sexta-feira, agosto 31, 2007

Qual foi o melhor disco de Agosto?

Retomamos hoje um velho hábito, que profissionalmente vem dos dias "amarelos" (leia-se dnmais), tendo vivido, mensalmente, nas páginas do DN de 1998 a 2007. Chamávamos-lhe "Os Mais do Mês"... Ei-los, digitais... E agora, em vez de desafiarmos os jornalistas a pronunciar-se sobre dez dos discos sobre os quais se tinha escrito no último mês, lançamos a questão aos leitores do Sound + Vision. Qual foi o melhor disco de Agosto? Escolhemos, para base de votação, dez discos que foram aqui alvo de crítica nos posts "Discos da Semana" ao longo deste mês. Em tempo de pousio editorial, é certo que alguns títulos desta selecção de Agosto já tiveram edição em meses anteriores, mas todos eles foram aqui alvo de reflexão nestas últimas semanas. Este é o critério. Votações na coluna lateral da direita, antes da zona de agenda. Para ordenar ideias, aqui fica a lista dos dez títulos a votos:

Architecture In Helsinki "Places Like This"
Asobi Seksu "Circus"
Crowded House "Time On Earth"
Frida Hyvönen "Until Death Comes"
Matthew Dear "Asa Breed"
Mexican Institute Of Sound "Piñata"
Modest Mouse "We Were Dead Before The Ship Even Sank"
Mudd "Claremont 56"
New Young Pony Club "Fantastic Playroom"
Vários "Hallam Foe (Original Soundtrack)"

Prova de juventude

Este é o tema de avanço para o novo álbum dos Go! Team, que tem data de edição agendada para dia 11 de Setembro. Grip Like a Vice é um bom exemplo dos que nos espera em Proof Of Youth.

quinta-feira, agosto 30, 2007

Springsteen + E Street Band: o regresso

Radio Nowhere é o título do primeiro single do novo álbum de Bruce Springsteen (a ser oferecido, para download, no iTunes dos EUA). Intitulado Magic, o álbum assinala o reencontro em estúdio de Springsteen com a E Street Band, cinco anos passados sobre a edição de The Rising. Compõem a banda: Roy Bittan (teclados), Clarence Clemons (saxofone, percussão), Danny Federici (teclados), Nils Lofgren (guitarras), Patti Scialfa (voz, guitarra), Garry Tallent (baixo), Steven Van Zandt (guitarras) e Max Weinberg (bateria).
Ao mesmo tempo, Springsteen e a E Street Band anunciaram uma tournée (a primeira desde 2002/03), a começar a 2 de Outubro, em Hartford (Connecticut), e incluindo algumas datas europeias, as duas primeiras em Espanha: Madrid (25 de Novembro) e Bilbau (26 de Novembro). A tournée deverá encerrar em Londres (19 de Dezembro).
O disco chega às lojas no dia 1 de Outubro (dia 2 nos EUA). Durante todo o dia 4 de Setembro, o teledisco de Magic poderá ser visto no site americano da Amazon, na respectiva zona de música.

Monstros e companhia

Aqui está o novo teledisco dos Animal Collective, aperitivo perfeito para o soberbo Strawberry Jam, novo álbum de originais a editar no próximo dia 10. Trata-se de Peacebone, pequeno filme que conta com realização de Timothy Saccenti.

Dose dupla de Sigur Rós

Os islandeses Sigur Rós têm um CD duplo e um DVD na agenda de lançamentos de Novembro. O DVD, Heima, é uma colecção de imagens de actuações que o grupo deu no Verão de 2006 em diversos locais da Islândia. O CD, Hvarf/Heim, apresenta duas propostas distintas. O CD1 recupera canções ainda inéditas que o grupo foi deixando fora dos discos já editados. o CD2 reune versões acústicas de temas dos seus álbuns.

Os grandes também erram

Ano Bowie – 62
‘Never Let Me Down’ – Album, 1987
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Como em todas as obras criativas, Bowie conheceu momentos de inspiração, mas também episódios onde ela acabou bem longe da música que gravou. E o mais evidente exemplo de desnorte criativo na sua obra encontra-se num período que podemos limitar entre 1984 e 1992. Ou seja, a ressaca do estatuto mainstream conquistado com o álbum Let’s Dance em 1983 que levou Bowie a experimentar a confecção de sucessores destinados ao grande mercado... Levou contudo cinco anos a perceber que aquele não era o seu lugar. Descobriu-o antes de mergulhar num outro erro (o dos Tin Machine), na sequência do artisticamente mais desastroso dos discos de toda a sua carreira: Never Let Me Down, de 1987. O álbum foi sonhado e desejado pela editora. Depois das meias-tintas de Tonight (1984) e do sucesso de Dancing In The Street, com Mick Jagger, apresentado no Live Aid, a editora chegou a pensar numa compilação de máxi-singles, que acabou arquivada. Mas Bowie só respondeu ao desafio depois de concluída uma etapa de dedicação ao cinema e a Iggy Pop, entre 1985 e 86. Juntou músicos em Montreux, recuperando parte da equipa que havia trabalhado em Tonight, convidando Peter Frampton para tocar as guitarras. O álbum foi pensado para servir a digressão que se lhe seguiria (a Glass Spider Tour), mas cresceu feito pompa formal sem muito para dizer nem grandes ideias para mostrar. Comercialmente foi, na atura, a pior performance de Bowie desde 1970. E rapidamente acabou esquecido. O próprio Bowie mais tarde acabaria por descrevê-lo como uma desilusão, ignorando-o em futuras digressões. Não é um disco incompreendido. É mesmo medíocre. E nunca será, nem num futuro distante, reeleito como clássico esquecido.

quarta-feira, agosto 29, 2007

Hilly Krystal (1932-2007)

Conheci-o numa manhã de chuva, em Nova Iorque. Na tarde anterior, numa espécie de romaria obrigatória em cada passagem pela cidade, tinha entrado no CBGB. Era ainda cedo para bar e palco, mas as portas da rua nunca estavam fechadas. Nem que para dizer ao ocasional turista rock'n'roll do momento, que as "famosas" T-shirts negras com o logo do clube se vendiam na porta ao lado, na CB's Gallery... Estávamos em 2006 e a notícia do eventual encerramento do CBGB levava-me a tentar uma entrevista com o homem que abrira aquele bar em 1973 e que, nos anos seguintes, deu primeiro palco a nomes como os de Patti Smith, Ramones, Talking Heads, Television, Blondie ou The Shirts, entre muitos outros. Não tinha marcado nada, pelo que me limitei a abrir a porta e perguntar: "O Hilly está"? Não estava. Pediram-me que telefonasse de manhã, pelas nove horas, que certamente ali estaria... Assim foi. Na manhã seguinte, passaram-lhe o telefone, sugeri uma possível entrevista. Resposta: "Venha já, se quiser"... Fui. Como certamente tantas outras vezes lhe aconteceu, recebeu um perfeito estranho que se limitara a apresentar-se como jornalista. Sentámo-nos à volta da sua secretária (a foto que ilustra o post mostra o momento) e ali falámos sobre as memórias daquela mítica casa e sobre o cenário de encerramento que, então, a assombrava. Depois deu-me luz verde para circular pelo clube e fotografar o que entendesse. Adeus e obrigado. Simples. Mas inesquecível.
Hilly Krystal morreu ontem, vítima de complicações de um cancro nos pulmões detectado pouco depois dessa manhã que passámos juntos. Há precisamente um ano, o clube fechava as portas. Agora é Hillly quem se despede.

Lisa Germano edita memórias de Lisboa

Originalmente editado em 2003, o álbum Lullaby For Liquid Pig, talvez o melhor álbum de Lisa Germano desapareceu do mapa depois da falância da pequena editora que, depois de longa temporada na 4AD, acolhia a cantora. Há perto de ano e meio, o álbum surgiu no iTunes, para venda digital. Agora, a Young God Records, através da qual Lisa Germano lançou ol excelente In The Maybe World no ano passado, reedita este álbum, no qual se assiste a uma evidente viragem da sua música para uma placidez formal feita de guitarras, pianos, voz e pontuais outros temperos e colaborações (entre outros encontramos aqui nomes como os de Johnny Marr e Neil Finn). A grande novidade que acompanha a edição é a inclusão no pack de um segundo CD no qual se apresentam maquetes gravadas em casa (algumas de temas inéditos) e excertos de gravações de dois concertos relativamente recentes, um no Cafe Largo (em Los Angeles), o outro no Santiago Alquimista, em Lisboa. A gravação lisboeta é a mais representada, com canções como Way Below The Radio, Guillotine, Moon Palace, Woodflowers, Pearls, In The Land Of Fairies, Golden Cities (com a inevitável história do seu gato) ou It's Party Time.

