terça-feira, agosto 12, 2008

Violência dos blogs (6)

O SILÊNCIO (1963), de Ingmar Bergman

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Na blogosfera, tornou-se perigoso manifestar alguma inteligência. Aliás, dizer isto é ainda mais perigoso porque haverá sempre quem se ponha aos gritos para dizer: "se ele fala em inteligência, é porque se acha superior a nós..." (nós???).
Enfim, a questão é simples, precisamente porque a inteligência gosta da simplicidade. Gosta tanto que se recusa a banalizar a complexidade do mundo — ser inteligente não é ter razão (parca compensação), mas resistir a que as relações humanas sejam reduzidas a confrontos maniqueístas e conflitos sem nuances.
Um dos sintomas mais nítidos do generalizado menosprezo pela inteligência é o pouco (ou nenhum) valor que, hoje em dia, se atribui à prática da citação. Porquê? Porque citar implica reconhecer o outro — não que o outro tem razão, mas reconhecer que o outro existe e tem direito ao seu discurso.
A violência bloguista deixou de citar. Basta proclamar: "fulano disse (ou escreveu)..."
Na prática, isso produz efeitos de puro ocultamento do pensamento dos outros. Exemplos? São infinitos:
1 - pode escrever-se um longuíssimo texto, tão elaborado e fundamentado quanto o talento daquele que escreve o permitir, considerando que determinado filme de Manoel de Oliveira é brilhante — nada a fazer, haverá sempre algum vigilante pronto para proclamar que o autor do texto é "amigo" de Oliveira (isto sem esquecer o simétrico: escrever sobre as limitações que se apontam a um determinado filme de Oliveira dá direito a que alguém imediatamente venha dizer que o autor "odeia" o cineasta);
2 - pode tentar defender-se a ideia de que é preciso lidar com as imagens que chegam dos Jogos Olímpicos de Pequim sem esquecer que a demarcação em relação ao discurso oficial das autoridades chinesas não esgota o evento, lembrando que está em jogo o destino de um povo imenso, chamando a atenção para o facto de a repressão enraizada no maoísmo não esgotar a história da China, enfim, apostando na agilidade das ideias para lidar com uma conjuntura tão complexa e multifacetada (e tão distante) — nada a fazer, pode tentar-se tudo isso, mas haverá sempre quem veja em tal atitude uma defesa implícita da repressão dos tibetanos pelo governo chinês.
O quase desaparecimento da prática da citação não significa apenas a agonia de uma cultura de raiz literária. Significa também o triunfo de uma cultura do insulto potencial: para tal cultura, o outro é um ser sem corpo, sem pensamento, sem direito à sua diferença, enfim, um inimigo virtual.