
domingo, novembro 30, 2008
Brendel: a excelência no piano

DVD Beaver: um caso exemplar

Muitas vezes se diz que os extras dos DVD são supérfluos e formatados. É verdade: já não há muita paciência para realizadores e actores a proclamar que foi muito bom trabalharem uns com os outros... Ao mesmo tempo, há que reconhecer que alguns desses extras, sobretudo quando ligados a filmes mais ou menos desconhecidos, constituem salutares exercícios de iniciação a temas específicos do cinema, do modo de construir uma cena até às relações actor/realizador. Assim, há todo um novo público cuja formação está a passar menos pelas salas (que pena...) e mais por esse tipo de edições, empenhadas em valorizar as virtudes de um espectador mentalmente disponível, curioso e informado. Daí que surjam sites como o DVD Beaver que apostam, não apenas na divulgação, mas também na análise técnica e formal, desde a qualidade da transcrição das imagens aos sistemas de reprodução sonora. Eis um bom exemplo de uma visão do cinema que contraria o espontaneísmo que domina na Internet: o cinema é uma coisa complexa e merece ser tratado como tal. Se o futebol pode ser, por que não os filmes?
Sentir e pensar o mar
'La Mer', Claude Debussy
(1905)

Composto entre 1903 e 1905, as primeiras ideias lançadas em França, as últimas concluídas em solo britânico, La Mer (uma das obras-primas da música orquestral do século XX) teve estreia Parisiense em Outubro de 1905. Hoje é reconhecida como uma das mais marcantes obras orquestrais de Debussy, reflectindo um período de evidente felicidade na sua vida pessoal. Tinha estreado a sua ópera Pelleas et Melissande em 1902, terminado o primeiro casamento e encontrado nova companhia em Emma Bardac (que lhe daria um filho). Debussy resistiu a tratar a obra como uma sinfonia, optando antes por apresentá-la como um conjunto de três esboços sinfónicos.
Imagens do maestro Cláudio Abbado, frente à Orquestra do Festival de Lucerna, interpretando o primeiro andamento de La Mer: De L’aube à Midi sur la mer.
sábado, novembro 29, 2008
Simplesmente Madonna

A IMAGEM: Christopher Wool, 1992
Cristiano Ronaldo: ser e não ser

Na noite de domingo para segunda-feira, nos seus comentários sobre a actualidade futebo-lística, Rui Santos (SIC Notícias) manifestou algumas reticências em relação ao comportamento desportivo de Cristiano Ronaldo na selecção. Em particular, chamou a atenção para aquilo que qualquer espectador de futebol minimamente atento já há muito tinha constatado: Cristiano Ronaldo é um jogador excelente no Manchester United, mas na selecção portuguesa tornou-se uma peça banal de uma generalizada banalidade.
Repare-se: o que gostaria de sublinhar não é tanto a leitura negativa das performances da selecção, afinal sempre sujeitas a legítimas variações subjectivas (por mim, sou dos que consideram que a qualidade da equipa se degradou de forma drástica durante todo o consulado de Luís Filipe Scolari). A questão, aqui, é de outra natureza. Trata-se de acentuar o salutar sentido crítico de uma intervenção que contraria os chavões televisivos e nos leva a reflectir sobre o sistemático empolamento da figura de Cristiano Ronaldo, muito para além das suas evidentes qualidades como jogador.
Tem-se assistido, de facto, a uma verdadeira campanha de “santificação” de Cristiano Ronaldo. É natural que um jogador tão dotado suscite muitos entusiasmos, quanto mais não seja porque ainda é possível gostar do futebol pelo futebol, sem primarismos clubistas ou nacionalistas. O certo é que a corrente fabricação do “mito” Ronaldo promove um trágico vazio de ideias e valores, a não ser esse, deprimente entre todos, de querer que ele seja eleito melhor do mundo “à força”... Repare-se também: não será escândalo para ninguém que ele ganhe esse título. O certo é que os seus “apoiantes”, de tão militantes e insistentes, conseguiram esvaziar de significado aquilo que deveria ser um reconhecimento natural, não o resultado de campanhas de angariação de “votos”.
Creio que Rui Santos fez muito bem em denunciar um ídolo com pés de barro. Esta adulação simplista, para mais “impondo” Cristiano Ronaldo ao público adolescente, está a minar o espaço mediático e, muito em particular, a “vender” aos mais jovens uma visão superficial, caricatural e demagógica do sucesso individual.
E o rock (re)aprendeu a dançar