PJ Harvey em livro

O novo volume da série 33 1/3 é dedicato ao álbum Rid Of Me, de PJ Harvey, lançado em 1993. Com texto de Kate Schatz, Rid Of Me: A Story, foge um pouco à norma que habitualmente rege os títulos desta colecção. Na verdade, esta é uma obra de ficção e, de certa maneira, uma meditação centrada no disco. A autora leva aos 14 capítulos do livro, tantos quantas as canções do alinhamento do disco, elementos inspirados por, precisamente, cada uma delas. De cada canção retira elementos da letra, ambientes, imagens e personagens para assim criar uma história que, mesmo completamente diferente das que PJ Harvey canta no disco, a ele está todavia irremediavelmente ligado... Resta agora ler, para ver se a ideia resulta...

terça-feira, agosto 28, 2007

Novamente a olhar para os sapatos

O shoegaze está vivo e tem nos nova iorquinos Asobi Seksu dignos herdeiros de uma tradição que, pelos vistos, continua a alimentar os fiéis convertidos à música de uns My Bloody Valentine, Ride ou Moose... Aqui fica Thursday, a canção-chave do álbum Circus, agora editado entre nós.

O álbum dos Chemical Brothers é...

... Bom. A opinião foi expressa por 38 por cento dos leitores do Sound + Vision que votaram em mais um inquérito. O álbum, We Are The Night, que se imaginava já longe de unânime, também aqui dividiu opiniões. E quase tão significativa quanto o é a votação maioritária do álbum como "Bom", é também o volume significativo de opiniões contrárias que o dão como "fraco". A banda, que este ano já pou cá actuou duas vezes, vê assim distribuída a avaliação do seu mais recente disco, aqui naturalmente segundo o questionário proposto pelo Sound + Vision:

Muito Bom - 13%
Bom - 38%
Razoável - 19%
Fraco - 29%

Ainda esta semana mais um disco aqui será colocado para a vossa apreciação.

Para reencontrar a ficção científica (13)

Isaac Asimov
(1920-1992)

Um dos mais prolíficos e lidos escritores de ficção científica, autor também de vasta obra de divulgação, Isaac Asimov publicou também noutros géneros, inclusivamente a poesia, aí sob o pseudónimo Paul French. Nasceu, crê-se, a 2 de Janeiro de 1920, em Petrovichi (Rússia) no seio de uma família de moleiros judeus emigrados para os EUA em 1923. Radicados em Brooklyn (Nova Iorque), os pais abriram uma loja, na qual vendiam revistas com histórias de ficção científica, que o jovem Isaac leu de pequeno. Durante a guerra trabalhou num laboratório de uma base naval americana, licenciou-se em bioquímica em 1948 e depois de concluído o doutoramento fixou-se como professor na Universidade de Boston. A partir de 1958 os seus rendimentos como escritor suplantavam o salário académico, mas mesmo deixando de leccionar, a universidade nunca deixou de o ter como seu professor.

A sua escrita era de uma precisão científica, sublinhando frequentemente o pequeno detalhe técnico, explicando sempre que possível a génese histórica do conhecimento das tecnologias e realidades científicas abordadas, revelando etimologias, nunca evitando especificar cuidadosamente o nome e origem dos cientistas sobre os quais eventualmente falasse. Tinha medo de voar, mas assinou páginas e páginas de histórias de voos, da atmosfera ao espaço sideral, por vezes deixando aflorar traços desta fobia que nunca superou.
Humanista, homem de razão sobre a fé (apesar de tolerante perante a genuína convicção religiosa), liberal, tomou posições políticas abertas contra a guerra no Vietname e a favor das aplicações civis da energia nuclear aquando do incidente em Three Mile Island. Reflexões sobre opressão e racionalismo abundam numa escrita que, nos últimos dias de vida dirigiu as atenções para questões ecologistas, nomeadamente o aquecimento global.
Na sua obra de ficção científica encontramos rotas de demanda de um bem comum e uma quantidade de novos termos técnicos, entre eles o vulgarizado “robótica”. As suas três leis da robótica, a série Foundation e a revista Isaac Asimov’s Science Fiction (mais tarde Asimov’s Science Fiction) são algumas das suas mais importantes contribuições para a história da ficção científica.


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Alguns títulos fundamentais:
1950. O Futuro do Mundo (Livros do Brasil, 1956)
1950. Eu, Robot (contos) (Europa América, 2004)
1951. Fundação (Livros do Brasil, 1998)
1954. As Caves de Aço (Livros do Brasil, 1956)
1959. Nove Amanhãs (contos) (Europa América, 1990)

Amy Winehouse no iTunes Festival

Foto Robin Lingwood

Durante o mês de Julho, o iTunes promoveu uma iniciativa que, por si só, define a dimensão do envolvimento da Apple com o mundo da música. Assim, em Londres, no Institute of Contemporay Arts (ICA), decorreu o iTunes Festival que envolveu espectáculos com gente tão diversa como Amy Winehouse, Black Rebel Motorcycle Club, Editors, Groove Armada, Kasabian, Mika e Paul McCartney. Obviamente, as gravações efectuadas têm vindo a transformar-se em materiais exclusivos das lojas iTunes. No caso português, já há alguns concertos disponíveis, incluindo uma magnífica performance de Amy Winehouse, com os seguintes oito temas:
— Tears Dry on Their Own
— Back to Black
— Love Is a Losing Game
— Rehab
— Me & Mr. Jones
— You Know I'm No Good
— He Can Only Hold Her
— Monkey Man
(Todas as pertencem ao segundo álbum de Amy Winehouse, Back to Black).

segunda-feira, agosto 27, 2007

Shine a Light: o trailer

Qual é o filme que tem Christina Aguilera, Jack White e Bill Clinton?...
E, já agora, Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts.
E ainda Martin Scorsese no seu próprio papel.
Tudo aconteceu em Nova Iorque, no Beacon Theater: em finais de 2006, Scorsese reuniu-se com os Rolling Stones e a sua equipa (incluindo David Tedeschi, o montador de No Direction Home: Bob Dylan) para dois dias de filmagens em ambiente de concerto "privado". O resultado, intitulado Shine a Light, chegou a estar previsto para estrear ainda este ano, mas foi adiado para Abril de 2008 — para já, temos um fabuloso trailer.

Discos da semana, 27 de Agosto

Durante o dia trabalha como executivo num escritório de uma multinacional discográfica, na Cidade do México. À noite, contudo, Camilo Lara transfigura-se e veste a pele de um músico de quarto. Sentado frente ao computador, em casa, recolhe e junta pistas de sons, como que numa amálgama organizada do muito que eventualmente escutou ao longo de mais um dia de trabalho. É assim que surge a música que escutamos sob o nome Mexican Institute Of Sound, projecto de um homem só que tinha dado primeiros sinais de vida com um álbum de estreia no ano passado e que agora vê o segundo disco, Piñata, a merecer palavras de entusiasmo pelo mundo fora. Pinãta é uma colagem sedutora de sons e caminhos que podemos imaginar em volta de uma grande metrópole como o é a capital mexicana. Colhe heranças de várias tradições latinas, mas não foge ao cenário urbano e intenso no qual nasce e, de certa maneira, pode funcionar como banda sonora. Aqui se cruzam elementos de latin funk, cumbias, o cha cha cha, o danzón, baile funk, hip hop, electro, assim como versáteis exemplos de batidas construídas por corte e colagem de samples. Apesar de pensada por um homem, a música de Pinãta conheceu a colaboração de nomes sonantes da música latina como os Café Tacuba (Máxico) e Babasonicos (Argentina). Juntos propõem uma visita no presente a uma cidade onde velhas culturas se cruzam com novos modos de vida. Numa lógica não muito distante da que escutámos em Since I Left You dos Avalanches, um estimulante retrato vivo (e vivido) do México presente.
Mexican Institute Of Sound
“Pinãta”
Cooking Vinyl / Edel
4/5
Para ouvir: MySpace


