercial, rapidamente se tornou claro que o incremento do 3D não pode ser dissociado da criação de um mercado global digital. Dito de outro modo: o 3D foi apresentado como um “suplemento” espectacular da nova tecnologia, para mais “legitimando” o aumento do preço dos bilhetes. Ora, mesmo não querendo demonizar o digital (bem pelo contrário!), importará reconhecer que, na esmagadora maioria dos casos, a aplicação do 3D não foi acompanhada de uma reflexão consistente sobre os desafios técnicos e artísticos envolvendo as imagens a três dimensões. Alguns filmes nasceram mesmo de um absoluto vazio de pensamento: U2 3D (2008), por exemplo, sobre a “Vertigo Tour” dos U2, aplica as três dimensões através das convenções de uma montagem “acelerada” à maneira da MTV, com resultados desastrosos.
Há excepções neste processo, sendo inevitável destacar dois magníficos lançamentos de 2011: As Aventuras de Tintin e A Invenção de Hugo, com Steven Spielberg e Martin Scorsese, respectivamente, a apostarem nas três dimensões para relançar todo um riquíssimo imaginário da aventura e da fábula. Mas a dúvida persiste: quando é que um filme, em vez de se limitar a utilizar uma tecnologia “obrigatória”, existe, de facto, pelo 3D e através do 3D?
O exemplo de A Gruta dos Sonhos Perdidos (2010), de Werner Herzog, será, por certo, um dos mais desconcertantes e também mais reveladores. Para filmar a gruta Chauvet, no sul de França (onde existem algumas das mais antigas pinturas executadas pelos seres humanos), o cineasta alemão utilizou uma sofisticada “Fusion Motion Camera”, fabricada pela Sony, a cujo desenvolvimento está ligado o próprio James Cameron. E o mínimo que se pode dizer é que Herzog não é um exibicionista: as suas filmagens são, obviamente, pensadas e executadas em função das especificidades do 3D.
Agora que nos chega a edição do filme em DVD, sem 3D, que dizer dos resultados?... Pois bem, que se podem ver com o mesmo fascínio, como se o filme nunca tivesse existido a três dimensões. É verdade que todas as generalizações são prematuras. Mas não é menos verdade que o 3D vive um processo de prolongada agonia cujas perspectivas estão longe de ser redentoras. A não ser que esteja a nascer qualquer “coisa” enraizada nas singularidades das três dimensões, elaborada a partir das regras de registo e consumo do cinema mas que, a prazo, já nem sequer se poderá chamar cinema.

Dylan em teledisco: "Duquesne Whistle"

Já era conhecida uma primeira canção, Duquesne Whistle, do novo álbum de Bob Dylan, Tempest. Agora, chega o respectivo teledisco, com realização de Nash Edgerton (que já dirigira, para Dylan, Must Be Santa Claus e Beyond Here Lies Nothin). É um magnífico conto urbano, romântico ma non troppo, isto é, insolitamente violento, que parece ilustrar uma máxima existencial de Dylan, já sensível no No Direction Home, de Martin Scorsese: ele não é exactamente um "comentador" da história (eventualmente da História...), mas alguém que se cruza com ela, coexistindo de forma mais ou menos consciente com os seus elementos e personagens. Para ver no site de The Guardian, ou aqui mesmo: um grande pequeno filme!



Uma canção para o verão (5.19)

Rumamos hoje à Dinamarca para recordar uma das canções do mais recente álbum de Kasper Bjorke. Pop eletrónica com um travo de melancolia, mas com cenário florestal em dia de verão no teledisco que aqui apresentamos. Eis Young Again.