O primeiro single dos New Order, todavia, nada fazia antever a agitação que se seguiria. Editado em Março de 1981, Ceremony, assim como o lado B In a Lonely Place, não era mais que uma continuação directa do trabalho com os Joy Division, de cujas cinzas os New Order então nasciam, juntando aos três "sobreviventes" da banda cessante a presença (nas teclas) de Gillian Gilbert. Os temas do single foram ainda compostos com Ian Curtis, surgindo em disco já na voz de Bernard Sumner. Em Novembro, o primeiro álbum, Movement, era a evolução directa da etapa final dos Joy Division, em canções assombradas, mas ainda hoje estranhamente cativantes. O verdadeiro nascimento dos New Order chega como consequência de uma viagem a Nova Iorque, em finais de 1981. É nas discotecas mais entusiasmantes da Big Apple que se deixam encantar pela nova música de dança. O italo disco, o electro, o hi-nrg. Sons que assimilam, cruzam com a sua identidade pop... E a revolução não tardou.
Singles como Everything's Gone Green, Temptation e, depois, o "clássico" Blue Monday mudam, literalmente da noite para o dia, a relação de uma multidão de músicos (e seus admiradores), nascidos em clima urbano e cinzento, com o prazer da música de dança. A obra dos New Order ganhou depois verdadeiro fôlego com a relação que a sua editora (a Factory Records) e os próprios músicos foram criando com a Hacienda, discoteca que faria de Manchester (a cidade-berço da banda) uma capital de acontecimentos na história da música de dança (sobretudo em finais da década de 80).
O teledisco de Fine Time é talvez dos menos evocados entre a obra dos New Order. A canção, editada há precisamente 20 anos, foi usada como single de avanço para o álbum Technique, que seria editado já em 1989. Fine Time é o single em que os New Order reflectem directamente sobre o som da revolução house e acid house que fazia a agenda da novidade entre 1987 e 88. Para uma banda tão intimamente ligada à história recente da música de dança, os novos sons não poderiam passar a Leste das suas atenções.
sexta-feira, novembro 28, 2008
'Screen Tests' de Warhol em DVD

O trailer, que usa Spoonfull of Fun, de Dean & Britta, mostra, por ordem de entrada em cena: Paul America, Edie Sedgwick, Richard Rheem, Ingrid Superstar, Lou Reed, Jane Holzer, Billy Name, Mary Woronov, Freddy Herko, Ann Buchanan, Susan Bottomly, Nico e Dennis Hopper.
Os Melhores de 2009: 'Mojo'
À volta de Lou Reed
'Perfect Day' (single), 1995

O teledisco de Perfect Day foi realizado por Nick Egan. O grupo surge num pequeno palco, e aos quatro elementos da formação de então junta-se, na bateria, Roger Taylor. A imagem revela uma opção pela saturação das cores e sobreexposição à luz.
Notícias do Congo

