Mark Zuckerberg não gosta do filme A Rede Social, de David Fincher. Será que, para ele, tudo o que seja mais complexo do que um polegar ao alto é suspeito?... — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Novembro), com o título 'O Facebook entre amigos e inimigos'.
Mark Zuckerberg gosta de reconfigurar as vidas dos outros. A sua invenção empresarial, o site que dá pelo nome de Facebook, é isso mesmo: um sistema de links que, na prática, mudou as formas de relacionamento de milhões de habitantes do planeta Terra, ao mesmo tempo fazendo da sua companhia um potentado (34 mil milhões de dólares, segundo a revista Forbes) maior e mais poderoso que muitos Estados.
O que Zuckerberg não gosta é que alguém questione, não exactamente a legitimidade do seu negócio, mas as implicações práticas, simbólicas e políticas do Facebook. Comporta-se mesmo como um fabricante de automóveis que, socorrendo-se de uma verdade insofismável — todos os cidadãos tiram ou podem tirar gratificantes vantagens dos veículos fabricados —, recusasse qualquer tipo de responsabilidade na poluição do planeta.
Mark Zuckerberg |
Os seus recentes comentários sobre o filme que David Fincher realizou sobre a génese universitária do Facebook — A Rede Social (2010), com Jesse Eisenberg no papel de Zuckerberg — são exemplares. De acordo com as suas palavras, Fincher e o seu argumentista, Aaron Sorkin, construíram uma história segundo a qual ele inventou o Facebook para “atrair raparigas”... Como?
Que o homem que conseguiu promover polegares para cima (e para baixo) à condição de filosofia pós-moderna da “amizade” utilize descrições deste teor, eis o que não surpreende. Em todo o caso, há algo de ofensivo na banalização do labor de um dos maiores cineastas contemporâneos. Aquilo que o discurso de Zuckerberg recalca é o facto Fincher ter filmado, não exactamente uma “história” da sua rede social, mas sim uma contundente desmontagem da própria noção social de rede.
O que está em discussão em A Rede Social não é o facto (indesmentível, como é óbvio) de o Facebook se ter transformado num gigantesco e multifacetado sistema de relações. O que nele se interroga é o aparato ideológico que o tenta apresentar como um método automático, neutro e impessoal de produção de verdade.
Observe-se, a esse propósito, o modo como alguma informação televisiva cita as “redes sociais” como se fossem um oráculo indesmentível de acesso a uma realidade que se ofereceria, sem rugas nem resistências, a uma imaculada “transcrição”. O que incomoda Zuckerberg não é, obviamente, que o filme de Fincher mencione as “raparigas” — é, isso sim, o modo como nele percebemos que, para além dos seus méritos ou poderes humanos (igualmente indesmentíveis), os links do Facebook funcionam também como uma máquina de diversificação e incrementação dos mecanismos de circulação do dinheiro. Mesmo não apreciando o filme de Fincher, Zuckerberg ganharia em ter em conta a mensagem cristalina da frase do seu cartaz: “Não se conseguem 500 milhões de amigos sem fazer alguns inimigos”.