sexta-feira, agosto 24, 2007

Um acaso feliz

Pela semântica, um grupo que reúna nomes como o ex-Beatle George Harrison, Bob Dylan, Roy Orbison, Tom Petty e Jeff Lynne (ex-Electric Light Otchestra) só pode mesmo ser... um super-grupo! Porém, a história da banda que juntou estes cinco distintos cavalheiros em finais da década de 80 passou longe dos pensamentos estratégicos que habitualmente definem reuniões deste calibre. Foi um acaso. Um feliz acaso. E do qual nasceu aquele que foi o melhor disco que muitos destes músicos gravaram durante a década de 80, todos eles tendo então vivido uma verdadeira (e difícil) travessia do deserto em tempo menos favorável a veteranos de 60 e 70.
Tudo começou quando George Harrison foi convidado pela sua editora a gravar um inédito para o lado B do single This Is Love. Com Jeff Lynne, que produzira o álbum Cloud Nine, passou por casa de Tom Petty onde deixara a guitarra esquecida na véspera. Depois de um almoço com Roy Orbison, acabaram todos por rumar a um pequeno estúdio em casa de Bob Dylan, em Santa Monica (na Califórnia). Da sessão, colectiva, surgiu o tema Handle With Care, que pouco depois Harrison fazia chegar aos escritórios da editora. Felizmente por lá havia gente com ouvidos para a música, tendo então pedido a Harrison que não “desperdiçasse” semelhante pérola num lado B... Desafiando-o, e aos seus parceiros de gravação, a criar um álbum.

Deste acaso nasceram assim os Traveling Wilburys. E, num esforço de colaboração fulminante, o álbum com o qual se apresentaram pouco depois, gravado em apenas dez dias, porque Dylan tinha uma digressão à porta e não podia faltar aos seus compromissos. O disco, Traveling Wilburys – Vol. 1 (lançado em 1988) revela a atmosfera de satisfação e partilha vivida naqueles dez dias num estúdio caseiro. É um disco que parte das fundações do rock’n’roll e da música country, inventando uma pop adulta, melodista, na qual moram marcas das personalidades dos cinco protagoinistas, todavia visível sendo a humildade com que cada um se apresenta frente aos parceiros. O álbum é um dos mais interessantes esforços de reinvenção das genéticas da country (e seus afluentes) numa década de 80 que estava ainda longe de adivinhar a revolução alt.country que, anos depois, deste espaço faria terreno novamente apetitoso para os gostos de novas gerações de ouvintes.
A morte de Roy Orbison, pouco depois de editado o álbum, assombrou por instantes um projecto que brotara semanas antes, em saudável clima de camaradagem pop. Orbison seria homenageado pelos amigos não só no teledisco de End Of The Line, como num segundo álbum, curiosamente intitulado Traveling Wilburys – Vol. 3 (mais centrado em memórias primordiais do rock’n’roll, mas musicalmente menos estimulante), editado em 1990. A não existência de um volume 2 nunca foi oficialmente assumida, mas pode ser atribuída ou ao facto de ter havido um bootleg, com maquetes e ensaios, a circular por esses tempos, apresentado como vol 2. Há, também, quem defenda que, pelo facto do álbum entretanto gravado por Tom Petty ter contado com os membros do colectivo, o tenham considerado como segundo volume... Todavia, nunca houve uma posição oficial sobre o assunto.
O disco agora editado reúne os dois álbuns, temas inéditos (concluídos sob auxílio de Dahni, filho de Harrison) e um DVD com um documentário e cinco telediscos. Ou seja, o relato integral da história deste feliz acaso. Para recordar, juntamos o teledisco de Handle With Care, o single que apresentou publicamente este colectivo, em 1988.



PS. Texto publicado com o título "História de um acaso", na revista NS