domingo, outubro 31, 2010
No centenário de Samuel Barber
Uma ideia clara de identidade americana na música orquestral surge em Charles Ives. E conhece depois importantes contribuições no século XX acentuando, como sucedeu com as demais formas de expressão artística nos EUA, uma noção de multiculturalidade, muitas vezes partindo as ideias de um cruzamento de heranças europeias com novas realidades (afinal, nada senão uma expressão directa da própria história do país). São frequentemente celebradas, sobretudo, as contribuições de nomes como George Gershwin, Aaron Copland e Leonard Bernstein no aprofundar dessa construção de uma música americana. O retrato não pode contudo esquecer a contribuição de Samuel Barber (1910-1981), cuja integral da obra orquestral acaba de conhecer edição numa caixa de seis CD que, na verdade, são são mais que os discos que, entre 2000 e 2004 a maestrina norte-americana Marin Alsop dedicou ao compositor, dirigindo então a Royal Scottish National Opera. A edição de Samuel Barber – Complete Orchestral Works é um lançamento da Naxos.
Importa, antes de mais, não reduzir Samuel Barber ao célebre Adagio For Strings, que se tornou clássico instantâneo e, desde logo, peça de repertório para inúmeras orquestras desde que apresentada por Toscanini, com a orquestra da NBC, em 1937. São vários os compositores que muitas vezes são recordados sistematicamente pela mesma e única obra (uns com mais razão, outros nem por isso). Como Holst com a suite Os Planetas, ou Carl Orff em Carmina Burana… E basta caminhar entre as gravações aqui reunidas para sentir que tremenda injustiça seria feita à sua obra se o encarássemos, tal como se diz na cultura pop, como um ‘one hit wonder’. Na verdade nem o foi, pelo que a comum associação do seu nome a essa peça de 1937 não é mais senão uma consequência do que parece ser a expressão da pouca vontade de quem programa concertos, dirige orquestras ou planifica edições discográficas, em olhar, por vezes, adiante do lugar-comum… Barber venceu por duas vezes o Pulitzer – pela sua ópera Vanessa (co-assinada por Carlo Menotti, o seu companheiro durante longos anos) e pelo Concerto para Piano e Orquestra (este último incluído na caixa agora editada). Knoxville 1915, que parte de um poema de James Agee, é uma das mais belas peças para voz e orquestra do seu tempo e traduz, de forma incrível, sensações de um serão em clima de verão sulista… A bem-sucedida abertura The School For Scandal (a sua primeira obra para orquestra, datada de 1931), é uma entre as muitas referências possíveis na definição de uma música que o cinema de Hollywood tomou como paradigma (ainda hoje evidente). O romantismo da música de Samuel Barber (pelo qual não deixam contudo de passar marcas de modernidade) não o levou pelos mesmos caminhos dos visionários mais radicais a que a história do pós-guerra daria outra visibilidade. No ano do seu centenário, esta caixa foi das poucas edições a assinalar a memória da sua música. Uma vez mais sublinhando em Marin Alsop a descendência de uma vontade em celebrar os grandes compositores da música americana como, em tempos, o fez Leonard Bernstein.
A nova Europa
Discografia Kraftwerk - 14
'Trans Europe Express' (album), 1977
Um dos álbuns mais importantes da história da música popular, Trans Europe Express representou a definitiva afirmação de um caminho próprio na obra dos Kraftwerk. As marcas de relacionamento com as formas do krautrock cediam espaço a uma música firme numa identidade rítmica bem marcada, metronómica, a entrada em cena de sequenciadores (como o Synthanorma Sequenzer) sendo aqui determinantes na definição de novas estruturas repetitivas. O disco foi já muitas vezes descrito como uma obra conceptual, a celebração de uma identidade europeia tomada como o seu tema principal. Na verdade, se em Autobahn se afirmava uma ideia de música alemã, aqui os carris esbatem fronteiras e a música define uma noção de modernidade europeia. Da luminosidade de Europe Endless ao apelo cinético da sequência dominada pelo tema-título no lado B, da força de uma nova ideia de canção dançável em Showroom Dummies ao episódio de introspecção (de alma robótica, claro) em Hall Of Mirrors, Trans Europe Express abriu horizontes e semeou ideias que afectariam toda a história posterior da música popular. O álbum conheceu edição em alemão na Alemanha, apresentando aí o disco o título Trans Europa Express e uma capa diferente.
'Trans Europe Express' (album), 1977
Um dos álbuns mais importantes da história da música popular, Trans Europe Express representou a definitiva afirmação de um caminho próprio na obra dos Kraftwerk. As marcas de relacionamento com as formas do krautrock cediam espaço a uma música firme numa identidade rítmica bem marcada, metronómica, a entrada em cena de sequenciadores (como o Synthanorma Sequenzer) sendo aqui determinantes na definição de novas estruturas repetitivas. O disco foi já muitas vezes descrito como uma obra conceptual, a celebração de uma identidade europeia tomada como o seu tema principal. Na verdade, se em Autobahn se afirmava uma ideia de música alemã, aqui os carris esbatem fronteiras e a música define uma noção de modernidade europeia. Da luminosidade de Europe Endless ao apelo cinético da sequência dominada pelo tema-título no lado B, da força de uma nova ideia de canção dançável em Showroom Dummies ao episódio de introspecção (de alma robótica, claro) em Hall Of Mirrors, Trans Europe Express abriu horizontes e semeou ideias que afectariam toda a história posterior da música popular. O álbum conheceu edição em alemão na Alemanha, apresentando aí o disco o título Trans Europa Express e uma capa diferente.
Um clássico com nova tradução
Este texto foi publicado na edição de 23 de Outubro do DN Gente com o título “E se a II Guerra tivesse conhecido outro desfecho?”, integrando um trabalho sobre o escritor Philip K. Dick.
