C-3PO + George Lucas |
Foi em 1977 que surgiu o título inaugural de Star Wars, uma criação de George Lucas. Muitos anos depois, através de ramificações que vão desde a televisão aos videojogos, passando pelos brinquedos, a saga passou a ser um dos principais trunfos comerciais dos estúdios Disney; nas salas de cinema, o próximo filme está agendado para o Natal de 2023 — este texto foi publicado no Diário de Notícias, com o título 'Os "filhos" de George Lucas' (30 janeiro).
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As muito mediatizadas manifestações dos fãs de Star Wars podem sustentar todo um imaginário festivo, em que a alegria da celebração se cruza com as estratégias da promoção, mas não bastam para abarcar e compreender a dinâmica financeira do universo Star Wars. Envolvem até um desconcertante valor de “purificação”: tudo se passa como se aquilo que acontece “numa galáxia muito, muito distante” fosse a expressão utópica de uma existência sem qualquer relação com as realidades muito terrenas em que, mesmo com todos os seus sonhos e artifícios, o cinema existe.
Até porque algo de essencial mudou a partir de 21 de dezembro de 2012, data em que a Walt Disney Company concluiu a aquisição da Lucasfilm. Valor global do negócio: 2,2 mil milhões de dólares em dinheiro e 1,85 mil milhões em acções — contas redondas: 1,8 e 1,5 mil milhões de euros, respectivamente.
Podemos acrescentar: não era caso para menos. A saga lançada por Lucas em 1977, precisamente com o filme que se intitulava apenas Star Wars, transformou-se num fenómeno realmente global, gerando uma multiplicidade de negócios que rapidamente envolveram outros domínios, para lá da produção de filmes para as salas escuras: séries de televisão, videojogos, banda desenhada, brinquedos, parques temáticos, etc.
Eram, realmente, tempos diferentes. Desde logo na percepção dos próprios filmes através da publicidade: a palavra “marketing” circulava como um preciosismo linguístico, não um cliché da linguagem corrente. No mercado português, podemos observar um curioso sintoma disso mesmo na identificação (comercial e popular) desse primeiro título da saga: para todos os espectadores, novos e velhos, que o descobriram nas salas, tratava-se, não de Star Wars, mas de A Guerra das Estrelas…
O título possuía, aliás, o apelo de uma noção primitiva de aventura mais ou menos inocente. Agora, com o triunfo global de um marketing que aposta na imposição de palavras e fórmulas anglo-saxónicas, o filme de 1977 passou a ser um híbrido linguístico: Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança. A mais recente derivação do universo original (um dos chamados “filmes de antologia”) dá pelo nome bizarro de Han Solo: Uma História de Star Wars (2018).
Como é do conhecimento geral da população cinéfila, a saga de nove episódios não foi produzida por ordem cronológica das respectivas acções. Como produtor ou realizador, Lucas está directamente ligado aos seis primeiros: o quarto, o quinto e o sexto, que surgiram entre 1977 e 1983; o primeiro, o segundo e o terceiro lançados de 1999 a 2005. Já com chancela Disney, Star Wars adquiriu uma regularidade, industrial e comercial, que nunca tinha tido: a trilogia final (episódios VII, VIII e IX) chegou às salas de cinema de todo o mundo com intervalos de dois anos entre os respectivos títulos, em dezembro de 2015, 2017 e 2019.
Mais do que nunca, os actuais planos de expansão de Star Wars assemelham-se a um processo científico de infinita clonagem. Os filmes de longa-metragem, concebidos para o circuito clássico das salas (com ou sem pandemia, veremos…) constituem apenas uma das frentes de produção. Em boa verdade, essa é uma lógica de gestão que se foi consolidando ao longo das décadas, ainda sob o comando de Lucas. Basta lembrar que as receitas globais dos nove títulos canónicos (um pouco mais de 10 mil milhões de dólares) correspondem apenas a 14% das receitas geradas por todas as variações comerciais, da televisão aos brinquedos, encarnadas pela saga (estimadas em quase 70 mil milhões).