quinta-feira, janeiro 31, 2013

Beyoncé e o hino (Parte II)

Na tomada de posse de Barack Obama, Beyoncé cantou o hino americano em playback? Sim, é verdade. E se dúvidas ainda houvesse, ela própria as veio esclarecer, na conferência de imprensa de apresentação da sua performance no Super Bowl (3 Fevereiro).
Com grande pragmatismo, lembrou o que, do seu ponto de vista, estava em jogo: "Era uma transmissão televisiva em directo, muito, muito importante para mim – um dos momentos de que mais me orgulho. Devido ao tempo, devido ao atraso, devido à ausência de um teste de som adequado, não me senti confortável em correr o risco. Era o meu Presidente e a sua tomada de posse, e não quis minimizar tudo isso. Decidi optar por um registo pré-gravado, o que é muito comum na indústria musical. E tenho muito orgulho na minha performance."
Ainda bem que alguém, mesmo correndo o risco de desiludir muitos fãs, tem a serenidade suficiente para referir de forma tão transparente o que se passou. Além do mais, desmontando o maniqueísmo dos que querem confundir a alternativa som directo/som gravado como uma automática duplicação dos mais ancestrais combates entre o "Bem" e o "Mal" (em boa verdade, neste campo, qualquer ponto de vista mais extremado obrigaria a deitar para o caixote do lixo toda a tradição do musical de Hollywood).
Antes do seu esclarecimento, Beyoncé deu a melhor resposta que uma genuína entertainer poderia apresentar: abriu a sua conferência de imprensa cantando The Star-Spangled Banner... sem playback!

Tsunami em formato telefilme

Uma produção espanhola falada em inglês (e com actores de língua inglesa): eis um sintoma da consolidação de elaboradas estratégias de expansão da indústria espanhola. Infelizmente, tal não basta para gerar filmes consistentes. E O Impossível, sobre a agonia de uma família no tsunami asiátido de 2004, fica-se pelas convenções de telefilme — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Janeiro), com o título 'Um filme em alerta amarelo'.

Para além da curiosidade (?) de vermos um filme espanhol falado em inglês, protagonizado por Naomi Watts e Ewan McGregor, não há muito a dizer sobre O Impossível. A história da família que sobrevive ao tsunami asiático é contada com a preguiçosa placidez de um telefilme de rotina, alimentando sucessivas e monótonas redundâncias narrativas. Em boa verdade, o mais interessante decorre do gigantesco impacto comercial do filme, nomeadamente no seu país de origem (onde superou os números do próprio Titanic).
Entendamo-nos: o filme não é melhor nem pior pelo sucesso que está a ter. Que é como quem diz: podíamos estar a falar de um aparatoso desastre de bilheteira que isso não alterava em nada o pastoso convencionalismo narrativo e dramático de O Impossível. O que é interessante, porque sintomático, é o facto de este “naturalismo” vulgarmente televisivo ter adquirido um pouco por todo o lado o estatuto de coisa intensamente verdadeira...
Não creio que a sofisticação técnica dos efeitos visuais explique tudo. Nem mesmo a circunstância de O Impossível se basear na história verídica de uma família (espanhola). O que aqui se exprime é essa ideologia muito televisiva segundo a qual a catástrofe possui um automático coeficiente de verdade. Aliás, mais do que isso, no espaço televisivo passou a imperar uma festiva semiologia catastrofista. Exemplo benigno da meteorologia: já não há muito frio, chuva intensa ou vento forte mas... alertas de todas as cores! Dir-se-ia que a própria televisão alimenta a ilusão de ser mais verdadeira quando “legitimada” pelos estragos materiais que noticia. O Impossível é apenas um objecto enraizado nessa ideologia da fotogenia do desastre. A tal ponto que ignora coisas básicas como a arte de construir uma personagem.

Uma vez mais entre árvores

Os Yo La Tengo acabam de apresentar mais um teledisco para um tema do álbum de originais que lançaram já este ano. Uma vez mais há árvores nas imagens... Aqui fica I'll Be Around, que conta com realização de Phil Morrison.