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Não faltam narrativas contadas em cenários de ficção que partem do pressuposto que alemães, japoneses e italianos teriam sido, ao contrário do que os livros de História contam, os vencedores da II Guerra Mundial. Este é, de resto, um frequente ponto de partida para muitos livros que se enquadram num género habitualmente classificado como "história alternativa"... Exemplos? Pátria, de Robert Harris, relata a história de um investigador da polícia alemã que descobre um plano secreto da Gestapo para eliminar os oficiais envolvidos num holocausto de quem ninguém nunca ouviu falar. 1945, co-assinado por Newt Grinch (político republicano que foi speaker da Câmara dos Representantes nos anos 90) e William R. Forstchen, fala de uma guerra fria entre americanos (vitoriosos contra os japoneses) e alemães (que triunfaram na Europa). Publicado em 1962, O Homem do Castelo Alto, de Philip K. Dick, vive num cenário alternativo que viu japoneses e alemães a vencer a guerra... Mas, longe de ser um romance com figuras políticas, desvia o gume da acção para a esfera de cidadãos comuns, o contexto acabando assim por surgir a meio do texto.
Estamos na América, em 1962, os japoneses ocupando a costa do Pacífico, a Leste existindo um estado fantoche sob poder alemão. Hitler, agora doente, está retirado e, depois da morte de Borman, Goebbels é o sucessor. O mar Mediterrâneo foi drenado para servir um programa agrícola. A população de África foi eliminada. A exploração de Marte está na mira dos alemães... E, algures numa cidade interior, um escritor criou uma ficção na qual alemães e japoneses perdem a guerra... Este é o cenário onde Philip K. Dick coloca personagens, através das quais nos vai revelando, aos poucos, a sua história alternativa. O totalitarismo, a ideia de superioridade e inferioridade entre conquistadores e conquistados, o racismo, a perseguição, são elementos que cruzam a narrativa que conta entre os vários protagonistas com um antiquário americano, um jovem casal japonês residente em São Francisco (Califórnia), um veterano da Guerra no pacífico que esconde a sua identidade judaica ou um alemão que finge ser sueco e procura um encontro com os japoneses… Em 1993, o livro teve primeira edição portuguesa na colecção Argonauta (Livros do Brasil). Esta nova tradução, por David Soares, agora publicada pela Saída de Emergência, é acompanhada por um extenso e completo ensaio de Nuno Rogeiro sobre o autor e obra.
Em conversa: Daniel Harding (3)
Continuamos a publicação de uma entrevista com o maestro Daniel Harding que serviu de base ao artigo ‘A obra de Carl Off que resiste ao tempo’ publicada a 10 de Outubro no DN.
Como preparou a gravação de Carmina Burana? Ouviu outras gravações? E como encontrou a sua forma de lidar com esta obra e como se descobriu a si nela?
Ouvimos as outras interpretações porque são interessantes. E quando se é mais novo fala-se com os mais velhos sonbre questões que sejam problemáticas. É sempre educativo… Mas nunca me preocupo sobre a forma como encontro a minha interpretação. Creio que se aprendemos com os outros, a ouvir o que nos dizem, no fim há uma relação entre nós e a página e a música e, da forma mais honesta que sabemos, interpretamos como entendemos o que está escrito na partitura. Tento apenas compreender o que Carl Orff escreveu. Não tem a ver comigo nem com outras gravações. Tem ver com uma transmissão muito honesta do que está ali. Não tento ser diferente nem ser igual. Tento apenas ser o que sou quando leio a partitura.
Capa do disco mostra-o numa pose e visual algo invulgares num maestro…
A minha mãe detestou. Perguntou-me como é que eu tinha deixado sair uma foto em que estou com uma cara de tão poucos amigos?…
Sente que há, na generalidade, uma mudança de imagem nas capas dos discos na música clássica?
Tenho uma nostalgia pelas capas, mas isso era nos dias dos LPs em que se podia fazer algo mais artistico. Os discos pareceiam logo ter classe e ser importantes. Para ser honesto, as grandes mudanças no mundo das gravações em disco de música clássica devem-se so facto deste ser hoje um mundo mais duro. Vender discos é um grande desafio. Todos temos de nos adaptar. E isto não acontece apenas com a música clássica. A pirataria coloca mais problemas nas áreas da música pop que na clássica apenas porque essa é uma música mais popular… Todos temos de pensar qual vai ser o próximo modelo a seguir. E o marketing tornou-se mais importante…
O que pensa das novas possibilidades que a tecnologia digital está hoje a trazer ao universo da música clássica, como o programa Digital Concert Hall da Philharmonie em Berlim (que permite ver concertos, em directo, online) ou a temporada do Met em transmissões em alta definição?
O Digital Concert Hall é um projecto incrivelmente bem feito. Quando dirigi lá, no ano passado, mostraram-me como tudo funciona. Tem grande qualidade. A minha família, que não pode ir ver o concerto, assistiu em casa, através da Internet. Eles depois criaram um arquivo, onde podemos rever o que não pudémos ver. Não apenas ouvir, mas ver. Com, a Met Opera o que estão a fazer também é bem interessante. Tive apenas uma preocupação uma vez, numa pequena cidade na Escandinávia, que tinha a sua própria companhia da ópera a lutar pela sobrevivência. Tinham o seu público mas, ao mesmo tempo, tinham de competir com a Metropolitan Opera, com transmissões em alta definição numa sala de cinema… É maravilhoso, mas espero que nas pequenas cidades as pessoas ainda vão ver as actuações ao vivo e apoiem os seus artistas locais e não se limtem a ir ao cinema para ver as grandes produções de Nova Iorque.
sábado, outubro 30, 2010
Bryan Ferry, 1976
No momento em que chega um novo álbum de Bryan Ferry, uma viagem no tempo a 1976 e a um dos temas que, então, incluía no álbum Let’s Stick Together, o seu terceiro a solo. The Price Of Love foi então extraído do alinhamento do disco e editado como tema central de um EP. Aqui fica a memória do teledisco que, então, acompanhou a edição desse EP a que chamou, simplesmente, Extended Play.