A Suécia está definitivamente a afirmar-se como o segundo exportador europeu de música popular (logo depois do Reino Unido). E sobretudo com figuras claramente instaladas em caminhos vários das músicas alternativas. Este mês chegou-nos finalmente aos escaparates o disco de estreia de uma voz que, na sua terra Natal, já dá que falar desde finais de 2004. Chama-se Frida Hyvönen e dá-se a conhecer num ciclo de dez canções criadas ao piano. O diálogo entre palavras e teclas é central no jogo que Frida propõe. Palavras que falam ostensivamente no feminino sobre romances de uma noite só, encontros homoeróticos, memórias de partes do corpo masculino que poucas vezes escutamos de forma tão directa na voz de uma mulher. Um requinte minimalista perpassa a escrita desta cantautora que agradece a inspiração de Patti Smith e dedica uma das suas canções a Djuna Barnes. A sua música ecoa o que recentemente encontrámos em Regina Spektor, todavia sem a versatilidade formal e interpretativa que fez brilhar Begin To Hope. Ocasionalmente, como se escuta por exemplo em The Modern, a genética eloquente de uma Joni Mitchell mostra-se igualmente visível. Cantando, sussurrando, em regime de franca familiaridade com o piano e acolhendo discretos arranjos entre as suas canções, Frida Hyvönen faz do álbum de estreia um cartão de apresentação interessante, que só não arrebata ainda pela relativa falta de maleabilidade (leia-se pouca versatilidade formal) que os dez temas revelam entre si. Mesmo assim, demos as boas vindas a uma sueca que os americanos descobriram em 2006 e nós, em terceiras núpcias, finalmente podemos ter nos nossos escaparates em 2007.
Frida Hyvönen
“Until Death Comes”

Secretly Canadian / Flur
3/5
Para ouvir: MySpace


A evolução música popular faz-se de uma espécie de jogo entre a visão invenção da novidade e a reinvenção ou reapropriação de pistas que, no passado, também já foram ousadia. Numa etapa de poucas visões e muitas reinvenções, como aquela em que vivemos, os pós-isto e pós-aquilos surgem a cada temporada. Uns “poses” revelam-se como famílias, uns batedores a experimentar ideias, o pelotão do papel químico, logo depois, a aproveitar as bênçãos das colheitas... Mas há memórias que se mostram reinventadas, mesmo sem uma pandilha de rostos a fazer “movimentos”. É, por exemplo, o caso do som que conheceu geniais pioneiros em bandas como os My Bloody Valentine ou Ride e que, mesmo sem um programa de acção concertado, continua a dar de beber a novas bandas. Assim, dois anos depois de deliciosas surpresas com os Midnight Movies, mais uma banda surge em cena a mostrar vitalidade na genética shoegazer. Chamam-se Asobi Seksu, vêm de Nova Iorque e dividem as suas cenções entre o inglês e o japonês, cortesia da vocalista Yuki Chikudate, cujo nome revela que vem da terra do sashimi... Circus é o seu segundo álbum e, diz quem conheceu o primeiro (não é o caso), um disco mais arrumado, ousado, de olhos ainda agarrados sos sapatos mas ambições de cabeça erguida. O disco mostra claras heranças de um som que sabe conciliar uma muralha de electricidade com a sedução da melodia. Por aqui ecoam memórias estruturais de uns My Bloody Valentine, claro, mas também o sentido de liberdade de uns Moose, a tradição melodista ao jeito de uns Ride e o poder pop de uns Darling Buds. O álbum é um concentrado de intensidade, com exemplos de boas canções e sugestões claras de uma obra em busca de uma linguagem, sob vontade de cumprir nos factos as promessas que lhes têm sido prometidas na imprensa...
Asobi Seksu
“Circus”

One Little Indian / Compact
3/5
Para ouvir: MySpace


A história da música popular está cheia de exemplos que nos mostram que, muitas vezes, a soma das partes não iguala nunca o todo. Ou seja, frequentes são os casos de carreiras a solo que nunca se aproximam da obra que os mesmos músicos registaram nas bandas a que pertenciam (ou ainda pertencem). E o caso de Frank Black não deixa quaisquer dúvidas. Em inícios de 90, depois do relativamente menor (mas ainda interessante) Trompe Le Monde, os Pixies seguiram caminhos separados. E durante dois álbuns (os mais cativantes da sua vida de 15 anos a solo), Frank Black pouco mais foi que o herdeiro directo e natural de Black Francis... E muita da dinâmica na escrita e pujança performativa dos Pixies ainda morou naqueles dois álbuns. Com o tempo, Frank Black desviou as suas atenções para um rock menos urgente e mais clássico. E nos últimos anos, sedeado em Memphis, começou entretanto a desenvolver uma demanda cuidada como cantautor (que ainda não gerou um álbum ao nível do que já fez por outros caminhos). Nos últimos anos, na verdade, temo-lo visto (e escutado) mais em concertos de revisitação da memória dos Pixies. Talvez esse arrumar de ideias tenha motivado igual vontade de revisão de matéria dada a solo. E assim podemos imaginar uma justificação para uma antologia que, na verdade, não tem muito para contar, além de uma sucessão cronológica de eventos que, salvo em pontuais momentos, não teriam motivado grande interesse não fosse o facto do seu autor ser o vocalista dos Pixies. Aqui estão reunidos dez anos de memórias, as mais interessantes captadas em Frank Black e Teenager Of The Year. Como bónus, para coleccionadores e admiradores, um CD extra com registos ao vivo.
Frank Black
“93-03”

Cooking Vinyl / Edel
2/5
Para ouvir: MySpace


O único projecto “sobrevivente” da primeira geração de bandas do catálogo da mítica Factory Records continua activo e soma já mais de vinte álbuns de originais, numa carreira de versatilidade evidente, que passou já por diversos caminhos e comprimentos de onda. Em 2007, os Durutti Column apresentam Idiot Savants, um ciclo de oito longos temas através do qual se estabelecem pontes entre a genética para voz e guitarra que Vini Riley tornou medula da sua existência desde a sua estreia em 1980 e uma série de novos estímulos, nomeadamente uma vontade em explorar um sentido mais longo e lento de progressão na construção das canções, assim como um desejo em fazer do presente uma marca clara na vida de mais um disco dos Durutti Column. É certo que há já muito que não vemos em Vini Riley um autor determinante para a invenção do presente (e mais além) como o foi nos dias em que editou álbuns como The Return Of The Durutti Column, LC ou Circuses and Bread (isto sem esquecer o espantoso Amigos Em Portugal, que finalmente teve reedição em CD há dois anos. Longe vai também já Fidelity (2001), o mais recente dos seus álbuns com impacte acima do culto de seguidores que o acompanha há quase 30 anos. Mas a verdade é que nos últimos anos, mesmo sem a exposição de outrora, Vini Riley tem mantido uma actividade regular, tanto na edição como na capacidade de manter viva e minimamente reinventada uma linguagem musical cuja patente é sua. Idiot Savants é talvez o seu melhor disco desde Fidelity, mostrando como é possível citar memórias pós-punk sem cair nos lugares comuns que fazem a ordem do dia nesse rentável filão do momento. Melancolia com alma própria, guitarras vivas e uma voz sempre desencantada, num disco que não envergonha uma carreira que já foi mais determinante. Mas que ainda não terminou e parece ter que contar...
Durutti Column
“Idiot Savants”

Artful
3/5
Para saber mais: Site oficial


Também esta semana:
Pink Floyd (Piper At The Gates of Dawn – caixa), Super Furry Animals, Luke Vibert, VHS or Beta, Procol Harum (best of), Ringo Starr (best of)

Brevemente:
3 de Setembro: Hard Fi, Blue States, Luke Vibert, They Might Be Giants, Joseph Arthur, Elvis Presley (reedições)
10 de Setembro: Animal Collective, Go! Team, Siouxsie Sioux, R Villalobos, Gravenhurst, Dot Allison, Kanye West, Sgt Pepperes (Tributo)
17 de Setembro: Thurston Moore, Edwin Collins, The Grid, Lou Rhodes, Murcof, Simon & Garfunkel (Live 1969). Manu Chao, Turin Brakes, David Bowie (reedição), Dead Or Alive (reedição), Debbie Harry
24 de Setembro: PJ Harvey, Devendra Banhart, Ian Brown, Múm, Pet Shop Boys, Scott Walker, Joni Mitchell,

Setembro: Lambchop, Mazgani, Joe Henry, Broken Social Scene, Siouxsie, U2 (DVD), Gorky’s Zygotic Mynci, Frank Black, Jona Lewie (reedição), Squeeze (reedições), Jose Gonzales, Iron & Wine
Outubro: Clã, David Fonseca, Madonna, Robert Wyatt, Junior Boys, Teddy Thompson, Sex Pistols (caixa de singles), Bob Dylan (best of), Annie Lennox, Dave Gahan, Bruce Springsteen, Beirut, Cloud Room, Fiery Furnaces, Underworld, Roisin Murphy, Lilac Time, Efterklang, Underworld, Mick Jagger (best of), Felix da Housecat
Datas retiradas de catálogos de editoras e lojas, contudo sujeitas a alterações
Novembro: Duran Duran, Sigur Rós, Sex Pistols (singles)