Discos pe(r)didos:
Wire, A Bell is a Cup

Wire 
“A Bell is a Cup” 
Mute Records 
(1988) 

Com novo álbum de originais com edição agendada para o mês de março, os Wire são frequentemente apontados como um fruto do punk britânico e da sua discografia mais antiga costuma ser citado o trio de álbuns editados entre 1977 e 79 – Pink Flag (1977), Chairs Missing (1978) e 154 (1979) – podendo muitos desses retratos à la minuta reduzir a banda aos grandes feitos para angulosidade elétrica e contenção minimalista que então fez das suas canções peças claramente distintas entre os seus contemporâneos. Na verdade a obra dos Wire é bem mais vasta (no tempo e nos espaços musicais visitados) e, mesmo sendo esses três discos peças de justificada referência, neles não se esgotam as mais importantes contribuições que foram assinando na história dos últimos 35 anos de música. Por divergências internas optaram por entrar em modo de pausa na primeira metade dos anos 80, os seus elementos procurando em projetos a solo os destinos que se haviam tornado aparentemente impossíveis de conciliar como Wire. Voltaram a juntar-se em 1985, lançando primeiros sinais de novos rumos em The Ideal Copy (1987), aprofundando no álbum seguinte a relação mais próxima com as electrónicas, sem contudo abandonar a presença da matriz elétrica central à sua identidade. A Bell Is a Cup (na verdade com título completo A Bell Is a Cup... Until It’s Struck), o álbum de 1988 dos Wire dividiu opiniões. É um disco de horizontes largos, ciente de uma identidade que então contava já mais de dez anos de vida, mas igualmente interessado em explorar as potencialidades de novas ferramentas, nomeadamente as suas qualidades cénicas (e, para que não haja dúvidas, em nada se colava nem às escolas eletro pop que entretanto haviam surgido ou às emergentes correntes house que por aquela altura faziam uso bem distinto de novas máquinas...). É verdade que caberia a singles imediatamente posteriores a este álbum – nomeadamente Eardrum Buzz e In Vivo, ambos de 1989 – o sublinhar de uma via muito pessoal na abordagem aos modelos da canção pop com ainda maior presença electrónica, mas é dos jogos de nuances e contrastes que encontramos ao longo do alinhamento de A Bell Is A Cup, onde brilham momentos maiores como Kidney Bingos ou Silk Skin Paws – que encontramos o patamar capaz de cruzar ideias que faz deste um dos grandes discos (hoje algo esquecidos) dos oitentas, capaz de recontextualizar uma tradição pop nascida entre guitarras entre as marcas do seu tempo (e sem escorregar nas armadilhas dos sabores do momento). 25 anos depois A Bell Is A Cup espera uma possível reedição para (re)encontrar o lugar que merece na história indie da pop britânica dos oitentas.

A caminho de um Óscar?

Em contagem decrescente para a noite dos Oscares, a Disney resolveu disponibilizar online (gratuitamente, em streaming), a curta-metragem Paperman, uma das nomeadas para a categoria de Melhor Curta de Animação. O filme é assinado por John Kahrs, um animador que trabalhou em diversas animações da Pixar – de A Vida de Insecto ou Monstros e Companhia a Raratiu – que, ao trabalhar em Entrelaçados com Glen Keane deu por si a reparar no trabalho deste último em produções dos anos 80 e 90 como A Pequena Sereia, A Bela e o Monstro ou Aladdin. Para Paperman resolveu então cruzar universos. O da animação digital com o da animação tradicional que, sob a opção cromática que adotou (que sublinha a viagem no tempo a uma história vivida em meados do século XX) somam potenciais trunfos que agora falam em seu favor.

Novo álbum dos Strokes em março

Os Strokes revelaram o título e a imagem da capa daquele que será o seu quinto álbum de originais. O disco terá por título Comedown Machine e será editado pela RCA a 26 de março. O primeiro single a ser extraído do seu alinhamento é All The Time e tem lançamento previsto para 19 de fevereiro. Entretanto já por aí se ouve One Way Trigger, uma canção-aperitivo que a banda está a oferecer no seu site oficial.

Junto ao münster de Berna

O Münster de Berna é a mais recente das catedrais góticas suíças. Os trabalhos foram lançados em 1421 mas a flecha sobre a torre central só foi acrescentada em 1893. A torre tem cem metros de altura e faz desta catedral a igreja mais alta da Suíça.