Bryan Ferry
‘The Price Of Love’, 1976
Von Otter + Melhdau = 'Love Songs'
Não é a primeira vez que os vemos em parcerias inesperadas (ou nem por isso). Mas convenhamos que, mais que nunca, acertaram ambos! Love Songs junta, num mesmo álbum, a mezzo soprano sueca Anne Sofie Von Otter e o pianista norte-americano Brad Mehldau… Um CD duplo para voz e piano que apresenta no disco um um ciclo de canções assinadas por Brad Mehldau expressamente compostas para a voz da cantora e, no segundo, uma mão cheia de versões que passam por autores tão diferentes como Jacques Brel, Michel Legrand, Barbara, Joni Mitchell, Leonard Bernstein ou a dupla Lennon/McCartney. O disco representa a estreia da cantora no catálogo da editora francesa Naïve Records. O segundo disco de Von Otter para a sua nova editora será, em 2011, um disco com árias de óperas francesas, na companhia de Marc Minkowski.
É desde já um dos grandes discos do ano, este encontro entre um dos melhores pianistas de jazz do nosso tempo e uma das cantoras líricas de mais interessante carreira dos nossos dias. Mehldau já tinha gravado em 2006 Love Sublime, um álbum de canções com René Flemming. Von Otter já tinha editado, com Elvis Costello, o espantoso For The Stars, uma das suas várias aventuras fora do espaço da ópera e lieder em que tem definido a sua obra. Love Songs é em todos os sentidos um feito. Por um lado revela um entendimento espantoso entre voz e piano nas canções originais que o CD1 nos apresenta. Por outro, soma experiências e troca memórias num CD2 feito de uma série de versões que partiram de desafios e sugestões cruzadas, dos gostos e entusiasmos de cada um surgindo uma série de pontes que ambos resolvem num belíssimo ciclo de versões que passam pela tradição da canção francesa (Ferré, Barbara, Brel ou Legrand, este revisitado numa das canções de Les Demoiselles de Rocheford), por vivências em sueco (Ahlert e Färnlöf) ou em inglês (Beatles, Bernstein ou Joni Mitchell). A história do disco começa quando, por ocasião de uma passagem por Nova Iorque, Anne Sofie Von Otter deu por si, em casa do pianista, a beber chá e a discutir um possível trabalho em conjunto para um recital… Ambos conhceiam o trabalho um do outro… Love Songs é o resultado de um diálogo vivido entre partilhas e descobertas. Para um pianista de jazz que já levou a música dos Radiohead no seu repertório e para uma cantora lírica que já gravou Abba, Love Songs é mais uma expressão de uma visão que vive acima das fronteiras de género e liberta dos medos paroquiais que muitas vezes fecham grandes talentos em pequenos espaços. Este é o caminho.
Imagens de um pequeno documentário sobre a participação de Anne Sofie Von Otter em Love Songs.
E depois da auto-estrada, o comboio
Discografia Kraftwerk - 13
'Trans Europe Express' (single), 1977
Em Abril de 1977 era editado um single que antecipava, em perto de um mês a edição de um novo álbum dos Kraftwerk. No lado A apresentava-se o tema-título do álbum, Trans Europe Express, uma canção dominada por uma arquitectura rítmica mecânica, sugerindo o avançar de um comboio sobre carris. Celebração de uma nova ideia de Europa (que seria um dos temas centrais do álbum), a canção apresentava ainda referências concretas ao álbum Station to Station, a Iggy Pop e David Bowie, este último tendo sido um dos primeiros grandes do universo pop/rock a reconhecer, nos dias de Autobahn, o carácter visionário da música do quarteto alemão. Acrescente-se que os Stooges (de Iggy Pop) eram uma das bandas favoritas de Ralf Hutter. No lado B surgia Franz Schubert, outro dos temas que surgiram pouco depois no alinhamento do álbum. Na Alemanha o single apresentou a canção na versão em alemão com o título Trans Europa Express.
Tal como havia sucedido com o anterior Radio-Activity, o novo single dos Kraftwerk surgia acompanhado por um teledisco. Ao som de Trans Europe Express, linhas de caminho de ferro alternam com imagens do grupo, vestindo gabardinas, numa viagem, num compartimento de um comboio, algures nos arredores de Dusseldorf.
'Trans Europe Express' (single), 1977
Em Abril de 1977 era editado um single que antecipava, em perto de um mês a edição de um novo álbum dos Kraftwerk. No lado A apresentava-se o tema-título do álbum, Trans Europe Express, uma canção dominada por uma arquitectura rítmica mecânica, sugerindo o avançar de um comboio sobre carris. Celebração de uma nova ideia de Europa (que seria um dos temas centrais do álbum), a canção apresentava ainda referências concretas ao álbum Station to Station, a Iggy Pop e David Bowie, este último tendo sido um dos primeiros grandes do universo pop/rock a reconhecer, nos dias de Autobahn, o carácter visionário da música do quarteto alemão. Acrescente-se que os Stooges (de Iggy Pop) eram uma das bandas favoritas de Ralf Hutter. No lado B surgia Franz Schubert, outro dos temas que surgiram pouco depois no alinhamento do álbum. Na Alemanha o single apresentou a canção na versão em alemão com o título Trans Europa Express.
Tal como havia sucedido com o anterior Radio-Activity, o novo single dos Kraftwerk surgia acompanhado por um teledisco. Ao som de Trans Europe Express, linhas de caminho de ferro alternam com imagens do grupo, vestindo gabardinas, numa viagem, num compartimento de um comboio, algures nos arredores de Dusseldorf.
sexta-feira, outubro 29, 2010
"Boyita": masculino/feminino
Vencedor da 14ª edição do Queer Lisboa, O Último Verão da Boyita, agora lançado nas salas, é a história de um rapaz (aliás, rapariga) que não se reconhece no seu corpo de rapariga (aliás, rapaz)... E não se trata apenas de um labirinto social ou um drama familiar. É, acima de tudo, uma tragédia interior: quem sou eu?, pergunta ele/ela — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Outubro), com o título 'Drama entre masculino e feminino'.