Novas edições:
Vários Artistas,
Just Tell Me That You Want Me:
A Tribute to Fleetwood Mac

Vários artistas
"Just Tell Me That You Want Me - A Tribute to Fleetwood Mac"
Universal
2 / 5

A colheita de tributos tem sido farta este ano. Este verão chegou ao mercado nacional um disco que celebrou os 70 anos de Caetano Veloso. Não tarda nada e estará aí um álbum duplo de homenagem aos Talk Talk. Mais adiante teremos a muito esperada edição que junta versões de temas de Arthur Russell... E pelo caminho eis que entra em cena um tributo aos Fleetwood Mac. Com o título Just Tell Me What You Want Me celebra a memória de uma banda que cruzou várias épocas e caminhos, dos blues que os inspiravam em finais dos sessentas à pop que tomaram por destino entre finais dos setentas e os oitentas... Neste tributo são 17 os nomes que se juntam para os evocar. Chegam dos mais variados pontos de partida, apesar de uma concentração de forças entre figuras com carreira em terrenos indie. Porém, é magra a colheita de boas ideias nas versões que aqui se escutam. Brilha St Vincent, com Craig Wedren, ao som de um certo fulgor dramático para eletricidade e bom sentido de espaço em Sisters of The Moon, assim como a sueca Lykke Li mostra que sabe ter voz interpretativa na forma de abordar Silver Springs. Antony e Marianne Faithfull são competentes e fieis a si mesmos, respetivamente em Landslide e Angel, ambos de resto figuras com recomendável historial de versões já gravadas. Mas, de resto, a montra proposta é de dieta nas ideias, com nomes como uns Washed Out ou New Pornographers num certo registo de piloto-automático e outros, como The Kills, MGMT ou Best Coast com aquele estranho sabor de carta fora do baralho. Esta ideia da carta fora do baralho é até situação que poderia ser empolgante, como quando uns Scissor Sisters reinventaram Pink Floyd em clima eletro disco ou no disco em que o Balanescu Quartet leu Kraftwerk com dois violinos, uma viola e um violoncelo. Mas não é o caso...

Um admirável novo mundo


Acaba de ser editado em Blu-Ray, (mas não entre nós), o filme de 1936 Things To Come, obra de William Cameron Menzies inspirada pela escrita de H.G. Wells (e com argumento do próprio escritor). Será desta que o nosso mercado aceita a presença de um clássico maior do cinema de ficção cienfífica?

Muitas das visões de futuro da humanidade que a ficção científica nos deu revelavam um profundo desencanto do homem perante si mesmo, os cenários de distopia acabando por caracterizar muitas dessas histórias de antecipação. E basta lembrarmos o 1984 permanentemente vigiado de Orwell ou o Admirável Mundo Novo de Huxley, assombrado por uma hierarquização da sociedade ditada pela manipulação genética para termos dois exemplos desses futuros descrentes nas capacidades do homem em procurar melhores caminhos para si mesmo. H.G. Wells, que já tinha invadido o planeta com marcianos e até mesmo olhado para o futuro distante do nosso mundo com algum ceticismo (em A Máquina do Tempo), assinou em 1933 um romance no qual, imaginando uma história futura para a Terra, a faz passar por um conflito militar global, antes de sugerir uma utopia suportada por uma outra forma de entender a sociedade e a sua relação com o conhecimento e a tecnologia. Nunca traduzido entre nós, The Shape Of Things To Come não foi o primeiro texto de Wells a cativar o cinema. The Invisible Thief assegurara a sua “estreia” no grande ecrã em 1909, seguindo-se First Men in The Moon (1919) e Passionate Friends (1922). Wells chegou mesmo a escrever para cinema. E aprovou a visão de James Whale para o seu Homem Invisível em 1933. Mas em meados dos anos 30 foi The Shape of Things To Come que motivou a mais ambiciosa das adaptações (até então) de um texto seu. Na verdade, e com o próprio escritor envolvido no projeto (assinando o treatment e depois até mesmo o argumento), o filme não procurou ser uma ilustração do romance de 1933 mas sim uma visão que, partindo de três momentos da sua trama, e tendo ainda em contra o ensaio The Work, Wealth and Happiness of Mankind, de 1931, definiu uma obra com a consistência de uma narrativa e a alma de uma ideia política.