Datas retiradas de catálogos de editoras e lojas, contudo sujeitas a alterações

domingo, agosto 26, 2007

Esboços de personalidade

Ano Bowie – 61
‘David Bowie’ – Álbum, 1967



A mudança desejada depois de uma sucessão de seis ineficazes singles editados entre 1964 e 66 chegou só depois do fracasso do terceiro dos 45 rotações editados em 1966 pela PYE. O álbum de estreia, David Bowie, lançado sob novo acordo com a Dearm, selo associado à Decca, editado em 1967, pode ter sido mais um aparente tiro em falso, incapaz de chamar a atenção de um público comprador de discos. Mas, interessante híbrido de tradições do teatro musical e temperos psicadélicos, definiu a descoberta e assimilação de genéticas exteriores ao rock’n’roll que acabariam por afirmar a diferença e invulgar abertura de Bowie a outros estímulos. Canções como Love You Till Tuesday, When I Live My Dream ou Rubber Band, ou mesmo o “embaraçoso” The Laughing Gnome (exterior ao alinhamento do álbum, editado como single em Abril de 1967), mostram um Bowie centrado numa firme demanda pessoal, egocentrado, mutante, cenograficamente inteligente, e já capaz de dominar a escrita de canções. O sucesso, curiosamente, chegaria mais tarde, com nova gravação de Space Oddity, um tema que nasce por alturas do primeiro álbum e que chega a conhecer primeira visibilidade no filme Love You Till Tuesday, que o manager Ken Pitt engendra como estratégia promocional. À distância de 40 anos, muitas são as opiniões que defendem que só o desinteresse da Deram em promover o disco justificou o seu fracasso comercial. Elogiado pela crítica, nascia, apesar das aparentes diferenças à superfície dos sons, num tempo em que o mundo da pop inglesa descobria pequenas canções de personalidade narrativa. O ecletismo musical revelado pelo álbum, cruzando heranças folk com cenografias colhidas no vaudeville e um sentido de composição de espaço não estranho aos dias do psicadelismo, é finalmente reconhecido como uma marca de personalidade em busca de um espaço próprio. Curiosamente, David Bowie é hoje o tesouro maior do catálogo de reedições da extinta editora que então o quase ignorou.

sábado, agosto 25, 2007

Uma obra colossal

Apesar de ser hoje cidadão islandês, Vladimir Ashkenzay é um dos grandes músicos russos da sua geração. Primeiro como pianista, mais tarde também como maestro, ganhou notoriedade sobretudo através de interpretações de obras de grandes compositores russos. Como pianista gravou os 24 Prerlúdios e Fugas de Shostakovitch, as sonatas de Scriabin, a integral de piano de Rcahmaninoff ou os concertos para piano de Prokofiev. Tudo isto ao longo de uma carreira que também dele fez grande intérprete de Chopin, Schumann, Beethoven, Mozart ou Bartók. Algumas das suas gravações mais célebres (para o catálogo da Decca) foram recentemente reunidas numa caixa de 8 CD que celebra o seu 70º aniversário, que se assinalou no passado mês de Julho. Como maestro, registou, entre muitas obras, peças de Sibelius, Rachmaninoff ou Scriabin. Foi maestro da Royal Philarmonic Orchestra de 1987 a 1994, da Filarmónica Checa de 1998 a 2003 e, desde 2004, està à frente da NHK Symphony Orchrestra, de Tóquio. Segue-se a Sydney Symphony, que passará a dirigir a partir de Janeiro de 2009. Foi com a orquestra japonesa que concluiu, já este ano, um velho sonho seu, iniciado há precisamente 20 anos: a gravação da integral das sinfonias de Shostakovitch, que deu origem a uma outra edição integrada na comemoração do seu 70º aniversário.

Shostakovich: The Symphonies é uma caixa de 12 CD na qual não só encontramos as 15 sinfonias do compositor cujo centenário se celebrou em finais do ano passado, como uma série de outras obras para orquestra (entre as quais o magistral ciclo de canções A Canção da Floresta) e o Querteto de Cordas Nº 8. É um trabalho de grande fôlego, recuperando uma série de gravações já editadas, incluindo contudo registos inéditos das sinfonias número 4, 13 e 14. Ashkenzay dirige não só a NHK Symphony Orchestra, como a Royal Philarmonic Orchestra e a Orquestra Filarmónica de S. Petesburgo, das três conseguindo fazer um corpo comum que, nestes discos, relata a mais espantosa obra sinfónica integralmente criada no século XX (parte da obra sinfónica de Mahler data do século XIX). Tendo vivido parte significativa da sua carreira sob a opressão estalinista, e resolvido da forma possível alguns casos de confronto com as regras “artísticas” decretadas pelo poder, Shostakovitch não deixou nunca de levar à sua música uma intensidade vivencial, ocasionalmente retratista, que conheceu particular fulgor nas sinfonias que datam dos dias em que viveu, como tantos russos, a invasão alemã por alturas da II Guerra Mundial, assim como as que mais tarde escreveu para recordar os massacres de 1905 (Sinfonia Nº 11, de 1957 ou o massacre nazi em Babi Yar, na Ucrânia (Sinfonia Nº 13, de 1962, contando com poemas cantados de Yevegny Yevtushenko). Destaca-se nesta caixa a soberba gravação da célebre Sinfonia Nº 7 – Leninegrado (de 1941), cuja interpretação aqui traduz a tensão e medo de uma cidade sob cerco. Igualmente pungente é a Sinfonia Nº 8 (de 1943), sombria, reflectindo o pessimismo que invadira o compositor em tempo de guerra. Contudo, mais que um reflexo de uma vida sob invasão alemã, a sinfonia não é mais que uma tradução em música de um sentimento de revolta contra as purgas estalinistas dos anos 30, o que só se confirmaria depois da morte do compositor, em cujas memórias publicadas postumamente se referia às sinfonias nº 7 e 8 como o seu requiem, pelos que morreram na guerra e às mãos de Estaline.

Eduardo Prado Coelho (1944 - 2007)

Foto Daniel Rocha / PÚBLICO

Quando penso em Eduardo Prado Coelho, lembro-me sempre do período (1975-76) em que ele foi Director Geral da Acção Cultural, com gabinete no Palácio Foz, nos Restauradores. O meu amigo Camacho Costa (1946-2003) e eu visitávamo-lo com frequência, por vezes apenas pelo impulso de "vamos ver o Eduardo". E lembro-me, sobretudo, do impensável que era o modo como o podíamos visitar. Ou seja: entrávamos no palácio, saudávamos as secretárias, abríamos a porta do gabinete e... estávamos com o Eduardo. Sem protocolos, sem cartões, sem barreiras de segurança — era assim a gestão da área cultural. Dessa insensatez logística guardo o sabor de uma utopia política que, com maior ou menor inocência, todos partilhámos. Obviamente, não era possível continuar a viver assim. Em termos pessoais, nas décadas seguintes, foram mais os factos e os gestos que nos separaram do que as cumplicidades que nos aproximaram. Em todo o caso, poder visitar informalmente o director-geral da Acção Cultural foi um dos privilégios que, para mim, justificam que tenha havido 25 de Abril.

A esquiva

A linguagem do poder ou a linguagem terrorista (que entre nós é generosamente praticada por alguns grupos que julgam situar-se na extrema-esquerda, segundo uma topologia mais paranóica que política) são linguagens de repetição, em que predominam o estereótipo e a mais inquietante seriedade; essas linguagens afastam a fruição, recalcam o inconsciente, recusam a textualidade. O texto é sempre algo que procura esquivar-se à redes da economia de troca, afirmando-se pela sua inutilidade, pela sua significância irredutível a qualquer significado, pela sua perversão desviada de qualquer mística criadora — mesmo que o texto saiba que a sua inutilidade acaba sempre por ser recuperada.

Eduardo Prado Coelho
(do prefácio a "O Prazer do Texto", de Roland Barthes
Edições 70, 1974)

sexta-feira, agosto 24, 2007

Joy Division: reedições com extras

A contagem decrescente para a chegada às salas do filme Control, de Anton Corbijn (estreia nacional marcada para 11 de Outubro) vai ser ser assinalada com uma série de reedições de discos dos Joy Division. Os seus três álbuns oficiais vão ser reeditados, cada qual com um CD com faixas extra gravadas ao vivo. Unknown Pleasures acrescentará ao seu alinhamento temas gravados num dos primeiros concertos do grupo no Factory Club, em Manchester, assim como um excerto de uma actuação em West Hampstead. Closer junta às suas canções uma actualção no ULU (Londres). E Still surge acompanhado por temas captados em High Wycombe, tanto durante o concerto como no soudckeck... O single Love Will Tear Us Apart será também reeditado. Todos os lançamentos estão agendados para 24 de Setembro.