Quando O Segredos dos Seus Olhos, de Juan José Campanella, venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro, não pudemos deixar de sentir: afinal, na Argentina também há cinema... Felizmente, em anos recentes, o mercado português tem mostrado uma (pequena) abertura para as produções da América do Sul, em particular de origem argentina, desde logo através da presença da obra notável de Lucrecia Martel (último título estreado: A Mulher sem Cabeça). Com O Último Verão da Boyita, deparamos com um filme discreto e subtil que importa não reduzir ao cliché da “descoberta” da sexualidade.
É óbvio que tudo passa pelos enigmas do sexo e pelo modo como se insinuam nas relações de duas crianças, Jorgelina (Guadalope Alonso) e Mario (Nicolás Treise): ela a tentar compreender os segredos da vida campestre, ele emergindo como uma espécie de símbolo involuntário dos seus valores. Mas o trabalho da argumentista e realizadora Julia Solomonoff evita encerrar-se no dispositivo mais esquemático da descoberta “interior”. Cenas como aquelas em que, num misto de curiosidade e pavor, Jorgelina descobre as imagens dos livros sobre anatomia sexual são momentos em que o filme desenha os contornos precisos do seu drama interior: cada personagem terá de se confrontar com as representações (gráficas, biológicas, morais) que recebe do exterior.
Nesta perspectiva, Mario surge como uma figura de raiz eminentemente trágica, dividido que está entre a verdade feminina do seu corpo e o destino masculino que a autoridade paterna lhe impõe. O Último Verão da Boyita [trailer aqui em baixo] é um filme sobre a ambiguidade dessa vivência, tanto mais tocante quanto evita encerrar-se num final moralista ou “redentor”.
Lisa Blount (1957 - 2010)
Celebrizada pelo seu papel em Oficial e Cavalheiro (1982), em que interpretava a melhor amiga da personagem de Debra Winger, Lisa Blount morreu aos 53 anos de idade — a mãe encontrou-a morta no dia 27 de Outubro; de acordo com os médicos, supõe-se que terá falecido dois dias antes, de algum ferimento, já que a actriz sofria de uma doença sanguínea que dificulta os processos normais de cicatrização. Entre os seus trabalhos mais conhecidos incluem-se ainda as participações na série televisiva Moonlighting/Modelo e Detective (num episódio de 1986) e no filme Príncipe das Trevas (1987), de John Carpenter. Foi também produtora de alguns filmes, incluindo The Accountant, realizada pelo marido Ray McKinnon, que viria a obter o Oscar de melhor curta-metragem referente ao ano de 2001.
E agora, variedades
E vem o 2 (e depois o 3)...
James Cameron vai rodar duas sequelas de Avatar, anunciou o The Independent. Os filmes serão novamente filmados usando tecnologia 3D e deverão chegar às salas de cinema respectivamente em 2014 e 2015.
Reedições:
Syd Barrett, The Madcap Laughs
Syd Barrett
“The Madcap Laughs”
Harvest / EMI Music
5 / 5
A carreira a solo de Syd Barrett começou em Maio de 1968, pouco mais de uma semana depois de ter sido afastado dos Pink Floyd pelos restantes elementos do grupo. Estava de regresso aos estúdios de Abbey Road, acompanhado por uma guitarra e o seu manager. Gravou primeiros takes… Regressaria no mês seguinte… E após um ano de ausência, em Abril de 1969 retoma as gravações, experimentando canções, ideias, gavando, regravando… A dada altura traz dois músicos consigo. E, na recta final das gravações, os ex-colegas Roger Waters e David Guilmour sentam-se frente à mesa de gravação, acabando assim por partilhar com Malcolm Jones a produção do disco que, editado em inícios de 1970, assinalava (poucas semanas depois de um single de avanço) a estreia a solo de Syd Barrett. Entre a arrepiante fragilidade de um Golden Hair e as mais elaboradas visões (com overdubs acrescentados) de um Octopus, The Madcap Laughs traduz marcas não apenas do visionário que fizera do álbum de estreia dos Pink Floyd um dos acontecimentos maiores do seu tempo, como também sinais de um espírito atormentado cujo comportamento progressivamente errático acabaria por ditar a sua saída do grupo. Em temas como No Good Trying ou I Love You podemos reconhecer sentem ecos de um relacionamento com formas ligadas aos caminhos que Barrett seguira com os Pink Floyd, as formas do psicadelismo ainda visíveis. Por seu lado, o incrível Terrapin aprofunda essas demandas, criando uma experiência que arrebata, porém com recurso a uma dose minimalista de formas e recursos. Já em Here I Go, Barrett pisca o olho a uma relação mais luminosa com um melodismo pop à la inglesa dos sessentas. Com a ajuda de overdubs, mas sob a clara força criativa de uma alma que entrega a imaginação à escrita e a força que tem na voz a linhas vocais imaginativas (e muitas vezes exigentes, mesmo difíceis), The Madcap Laughs não é exactamente o sucessor de Piper At The Gates Of Dawn (nunca o poderia ser, faltando uma mais evidente carga eléctrica e as contribuições dos demais elementos do grupo). Mas está mais perto da essência da génese dos Pink Floyd que o caminho que o grupo daí em diante tomaria. A presente reedição não só nos devolve um álbum tão frágil quanto maravilhoso, como lhe junta seis extras que revelam episódios gravados durante as sessões de gravação (as mesmas que já existiam numa reedição dos anos 90).