Três olhares de pormenor em volta da catedral. Em concreto, em volta do largo no seu adro e do pequeno jardim que se encontra a seu lado, do qual podemos ainda ter uma magnífica vista sobre o rio Aar. A terceira imagem revela um detalhe de uma estátua de Moisés que encima uma fonte frente ao edifício.

Miles, 1969

Miles Davis (trompete) + Wayne Shorter (saxofone) + Chick Corea (piano) + Dave Holland (contrabaixo) + Jack DeJohnette (bateria): era assim o quinteto de Miles Davis em finais da década de 60, em digressão pela Europa. Pois bem, prosseguindo a sua busca pelos baús da história do jazz, a Columbia lança Miles Davis Quintet - Live In Europe 1969: The Bootleg Series Vol. 2 (o primeiro volume, referente a 1967, e com outra formação, foi lançado em 2011).
Sublinhemos, para já, o essencial: no plano da revisitação de memórias do jazz, 2013 começa de forma fulgurante. Estamos perante um labor de desafio e transformação, integrando referências do seu presente (rock, R&B, funk), definindo um "momento de transição" que, nas palavras de Tom Moon (NPR), anuncia uma "nova paisagem musical", com o seu quê de paradoxal (nonjazz). Vale a pena escutar as palavras de Chick Corea (na página do álbum na Amazon), relembrando tão fascinante conjuntura.
A edição normal inclui três CD com outras tantas performances ao vivo, duas em Juan-des-Pins, uma em Estocolmo. A edição especial oferece o registo filmado (a cores) de um concerto realizado a 7 de Novembro de 1969 na sala grande da Filarmónica de Berlim [video com os primeiros 10 minutos].

quarta-feira, janeiro 30, 2013

Animal Collective, segundo Gaspar Noé

O realizador Gaspar Noé, o autor de filmes como Irreversível ou Enter The Void, assinou um novo teledisco para o tema Applesauce, uma das canções do álbum Centipede Hz dos Animal Collective, editado em 2012. Aqui ficam as imagens.

Novas edições:
Indians, Somewhere Else


Indians
“Somewhere Else”
4 AD / Popstock
3 / 5

A constante renovação dos rostos e vozes do seu catálogo tem permitido à editora 4AD não se transformar numa capela das relíquias indie que dela fizeram referencia maior nos oitentas, ao som de nomes como os Cocteau Twins, Dead Can Dance ou o coletivo “da casa” This Mortal Coil. E agora, a juntar a Grimes, Zomby ou Ariel Pink, que representam algumas das mais interessantes entre as mais recentes “aquisições” da “família” 4AD, o projeto Indians acrescenta dados interessantes a uma realidade em saudável e permanente mudança. O projeto não é senão o alter-ego do músico dinamarquês Soren Lokke Juul, o álbum Somewhere Else representando agora a sua estreia no formato de longa duração após as sugesões de alguns cartões de visita que nos foi mostrando no ano passado. Apesar da alma cantautoral que passa por aqui, e de pontuais incursões por espaços de relacionamento mais de dieta com a instrumentação (como sucede, quando fez de uma guitarra acústica a principal companhia de Cakelakers, que editou como single em finais de 2012), as canções que fazem o contido alinhamento do álbum (dez faixas para 45 minutos de gravação, o que garante a boa digestão da coisa) revelam um interesse por uma dinâmica instrumental de banda, sublinhando sobretudo um gosto pela composição de uma noção de espaço cénico que assim serve de casa a cada um dos temas que nos apresenta. Apesar da dose valente de comparações que por aí correm (e não acreditem quando apontarem Bon Iver ou Grizzly Bear como parentes próximos), as canções de Soren estão em busca de um caminho seu, partilhando talvez com os MGMT um sentido de encantamento, porém sem a carga rítmica mais evidente no primeiro álbum da dupla americana nem a libertação formal que as leituras mais profundas dos manuais do psicadelismo deram ao segundo. Somewhere Else é um álbum de canções suaves, talhadas num patamar de elegância que reconhece as características de uma certa fragilidade vocal, os arranjos procurando conceber cenários e não estruturas. Há por aqui alguns momentos magníficos (como o são New ou o tema título que fecha o alinhamento). Contentemo-nos, por enquanto, com a certeza de um bom ponto de partida. E fiquemos atentos a experiências futuras...

