domingo, novembro 30, 2008

Sentir e pensar o mar

Clássicos do século XX - 7
'La Mer', Claude Debussy
(1905)

O “rótulo” impressionista é muitas vezes aplicado para descrever a música de Claude Debussy (1862-1918). E frequentemente associa-se esta ideia a uma eventual tentativa de, sem pincéis nem tintas, mas com notas e instrumentos, pintar com o som... Na verdade, e como o próprio explicou, Debussy desejava para a sua música “uma liberdade que pode alcançar mais que em qualquer outra das artes, não se limitando mais ou menos à reprodução exacta da natureza, mas procurando as correspondências entre a natureza e a imaginação”. Daí que, como explica Paul Griffiths nas notas que acompanham uma das gravações de La Mer por Karajan, esta sua marcante obra não seja música sobre o mar mas, antes, um registo de sensações e pensamentos motivados pelo mar... São muitas as gravações desta obra disponíveis em disco. A capa que ilustra o post representa a primeira gravação de Herbert Von Karajan (com a Filarmónica de Berlim), em 1964. La Mer partilha aqui o espaço gravado com Prélude à L’aprés Midi d’un Faune e com música de Maurice Ravel, contemporâneo de Debussy.

Debussy é um dos primeiros grandes inovadores da música do século XX. Filho de uma família sem grandes meios, começou a estudar música aos 12 anos, tendo em vista uma carreira de pianista. Aos 22 anos ganha um prémio de composição. Viaja pela Europa, assimila o que escuta, com particular interesse pelas músicas do Oriente que então começam a chegar a alguns ouvidos europeus, e que mais tarde se revelariam particularmente importantes na definição da sua personalidade enquanto compositor. Foi crítico musical mas a partir de finais do século XIX (compõe o visionário Prelude a L’Apres Midi d’un Faune em 1894) a composição chama definitivamente a sua atenção. Curioso e pouco dado a aceitar os paradigmas instituídos de uma França musicalmente conservadora em finais do século XIX, entra em 1900 como uma das figuras mais arrojadas do seu tempo. A forma inovadora como abordou vários géneros musicais (da música orquestral à de câmara, com também importante obra para piano), o abandono do rigor formal, a criatividade que demonstrou no desenhar de novas cores orquestrais fez de si uma das primeiras figuras determinantes na construção da música do século XX. A sua obra ainda hoje alimenta a invenção musical. Músicos como os Art Of Noise ou Biosphere criaram discos baseados na memória da sua obra. Marc Almond gravou canções suas. Toru Takemitsu criou uma obra sua a partir de uma reflexão sobre La Mer...

Composto entre 1903 e 1905, as primeiras ideias lançadas em França, as últimas concluídas em solo britânico, La Mer (uma das obras-primas da música orquestral do século XX) teve estreia Parisiense em Outubro de 1905. Hoje é reconhecida como uma das mais marcantes obras orquestrais de Debussy, reflectindo um período de evidente felicidade na sua vida pessoal. Tinha estreado a sua ópera Pelleas et Melissande em 1902, terminado o primeiro casamento e encontrado nova companhia em Emma Bardac (que lhe daria um filho). Debussy resistiu a tratar a obra como uma sinfonia, optando antes por apresentá-la como um conjunto de três esboços sinfónicos.



Imagens do maestro Cláudio Abbado, frente à Orquestra do Festival de Lucerna, interpretando o primeiro andamento de La Mer: De L’aube à Midi sur la mer.