Um símbolo da Berlim Ocidental
É o segundo maior “armazém” da Europa (só o londrino Harrods é maior) e nos dias da guerra fria foi um dos símbolos da prosperidade económica da Berlim Ocidental. É conhecido como Ka-De-We, mas na verdade tem um nome maior: Kaufhaus des Westens (ou seja, o grande armazém do Oeste).
Surgiu no início do século XX mas, substancialmente atingido durante a II Guerra Mundial (um avião abatido chegou a cair sobre o edifício), saiu de cena até aos anos 50. A reconstrução foi gradual, a loja nos seus sete pisos actuais tendo sido finalmente reaberta em 1956. Hoje são milhares os visitantes que diariamente passam pelo Ka-De-We. Nos pisos inferiores há moda masculina e feminina (as grandes marcas representadas), perfumes e afins… Nos pisos superiores a oferta de comidas tem fama mundial. Assim como o restaurante no topo do edifício.
Ka-De-We
Tauentzienstrasse, 21-24
(encerra aos domingos)
Metro: Wittenbergplatz (U-1, U-2 e U-3)
Luminosa placidez
Não foi por encomenda que surgiu, mas por gosto do compositor em criar uma missa de requiem. Estreado na igreja de La Madeleine, no centro de Paris, em Janeiro de 1893, o Requiem de Gabriel Fauré (1845-1924) surgiu na sequência de dois episódios de perda. A do pai, em 1885 e, dois anos depois, a mãe (precisamente no ano em que lançou as mãos à obra). Mais que temor, é melancolia o que encontramos nesta música. Uma ideia de descanso etermo, e não necessariamente o eventual confronto com o castigo ou perdão… É uma missa de requiem diferente de tantas outras. Plácida e íntima, reflectindo não apenas marcas da personalidade do compositor, mas também a sua visão sobre o sentido da morte. O próprio terá comentado, quando confrontado com uma opinião que havia descrito o seu Requiem como uma canção de embalar para os mortos, que encarava essa partida não como uma experiência de dor, mas de entrega pacífica.
Foi em busca dessa placidez luminosa que o maestro Rolf Beck conduziu, discreta e tranquilamente, a Orquestra e um Coro Gulbenkian em grande forma, a quem se juntaram os solistas Ana Quintans e Luís Rodrigues. O programa incluíu ainda (e novamente com a presença do coro) o Gloria em Ré maior de Antonio Vivaldi e, com magnífica contribuição do organista Yves Rechsteiner, o Concerto para Órgão, Orquestra de Cordas e Timbales, em Sol menor, de Francis Poulenc.
quinta-feira, outubro 28, 2010
Pós-punk ao estilo 'nouvelle vague'
Chamam-se Detachments, chegam de Londres e apresentam-se como mais uma expressão de uma das mais povoadas das descendências da música popular, facção ‘alternativa’ dos últimos anos: a escola Joy Division / New Order (e afins). O som e a imagem evocam a ecos de inícios dos oitentas, entre heranças pós-punk e uma vivência electrónica que por vezes (escute-se H.A.L.) espreita mais angulosas raízes industriais. Aqui fica Holiday Romance, do seu álbum de estreia.
Blancmange com disco novo em 2011
Os Blancmange, uma das bandas de referência da pop electrónica britânica de meados dos oitentas, reunida desde 2008, estão de regresso aos discos. E anunciam, para Fevereiro de 2011, a edição de um novo álbum, que terá por título Blanc Burn. Este será o seu quarto álbum de originais, sucedendo assim a Believe You Me, de 1985.
O vizinho de Sanssouci
Apesar de algo ofuscado pelo “brilho” de Sanssouci, o Neues Palais está longe de representar um destino secundário entre uma visita ao parque, com o nome do palácio de verão de Frederico II, em Potsdam, na verdade é um extenso conjunto de jardins e construções com vários pólos de interesse.
Foquemos hoje atenções no Neues Palais. É o que mais distante fica da estação de metro que serve certamente muitos dos que visitam Potsdam (há uma linha de autocarro que liga a estação de comboios a uma das entrada do parque junto ao Neues Palais. A pé é coisa para uma longa caminhada…
Construído em finais da década de 60 do século XVIII (é por isso posterior a Sanssouci), lo Neues Palais surgiu no final da chamada Guerra dos Sete Anos com a intenção de expressar, com opulência aqruitectónica, o poderio da coroa prussiana.
Um olhar por uma das perto de 400 esculturas em arenito que ornam a fachada exterior do Neues Palais. As paredes, salvo as da ala Sul (que albergava os aposentos privados de Fredeico II) sugere uma imitação de tijolos. A ideia surgiu como tentativa de contornar maus acabamentos de uma solução original.
Praticamente não usado após o reinado de Frederico II, O Neues Palais conheceu no imperador Guilherme II o seu mais assíduo segundo inquilino. A queda do regime, em 1918, transformou o palácio num museu, mas muito do seu recheio foi enviado para a residência no exílio do antigo monarca, na Holanda. A redescoberta, nos anos 70, dessas mobílias, entretanto restituídas ao Neues Palais, permite reencontrá-lo quase como estaria em 1918. Muitas das salas revelam contudo algum do abandono a que votadas depois do fim da II Guerra Mundial. Contudo, neste momento decorrem ali obras de restauro.