"Madagáscar 2": rotina de marketing

Há um curioso (e desconcertante) preconceito face aos filmes de desenhos animados: porque são histórias a “fingir”, destinadas aos “miúdos”, nem sequer valeria a pena discutir as suas características... Dito de outro modo: desde que o “boneco” mexa, está tudo bem...
Importa reagir a semelhante ponto de vista, sobretudo face àquilo que parece estar a instalar-se no espaço específico da animação digital. Títulos como Madagáscar 2 são a prova muito clara de que os recursos das novas tecnologias estão a gerar uma rotina de produção em que a criatividade tende a ser substituída pelas efémeras euforias do marketing.
Não que Madagáscar 2 seja um filme “incompetente”. A questão é de outra natureza e torna-se sensível se evocarmos alguns dos grandes filmes de animação dos últimos vinte anos, incluindo O Rei Leão (1994) ou À Procura de Nemo (2003). Por um lado, perdeu-se o gosto por criar verdadeiras personagens: na maior parte dos casos, temos figurinhas que funcionam como elementos de uma banal stand up comedy que, em momentos escolhidos, vêm cumprir o seu número mais ou menos divertido. Por outro lado, os argumentos tendem a ser concebidos (?) como uma mera parada de sketches, um pouco à maneira de um show televisivo.
Daí a nostalgia. Faz-nos falta essa capacidade de inventar outros mundos que, no limite, nos devolvam o sabor da epopeia (veja-se ou reveja-se, justamente, O Rei Leão). Às vezes, até sentimos que o digital pode ser uma limitação: faz-nos falta a “imprecisão” dos traços desenhados pelas mãos humanas.
quinta-feira, novembro 27, 2008
O amor segundo Skolimowski

Os novos rostos de Seattle

Singles e EPs: Papercutz
Para ouvir: MySpace
Chega em Janeiro...
Blur reunidos em 2009
Material DJ

>>> DJ Enferno no MySpace.
quarta-feira, novembro 26, 2008
Springsteen em tempos de Obama

Arquitectura e pop electrónica

Singles e EPs: Samuel Úria

Para ouvir: MySpace
Mais um "supergrupo"
terça-feira, novembro 25, 2008
A caminho do primeiro álbum
Singles e EPs: João e a Sombra

Entre dois mundos

segunda-feira, novembro 24, 2008
"Arte de Roubar": que cinema português?
Foi recentemente lançado nas salas o filme português Arte de Roubar, realizado por Leonel Vieira. Em artigo publicado neste mesmo jornal (8 Nov.), tive oportunidade de expressar um ponto de vista negativo sobre Arte de Roubar, considerando-o um objecto de degenerescência de uma certa tradição popular que, actualmente, possui um padrão de referência no americano Quentin Tarantino e, em tempos a meu ver bastante mais interessantes, passou pelo trabalho do italiano Sergio Leone.

Conheço bem (há mais de 30 anos, para ser exacto) o modelo de difamação do trabalho crítico que quer fazer crer que quem sustenta uma perspectiva negativa sobre um filme português espera que ela seja “confirmada” pela performance comercial (também negativa) do mesmo filme. Sobre tal estupidez nunca houve muito a dizer, a não ser que escrever sobre cinema é um labor específico, de resultados certamente discutíveis, mas cuja pertinência argumentativa nada tem a ver com índices meramente económicos. Como se, num caso oposto, pudesse fazer sentido menorizar um filme como O Mundo a Seus Pés (1941), de Orson Welles, por ter sido, na altura do seu lançamento, um desastre de bilheteira...

Tentar reduzir os muitos dramas do cinema português a uma espécie de causa/efeito entre índices de bilheteira e “legitimidade” para filmar é uma forma de chantagem. Na prática, apenas tem atrasado a análise (e a concretização) de soluções que possam garantir a máxima diversidade de propostas e estilos.
Claro que nenhuma cinematografia pode viver alheada da sua relação com os públicos (no plural, entenda-se, isto é, não esquecendo que os espectadores não são um “rebanho” de comportamentos iguais e repetitivos). Em todo o caso, pretender equacionar os muitos problemas que envolve a criação de uma estrutura de produção minimamente estável apenas através dos números abstractos das salas é empurrar o cinema para um infantilismo político (e de política cultural) que, em última análise, prejudica tudo e todos. A defesa do direito de filmar de um qualquer cineasta (por exemplo: Leonel Vieira) não se pode compadecer com tal infantilismo.
Qual foi (ou é) o melhor James Bond?