Na base de toda a aventura (de grande envergadura) que foi a criação de Things To Come está o seu produtor: Alexander Koda, um inglês de ascendência húngara que segurou as rédeas da ideia de fio a pavio. Assegurou por um lado a presença de Wells no projeto, numa das mais célebres adaptações cinematográficas de um romance contando com input criativo (e a disposição para moldar ideias a novas situações) do escritor. E, por outro, chamou não apenas o realizador William Cameron Menzies, mas também o compositor Arthur Bliss (um notável nome da música inglesa do seu tempo) e o pintor e fotógrafo László Moholy-Nagy (professor na Bauhaus), que trabalhou visões da cidade futurista que as imagens pediam.


Num arco de quase cem anos, Things To Come acompanha a história de uma cidade entre 1940 e o ano 2036. Entre o deflagrar de uma guerra mundial e a expressão maior de um mundo novo (verdadeiramente admirável) onde a noção de fronteira política entre os povos se desvaneceu em favor de uma lógica global mais sólida. Pelo caminho assistimos ao recuo da humanidade a uma idade das trevas num pós-guerra onde energia e tecnologia deixam de ser acessíveis aos habitantes de Everytown, cidade que como tantas outras pelo mundo fora, acabou dominada por um war lord despótico e ignorante (que Ralph Richardson interpreta com evidente inspiração na figura de Mussolini), que sonha com uma frota de aviões e acha que os livros não servem para nada. Um núcleo civilizacional com sede em Basra (no Iraque) enceta então uma revolução que abre outros caminhos para a humanidade. Wells assenta a narrativa sob uma vontade de explorar não apenas as mecânicas sociais e comportamentos em tempo de guerra e da devastação que se segue, como toma o eterno conflito entre a ignorância e o conhecimento como um duelo que gere os destinos do progresso.
As sequências mais inesquecíveis do filme chegam na última parte, quando, primeiro, assistimos ao verdadeiro ballet mecânico (herdeiro de um Metropolis) que transforma a cidade e, depois, avançamos até 2036 para contemplar esse mundo do futuro. Mas mesmo em cenário de distopia, a história alerta para os “perigos” dos céticos do progresso, que cativam multidões com palavras fáceis e demagógicas. Onde é que já vimos isto?... E não foi no mundo da ficção... E mais que uma vez...


 Historicamente o livro refletia já o clima de tensão que conduziria o mundo à II Guerra Mundial. Publicado em 1933, o romance expressava um clima que era mais evidente quando, em 1936, o filme chegou aos ecrãs. De resto, Wells falha apenas por 16 meses do deflagrar da guerra... O filme, nas sequências iniciais, sublinha esse mesmo tempo de ansiedade, do jogo de contrastes entre a guerra e a paz, a ignorância e o saber, a vaidade pessoal e a visão coletiva acabando por traduzir muitas das ideias que o escritor deixou em outros mais textos.

Longe de ser um sucesso quando finalmente estreou, Things To Come teve vida atribulada. Houve várias versões, algumas cenas cortadas tendo com o tempo desaparecido (quem sabe, como com Metropolis de Fritz Lang, um dia reaparece uma cópia mais completa algures numa coleção particular ou numa cinemateca remota)... Tal como uma edição recente em DVD, este lançamento em Blu-Ray junta ao filme (em duas versões, uma delas com elementos que permitem reconstruir algumas dessas cenas desaparecidas). Entre os extras contamos com um comentário bem informado de Nick Cooper, um programa televisivo de 1971 onde Brian Aldiss nos fala de H.G. Wells e um outro, onde é entrevistado Ralph Richardson. Há ainda galerias de imagens, o som da gravação original da música de Arthur Bliss... Um booklet com um extenso ensaio. Falta apenas a (muito discutível) versão colorida (na qual trabalhou Ray Harryhausen e que chegou a ter edição em DVD nos EUA em 2007).

Há música em Marte!


Há 41 anos Bowie perguntava-nos se havia vida em Marte. Vida ainda não sabemos, mas música já há! A humanidade entrou hoje numa nova era. Ou, pelo menos, a música entrou hoje numa nova era. Pela primeira vez a Terra escutou uma canção transmitida de um outro planeta. Foi de Marte, claro. A Curiosity emitiu e a Terra ouviu Reach For The Stars, de Will.I.Am.