Blake & Mortimer... e Lawrence

Ao contrário de Hergé, e tal como sucede com as personagens criadas por Jacques Martin (de Alix a Loïs), as figuras de Blake & Mortimer continuam a ter uma existência viva, hoje até com maior regularidade que nos tempos em que Edgar P. Jacobs (1904-1987), o criador das personagens, ia revelando as suas sucessivas (e marcantes) aventuras.

Editado em finais de 2012, O Juramento dos Cinco Lords é já o 15º título da série (alguns tiveram mais que um volume), sendo que destes apenas os oito primeiros foram criados por Jacobs, queixou inclusivamente inacabado As 3 Fórmulas do Professor Sato. O livro é assinado pela dupla Yves Sente / André Juillard que antes já trabalhara em A Conspiração Voronov (2000), Os Sarcófagos do Sexto Continente (2003) e o Santuário de Gondwana (2008). Tal como sucedera n’Os Sarcófagos do Sexto Continente, Sente e Juillard abrem aqui uma janela no passado das vidas dos dois protagonistas, desta vez focando em concreto memórias de Francis Blake. E é no quadro dessas memórias que se cruza a figura (real) de Lawrence da Arábia – e é a primeira vez que uma figura real habita estas histórias -, o seu fato cerimonial que integra as coleções do Ashmolean Museum (em Oxford) surgindo assim como uma das peças numa trama que, na verdade, se revela como uma das mais sólidas do legado pós-Jacobs de Blake & Mortimer. Talvez apenas “esquecendo” o elemento sci-fi, tão central à alma das aventuras destes dois heróis maiores da BD franco belga. Nota apenas menos entusiasmada para o desenho de Juillard que, mesmo fiel às ideias de Jacobs, carece da sua profundidade e maior detalhe.

Sound + Vision Magazine
hoje às 18.30 na Fnac Chiado

Ao mesmo tempo que arrumamos as contas definitivas a 2012, recordando o que de melhor o ano nos deu nos discos, nos livros e nos filmes, começamos a ver, a ouvir e a ler 2013. A sessão de hoje passa inevitavelmente pelo regresso de David Bowie, pela estreia de Lincoln, de Steven Spielberg e pelo lançamento de mais um volume de aventuras de Blake & Mortimer, heróis de referência da BD franco belga.

Junto às margens do Aar

Três olhares por Berna, hoje junto às margens do rio Aar, que atravessa a cidade. Na primeira imagem a pequena Untertorbrücke, a ponte que atravessa o rio a uma menor distância da superfície das suas águas. Na segunda, a mesma ponte vista de uma outra, mais elevada, a Nydeggbrücke. A terceira imagem mostra telhados das habitações junto às magens do rio nesta zona mais antiga da cidade.

terça-feira, janeiro 29, 2013

Um americano chamado Django

Para além de uma revisão crítica do western, Django Libertado envolve um confronto, plural e complexo, com as formas de representação da história (individual e colectiva) — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Janeiro), com o título 'O velho Oeste revisto por Tarantino'.