Quem foi (ou está a ser) o melhor James Bond?
Sean Connery (1962-1971)
George Lazenby (1969)
Roger Moore (1973 – 1985)
Timothy Dalton (1987-1989)
Pierce Brosnan (1995-2002)
Daniel Craig (desde 2006)
Como avalia 007 – Quantum Of Solace?
Muito Bom
Bom
Razoável
Fraco
Ainda não vi
Não vou ver
Na hora do renascimento
Singles e EPs: Blasfemea

Para ouvir: MySpace
Em conversa: Carlos do Carmo (5/5)

Há discos que ainda gostasse de fazer?
Gostava de fazer um disco de fado jocoso. Falar daquilo que se passa em Lisboa. O Fado dos Contentores... O perder da vista do Tejo... São ideias malucas, mas o fado é isto... Apeteciam-me muito cantar uma dezena de factos a falar dos mamarrachos, a contar histórias dos prédios que estão vazios ou onde vivem apenas duas pessoas. Mas sem um ar dramático. Mas para nos rirmos de nós próprios. Acontece que não sou poeta. E não tenho cá o Ary. Se houver aí um tipo que tenha jeito para isso e se disponha a isso, vamos aí... O fado é camaleónico. Está sempre a adaptar-se às épocas. E isto era o que eu ouvia os ceguinhos a cantar no bairro da bica. Cantavam as histórias do dia a dia... Então o que é o que o Carlos do Carmo vai cantar hoje? Vou cantar o Fado dos Contentores... Com todo o respeito pelos Contentores dos Xutos...
Depois de um certo afadtamento, o que fez que os portugueses se reencontrassem com o fado?
O gosto...
E como renasce esse gosto? Levou tempo...
Cansaço... Depois houve um momento... Lá passaram os anos 80, foi-se fazendo o processo, devagarinho... Mas a rádio pública não toca fado... E muitas outras rádios não tocam fado. Então isto tem muita piada, porque nos topes, alguns dos discos que mais vendem são de fado. E os espectáculos estão cheios... É muito engraçado.
Foi importante o aparecimento de uma nova geração de fadistas?
Naturalmente. Mas se houve momento crucial, ele foi a morte da Amália. É um momento de ruptura... Algo desapareceu fisicamente. E ao ter o mediatismo que teve, durante uma semana não se falou em mais nada nos jornais, os miúdos foram ouvir os discos da Amália que as mães tinham...
Porque há sobretudo vozes femininas na actual geração?
São ciclos. Um ciclo feminino... Quando morreu o Marceneiro houve um ciclo de homens. O fado tem estas histórias curiosas.
Falta ensinar curricularmente o fado em Portugal?
Acho que sim. E estou convencido que o trabalho que está a ser feito no sentido da candidatura do fado a património imaterial da UNESCO, em 2009, se nos correr bem vai mudar coisas. Vai haver regras.
O público redescobriu o fado. Mas ainda há muito desconhecimento. Porque sabem os portugueses tão pouco sobre o fado?
Terá a ver com a nossa falta de auto-estima? Ou com aquela ideia que, quando qualquer coisa não corre bem, lá se diz que é o nosso triste fado...
Mas o fado é triste?
Se as pessoas fossem informadas saberiam que há o fado corrido. O fado dançado... Não, é o nosso triste fado!
Colaborou e conviveu em anos recentes com figuras de espaços musicais bem diferentes do fado, como um Pedro Abrunhosa ou um Sam The Kid...
Estamos a falar de pessoas de grande talento. O Pedro é uma pessoa de talento. Aquela sua ideia de conservar o seu bairrismo... O homem do Porto que continua a ser do Porto. E o Sam é um miúdo giríssimo.
O fado pode ganhar muito ao escutar estas contribuições que chegam de músicos outras áreas?
Penso que sim. A Naifa?... O Varatojo toca bem e a miúda canta... Ainda não estou muito por dentro destes novos, os Deolinda... Ainda não sei avaliar. Não são coisas que me choquem. Pelo contrário, acho piada.
E um Paulo Bragança?
O Paulo, quando apareceu foi, do ponto de vista masculino, uma grande revelação. Era uma imagem e a forma de cantar. Havia quem se impressionava por ele cantar descalço... Porquê? Apetecia-lhe cantar descalço? Cante! Cada vez mais percebo o [Carlos] Saura, que chamou ao filme Fados. Não é fado – Fados!
O “s” faz alguma diferença?
Uma grande diferença! Toda a diferença. Temos o Caetano a ir a um registo almaliano, depois a miúda cabo-verdiana, e a Lila Downs a cantar Lucília do Carmo, que é uma delícia... A Argentina... Aquele momento mágico da Mariza com o Poveda. Não é o fado. São fados.
O Museu do fado, de resto, também sublinha essa diversidade.
E agora de que maneira! Dez anos depois aprendemos algumas coisas. Quando se constituiu as primeiras reuniões faziam-se em autêntica colaboração. Um levava um livrito, outro dois ou mais um disco... E em dez anos é extraordinário o que se investigou!
Vai deixar coisas suas ao museu...
É verdade. Excepto alguma ou outra coisa pessoal que fique para filhos e netos.
Porquê o Museu do Fado?
É o espaço certo.
O seu último disco, À Noite, teve uma edição em vinil...
Há várias razões para o explicar. Uma delas a música. Mas outra é o facto de poder dar ao retrato do Pomar uma possibilidade de ser visto com outra dimensão. E lá vão comprando...
domingo, novembro 23, 2008
Obama em blog e na rádio