Podem ver aqui o vídeo do momento em que a equipa que acompanha a missão escutou, em direto, a transmissão marciana.

Festival de Veneza começa hoje


Começa hoje a 69ª edição do Festival de Cinema de Veneza. Além de representar o espaço para a estreia mundial do novo filme de Manoel de Oliveira (que passa fora de competição), o festival vai estrear mundialmente filmes como To The Wonder, de Terrence Malick, The Master de Paul Thomas Anderson ou As Linhas de Wellington, de Vera Sarmiento (que assim concluiu o último projeto de Raul Ruiz).

O festival tem o novo The Reluctant Fundamentalist, de Mira Nair, como filme de abertura. Passa hoje à noite. Também hoje é exibido, igualmente fora de competição, Enzo Avitable Music Life, documentário de Jonathan Demme.

terça-feira, agosto 28, 2012

Karen O canta em "Frankenweenie"

Para a banda sonora do seu Frankenweenie, filme de animação com bonequinhos (stop motion), remake de uma curta homónima realizada em 1984, Tim Burton conta com a colaboração musical do fiel Danny Elfman, mas também com canções interpretadas por gente tão diversa como Passion Pit, The Flaming Lips ou Robert Smith... e ainda Karen O (Yeah Yeah Yeahs), interpretando Love Is Strange. O lançamento do álbum está marcado para 25 de Setembro, chegando o filme às salas americanas a 5 de Outubro.

Madonna e as suas armas

Na véspera do início do capítulo americano da sua MDNA Tour (no Wells Fargo Center, de Filadélfia), Madonna emitiu um comunicado em que apresenta a própria digressão, definindo-a como uma viagem — "da escuridão para a luz / da raiva para o amor / do caos para a ordem".
Em boa verdade, a explicitação de um conceito não parece ser a motivação essencial do texto. Ou, pelo menos, não foi assim que ele foi lido nos próprios EUA. Exemplos: o Philadelpia Inquirer titula: 'O manifesto de Madonna: "Não apoio a violência ou o uso de armas" '; a Rolling Stone esclarece que 'na MDNA Tour, as armas falsas e a violência são símbolos'; enfim, um dos mais completos sites de fãs, o Mad-Eyes, lembra que 'Madonna explica o uso de armas em carta aberta'.

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A mais básica atenção e disponibilidade para a complexidade (histórica e cultural) da questão do uso das armas na sociedade americana ajudará a compreender todo este sereno didactismo — da parte de Madonna, claro, e também de meios de comunicação que, em vez de favorecerem especulações apocalípticas, preferem começar por fixar factos e divulgar informações.
Dito isto, importa também acrescentar um facto simbólico cujo peso não pode ser secundarizado. Chamemos-lhe efeito-Madonna — assim, é um facto que a sua imensa visibilidade mediática lhe impõe uma responsabilidade, também mediática, que, como se prova, ela não recusa assumir; ao mesmo tempo, como não lembrar que a mesma questão estética (a saber: o modo de figuração das armas) é todos os dias esquecida ou banalizada quando os protagonistas são outros?

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Fiquemo-nos por um contra-exemplo actual. E pensemos, por exemplo, nas imagens de promoção do filme Os Mercenários 2, de e com Sylvester Stallone.
Repare-se: não quero favorecer nenhuma visão demoníaca, nem caricatural, de Stallone que, além do mais, em determinado momento de reconversão interna de Hollywood, através de filmes como Rocky (1976), O Beco do Paraíso (1978) ou o primeiro Rambo (1982), foi uma curiosa reencarnação do espírito mais conservador do imaginário do herói clássico. Acontece que Os Mercenários 2 é um filme acompanhado de imagens como estas:


E a questão não é a de saber se estas imagens são "boas" ou "más", "inocentes" ou "perigosas". Deixemos isso para os debates televisivos que se organizam como sermões purificadores de incautos espectadores — como muito bem diz a língua inglesa, beauty is in the eye of the beholder.
A questão tem a ver com a predominância de uma atitude, antes do mais jornalística, que escolhe como alvo automático de suspeição qualquer excepção (Madonna, claro, independentemente do juízo de valor que cada um, com toda a legitimidade, possa formular sobre o seu trabalho) e cultiva a indiferença de olhar e pensamento face à regra.
É uma grande questão no interior da qual, hélas!, o universo figurativo de Stallone se instalou como  matéria meramente instrumental. E em relação à qual Madonna não abdica de ter um discurso, o seu discurso — além do mais, milhares de anos de história da humanidade sugerem também que a sua condição de mulher não pode ser excluída da reflexão sobre todo este labirinto.