Neues Palais
Parque Sanssouci (Potsdam)
Metro: Potsdam Hauptbanhof (S-bahn)
Novas edições:
David Sylvian, Sleepwalkers
David Sylvian
“Sleepwalkers”
Samadhi Sound
5 / 5
Desde cedo David Sylvian mostrou que reconhece nos trabalhos em colaboração com outros músicos um espaço importante para o alargar de horizontes da sua música. Ainda os Japan estavam juntos e já tinha editado Bamboo Houses/Bamboo Music, um single a solo em colaboração com Ryuichi Sakamoto. Nos anos que se seguiram à separação dos Japan vimo-lo em encontros com nomes como Holger Czukay, Virginia Astley, Robert Fripp, John Hassell ou até mesmo o ex-Japan Mick Karn… Bons hábitos são para manter, e nos noventas e na dácada dos zeros David Sylvian foi somando novas experiências de colaboração. De resto,nos noventas, ouvimo-lo mais em parcerias que em gravações a solo… Sleepwakers é o retrato mais recente desta história feita de experiências com outros músicos. Em concreto, é uma antologia que junta, num alinhamento comum, uma série de composições que, ao longo da década dos zeros, David Sylvian assinou com parceiros musicais, seja em discos seus (onde foi ele quem fez os convites), seja em títulos onde surgiu, por sua vez, como convidado. Apesar de contemporâneos de álbuns como os mais recentes Blemish (2003) e Manafon (2009), os temas aqui reunidos juntam a esses outros caminhos, revelando em alguns casos uma relação mais próxima com a estrutura mais “clássica” da canção (como se sente em World Citizen, na companhia de Sakamoto, em Wonderful World, com Stina Nordenstam, ou em Ballad Of A Dead Man, em conjunto com Joan Wasser e Steve Jansen). Estão aqui representações da banda que entretanto Sylvian criou com Steve Jansen e Burnt Friedman (os Nine Horses), um dos dois singles que gravou com o projecto Tweaker (de Chris Vreena, dos Nine Inch Nails) e belíssimos resultados de encontros com nomes como Martin Brandlmayr, no tema que dá título à compilação, ou Christian Fennez, no belíssimo Transit (um dos melhores momentos do alinhamento)… E, a fechar, um espantoso instrumental a solo, na verdade um outtake das sessões de Blemish. Uns temas levantam ideias, outros sublinham experiências anteriores. Mas por todos correm fortes marcas de personalidade que, mesmo perante outros, David Sylvian acaba inevitavelmnente por registar na música que faz. Magnífico!
PS. Da multidão de colaborações que assinou na década dos zeros muito ficou ainda de fora. Zero Landmine (com Sakamoto e outros mais), Linoleum (com o projecto Tweaker), Before and Afterlife com Arve Henriksen, The Librarian, com Burnt Friedman e Jaki Liebezeit ou a remistura de Late Night Shopping, por Fennez, são apenas agumas das pérolas que justificariam um volume 2… Será que a ideia pega?
Um festival que promete...
Os Animal Collective vão ser os curadores da edição de Maio de 2011 do festival All Tomorrow’s Parties (onde já actuaram, havendo desses momentos imagens no documentário, com o nome do festival, assinado por Jonathan Caouette). O festival, que decorrerá em Minehead (Reino Unido), de 13 a 15 de Maio do próximo ano, terá nos Animal Collective os seus cabeças de cartaz. No cartaz estão já anunicados nomes como os Gang Gang Dance, Lee ‘Scratch’ Perry, Ariel Pink's Haunted Graffiti, Broadcast ou Vladislav Delay.
Simon Rattle regressa a Mahler
O maestro britânico Sir Simon Rattle regressa a Mahler na sua próxima edição em disco. Na verdade trata-se da continuação de um reencontro com uma obra que já gravou com outras orquestras e que agora está, sinfonia após sinfonia, a regravar com a Filarmónica de Berlim, que dirige. Assim, depois de nos últimos anos ter editado, já com a Filarmónica de Berlim, as sinfonias números 5, 9 e 10, agora surgirá no mercado a Sinfonia Nº 2. Acompanham-no ainda as vozes de kate Royal e Madgalena Kozená. A edição é da EMI Classics.
quarta-feira, outubro 27, 2010
Pamela Anderson como imagem da PETA
As campanhas de defesa dos direitos dos animais da PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) reflectem uma consciência muito aguda dos poderes das imagens contemporâneas — ou dos poderes contemporâneos das imagens. Assim, não é forçoso sermos vegetarianos para reconhecermos a inteligência com que nelas se baralham (e voltam a dar...) algumas formas da iconografia de massas. Este é mais um esclarecedor exemplo dessa capacidade, envolvendo de novo Pamela Anderson, uma aliada regular da PETA, nomeadamente nas campanhas de defesa dos animais abandonados.
A catalogação do corpo da estrela como um animal do talho — com "as mesmas partes" — joga de modo calculadamente perverso com a sua condição lendária de "Playmate" do Playboy (vai, aliás, voltar à respectiva capa na edição de Janeiro de 2011), por assim dizer confrontando a materialidade mais crua com a abstracção mitológica — é uma imagem que não se aquieta em nenhuma simbologia fechada e isso, como é óbvio, amplia o seu poder de desafio e perturbação.
A morte portuguesa da política
GERHARD RICHTER
29 Nov. 1999
Se não está a acontecer uma morte da política portuguesa, está por certo a desenhar-se o cenário funesto de uma morte portuguesa da política. Dito de outro modo: as entidades políticas, nomeadamente os partidos, estão de facto a gerir os destinos do país ou apenas a travar um combate de luta livre que elegeu as televisões como arena única e unívoca? E as televisões, nomeadamente os seus jornalistas, têm consciência do modo como tal processo de histérica e continuada mediatização vai estreitando as hipóteses da própria política?
Dito ainda de outro modo: entre os protagonistas, políticos e jornalistas, quem acredita que o que está a acontecer consegue mobilizar os 4 ou 5 milhões de eleitores que escolheram a abstenção nos últimos actos eleitorais? E por que é que em tantos debates saturados de índices, estatítiscas, cifrões e percentagens, ninguém cita esses números?
Quem manda no futebol?