Viagem digital à Roma de Constantino
.
.
Este é o vídeo promocional de apresentação deste novo “serviço” do Google Earth. O clip abre com um plano que sugere uma descida da encosta desde o Palatino até ao Fórum, no coração da cidade. As imagens revelam depois o interior das duas grandes basílicas que ladeavam o fórum, o Circo Máximo, o Coliseu, o arco de Constantino...
Um organista com alma pop


Cameron Carpenter interpreta aqui o Étude Op. 10 Nº 12, de Chopin (também conhecido como Revolutionary). As imagens pertencem a um DVD editado em conjunto com o álbum.
Em conversa: Carlos do Carmo (4/5)

Até que ponto a escolha de quem assina os poemas é determinante na criação de um disco?
Seja do que for na vida, gosto de gostar. E o gostar de gostar está ligado às pessoas e tem uma imagem de apreço. Em tempos ia ao Chiado engraxar os sapatos por um homem que era um artista. Na questão do repertório, fui conseguindo essa coisa mágica que foi o aprofundar de relações. Não teria sido possível eu cantar os 32 ou 33 trechos do Ary dos Santos se não tivéssemos tido a amizade que tivemos um pelo outro. Eu ainda não tinha aberto a boca e o Ary já sabia o que eu ia dizer. Ele estava a escrever um verso de que eu não gostava e já estava a rasgá-lo antes de eu o comentar. Às oito horas da noite o Ary ligava aqui para casa e falava meia hora com a minha mulher, depois dez minutos com os meus filhos e mais cinco comigo. Era uma família prolongada, fruto da sua solidão.
Trabalhou com vários outros autores...
O meu velho Frederico de Brito visitava-me na casa de fados... Tomava um Nescafé e um bagaço. Sentava-se num cantinho do bar e começava a conversar. Contava as histórias mais incríveis sobre o fado. O que me contou dos anos dez e vinte... Tenho isso gravado... São coisas que doarei ao museu do Fado. Depois dizia-me que gostava de explorar os meus graves. "Canooooa"...O Fernando Tordo, quando escreve um fado para mim, do princípio ao fim, aquela voz naquele momento certo... E se durante o teste eu tiver um rasgar de voz, um grito, ele faz a alteração ali na hora. O Paulo de Carvalho canta nos mesmos tons que eu canto. Ele está em casa... O José Luis Tinoco é outro caso. É um homem de uma música mais elaborada. É um perfeccionista e nunca está satisfeito... E veja-se o António Victorino d’Almeida. É uma pessoa que toca maravilhosamente o piano. Mas percebeu que nós, fadistas, temos uma maneira esquisita de trabalhar com os tempos. Estamos sempre ao lado... E não é que ele goza com isso (no melhor sentido)?
Tem uma discografia, mas sabe que há alguns discos que ficam registados na história...
Aí, são vocês que os escolhem...
Por exemplo Um Homem na Cidade e Um Homem no País...
E falta o terceiro... Um Homem no Mundo. Mas quando for ter com o Ary acabamo-lo... Eram três discos. Ele morreu... E faltou esse.
Porque são esses discos tantas vezes destacados?
A própria conjuntura ajuda... Se olharmos para o livro do Rui Viera Nery percebemos que a contextualização do fado, a circunstância em que as coisas estão a acontecer, tem importância.
Começa a carreira ainda sob o regime de Salazar. A mudança dos contextos políticos ressentiu-se no fado?
Acho que isso aconteceu desde sempre. Gostava de mais uma vez dizer que, pessoalmente, eu não fui afectado. Não tive quebra de vendas de discos nem de espectáculos. Mas o fado, sim. A esquerda radicalizou as coisas de uma forma tal que às tantas parecia quase absurdo o que se estava a passar. E eu perguntava a outras pessoas de esquerda, como eu, que me dessem uma boa razão para eu deixar de cantar o fado. E ninguém ma dava. “Ah, mas tu é tu”... Diziam alguns... Mas eu não sou o fado! Há fados de que gostamos e outros de que não gostamos... Não vamos é demonstrar ignorância. E porquê ignorância? Nos anos dez e vinte o fado tem um período brilhante em que as pessioas que escrevem para o fado escrevem a melhor poesia popular da Europa! E eram fascistas? Nos anos dez e vinte? Eram comunistas? Não... E este processo lento e meio complicado criou grandes ressentimentos. A classe fadista ficou muito ressentida. Ainda hoje se sente entre alguns mais velhos um grande ressentimento. E eu tentava fazer de pacificador.