"360": que relações humanas?

Como é que conhecemos os filmes, em particular através da Internet? Será que um filme se pode reduzir a uma contabilidade de "deve & haver" — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Agosto), com o título 'Relações humanas e desumanas'.

O novo filme de Fernando Meirelles, 360, tem como base as ambivalências das relações contemporâneas. E filma-as com uma desencantada moral: a proliferação de circuitos nem sempre garante uma genuína verdade humana. Como se nos esquecêssemos que construir uma relação (profissional, conjugal, sexual) é algo mais do que pôr a funcionar um “link” da Internet...
Vale a pena, por isso, observar o que a Internet faz a filmes como este. Assim, o inefável IMDb, sempre empenhado em “quantificar” a complexidade o cinema, informa-nos que o “metascore” do filme (resultante da “soma” de intervenções críticas fornecidas pelo site Metacritic.com) é de 43, numa escala de 100. Negativo, portanto. Por sua vez, a Wikipedia trata a recepção do filme através de uma única linha de texto, citando uma percentagem do mesmo teor: noutro site, Rotten Tomatoes, 360 tem um score muito baixo (20%), baseado em 59 críticas.
Repare-se: não se trata de sugerir que os sites estão a trabalhar com dados falsos. Trata-se, isso sim, de discutir o perverso efeito “globalizante” deste tipo de (des)informação. O resultado prático é sempre o mesmo: a “crítica” deu cabo deste filme... Qual crítica? Como contrariar a definição dos críticos (“bons” ou “maus”, admito todos os pontos de vista) como um rebanho cujas inevitáveis diferenças se reduzem a percentagens típicas de um balancete empresarial?
A questão, em última instância, transfere-se para o filme. Assim, os mais medíocres “blockbusters” de Verão conseguem manchetes apenas porque custaram muitos milhões de dólares... enquanto o filme de Meirelles, uma aposta muito séria em falar de temas dos nossos dias, circula com a aura de um imenso falhanço. Quantas pessoas vão desistir de o ver apenas por causa das generalizações simplistas da Internet?

Uma canção para o verão (5.19)

Um dos mais interessantes nomes da cena pop indie canadiana do nosso tempo, e uma canção com teledisco em cenário de verão, mas longe da clássica ideia de férias, sol e mar... Eles chamam-se The Hidden Cameras e este é o teledisco que acompanhou In The Na...

