Imagem publicada no Instagram oficial de Mark Zuckerberg [ 22 Abril 2016 ] |
Mark Zuckerberg tem tido muitas dificuldades em explicar os problemas do Facebook: em jogo estão questões políticas que são sempre, em última instância, dramas humanos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Dezembro).
Em 2010, não foram poucas as vozes que protestaram contra o modo como o filme A Rede Social, de David Fincher, contava a história do nascimento do Facebook. Na perspectiva de tais vozes, o que estava em causa não era apenas a representação (supostamente) caricatural de Mark Zuckerberg por Jesse Eisenberg. Tratava-se, sobretudo, de rejeitar a visão cáustica desse espaço “social” em que todos comunicariam com todos, consagrando a noção utópica segundo a qual, através dos labirintos virtuais, o planeta Terra estaria a entrar numa idade redentora de transparência e felicidade.
Oito anos depois, Zuckerberg e o seu negócio estão na linha da frente das notícias. A partilha selvagem de dados privados dos utilizadores e, em particular, a intromissão russa nas eleições americanas através do Facebook têm revelado uma dimensão peculiar da personalidade de Zuckerberg.
É, afinal, uma dimensão muito típica de uma certa ideologia “científica” dos nossos dias em que os gestores da tecnologia se apresentam, porventura com alguma inusitada candura, como personagens de uma puerilidade trágica. A recente entrevista de Zuckerberg a Laurie Segall, na CNN, pode servir de sintoma esclarecedor desse estado de coisas — leia-se, a esse propósito, a notícia de João Tomé, publicada no DN_insider.
O próprio burburinho “social” torna difícil, talvez mesmo impossível, o desenvolvimento e partilha de reflexões consistentes sobre tema tão perturbante. Voluntariamente ou não, somos arrastados e incrustados num desenho maniqueísta das trocas humanas em que, em última instância, se trata tão só de saber quem está “pró” e quem está “contra”... Além do mais, os partidos políticos, direitas e esquerdas confundidas, apenas sabem acorrer, solícitos, proclamando a necessidade de legislação mais apertada; na prática, evitam problematizar a questão em termos culturais — entenda-se: de relações humanas —, limitando-se a reforçar uma visão instrumental e “nacionalista” da própria cultura.
Página de entrada do Facebook |
Estas linhas não têm nenhuma solução mágica para lidar com o assunto. Quem a tem? Trata-se apenas de relembrar que aquilo que está em jogo excede (e muito!) a virgindade virtual que Zuckerberg tenta exibir quando diz “não estávamos à espera” que os russos fossem tão perversos... Acontece que, na concepção fundadora do Facebook, ninguém esperava nada, a não ser a instalação de um sistema de multiplicação infinita de trocas e links, capaz de gerar tráfego e mais tráfego equivalente a dinheiro e mais dinheiro.
Em boa verdade, na sua “modernidade” comunicacional, o Facebook encarna o sonho primitivo do capitalismo como mecanismo de interminável exponenciação dos mercados, logo de indexação mutiplicadora dos laços protagonizados por seres humanos. Que as direitas não o digam, eis o que apenas confirma que nunca pensaram no assunto. Que as esquerdas evitem dizê-lo, eis um sinal de serena hipocrisia política.
O assunto é tanto mais perturbante quanto, com os seus 2,2 mil milhões de utilizadores, o Facebook se tornou tão (ou mais) complexo do que a indústria automóvel. Que é como quem diz: todos reconhecemos que os automóveis poluentes que usamos constituem uma componente central das nossas tragédias ecológicas, mas será que, no ano da graça de 2018, alguém tem um projecto viável para pensar um planeta sem automóveis?
Em 2010, o lançamento do filme de Fincher foi apoiado por um poster admirável em que ao rosto de Eisenberg, enquadrado por elementos de uma paisagem da Net, se sobrepunha uma frase contundente: “Não se conseguem 500 milhões de amigos sem fazer alguns inimigos.” Enfim, os números estão desactualizados, mas as ideias que nos dividem persistem — e essa divisão define uma genuína problemática social.