É bem provável que se possa dizer que, hoje em dia, o futebol não existiria — ou existiria de forma ainda mais fragilizada — se não existissem as televisões (e os seus investimentos nas transmissões dos jogos). Poderá também considerar-se que as desencantadas declarações de Paulo Sérgio ao jornal A Bola decorrem sobretudo dos prejuízos que, segundo ele, atingem a sua equipa (embora ele não deixe de chamar a atenção para os interesses dos "clubes"). Em qualquer caso, as palavras do treinador do Sporting, além de legítimas e fundamentadas, merecem um sublinhado: afinal, é mesmo possível — urgente, digo eu — questionar os poderes que as televisões exercem sobre muitos elementos, factores e valores da dinâmica socio-cultural do país. Numa imprensa tantas vezes alheada da sua mais nobre vocação crítica, enredada em peripécias mais ou menos caricatas, banalmente fulanizadas e incentivando as mais primitivas formas de clubismo, é bom deparar com esta pequena diferença.
Quando o baixo está em alta
Na era dos EPs (e afins)
Os Massive Attack vão apostar na edição de EPs e outros formatos em lugar dos álbuns num futuro próximo. Segundo revelaram à Spinner, os músicos querem contrariar os mais clássicos ciclos de álbuns e digressões. Ainda este ano têm agendado o lançamento de um EP. Trata-se Atlas Air, que incluirá remisturas e um inédito. O EP será editado a 22 de Novembro.
Novas edições:
The Walkmen, Lisbon
The Walkmen
“Lisbon”
Bella Union / Nuevos Medios
3 / 5
Quase ignorados anos a fio, só em 2008, com a edição do seu quarto álbum, a que deram o título You & Me, os The Walkmen viram a atenção de uma multidão a bater-lhes à porta. Uma multidão que neles reconhecia, um pouco como acontecera aos The National (que também só mereceram aclamação generalizada com Boxer), importantes herdeiros de um cânone central à identidade indie rock (que remonta aos Velvet Underground como genética primordial no campo da revolução das formas e às importantes contribuições dos Joy Division como novos horizontes de um certo desencanto urbano). Dois anos depois, e com um álbum que mostra na capa o nome de Lisboa (cidade que desde You & Me os acolhe com entusiasmo), os The Walkmen mantém seguro o seu caminho, a eventual tensão que os alimentava noutros tempos tendo entretanto cedido lugar à assimilação de uma melancolia que agora se expressa na forma de canções. Melancolia é talvez a palavra chave ao encontrar as canções que constituem o alinhamento de Lisbon. Musicalmente não há necessariamente “Lisboa” (pelo menos nas suas marcas de identdade para guia turístico) por estas canções, a melancolia que domina o alinhamento sendo expressa através não apenas das palavras que se cantam, mas também por canções onde as guitarras e voz desenham baladas de vistas largas, a reverberação da electricidade dialogando com trompetes (e outros metais) e cordas. Não é daqueles discos que mudam uma vida ou fazem os acontecimentos maiores do seu tempo. Lisbon é mais um competente álbum por uma banda que parece definitivamente ter encontrado o seu caminho e, num ano em que as melhores ideias indie têm morado longe da música feita com guitarras, um bálsmo para os seguidores do género.
E agora um pouco da banda sonora...
Pela arte do século XX
É um dos mais interessantes museus berlinenses e integra o chamado Kulturforum, a pouca distância a pé de Potsdamer Platz e imediatamente nas traseiras do Berlinale Palast, a grande sala de cinema que é a sede dos principais acontecimentos durante o festival de cinema que ali decorre todos os anos no mês de Fevereiro.
A Neue Nationalgalerie é essencialmente um museu dedicado à arte do século XX. O edifício foi desenhado por Mies Van der Rohe e revela, sob um pavilhão de aço e vidro que se vê à superfície, um vasto conjunto de salas num piso subterrâneo que, na verdade, tem depois janelas para um jardim exterior nas fachadas opostas à Potsdamerstrasse.
O piso térreo do museu recebe habitualmente exposições temporárias. O piso inferior tem espaços para várias exposições, algumas exibindo, habitualmente sob arrumação temática, as suas colecções. Há ainda uma cafetaria e uma pequena loja. Parte das salas conta com iluminação natural proveniente de grandes janelas com vista para os jardins nas traseiras do edifício. Entre este conjunto de imagens vemos (na foto do meio) o imponente Capricorne, de Max Ernst.
Três obras que podíamos ver em exposição na Neue Nationalgalerie este Verão. A primeira, de Ernst Wilhelm Nay é Pescadores do Báltico, de 1937. Segue-se Montanha com Neve e Esquiadores (1928), de Ernst Ludwig Kirchner. E um esboço de Cavaleiros, de Wassily Kandinsky, de 1909.
Neue Nationalgalerie
Potsdamerstrasse, 50
Metro: Potsdamer Platz (U-bahn e S-bahn) e Mendelssohn Batholdy Park (U-2).
Sem corantes nem conservantes
Numa altura em que pelos festivais vai passando já o novo e garrido Potiche, chega às salas portuguesas o mais minimalista O Refúgio (no original Le Refuge), filme de 2009 de François Ozon. O realizador retoma aqui a face mais austera de um registo de crua narrativa familiar que afirmou em Sob A Areia e teve depois continuação em O Tempo Que Resta. O título aponta a uma casa de campo, junto à praia, onde Mousse, a protagonista (interpretada por Isabelle Carré), descansa durante uma gravidez assombrada desde o início. A morte de Louis (Melvil Poupaud), o pai, por overdose e o pedido da sua aristocrática família para que Mousse fizesse um aborto levam-na para longe. A visita de Paul, o irmão (Louis-Ronan Choisy) do seu ex-namorado, e o próprio filho acabando por representar traços de continuidade de uma realidade que parecia irremediavelmente cortada.
Sem corantes nem conservantes, directo e minimalista no contar, sem filtro, de um drama familiar, O Refúgio vive sobretudo da história que conta e da caracterização simples, mas convincente, das personagens. Filmado em tempo recorde (a actriz protagonsita estava na etapa final da sua gravidez), O Refúgio respira um realismo crú e directo e mostra um Ozon pelos vistos refeito do tropeção que fora Ricky (também de 2009 e, de longe, o seu pior filme).