O mínimo que se pode dizer do novo filme de Quentin Tarantino, Django Libertado, é que não deixa ninguém indiferente. A sua história dos tempos da escravatura tem suscitado polémicas cruzadas nos EUA, levando mesmo um cineasta afro-americano, Spike Lee, a declarar que não iria vê-lo por considerar que “falta ao respeito” dos seus antepassados. Uma coisa é certa, e tem sido sublinhada pelo próprio Tarantino (entretanto distinguido com o Globo de Ouro de melhor argumento original): o filme está a levar os espectadores, americanos antes do mais, a reflectir sobre a pesada herança da escravatura e o contexto que conduziu à Guerra Civil.
Em boa verdade, não se pode dizer que Django Libertado funcione, em sentido estrito, como uma evocação histórica. Fiel às raízes cinéfilas do seu olhar, Tarantino constrói o filme à maneira de um western, para mais aplicando soluções visuais que remetem para a herança de cineastas italianos como Sergio Leone (autor de O Bom, o Mau e o Vilão, Aconteceu no Oeste [capa DVD], etc.) e para o chamado western-spaghetti, género muito popular nas salas europeias durante a década de 60. À semelhança do que já fizera com o thriller (Pulp Fiction) ou o filme de guerra (Sacanas sem Lei), o western serve-lhe de pretexto para uma encenação feérica em que o espectáculo, mesmo quando convoca referências realistas, nunca é estranho ao gosto artificioso da ópera ou do circo.
A acção começa em 1858 (três anos antes da eclosão da guerra) e tem como protagonistas dois cúmplices improváveis: King Schultz (Christoph Waltz), dentista de origem alemã que se especializou em perseguir criminosos para receber os prémios oferecidos pela sua captura, e Django (Jamie Foxx), um escravo que Schultz liberta, pedindo-lhe como contrapartida que o ajude a caçar três irmãos, guardas de uma grande plantação de algodão, que deverão render uma choruda recompensa...
Até certo ponto, estamos perante as regras de muitos filmes clássicos sobre as atribulações do Velho Oeste. As diferenças começam a ser sensíveis a partir do momento em que Tarantino aposta num registo em que o tema tradicionalmente recalcado desses filmes – a exploração brutal do trabalho dos negros – se torna matéria central de Django Libertado. O confronto de Schulz e Django com Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), proprietário de métodos especialmente violentos, irá conduzir o filme a um clímax em que, uma vez mais, a evocação da história colectiva se confunde com a imponência teatral da tragédia.
Curiosamente, na corrida para os Oscars, Django Libertado partilha o tema da escravatura com Lincoln, de Steven Spielberg, este evocando os bastidores políticos que conduziram à legislação que extinguiu a escravatura (os dois estão nomeados para melhor filme do ano). Mesmo sendo objectos muito diferentes no tratamento temático e estético, ambos reflectem um vector marcante do melhor cinema americano de anos recentes: a preocupação de revisitar as memórias históricas para repensar o imaginário dos nossos dias.

França: "o casamento para todos"

Thomas Cyprien
As palavras não são indiferentes. Nunca são. Não se trata, agora, de discutir apenas o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Como resume o jornal Libération, a questão que, social e culturalmente, se coloca é outra: "Amanhã, o casamento para todos?".
Justamente: a legislação que poderá consagrar o casamento para todos começa hoje a ser discutida no parlamento francês, num contexto necessariamente marcado por vivos debates e pontos de vista inconciliáveis. Num gesto admirável, o Libération consagrou o seu espaço fotográfico de Janeiro ao tema "dois a dois", propondo aos seus leitores que enviassem imagens sobre os mais diversos pares. Homens, mulheres, animais, brinquedos e entidades mais ou menos abstractas, encontramos de tudo — ou como é sempre saudável defender o casamento entre ironia e pedagogia.
Antony Zaro
mata26
JB Ambrosini

O corpo e arredores

Os Grizzly Bear escolheram (e muito bem, sublinhe-se) o tema Gun Shy como a nova peça a destacar do alinhamento do álbum que editaram em 2012. Aqui fica o teledisco que agora acompanha a canção. A realização é de Chris Moyes.