Um acaso feliz

Pela semântica, um grupo que reúna nomes como o ex-Beatle George Harrison, Bob Dylan, Roy Orbison, Tom Petty e Jeff Lynne (ex-Electric Light Otchestra) só pode mesmo ser... um super-grupo! Porém, a história da banda que juntou estes cinco distintos cavalheiros em finais da década de 80 passou longe dos pensamentos estratégicos que habitualmente definem reuniões deste calibre. Foi um acaso. Um feliz acaso. E do qual nasceu aquele que foi o melhor disco que muitos destes músicos gravaram durante a década de 80, todos eles tendo então vivido uma verdadeira (e difícil) travessia do deserto em tempo menos favorável a veteranos de 60 e 70.
Tudo começou quando George Harrison foi convidado pela sua editora a gravar um inédito para o lado B do single This Is Love. Com Jeff Lynne, que produzira o álbum Cloud Nine, passou por casa de Tom Petty onde deixara a guitarra esquecida na véspera. Depois de um almoço com Roy Orbison, acabaram todos por rumar a um pequeno estúdio em casa de Bob Dylan, em Santa Monica (na Califórnia). Da sessão, colectiva, surgiu o tema Handle With Care, que pouco depois Harrison fazia chegar aos escritórios da editora. Felizmente por lá havia gente com ouvidos para a música, tendo então pedido a Harrison que não “desperdiçasse” semelhante pérola num lado B... Desafiando-o, e aos seus parceiros de gravação, a criar um álbum.

Deste acaso nasceram assim os Traveling Wilburys. E, num esforço de colaboração fulminante, o álbum com o qual se apresentaram pouco depois, gravado em apenas dez dias, porque Dylan tinha uma digressão à porta e não podia faltar aos seus compromissos. O disco, Traveling Wilburys – Vol. 1 (lançado em 1988) revela a atmosfera de satisfação e partilha vivida naqueles dez dias num estúdio caseiro. É um disco que parte das fundações do rock’n’roll e da música country, inventando uma pop adulta, melodista, na qual moram marcas das personalidades dos cinco protagoinistas, todavia visível sendo a humildade com que cada um se apresenta frente aos parceiros. O álbum é um dos mais interessantes esforços de reinvenção das genéticas da country (e seus afluentes) numa década de 80 que estava ainda longe de adivinhar a revolução alt.country que, anos depois, deste espaço faria terreno novamente apetitoso para os gostos de novas gerações de ouvintes.
A morte de Roy Orbison, pouco depois de editado o álbum, assombrou por instantes um projecto que brotara semanas antes, em saudável clima de camaradagem pop. Orbison seria homenageado pelos amigos não só no teledisco de End Of The Line, como num segundo álbum, curiosamente intitulado Traveling Wilburys – Vol. 3 (mais centrado em memórias primordiais do rock’n’roll, mas musicalmente menos estimulante), editado em 1990. A não existência de um volume 2 nunca foi oficialmente assumida, mas pode ser atribuída ou ao facto de ter havido um bootleg, com maquetes e ensaios, a circular por esses tempos, apresentado como vol 2. Há, também, quem defenda que, pelo facto do álbum entretanto gravado por Tom Petty ter contado com os membros do colectivo, o tenham considerado como segundo volume... Todavia, nunca houve uma posição oficial sobre o assunto.
O disco agora editado reúne os dois álbuns, temas inéditos (concluídos sob auxílio de Dahni, filho de Harrison) e um DVD com um documentário e cinco telediscos. Ou seja, o relato integral da história deste feliz acaso. Para recordar, juntamos o teledisco de Handle With Care, o single que apresentou publicamente este colectivo, em 1988.



PS. Texto publicado com o título "História de um acaso", na revista NS

Mudar de vida?

Chegou ao DVD, no mercado nacional, o primeiro filme de Nicholas Cage como realizador, Sonny (de 2002) mostra como por vezes, mesmo que muito se deseje, não é fácil mudar de vida. Nova Orleães, 1981. Sonny Philips (James Franco) tem 26 anos e, cumprido o serviço militar, regressa à casa da mãe (Brenda Blethyn), decidido a fugir ao modo de vida que esta lhe ensinou: a prostituição. Tenta outros empregos, mas o dinheiro de antigas clientes e o estigma que sobre ele se parece ter abatido entre a comunidade dá-lhe, progressivamente a certeza de uma quase inexistência de alternativas, o que acaba por levá-lo ao que mais queria evitar. A esta demanda frustrada de nova vida, junta-se um complexo enredo familiar, da difícil vivência sob uma mãe dominadora, um velho hóspede, ladrão de rua, que o trata como filho (Harry Dean Stanton) e um esboço de romance com uma jovem (Mena Suvari), igualmente ao serviço da “casa”. Sem procurar aqui uma qualquer mensagem moral, apenas retratando lugares e vidas com pungente sentido de realismo, Sonny olha de frente para espaços e personagens que muitos habitualmente preferem não encarar. Enfrenta o outro lado do prazer, a forma como se estabelecem diferentes tipos de relacionamento com clientes, num destino que nunca parece deixar de ter a forma de um beco sem saída. E que Nicholas Cage (ajudado pelo argumento de John Carlan) resolve da melhor maneira na sequência final. Edição integrada na série Inéditos, da Atalanta, sem extras.

quinta-feira, agosto 23, 2007

A IMAGEM: Larry Clark, 1963

Larry Clark
Sem título (1963)

Televisão de luxo

Texto publicado na revista de televisão do Diário de Notícias (27 de Julho), com o título 'Uma série de ouro (e erva)' >>> É sempre compensador descobrir que a ficção televisiva não tem que se acomodar à preguiça técnica e criativa das novelas. E tanto mais quanto vivemos num país em que os canais generalistas mantêm opções de programação que resistem a qualquer hipótese de diversificação, relegando quase tudo o que escape à norma “telenovelesca” para horários mais ou menos impossíveis para o comum dos cidadãos.
Desta vez, a surpresa, ou melhor, a confirmação vem de Weeds, série norte-americana de episódios de 30 minutos, lançada pela RTP2 com o título Erva (segunda-feira, 22h40). Criada pela argumentista e produtora Jenji Kohan, Erva possui a eficácia de uma naturalidade que se cruza com o insólito. Afinal de contas, a protagonista é uma mulher que enviuvou relativamente jovem e que, para sustentar a família, começa a comercializar marijuana...
Não encontramos, aqui, nenhum sublinhado “sociológico” que reduza personagens e situações a índices abstractos das transformações de usos e costumes. Tal resulta de dois princípios fundamentais: em primeiro lugar, o de recusar a hipocrisia de qualquer descrição moralista das relações sociais num contexto tão particular como podem ser os subúrbios mais ricos de Los Angeles: depois, o de fazer viver (e valer) cada personagem para além de qualquer estereótipo, seja ele familiar ou profissional. Para além da excelência da escrita de argumento (e diálogos), estamos perante um fabuloso leque de actores liderado pela subtil, paradoxal e desconcertante Mary Louise Parker, uma daqueles excelentes secundárias americanas (recordemo-la, por exemplo, em Grand Canyon, de Lawrence Kasdan) a quem faltava uma oportunidade de ouro como esta.
Fica uma dúvida prática: que terá levado a RTP2 a programar sucessivamente dois episódios, para mais com uma ligação abrupta e desagradável, amputando os genéricos (aliás, no seu site oficial, a RTP2 anunciava a transmissão de um único episódio)? De facto, e apesar da generalização do consumo deste tipo de produtos em DVD, não parece haver nenhuma razão pertinente para “dilatar” o tempo de emissão de uma série concebida para ser vista, semana a semana, em episódios de meia hora. Seja como for, Weeds/Erva pertence à galeria de luxo da melhor ficção televisiva.

"Serious Rebel"

Ano Bowie – 60
“Rebel Rebel” – Serious Moonlight Tour, 1983


Camaleão? Sim, mas também através da permanência de muitas referências pessoais. Ou melhor: do constante cruzamento — leia-se: mútuo enriquecimento — de passado e presente, imagens originais e imagens reconvertidas. Assim, por exemplo, Rebel Rebel, tema emblemático do álbum Diamond Dogs (1974), com a sua inesquecível capa desenhada por Guy Peellaert — podemos reencontrá-lo, quase dez anos depois, num dos momentos emblemáticos da Serious Moonlight Tour. O look vem do álbum de 1983, Let's Dance, e o registo do concerto tem a assinatura de David Mallet.