Era difícil essa posição de pacificador?
Era um lugar isolado.
Não faria sentido era não deixar clara a sua posição política num tempo em que todos o podiam fazer...
Seria para mim a negação da vida. A ideia era darmos um passo para a construção da liberdade. Não faria sentido termos a liberdade e, para não desagradar a umas senhoras ou senhores, dizer que a minha política era o trabalho... As pessoas tomam as suas posições. Bem ou mal... Cantar o fado em liberdade é muito bom.
Foi o que fez nessa altura. Reflectiu o país no que cantou...
Mas sem dar recados...
Que acontecia em algum canto de intervenção...
Que também era legítimo, com grandes cantores de intervenção. Alguns deles vivos, com um belo trabalho feito. Mas quando o Ary estava escrever um fado que resvalava para aí, dizia-lhe que já me estava a por na boca aquilo que não queria dizer... Ele perguntava se eu estava ficar reaccionário...Nada disso! Sou fadista e tenho de cantar na minha área. Dizia-lhe que teríamos de fazer fados que, daí a 30 anos, as pessoas não dissessem de que ano eram. Ele percebeu..
(conclui amanhã)
A IMAGEM: Steven Klein, 2005
"Os Contemporâneos": delícias da crise

sábado, novembro 22, 2008
"Brideshead": memórias televisivas

Com a recente estreia, nas salas de cinema, do filme Reviver o Passado em Brideshead, ressurgiram muitas memórias mais ou menos nostálgicas da série homónima adaptada do romance de Evelyn Waugh. De facto, em 1981, os onze episódios de Reviver o Passado em Brideshead constituíram um verdadeiro fenómeno internacional, aliás contribuindo decisivamente para o lançamento da carreira do actor inglês Jeremy Irons (no mesmo ano em que protagonizava A Amante do Tenente Francês, ao lado de Meryl Streep).
Talvez esta seja uma evocação inevitavelmente nostálgica que, em boa verdade, a possível revisão da série em DVD não preenche. Porquê? Sem dúvida porque é imperioso sentir que o impacto de produções como Reviver o Passado em Brideshead correspondia a uma maneira peculiar de manter uma postura de interesse e disponibilidade em relação à programação televisiva, bem diferente dessa atenção flutuante que, agora, nos faz oscilar entre a expectativa de assistir ao episódio certo no horário previsto (coisa que não está automaticamente garantida...) e o recurso conformista ao “vejo quando sair o DVD”.
Não que eu queira definir a década de 80 como o “paraíso perdido” da televisão (nostalgia por nostalgia, preferia recuar ainda mais e escolher os anos 60). Nem se trata de esquecer a fascinante vitalidade que passou a distinguir o espaço específico das séries de televisão. A questão é de outra natureza. Em última instância, tem a ver com a nossa capacidade de relação com os objectos audiovisuais, num misto de expectativa e compromisso mútuo.
Que mudou, então? Pois bem, o próprio interesse das televisões generalistas por este género de produtos, na maior parte dos casos empurrados para espaços secundários e horários marginais, favorecendo sempre a banalidade repetitiva das telenovelas e seus derivados, dominantes nos horários nobres. Ao estrear o filme Reviver o Passado em Brideshead, pensei que um canal de televisão poderia aproveitar para repor a série, precisamente em horário nobre. Numa fracção de segundo percebi que, além de nostálgico, estava a ser irremediavelmente ingénuo. Problema meu, como é óbvio.
Os 40 anos do disco branco

