terça-feira, agosto 12, 2008

Zhang Yimou: espectáculo de síntese

Gong Li e Zhang Yimou
— rodagem de A Maldição da Flor Dourada (2006)

À concepção e realização das cerimónias de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim está ligado Zhang Yimou, nome emblemático do moderno cinema chinês — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 de Agosto), com o título 'O espectáculo de Zhang Yimou'.


A prodigiosa cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim resultou de um extraordinário labor colectivo, envolvendo milhares de pessoas. Em todo o caso, não deixa de ser desconcertante que, pelo menos até agora, se tenha falado pouco dos seus dois directores: o coreógrafo Zhang Jigang (criador internacionalmente prestigiado, várias vezes premiado, não apenas na China, mas também no Japão e nos EUA) e o realizador de cinema Zhang Yimou.
Valerá a pena evocar a personalidade de Zhang Yimou (n. 1951), porventura ainda o mais conhecido dos cineastas chineses, quanto mais não seja porque a transmissão televisiva reflectiu uma curiosa colagem a linguagens e modelos narrativos de raiz cinematográfica. Sobretudo nos quadros que integravam muitas figuras humanas alinhadas em xadrez (por exemplo, o número de percussão, logo a abrir a cerimónia), sentiu-se um jogo de variações de escalas, do grande plano ao plano muito geral, com claras raízes fílmicas.
Terá sido em 2002, com o filme Herói, que o nome de Zhang Yimou entrou definitivamente nos grandes circuitos internacionais. Evocando as lutas pelo poder no tempo do primeiro imperador da China, Herói era um épico próximo da tradição ocidental, em particular das superproduções de Hollywood, para mais com um elenco que incluía alguns dos mais populares actores chineses junto dos espectadores estrangeiros (com destaque para Jet Li, vedeta de muitas aventuras de artes marciais). O filme conseguiu alguns fundamentais apoios da distribuição americana, desde a Miramax (nas salas dos EUA) até à 20th Century Fox (em vários outros países), acabando por obter uma nomeação para o Oscar de melhor filme estrangeiro.
Depois de Herói, O Segredo dos Punhais Voadores (2004) e A Maldição da Flor Dourada (2006) impuseram Zhang Yimou como símbolo de uma dupla estratégia de espectáculo: por um lado, o seu trabalho manifesta uma especial predilecção pelas memórias primitivas da China, nelas encontrando sempre, directa ou metaforicamente, sinais do confronto entre o velho e o novo; por outro lado, os meios grandiosos e a imponência física de muitas sequências dos seus filmes permitem-lhe jogar num terreno tradicionalmente dominado pelos americanos.
Mas não foi sempre assim. Antes destes títulos mais conhecidos, Zhang Yimou (que começou como director de fotografia) assinou cerca de uma dezena de filmes que, de facto, ajudaram a mudar a paisagem da produção chinesa. Ele integrou a chamada “Quinta Geração” (a que também pertence, por exemplo, Chen Kaige, autor de Adeus, Minha Concubina), grupo que abriu novos caminhos temáticos, estéticos e também comerciais ao cinema chinês. A primeira longa-metragem de Zhang Yimou, Milho Vermelho, vencedora do Urso de Ouro do Festival de Berlim de 1988, revelou mesmo aquela que se viria a transformar na estrela mais internacional da China: a actriz Gong Li.
A dupla Zhang Jigang/Zhang Yimou tem também a seu cargo a cerimónia de encerramento das Olimpíadas (dia 24). Tendo em conta o fulgor da abertura, podemos apostar que vamos assistir a mais uma aposta arriscada na síntese de diversas formas de expressão: teatro e bailado, televisão e cinema.