Sombras e luz

Mais uma voz da Suécia com ordem para ser escutada globalmente. Chama-se Frida Hyvönen e acaba de ver lançado entre nós o seu álbum de estreia Until Death Comes. Uma voz inspiradora, algures entre as heranças de Joni Mitchell e as mais recentes sugestões de Regina Spektor... Para aperitivo, aqui fica The Modern.

Para reencontrar a ficção científica (12)

Ray Bradbury
(n. 1920)

Apesar de não se considerar um autor de um género específico, Ray Douglas Bardbury assinou vários romances, contos e argumentos de ficção científica, entre os quais o fundamental Farenheit 451 (de 1951), romance que constitui com o 1984 de Orwell e o Admirável Mundo Novo de Huxley a santíssima trindade das distopias mais sombrias e repressivas que a literatura ofereceu ao mundo em meados do século XX.

Nascido em Waukegan, no Illinois (EUA) a 22 de Agosto de 1920, começou por publicar contos de ficção científica em 1938, vendendo uma primeira história à Super Science Stories em 1941. Alguns dos seus romances não são mais que colecções de contos em volta de um conjunto de personagens, um lugar ou uma ideia, um dos mais notáveis exemplos desta lógica de construção podendo ler-se no fundamental Crónicas Marcianas (1950), uma das mais imaginativas entre as narrativas de ficção alguma vez criadas com cenário em Marte.
Muitos dos seus contos e romances foram adaptados ao cinema e televisão. A sua primeira experiência nos grandes ecrãs data de 1953 com It Came From Outer Space, de Jack Arnold, filme criado a partir do conto The Meteor, seguindo-se, três meses depois, The Beast From 20.000 Fathoms, de Eugène Lourié, baseado em The Fog Horn. A mais famosa adaptação ao cinema de uma obra de Bradbury deve-se a François Truffaut, sobre Farenheit 451 (uma nova adaptação, por Frank Darabont, está em pré-produção). O escritor assinou ele mesmo uma série de argumentos para televisão e cinema, entre os seus trabalhos contando-se importantes colaborações com Ray Harryhousen (mestre de efeitos stop-motion nos anos 50), e textos para episódios de séries como Twilight Zone, ou Alfred Hitchcock Presents.
Em 2004 Bradbury entrou em choque com Michael Moore, quando este último usou o título Farenheit 9/11 para o seu documentário anti-Bush. Numa entrevista, chegou a chamar “um ser humano horrível” ao realizador, sublinhando que a sua crítica não se devia a questões políticas. No mesmo ano, o escritor foi condecorado por George W Bush com a National Medal of Arts


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Alguns títulos fundamentais:
1947. Dark Carnival
1950. Crónicas Marcianas (Europa América, 2002)
1953. Farenheit 451 (Europa América, 2002)
1957. A Cidade Fantástica (Caminho, 1986)
1969. Cântico À Humanidade (contos) (Europa América, 2003)

Neil e Brian

Mysterious Skin é a história de Neil (Joseph Gordon-Levitt) e Brian (Brady Corbet), dois jovens unidos por uma experiência sexual, profundamente traumática, vivida aos 8 anos de idade. Daí a definir o filme de Gregg Araki como um "filme-sobre-a-pedofilia" vai um passo ao qual, creio, importa resistir. Não porque nele se simplifique ou banalize a dor imensa das suas personagens principais (bem pelo contrário, aliás). Antes porque não se trata de elaborar um discurso determinista capaz de encaixar na lógica moralista de um qualquer telejornal — trata-se, isso sim, de filmar os laços enigmáticos do amor sem desviar a cara (e as imagens) do sofrimento que uma história pessoal pode conter. Seria uma pena, acima de tudo, que Mysterious Skin fosse anulado por visões mais ou menos panfletárias (pró ou contra), já que estamos perante um surpreendente realismo lírico, apaixonado pela vida e pela enigmática multiplicidade do(s) desejo(s). Em tempos de tantas campanhas agressivas de alguns blockbusters mais ou menos anedóticos, esta é, muito simplesmente, uma das grandes estreias do Verão.

* Entrevista com Gregg Araki (ABC).

quarta-feira, agosto 22, 2007

Novo disco de Scott Walker

Um novo disco de Scott Walker deverá chegar aos escaparates no mês de Setembro. Trata-se de And Who Shall Go To The Ball? And Who Shall Go To The Ball? e é uma peça instrumental em quatro andamentos, com duração aproximada de 25 minutos. A obra foi uma encomenda do South Bank Centre para uma coreografia de Rafael Bonachela, entretanto apresentada em algumas salas inglesas. O disco, que corresponde à segunda edição do músico pela 4AD surgirá numa edição limitada com packaging de luxo que, depois de esgotada, não mais será impressa.

Entretanto está já anunciada para 10 de Setembro a edição (para já no Reino Unido), do DVD com o excelente documentário Scott Walker - 30 Century Man. Estreado na secção Panorama da edição deste ano da Berlinale, o filme aproveita a autorização dada pelo músico para que se registassem as sessões de gravação do seu mais recente álbum, The Drift, para delas fezer o tutano de uma história que recorda a sua vida musical desde os anos 50, revelando como se é possível começar uma carreira como teen star e acabar... algo completamente diferente. Entrevistas com figuras como David Bowie, Jarvis Cocker ou Damon Albarn ajudam a completar o retrato de um dos mais admirados criadores musicais do nosso tempo.
Ao mercado poeruguês chegou, entretanto, a edição em DVD do filme Pola X, de Leos Carax (1999), cuja banda sonora é um das mais belas criações musicais de Scott Walker.

A distopia a quem a trabalha!

Ano Bowie – 59
“Diamond Dogs” – Álbum, 1974



Em finais de 1973 Bowie começou a desenvolver dois projectos para musicais de palco que acabaram por nunca se concretizar. Um deles era uma versão longa da história de Ziggy Stardust, abandonada depois por se pensar ser um passo errado para trás. O outro, uma adaptação do romance 1984, de George Orwell, cuja realização acabou impedida pela não cedência de direitos por parte da viúva do escritor. Entusiasmado pelas ideias que entretanto havia desenvolvido, Bowie acabou por criar a sua visão distópica de uma outra cidade projectada no futuro, na qual uma série de referências americanas foram por si incluídas. Esta cidade de sombras, tensão e desilusão acabaria por ser o cenário no qual projectou as canções de Diamond Dogs, álbum que assinala franca vontade de partir para lá dos domínios estilísticos associados ao glam rock (esgotados por si em Aladdin Sane e, entretanto, feitos moda descartável por inúmeras novas bandas oportunistas), experimentando um sentido dramático que teria evidentes herdeiros, mais tarde, entre os partidários do rock gótico. Na verdade, apenas Rebel Rebel permite estabelecer uma ponte com o passado imediato em Bowie (esta, contudo, foi uma das duas canções que “salvou” do musical dedicado a Ziggy entretanto cancelado, daí a adinidade). Apesar de projectado num futuro eventual, o álbum representa uma visão crítica da vida urbana dos anos 60 e 70. Bowie chegou a descreve-lo como uma visão muito inglesa de um sentido de vida apocalíptico e reconheceu que entre as canções residiam marcas de incidentes da vida financeira na Nova Iorque de então. O disco enfrenta, ainda, pela primeira vez na escrita de Bowie, referências concretas ao consumo de drogas. Musicalmente é um disco de reinvenção de ideias, e revelador de sinais de atenção de Bowie para com as outras músicas do seu tempo. 1984, canção criada antes das demais composições, revelava um interesse pelo emergente fenómeno disco (e não esconde uma certa proximidade, na arquitectura rítmica, com o tema para o filme Shaft, recentemente gravada por Isaac Haayes. Liricamente reflecte o início de uma relação fragmentária com a escrita, em parte influenciada pela descoberta de técnicas usadas por William S. Burroughs, que Bowie tinha entrevistado para a Rolling Stone um ano antes. Apesar de ter dividido a crítica na altura, hoje é considerado um dos mais importantes álbuns na discografia de Bowie.

terça-feira, agosto 21, 2007

Mick Jagger no seu melhor

Foi assim que tudo começou: em Fevereiro de 1985 surgia She's the Boss, primeiro álbum a solo de Mick Jagger. Havia Rolling Stones para trás e continuou a haver Rolling Stones para a frente — continuou, continua... O certo é que Jagger nunca deixou de gravar em seu nome, gerando mais três álbuns: Primitive Cool (1987), Wandering Spirit (1993) e Goddess in the Doorway (2001). São outras tantas etapas de uma carreira brilhante, se é que se pode chamar "carreira" a estes desvios do caminho heróico dos Stones.
Agora, é altura de olhar para trás e reorganizar memórias. Ou seja: a 1 de Outubro estará disponível The Very Best of Mick Jagger, álbum de 17 temas, alinhados da contagiante vibração de God Gave Me Everything (de Godess...) até ao desencanto irónico dessa pequena pérola musical e poética que dá pelo nome de Evening Gown (de Wandering...). Pelo meio surgirão três inéditos e algumas colaborações dispersas, incluindo esta, lendária, com David Bowie, recriando o mítico Dancing in the Street, originalmente gravado por Martha and the Vandellas, em 1964 — o teledisco, com assinatura de David Mallet, foi estreado no Live Aid, a 13 de Julho de 1985.