Novas edições:
Eleni Karaindrou, Concert in Athens


Eleni Karaindrou
“Concert in Athens”
ECM
4 / 5

Mais que a “voz” musical que habitou o cinema de Theos Angelopoulos (até porque a sua música aí não se esgotou, nem mesmo apenas no espaço do cinema), a compositora grega Eleni Karaindrou tornou-se, com o tempo, num dos nomes de referencia do catálogo da ECM. É certo que os títulos que lhe deram notoriedade discográfica foram as bandas sonoras de filmes como, O Passo Suspenso da Cegonha (1991), O Olhar de Ulisses (1995), o premiado em Cannes A Eternidade e Um Dia (1998) ou a trilogia To livadi pou dakryzei (internacionalmente estrado como The Weeping Meadow), todos eles de Angelopoulos, merecendo ainda destaque evidente o álbum Music For Films (de 1991, que junta ao seu trabalho com Angelopoulos experiências no cinema de Christoforos Christofis e Lefteris Xanthopoulos). Mas convém não ignorar a sua visão musical para uma produção para cena d’As Troianas, merecendo o álbum Trojan Women (2001) contar-se entre os mais recomendáveis de uma discografia que há muito traduz a expressão de uma identidade de autor bem demarcada. A música de Karaindrou herda marcas da identidade cultural que lhe serve de berço, escapando todavia aos modelos da música “tradicional” pela forma como na genética da música grega encontra pontos de partida que junta às sugestões das paisagens físicas e humanas que o cinema e o teatro lhe foram pedindo, encontrando um espaço sobretudo habitado por notas de melancolia mas que é claramente expressão do presente e de um sentido dramático ligado às obras que integra. A sua música para cinema e teatro transcende contudo a vivência na sala, revelando uma capacidade invulgar em respirar com fôlego uma segunda vida quando chega a disco e as imagens não são senão memória do que vimos num ecrã ou, quando muito, na capa e booklet que acompanha o disco. São raras as edições de Karaindrou extra cinema e teatro. Em 2005 chegou-nos Elegy of The Uprooting, um duplo álbum ao vivo gravado com orquestra sinfónica. Agora, em Concert In Athens encontramos um segundo retrato de palco, este na companhia de uma orquestra de câmara e contando com a expressiva contribuição em palco do saxofonista norueguês Jan Garbarek (que consigo trabalhara em O melissokomos, ou seja, The Beekeeper) e o violinista norte-americano Kim Kashkashian (colaborador em O Olhar de Ulisses). O programa do concerto é extenso, feito essencialmente de excertos de obras criadas para o grande ecrã e para o palco, a partilha do espaço com os dois convidados alargando horizontes às composições originais, libertando-as para novas visões, frequentemente para lá do limiar dos espaços de um certo jazz mais contemplativo. Ao contrário do álbum ao vivo de 2005 ou da antologia Music For Films, este talvez não seja o cartão de visita ideal para a descoberta de Eleni Karaindrou nem mesmo serve uma possível síntese da sua obra até aqui. É, antes, uma variação possível que mostra como um caminho, afinal, pode ter ramificações sem que tal implique que se perca uma noção de rumo.

As (muitas) cores de Flash Gordon

Foi quase um desastre de bilheteira na época, ficando muito aquém de títulos como A Guerra das Estrelas, Encontros Imediatos de Terceiro Grau, Alien – O Oitavo Passageiro e até mesmo a primeira expressão no grande ecrã de Star Trek, que faziam da ficção científica o “sabor” do momento na passagem dos setentas para os oitentas. Com o tempo ganhou contudo um estatuto de culto, a história recordando-o hoje como uma das mais garridas entre as primeiras incursões do cinema pelo património dos comics (que hoje, mais de 30 anos depois, está na ordem do dia).

Flash Gordon nasceu nos anos 30, criado por Alex Raymond um pouco na linha das tiras que entretanto tinham já feito de Buck Rogers um herói popular. Flash era um jogador de pólo, formado na universidade de Yale que, na companhia de Dale Arden e do Dr. Zarkov rumavam ao planeta Mongo, onde o seu governante, o imperador Ming, se divertia com a Terra, lançando sobre si uma tempestade de meteoritos... Coisa simples... Flash Gordon dá então por si num mundo dividido sob o jugo de um tirano impiedoso, cada comunidade puxando por si, desconhecedores das máximas do estilo “o povo unido” e afins... Num PREC despido de ideologia, mais feito de pancada, pistolas de raios, naves, homens falcão e outros seres e costumes bizarros, Flash Gordon lança as táticas, mobiliza as forças, encontra o ponto de rebuçado da unidade popular... Dá conta do recado e lá se vai o tirano por água abaixo... A personagem e os lugares por onde andou deram na verdade pano para mangas, alimentando tiras publicadas na imprensa durante décadas.

Em 1936, dois anos depois de nascido entre os lápis e tintas de Alex Raymond, Flash Gordon chegou pela primeira vez ao cinema num primeiro serial, que se prolongaria por 13 episódios e representaria uma das primeiras grandes produções bem sucedidas do cinema de ficção científica. Tanto que, pouco depois, geraria dois novos serials: Flash Gordon’s Trip To Mars (de 1938, com 15 episódios) e Flash Gordon Conquers The Universe (de 1940, em 12 episódios). O impacte destes serials motivararia, mais tarde, a criação de uma primeira série televisiva de acção real (com 39 episódios produzidos entre 1954 e 55) e uma segunda, de animação (de 32 episódios, criados entre 1979 e 1980).


