terça-feira, fevereiro 09, 2021

Jean-Claude Carrière (1931 - 2021)

A sua imensa e multifacetada filmografia define-o como um dos mais brilhantes argumentistas de toda a história do cinema: o francês Jean-Claude Carrière faleceu no dia 8 de janeiro, em Paris — contava 89 anos.
Nos Oscars honorários de 2015 (entregues em cerimónia realizada a 8 de novembro de 2014), Carrière recebeu uma estatueta dourada que lhe foi entregue por Philip Kaufman, cineasta com quem colaborou na adaptação do romance de Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser (1988). Citando memórias da sua filmografia de mais de uma centena de títulos, referiu apenas alguns dos autores já falecidos com quem tinha colaborado. A começar por Luis Buñuel, de quem foi fiel aliado de Diário de uma Criado de Quarto (1964) até à trilogia final — O Charme Discreto da Burguesia (1972), O Fantasma da Liberdade (1974) e Este Obscuro Objecto do Desejo (1977) —, e incluindo também Jacques Tati, Louis Malle, Patrice Chéreau, Nagisa Oshima, Marco Ferreri, Jacques Deray...


Carrière foi, de facto, esse genial camaleão das narrativas que soube manter relações criativas com tantos e tão diversos realizadores graças ao seu gosto primordial pela arte de contar histórias. Entenda-se: pelo trabalho de tentar habitar melhor o mundo, transfigurando-o em ficções que nele colhem a sua verdade e o seu artifício, eventualmente expondo um desejo de utopia.
Certamente não por acaso, a actividade de Carrière desenvolveu-se como um permanente ziguezague entre a escrita para cinema e a edição de múltiplos livros, do ensaio filosófico aos apontamentos autobiográficos, da colectânea de entrevistas à poesia. Há nele um humor pudico que, em boa verdade, se começa a manifestar muito cedo, na colaboração com Pierre Étaix em Heureux Anniversaire (1962), filme distinguido com o Oscar de melhor curta-metragem de acção real.
A sua inteligência versátil levou-o também a compreender, com particular subtileza, as especificidades dos autores com quem trabalhou. Com Jean-Luc Godard, por exemplo, colaborou mesmo num filme fulcral, genuinamente revolucionário, na evolução das formas cinematográficas na segunda metade do século XX: Sauve qui Peut (La Vie) (1980), entre nós estreado como Salve-se quem Puder. Eis algumas cristalinas palavras sobre Godard.