Dylan + Dylan + Dylan...

Há poucas semanas surgiu no YouTube um primeiro fragmento do muito aguardado filme de Todd Haynes, I'm Not There, sobre Bob Dylan. Nele podíamos ver Cate Blanchett no "papel" de Dylan (Christian Bale, Richard Gere e Heath Ledger são alguns dos outros actores que "interpretam" Dylan). Entretanto, já há um trailer disponível no site espanhol ou no endereço da produtora, The Weinstein Company. O filme estará no Festival de Veneza e tem estreia americana agendada para o mês de Novembro. Para já, não consta das listas dos distribuidores portugueses.
O cartaz de I'm Not There é uma subtil evocação da iconografia fílmica de Subterranean Homesick Blues, tal como ficou registado nas imagens do clássico Don't Look Back (1967), de D. A. Pennebaker — aqui lembramos essas imagens.

Novo 'Disco' dos Pet Shop Boys

A 24 de Setembro os Pet Shop Boys editam Disco 4, quarto volume de uma série de antologias de remisturas que lançam com alguma regularidade desde 1986. Ao contrário de Disco (1986), Disco 2 (1994) e Disco 3 (2003), que essencialmente recolhiam remisturas por outros músicos e DJs de temas dos Pet Shop Boys, este quarto volume centra-se essencialmente no trabalho de remistura seus para temas de terceiros, nomeadamente Madonna (com Sorry), The Killers (Read My Mind), Yoko Ono (Walking On Thin Ice), Atomizer (Hooked on Radiation) ou os Rammstein (Mein Teil). O disco inclui ainda a versão longa da colaboração com Bowie em 1996 em Hallo Spaceboy, uma remistura recente de I'm With Stupid e uma nova de Integral. Esta será acompanhada brevemente por um teledisco que, segundo revelam no site oficial, terá "cariz político". O teledisco será apresentado dentro de dias no site oficial dos Pet Shop Boys e no YouTube.

Em grande plano

Monica Vitti, O Eclipse (1962)

Texto publicado no Diário de Notícias (19 de Agosto), com o título 'Quando o fute-bol marginaliza o cinema' >>> Repensando nas reacções mediáticas às mortes dos cineastas Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, ambas a 30 de Julho, continuo a não conseguir esquecer-me da notícia que, no dia seguinte, ouvi numa rádio (RFM), identificando Antonioni como um cineasta “neo-realista”.
Quem escreveu a notícia, quem a leu, quem a avalizou como texto editorialmente correcto... nada disso me interessa. Nem sequer me custa admitir todos os possíveis erros humanos. O que me espanta é que semelhante (des)informação, passando necessariamente por diversos olhares, acabe por ser tornada pública, bloqueando a mais simples e pedagógica relação com a história do cinema.
De facto, se há maneira de aceder à importância histórica de Antonioni é, justamente, evocando o seu empenho em ultrapassar as matrizes dramáticas e os valores morais herdados do neo-realismo (como se pode perceber a partir desse título emblemático de 1957 que é O Grito). Aliás, mesmo tendo em conta que Antonioni começa a filmar ainda marcado pela conjuntura neo-realista, como esquecer que o neo-realismo se decompõe ao longo da década de 50? Mais do que isso: como colar tal rótulo a um autor que, depois disso, trabalhou durante mais meio século?
O episódio reduz-se a uma triste dimensão anedótica. Infelizmente, há nele um valor sintomático que, uma vez mais, importa referir: continuamos a assistir à militante banalização do cinema como fenómeno específico, com uma história própria e um património insubstituível. Os principais agentes de tais fenómenos são as televisões generalistas. Através de duas directrizes fundamentais: primeiro, os privilégios concedidos a formas de ficção “telenovelescas”; segundo, os horários marginais da maior parte dos filmes.
Um dos sinais mais reveladores de tal situação é a indiferença pelas imagens cinematográficas. Assim, por exemplo, podem gastar-se longuíssimos minutos com as análises de um lance de futebol, mostrando, repetindo e voltando a repetir imagens que são consideradas pertinentes para a (boa) informação dos espectadores. Mas nunca, por princípio, se pega numa imagem cinematográfica para atentar na sua riqueza ou complexidade.
Aliás, não deixa de ser curioso que as televisões façam com o futebol precisamente aquilo de que acusam os intelectuais. Ou seja: olhar para uma imagem, contemplá-la, demorar tempo com ela, tentar perceber os significados e significações que a atravessam. Sem qualquer ambiguidade, importa dizer que, hoje em dia, televisivamente, só o futebol é tratado de forma intelectual. Ainda bem: pelo menos pensa-se sobre alguma coisa...
Por mim, como espectador, gostaria que se tivesse dito alguma coisa, por exemplo, sobre o valor dos grandes planos em Bergman e Antonioni. A noção de que o grande plano é um elemento de linguagem próprio das televisões é um desses lugares-comuns que roça a impostura estética. Teria sido preciso alguma disponibilidade para rever os grandes planos dos actores de Bergman e Antonioni e, acima de tudo, o seu revolucionário valor figurativo e dramatúrgico.
Este é Bertil Guve, em Fanny e Alexandre (1982), de Ingmar Bergman: acontecem mais coisas neste grande plano do que num dia inteiro de telenovelas.

Bertil Guve, Fanny e Alexandre (1982)

segunda-feira, agosto 20, 2007

Discos da semana, 20 de Agosto

Dois motivos podem justificar a expectativa que aguardava a chegada da banda sonora de Hallam Foe, filme de David McKenzie, apresentado este ano na Berlinale e que, finalmente, começa a chegar ao circuito comercial. Um deles, o facto de se saber que seria um álbum feito da recolha de canções em discos editados pela mui distinta independente britânica Domino Records. Mas mais que este, o segundo motivo bastaria por si, já que a notícia da inclusão de um inédito dos Franz Ferdinand (a única nova gravação deste disco) no alinhamento justifica a curiosidade. Curiosidade, podemos dizer agora, compensada, já que em Hallam Foe Dandelion Blow encontramos uma soberba canção essencialmente feita de tranquilidade melodista e teclados analógicos, antecipando o que parece poder ser o caminho de mais teclas e menos guitarras que estão a tomar rumo ao seu terceiro (e muito esperado álbum). O aperitivo dos Franz Ferdinand deixará satisfeito quem entrar no disco directamente pela faixa número 9. Mas há mais motivos para (re)descobertas numa compilação que, sem ser exactamente um best of da Domino, oferece um olhar representativo pelo catálogo da editora, sublinhando a sua política de opções editoriais que não só prima pela diversidade como por um irrepreensível sentido de bom gosto em função de cada caminho escutado. Não serão surpresa as colheitas feitas nos baús de bandas como os Clinic, Junior Boys, Sons & Daughters. Sabe sempre bem voltar a ouvir os Orange Juice. Juana Molina é sempre bem-vinda... Mas o grande protagonismo da selecção passa, curiosamente, por nomes menos expostos (sobretudo Psapp, U.N.P.O.L., Hood, Bill Wells Trio, Movietone). Da folk à pop electrónica, sons bem seleccionados de uma editora, que agora são elegante cenário de filme.
Vários
“Hallam Foe – Original Soundtrack”