Os pesadelos chegavam do mundo em seu redor, mas também de dentro do próprio universo do rock’n’roll. Os Pink Floyd perdiam Syd Barrett. Brian Jones dava o seu último concerto com os Rolling Stones que entravam em nova etapa de vida ao som de Beggars' Banquet. Os Beach Boys viviam na pele um ano de desaire, com evidente fuga de velhos admiradores para outras paragens. Enquanto isto, em Londres, os Beatles apresentavam um novo álbum. A 22 de Novembro. Faz hoje 40 anos.
A história do disco começa alguns meses antes. Em Maio de 1968, depois de chegados de uma temporada na Índia (em meditação com o Maharishi Mahesh), reúnem-se em casa de George Harrison para trabalhar. Gravam 23 maquetes e definem o caminho para o que seria um novo disco. Acabaria por se chamar simplesmente The Beatles. Seria um álbum duplo, e um dos mais importantes da sua obra. Mas os quatro músicos sentiram, ao gravá-lo, que era o princípio do fim. Como reacção ao excesso de informação de Sgt. Peppers (de 1967), optaram por uma simples capa branca, aí nascendo o nome White Album (o tal Álbum Branco) pelo qual ficou conhecido.
O disco revelava uns Beatles mais versáteis que nunca, num alinhamento de grandes canções (como Back in the USSR, Savoy Truffle, ou Dear Prudence) que ia das mais discretas baladas ao mais intenso hard rock. Não faltavam motivos para aclamar, novamente, uma banda que escrevia a história... Mas poucos imaginavam quão assombrado todo o projecto nascera. Com apenas uma canção de Lennon e McCartney verdadeiramente escrita a dois (apesar de todas serem co-assinadas), o disco revelava uma evidente separação de interesses. Paul cantando essencialmente o amor, John ensaiando um registo mais crítico e aguerrido. George e Ringo também presentes como autores.
Primeiro disco gravado depois da criação da Apple Corps, era um álbum feito por músicos que agora também eram empresários. A morte de Brian Epstein e a presença de Yoko Ono sublinharam um clima que acabou expresso num álbum fruto do seu tempo. Um álbum de 1968, o ano um depois do sonho psicadélico.
Imagens de sessões de gravação do White Album, com excertos de algumas das canções que fazem a sua história. A tensão não parece evidente entre músicos. Mas revela-se nas entrelinhas do disco.
sexta-feira, novembro 21, 2008
Monty Python no YouTube

Este é o clip promocional do Monty Python Channel, no qual fica clara a ideia que conduziu à criação do canal e os seus objectivos. Tudo num registo... algo Monty Python.
O Monty Python Channel do YouTube está aqui.
E vai um quinto single...
A sonhar com os Velvet Underground
'Femme Fatale' (single), 1994

Foi gravado um muito pouco divulgado teledisco para acompanhar o lançamento em single de Femme Fatale. Mostra os Duran Duran, num carro, em passeio nocturno, cruzando-se com bizarras figuras femininas.
Em conversa: Carlos do Carmo (3/5)

