quarta-feira, agosto 06, 2008

Violência dos blogs (1)

HAL 9000, in "2001, Odisseia no Espaço" (1968)
Há qualquer coisa de radicalmente incómodo no recente comunicado da Entidade Reguladora para a Comunicação Social àcerca do modo como foi tratada pelas televisões a situação de tensão na Quinta da Fonte, em Loures. Não que o comunicado não seja um texto muito pensado e pleno de boa vontade, apelando à reflexão sobre a mais simples responsabilidade de transmitir informação. Mas há nele esse velho equívoco voluntarista que consiste em problematizar as questões deontológicas do jornalismo, não a partir dos valores correntes da sua prática, mas apenas porque a matéria da notícia é excepcional e, de algum modo, extremada. Acontece que a informação que:
1 - generaliza abusivamente,
2 - descreve todas as situações, mesmo as mais anedóticas, em termos de conflito,
3 - induz todos os instantes uma visão apocalíptica do mundo,
essa informação não é a excepção, mas a regra.
***
Tudo se passa um pouco como o que está a acontecer nos blogs. Há dias, numa pesquisa de dados sobre determinado filme, encontrei uma avaliação desse mesmo filme sustentada pela evocação de uma "opinião" emitida nas páginas de uma publicação estrangeira — de facto, em tal publicação nunca se escreveu uma única linha sobre o filme em causa.
Este estado de coisas não se resolve com "denúncias" purificadoras, uma vez que o que está em jogo reside muito para além da mera dicotomia "verdade/mentira" — corresponde a um esvaziamento dos paradigmas sociais e a uma profunda crise de unidade simbólica, crise essa que começa na automática desqualificação de qualquer discurso moral.
Exemplos como aquele não são excepções, mas sim sintomas cada vez mais frequentes de uma generalização crescente da irresponsabilidade como norma e, no limite, como caução de "verdade". A violência que se generalizou na esfera bloguista obedece a três regras fundamentais:
1 - elege o insulto e a difamação como leis "informativas";
2 - cultiva o anonimato;
3 - repele qualquer possível réstea de solidariedade humana.
É provável que, daqui a alguns anos, a indignação dos cidadãos honestos ou alguns comunicados de outras entidades "reguladoras" comecem, pelo menos, a defender a simples inteligência de pensar. Para já, a indiferença da maioria está a contribuir, lenta mas irreversivelmente, para entregar o poder da Internet (e, em particular, dos blogs) ao terrorismo virtual.