Domino Records / Edel
3/5
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Nos últimos anos a redescoberta da folk como genética capaz de estimular a criação de novas realidades tem-nos proposto um vasto espectro de linguagens, das mais próximas dos cânones clássicos a episódios de recontextualização de velhas referências em novas formas. É neste último extremo do espectro que podemos entender a estreia do projecto Thief, na verdade não mais que uma manifestação a solo de dois elementos do colectivo Jazzanova (Stefan Leisering e Alex Reinemer), aos quais aqui se junta a voz de Sascha Gottschalk. O autocolante na capa indicia o som que o disco guarda... indie-folk. Pois seja... Mas na verdade a ideia vai um pouco mais além... A folk, pelo melodismo acolhido, pela placidez sugerida (mesmo sob ocasional surto festivo), pela clara adopção de estruturas de canção, é o ponto de partida que levanta a curiosidade (a dos músicos, a nossa também). Depois, o savoir faire de quem lida com as novas electrónicas e ferramentas digitais e, ocasionalmente, o discreto tempero jazzy (que trazem de outras vivências que nos são já familiares), determinam pequenas viagens por terrenos que reconhecemos ser de descoberta e partilha, onde as cordas, as guitarras, os metais, são, mais que figurantes, preciosas colaborações. Sunchild (a faixa que dá título ao álbum) abre um alinhamento que revela uma colecção saborosa de canções que rapidamente se libertam de eventuais espartilhos de género (nomeadamente o ponto de partida folk) para viver momentos de prazer nos quais por regra se revela apenas o respeito à estrutura clássica da canção. De certa maneira, uma aventura comparável à que já este ano nos mostrou a Cinematic Orchestra, todavia conseguindo aqui um corpo de canções um tanto mais consistente que o que se escutava no também agradável Ma Fleur.
Thief
“Sunchild”

Sonar Kollektiv
3/5
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Naquela ténue linha que separa os limiares do caos dos indícios da ordem estão a acontecer algumas das mais entusiasmantes “invenções” pop/rock do momento. E um dos exemplos deste aparente registo de desnorte no limite escuta-se na obra em afirmação de um colectivo australiano de seis músicos que tem no nome uma referência finlandesa. Apesar de naturais de Melbourne, chamam-se Architecture In Helsinki e, depois do muito promissor In Case We Die, de há dois anos (e de um álbum de remisturas que se lhe seguiu em 2006), regressam com Places Like This e uma história recente de palcos que os colocou já lado a lado com bandas como os Clap Your Hands Say Yeah, Yo La Tengo ou Polyphonic Spree. As premissas são semelhantes às que estruturavam o álbum de 2005 e a alma baptismal dos Talking Heads continua a ser a mais evidente das fontes de inspiração. Mas contra o que antes nos mostravam, e parecendo assumir o disco de remisturas do ano passado como uma plataforma de transição, assumem hoje uma relação mais insistente com o ritmo e uma noção de desafio físico à dança. Relativamente curto (dez faixas em pouco mais de 31 minutos de duração), o álbum acaba contudo por mostrar que as transformações operadas entre o segundo e este terceiro álbum de originais não parecem em nada traduzir as expectativas de quem aguardava sucessão para a desafiante tempestade de boas ideias que morava no disco de 2005. O caos parece mais encenado que resultado de faísca fulminante, e a arquitectura rítmica insistente acaba por servir mais de espartilho que de pilar estrutural para outros patamares. Não faltam as boas canções, mas rapidamente se instala no ouvinte uma sugestão de inesperada monotonia que não ajuda. Undewater, a meio do alinhamento, é fresco mergulho por outras águas. Mas logo regressa o mesmo tom, que deixa pelas meias tintas uma proposta que antes brilhava, sobretudo, pela capacidade em nos sacudir e surpreender, sem a necessidade de convocar sovas de ritmo para o fazer.
Architecture In Helsinki
“Places Like This”
Cooperative Music / Edel
2/5
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O sucesso do álbum de 2004 Good News For People Who Love Bad News (e em particular a projecção além dos circuitos das college radios do single Float On) fez do quinto álbum dos norte-americanos Modest Mouse um dos mais aguardados pelas clientelas rock’n’roll de afinidade indie em 2007. A notícia do envolvimento directo do ex-Smiths Johnny Marr na composição (e, depois, na própria constituição oficial da banda), assegurava ainda mais expectativas... Os primeiros sinais do que poderíamos esperar de We Were Dead Before The Ship Even Sank chegaram-nos em Janeiro, com o cativante Dashboard, single-aperitivo que, na verdade, mais não era que a primeira canção nascida de uma primeira sessão de trabalho de Isaac Brock com Johnny Marr. O álbum, editado nos EUA em finais de Março (sim, e só agora chega “oficialmente” aos escaparates nacionais), não só foi confirmação dos apetites do mercado, como gerou uma série de críticas nas quais se reflectia igual entusiasmo. Porém, nada como o tempo para fazer a prova dos nove a um conjunto de canções que, meses depois, se revelou capaz de resistir à erosão que o passar dos dias vota à esmagadora maioria das edições discográficas. Estamos em mais um evidente laboratório onde se ensaiam exercícios de caos (mais ou menos) ordenado mas, mais que nuns Arcade Fire, sob muito evidentes marcas da genética Talking Heads. Apesar da presença de Marr, a personalidade de Brock (e dos Modest Mouse) mantém-se clara e inadulterada. Todavia, em algumas das canções revelam-se sinais de ainda visível sufoco sob desvario de electricidade e voz. Escute-se o potencialmente magnífico Florida, que acaba afogado. Mesmo assim, os piores inimigos de We Were Dead Before The Ship Even Sank não são estes solavancos de cacofonia rock’n’roll (que sucessivas audições suvizam), mas antes um longuíssimo alinhamento de 62 minutos de duração que tornam difícil a digestão de tanta informação.
Modest Mouse
“We Were Dead Before The Ship Even Sank”
Epic / Sony BMG
3/5
Para ouvir: MySpace


A evidente exaustão do filão oportunista que por anda a viver da pilhagem de modelos colhidos no pós-punk não se manifesta apenas em medíocres segundos álbuns de bandas ainda recentemente feitas “fenómeno do mês” em primeiros discos francamente mais interessantes que os que nos deram nos últimos meses. Com efeito, não é preciso passar pelos segundos álbuns de grupos como os The Bravery, The Killers, Futureheads, Kaiser Chiefs ou Editors para ver que, depois de eventualmente interessante citação 80’s laroca, não há muito mais a esperar por essas bandas, tão igual que se tem revelado a repetição de fórmulas... Isto porque continuam a pingar nos escaparates das novidades exemplos nados-mortos de uma terceira vaga de bandas que, mesmo com o ocasional single curioso por perto, não mostram capacidade de sobreviver ao desafio de ter de gravar um álbum. Assim foi com os To My Boy, os KBC e, agora, os New Young Pony Club. Oriundos de Londres, erradamente conotados por alguns com o fogacho new rave (que não passará deste Natal), colhem referências na memória de discos de digníssimas bandas do pós-punk nova-iorquino como os B-52’s, Blondie e Talking Heads, procurando neles um sentido pop, apelo rítmico e garra rock’n’roll que lhes garanta atenção 30 anos depois... Nada errado até aqui, é certo. Na verdade deram nas vistas com o seu melhor: o minimalista e anguloso Ice Cream (onde se destacava o tom inexpressivo da voz de Tahita Bulmer), um dos melhores exemplos recentes de recontextualização de electrónica e viço pós-punk no presente. Agora, contudo, mostram em Fantastic Playroom que são meros aprendizes e que, depois de citar os mestres, não sabem bem o que mais dizer. O álbum satisfaz nas três primeiras canções (além de Ice Cream, Get Lucky e, sobretudo, o contagiante Hiding On The Starircase, delirante pastiche de Talking Heads). Depois, serve-se mais do mesmo. Anguloso, pop, dançável, certinho... Adorado hoje pelos seguidores da moda. Mas prontinho a ser esquecido na próxima saison...
New Young Pony Club
“Fantastic Playroom”
Modular / Universal
2/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Anne Sofie Von Otter, Blue States, Elvis Presley (reedições), Kosheen, Frida Hyvönen, MIA, Lisa Germano (reedição)

Brevemente:
27 de Agosto: Pink Floyd (Piper At The Gates of Dawn – caixa), Super Furry Animals, Luke Vibert, VHS or Beta
3 de Setembro: Múm, Elvis Presley (reedições)
10 de Setembro: Animal Collective, Go! Team, Siouxsie Sioux, R Villalobos, Gravenhurst,
17 de Setembro: Murcof, Simon & Garfunkel (Live 1969). Manu Chao, Turin Brakes, David Bowie (reedição), Dead Or Alive (reedição), Debbie Harry

Setembro: Lambchop, Mazgani, PJ Harvey, Clã, Kanye West, Joe Henry, Broken Social Scene, Siouxsie, U2 (DVD), Hard Fi, Gorky’s Zygotic Mynci, Frank Black, Jona Lewie (reedição), Squeeze (reedições), Ian Brown, Pet Shop Boys (remisturas), Jose Gonzales, Iron & Wine
Outubro: David Fonseca, Robert Wyatt, Junior Boys, Devendra Banhart, Teddy Thompson, Sex Pistols (caixa de singles), Bob Dylan (best of), Thurston Moore
Datas retiradas de catálogos de editoras e lojas, contudo sujeitas a alterações