A descoberta de uma personalidade sua no fado passou também pelas palavras que cantou e pela abordagem aos instrumentos que escolheu?
Apesar da imensa guerra que ainda hoje os puristas me fazem, e que assumo calmamente, gosto muito de cantar com orquestra! São tipos que estiveram estudar no conservatório, que gostam muito daquilo que tocam e que, de repente, saem do figurino da música que os levou ao instrumento que tocam (que é a clássica) e vêm para uma música exótica, estranha para eles... E vou usar aquela expressão vulgar: primeiro estranha-se depois entranha-se. E hoje tenho um verdadeiro fascínio em tocar com a Sinfonieta [de Lisboa]. Há cinco anos, quando festejei os 40 anos no Coliseu, toquei com a Sinfonieta. E nunca mais deixei de fazer concertos com eles. É uma festa. Os ensaios são uma festa. Boa disposição. Boa onda... Há uma disciplina grande entre eles.
No booklet que acompanha o disco usa a palavra “sacrilégio” quando fala do trabalho com orquestras... Estávamos em finais dos anos 60...
Quando apareço a cantar a Gaivota, com arranjos do [Jorge] Costa Pinto e com a guitarra do Zé Fontes Rocha não houve pessoa nenhuma da minha família que escapasse. Toda gente foi insultada. Era “maulco”, onde já se via cantar fado com uma orquestra? O que fazer? Pedia: deixem-me ouvir música. Gosto de música... Até que se acertou na mouche. Foi o ovo de Colombo. Foi com o Por Morrer uma Andorinha...
Fez mudar algumas opiniões?
Foi como os teatros da Broadway. Umas sessões com gente a sair e mais gente a entrar. A casa de fados parecia uma casa da Broadway. Gente cá fora à espera para entrar... Deixei de discutir então essa coisa da orquestra. Gosto de cantar com orquestra. Agora não fiquem à espera que cante sempre com orquestra. Aliás, tive um prazer imenso em gravar o À Noite. Vesti os calções de criança, fui lá atrás à minha meninice. Ao Armandinho, ao Joaquim Carlos, ao Marceneiro (que nos ensinava a toda a hora)... Às vezes apetece umas coisas e noutras vezes, outras... E isso é que faz uma discografia. A nossa inquietação. O sentir-se com ideias...
Esse gosto de trabalhar com orquestra terá a ver com a velha admiração pelos discos de Frank Sinatra?
Completamente! Aqueles arranjos do Gordon Jenkins, seja para o Nat King Cole seja para o Sinatra. Chamo a isso camas. Vais cantar? Não. Vou-me deitar!... É uma coisa maravilhosa, se for bem tocada. Aí também tenho tido alguma sorte. E estou a falar da nova geração.
Por exemplo...
Chego ao pé do meu amigo Bernardo Sassetti e entrego-lhe dois fados... O Bernardo envolve-se completamente. Não descaracteriza uma vírgula, mas põe lá o seu saber. E com uma coisa que me encanta: está a orquestrar para mim. Está lá o timbre... O Moreira também... Neste país falta isto e falta aquilo. Mas existe o assumir, o arriscar... Até porque trabalhar para gregos e troianos lembra-me o que disse o grande Bill Cosby. Numa entrevista, daquelas em que os sábios falam abertamente da sua profissão (e não daquelas em que escondem os segredos), perguntam-lhe qual era a fórmula para o sucesso. Disse que a do sucesso não tinha. Mas acrescentou que conhecia a do fracasso: que era querer agradar a todos. Quando se faz um disco a pensar que a faixa número três é para este público e aquela vai vender melhor àquele, é a desgraça completa. Estou a falar do tempo em que havia discos... Aquele conceito... O À Noite, por exemplo, é um disco conceptual. Não tem lógica vendido à peça, mas como um todo. Foi pensado como um todo. Tem uma lógica. Mas há outros discos que são à peça... Em que foram acontecendo coisas que, depois, juntei.
quinta-feira, novembro 20, 2008
Mais pop que chega do Norte

Grace Jones em documentário
Nas estepes do Cazaquistão