Novas edições:
Ariel Pink's Haunted Graffiti,
Mature Themes


Ariel Pink’s Haunted Graffiti 
“Mature Themes” 
4 AD / Popstock 
4 / 5

É sempre difícil aquele momento que vivem os músicos que definiram todo um percurso bem distante dos cânones, das regras que ditam o momento, da popularidade e até mesmo da mais vasta aclamação crítica e que, pela especial conjunção de algo que acontece (habitualmente um disco, um concerto, uma canção), dão por si no centro das atenções. Não é esse o momento difícil, se bem que o confronto de quem até então viveu o edificar de algo sem o peso de tantos olhares em si focados com essa “súbita” atenção não deve ser coisa de digestão fácil. O momento difícil chega na hora de dar o passo seguinte... Porque haverá mais almas à espera do novo episódio, e na sua maioria não serão aqueles rostos que até então, com uma certa familiaridade, lá tinham estado desde sempre... Na segunda metade da década dos zeros, os Animal Collective mostraram como é possível sobreviver e vencer esse “momento”, cativando uma maior multidão de admiradores sem que tal implique quaisquer cedências na definição do seu espaço. Não são caso único. E Ariel Pink parece estar a saber seguir semelhante caminho. Já por cá anda há uns anos (edita álbuns desde 2002), mas só com o anterior Before Today (de 2010), que assinalou a sua estreia na 4AD e colocou na capa a assinatura como banda – Ariel Pink’s Haunted Graffiti – o músico norte-americano deu por si nas boas do mundo, celebrado como um dos heróis indie do momento. Dois anos depois chega Mature Themes, o primeiro disco que criou sob expectativas maiores de quem nele reconheceu um nome a seguir com atenção (e convenhamos que o disco de 2010 nos dava motivos suficientes para o fazer). Como aconteceu a tantos outros criadores outrora mais dados a um certo caos e a uma mais livre existência lo-fi sem preocupações maiores de aprumo nas formas finais, um dos primeiros sinais de Mature Things revela uma casa um pouco mais arrumada. Com melhores resultados que os que temos escutados nos últimos discos de uns Of Montreal (que depois de arrumada a casa em Hissing Fauna Are You The Destroyer ainda não voltaram a brilhar da mesma maneira), Ariel Pink mostra contudo como é possível não perder a sua alma primordial de feições weird mesmo em cenário mais arranjado, o gosto pelo som revelando um continuado interesse na construção de canções repletas de acontecimentos (e sem afogar as suas heranças lo-fi), focando agora nas palavras as suas pulsões mais bizarras, que assim transforma em quadros, acontecimentos ou pequenas narrativas. A voz proeminente, a presença destacada de teclados analógicos (a mais evidente característica plástica do álbum) e evocações de temperos new wave - de uns Devo (Is This The Best Spot?) a uns Bauhaus mais coloridos (em Early Birds of Babylon) – Mature Themes é uma bela coleção de canções que mostram que a pop é um espaço bem mais vasto e criativo que o que os patamares mainstream do nosso tempo podem sugerir. O gosto pela citação tão característico em Ariel Pink não é esquecido, o belíssimo Symphony of The Nymph (um dos momentos mais irresistíveis do disco, com o irresistível tempero de teclados à la 70s) transportando nas entrelinhas ecos do velho Apache, celebrizado pelos Shadows. Já Baby, que fecha o alinhamento, é uma versão da canção da dupla Donny & Joe Emerson (coisa foleira, agora transformada em pequena pérola indie pop). Prova superada!

Serviço público, numa tarde de domingo...


Este domingo, o tele-comando deixou que a emissão ficasse por uns instantes na RTP1... Tarde de verão, com um programa “divertido”, com muita cor, muito sol, ao ar livre, e convidados musicais. Um atrás de outro, todos eles no mesmo comprimento de onda. Um popular, outro mais popularucho, num registo ligeirinho (o “pimba” não é género musical, mas o que se ouvia a sair do televisor era parente próximo da mesma pobreza que em tempos se escutava na música que acabou assim rotulada). Mudavam as vozes, as notas e os acordes, mas a coisa na verdade não mudava... Como se a música que se pudesse escutar numa tarde de verão acabasse reduzira a esse espaço. Como se outras vozes e outras músicas não houvesse por aí (nem vamos perder tempo nem argumentos a dizer se más se boas, o certo é que a música servida era, sistematicamente, mais do mesmo)...(*)

Serviço público? Pois, numa altura em que todos se lembraram de falar da RTP e do serviço público de televisão, importa refletir que não conta apenas “defender” a sua existência. Em tudo necessária, nem se discute. Mas que modelo de televisão pública queremos ter? A dos concursos e destas tardes de verão? Que são, convenhamos, argumentos nada em favor de um canal (ou antes da maneira de o fazer) numa altura em que o debate ganhou voz. Será que é desta que se discute que RTP deveríamos ter? E, já agora, que RDP?... Porque de tanto falar de televisão quase todos se têm esquecido que o modelo de rádio pública também pode estar em causa.

PS. E já agora reparem na televisão pública americana. A terra dos canais privados....

(*) Não vi o programa todo, apenas três das atuações... Confesso que não aguentaria uma quarta...