Imagens do trailer de O refúgio.
terça-feira, outubro 26, 2010
Peter van Agtmael, on the road
PETER VAN AGTMAEL
Novo México, 2010
Joe Klein, da revista Time, atravessou recentemente os EUA: foram 24 dias de viagem de automóvel, mais de 10 mil quilómetros de costa a costa, de Nova Iorque a Los Angeles. O pretexto, as eleições intercalares, era político, mas o objectivo excedia os discursos da política — tratava-se de observar e sentir a América do presente, numa tentativa de compreender as diferenças interiores de um país que excede (e muito!) as imagens codificadas de Washington. Com Klein viajou Peter van Agtmael, fotógrafo americano da agência Magnum, notável herdeiro de toda uma frondosa tradição de realismo social — vale a pena ver e ler.
PETER VAN AGTMAEL
Jamestown, Pensilvânia, 2010
PETER VAN AGTMAEL
Phoenix, Arizona (Starbucks, estacionamento), 2010
No regresso de Lykke Li
Novo EP dos Girls em Novembro
Os Girls vão editar um novo EP em Novembro. Com o título Broken Dreams Club, o disco apresenta seis novas canções num alinhamento com perto de 30 minutos de duração.
Novas edições:
Bryan Ferry, Olympia
Bryan Ferry
“Olympia”
Virgin / EMI Music
2 / 5
Muito se falou nos últimos anos sobre a eventualidade de um reencontro em estúdio dos Roxy Music. Na verdade, e acompanhado por Phil Manzanera e Andy McKay, Bryan Ferry tem reactivado o grupo em várias ocasiões desde o ano 2001. Mas, discograficamente, apenas dali resultou um registo ao vivo, o regresso a edúdio não se concretizando afinal, confirmando Bryan Ferry que as muitos noticiadas sessões em estúdio com Brian Eno (que integrara a formação original dos Roxy Music, em inícios dos anos 70) não se traduziria num novo álbum do grupo, mas sim num novo disco a solo. Ei-lo. Tem por título Olympia e junta de facto Brian Eno, Phil Manzanera e Andy McKay. Tocam todos em várias faixas, mas juntos estão apenas numa onde propõem uma versão inconsequentemente sofisticada de Song To The Siren, de Tim Buckley… Mas há mais figuras de renome por aqui. Jake Shears e Babydaddy (dos Scissor Sisters) compuseram Heartache By Numbers. Flea (dos Red Hot Chili Peppers) toca em vários temas. David Guilmour marca presença em duas canções, o baterista Steve Ferrone numa outra. Contudo, e apesar do elenco galáctico, Olympia é talvez o menos interessante de todos os discos da obra a solo de Bryan Ferry. Seguindo um modelo de pop elegante que atingiu, ainda com os Roxy Music, em Flesh + Blood e Avalon, e que depois manteve como destino em álbuns posteriores a solo como Boys & Girls (1985), Bête Noire (1987) ou Mamouna (1994), Olympia mostra um Bryan Ferry em piloto-automático em canções sem brilho, todavia sob moldura chique e produção bem polida. A dose de maquilhagem que se aplica aqui a Song To The Siren, numa versão nos antípodas da sensualidade crua que recordamos na belíssima leitura de 1984 dos This Mortal Coil, é um entre os vários exemplos de uma lógica à la hotel de cinco estrelas que domina o alinhamento. Coisa cara e muito chique. E pouco mais. E, convenhamos que nos últimos anos, o melhor de Ferry chegou quando, ou no disco de versões de outros tempos As Time Goes By (1999) ou em Frantic (2002), se afastou desta sua ideia de pop bem vestida e penteada.
Memórias do horror
Fica a meio caminho entre a moderna Potsdamer Platz, símbolo da Berlim pós-muro, e o Checkpoint Charlie, a memória (hoje para turista ver) dos dias em que a cidade viveu dividida. Junto a um pedaço de muro (um dos poucos que ficaram em pé como marca desses tempos) e usando o espaço que outrora fora ocupado pelo quartel da Gestapo e das SS. Com o título Topographie des Terrors (literalmente, topografia do terror), que na verdade é o nome de uma das exposições permanentes, todo aquele espaço recorda factos vividos entre 1933 e 1945, sob o poder nazi.
Destruído nos bombardeamentos de 1945, o quartel da Gestapo e SS foi deixado em ruínas, demolidas logo depois. A construção do muro, ali ao lado, fez daquele espaço um aterro ao serviço de obras no bairro de Kreuzberg. Em finais dos anos 80 escavações revelaram as caves do quartel. Depois da queda do muro, uma exposição ao ar livre foi ali levantada, recordando a história de Berlim sob o poder nazi. Já este ano, e na sequência da abertura do novo centro de exposições e de documentação ali ao lado, uma nova exposição foi instalada junto àquelas paredes (directamente sob uma extensão do muro). Trata-se de um conjunto de textos (em alemão e inglês), recortes de imprensa e fotos, sob o título Berlin 1933–1945. Between Propaganda and Terror.
Era antiga a ideia de construir um edifício que albergasse exposições e um centro de documentação. Assinado pelos arquitectos Ursula Wilms e Heinz W. Hallmann, o edifício de dois andares (um piso térreo e um inferior) acolhe ainda um espaço de conferências. A biblioteca tem cerca de 25 mil volumes. O novo edifício foi inaugurado em Maio deste ano.
Três olhares sobre o edifício, que neste momento apresenta a exposição permanente Topography Of Terror (também bilingue), que entretanto foi redesenhada e ampliada. O espaço acolhe ainda uma exposição permanente sobre aquele local e diversas exposições temporárias.
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Topographie des Terrors
Niederkirschner Strasse
Metro: Posdamer Platz (U-bahn e S-bahn)
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