quinta-feira, agosto 30, 2012

Olhos com gente dentro


Chega hoje às salas de cinema portuguesas o filme Women Are Heroes, do fotografo JR. Este texto é uma versão editada de um outro que foi publicado na edição de 29 de agosto do DN com o título ‘Quem Vive por detrás dos olhos que JR Fotografou?

Quem voasse naquele dia sobre as casas de Kibera (no Quénia) veria um cenário diferente. Era como se os telhados tivessem olhos e, alguns deles, rostos. Rostos de mulheres da região. Do outro lado do Atlântico, no Morro da Providência, a primeira favela do Rio de Janeiro, outros olhos e outras caras vestem as paredes das casas que sobem, amontoadas, encosta acima. Longe dali, em Nova Deli, na Índia, um olhar a preto e branco fita-nos. É feito de tijolos, ora empilhados, ora levados dali , a imagem sendo por isso coisa que vive por alguns instantes.

As imagens são na verdade parte de um projeto com expressão global idealizado por JR, um fotógrafo francês. Podemos vê-las nas páginas de Women are Heroes, um livro originalmente publicado em 2009. E, agora, e com o mesmo título, chega às salas de cinema um documentário, assinado pelo próprio JR, onde não só vemos (mas sem uma lógica de making of) a cosntrução e expressão do projeto, como entramos nos espaços e nas vidas das mulheres cujas imagens o fotógrafo trabalhou. Conhecemos então mais que os seus olhares e os seus rostos e ouvimo-las a falar do quotidiano nesses lugares onde os turistas não passam. JR escolheu em concreto locais de que tinha ouvido falar nas notícias, onde há histórias de violência e morte. O filme não quer ser contudo nem um levantamento de vidas difíceis em lugares desencantados nem um retrato sociológico da condição feminina no mundo que habitamos neste tempo em que vivemos. Contudo, todo esse texto acaba por habitar o contexto onde JR encontra a matéria prima para este seu projeto.

De perfil semi-incógnito (sabemos pelo menos da sua aparência, que nasceu em 1983 e é francês), JR começou por fazer graffiti e, ao descobrir na fotografia a sua “voz”, passou a usá-la um pouco como o fazia com os sprays de tinta: aplicando as imagens nas paredes. Projeto a projeto foi ganhando visibilidade, tendo ganho em 2011 o Ted Award (associado a um conjunto de conferências anuais onde se debate o mundo na perspetiva de mudanças que o possam fazer um lugar melhor).

JR é um artista de rua, e das ruas faz as suas galerias. E é entre as populações que fotografa que resolve tudo o que precisa para levar as ideias a bom porto. Não pede nunca autorizações formais. Discute antes com as comunidades onde deseja trabalhar. Apesar do projeto fotográfico ser mais vasto, para o filme concentrou-se em figuras e lugares entre o Brasil, o Quénia, Índia e Camboja.

Numa altura em que se fala da diluição das fronteiras entre o documentário e a ficção, Women Are Heroes expressa semelhante espaço de cruzamento entre o documentarismo e a criação artística. Porque mais que apenas um making of, o filme é também ele uma expressão visual desta intervenção de JR nas paisagens que visitou.