É perante todo este legado e a consciência da solidez de um herói criado pela cultura popular dos anos 30 que soubera cruzar gerações que Dino de Laurentis avança com o projeto de um filme centrado na figura de Flash Gordon. O caldeirão de ingredientes era, de facto, impressionante, juntando um elenco onde encontrávamos nomes como os de Max Von Sydow (Ming), Topol (Dr. Zarkov), Timothy Dalton (o príncipe Barin) ou Ornella Mutti (princesa Aura), uma banda sonora essencialmente instrumental criada pelos Queen, um guarda roupa criado por Danilo Donati (que trabalhou com Fellini) e uma direção artística atenta à herança dos serials dos anos 30, juntando agora a exuberância da cor. A realizar está Mike Hodges.

A história recebeu alguns novos temperos – Flash Gordon passou a ser um jogador de futebol – mas na essência retrata a ida do pequeno contingente a Mongo, o confronto com Ming e o jogo de resistência e oposição que se segue. Coisa linear, simples (a roçar por vezes o simplório), firme na exploração de um tom de fantasia e até alguma ingenuidade visual e narrativa herdada das memórias das produções dos nos 30, vincando por outro lado a novidade berrante da cor, num festim camp de exagero barroco planetário como poucas vezes a ficção científica vestiu. Nem mesmo na Barbarella de Vadim...

Mais de 30 anos depois, Flash Gordon é um guilty pleasure que virou coisa de culto (consciente do tom kitsch e camp que aqui mora). O inenarrável Ted (um dos piores filmes de 2012) sublinhou a carga deste sentido de culto chamando a cena o ator Sam J Jones que vestiu a pele de Flash Gordon (e a própria memória da personagem). Podemos apenas rever o filme sem ter de passar pela história do ursinho que fala, a nova edição em DVD surgindo contudo entre nós sem os conteúdos adicionais que encontramos na edição comemorativa em Blu-ray lançada internacionalmente em 2010.


Nota adicional ainda para a música. Criada pelos Queen, a música de Flash Gordon foi a primeira das suas duas investidas maiores pelo cinema (a segunda chegando anos depois em Highlander, de Russel Mulcahy). A música é essencialmente instrumental (há apenas duas canções), grande parte das composições explorando o tom “futurista” dos novos sintetizadores, mantendo todavia o tom épico que sempre caracterizou a alma das canções do grupo. No fim, Flash Gordon é o mais atípico dos álbuns da obra dos Queen, a lógica camp que as imagens sugerem encontrando aqui perfeito complemento direto. O álbum foi recentemente reeditado com som remasterizado, juntando um segundo CD com maquetes, versões alternativas e gravações ao vivo.

Pelas ruas de Berna (3)


Ainda caminhando pelas ruas da zona antiga da cidade de Berna, olhamos hoje alguns edifícios que contam história. A primeira imagem mostra o Zytglogge, uma torre (com relógio) que foi porta da cidade entre 1191 e 1250. O relógio mecânico que nos mostra foi construído por Caspar Brunner entre 1527 e 1530 e contém figuras que desfilam antes de tocar. A segunda imagem mostra o edifício da Rathaus (Câmara Municipal), a sede do cantão e da assembleia legislativa da cidade, edifício construído entre 1406 e 1416. A terceira imagem mostra uma das muitas igrejas que encontramos nesta zona da cidade, esta morando junto à Nydegbrücke.

"Top Gun" em IMAX + 3D

A notícia não é exactamente a reposição de Top Gun no mercado dos EUA — afinal de contas, o filme estreou em Maio de 1986 e não está a completar nenhuma efeméride mais ou menos "simbólica". É bem certo que (no plano simbólico, justamente) a condição de star de Tom Cruise é indissociável desta célebre realização de Tony Scott. Seja como for, mesmo com os suplementos técnicos de IMAX + 3D, não se comemoraria nada através de tão paradoxal austeridade — leia-se: Top Gun vai estar em exibição apenas 6 dias [trailer deste lançamento]. Que se passa, então? Um desesperado salto para a frente em que as salas passam a funcionar apenas como plataformas de lançamento para... Para quê? A futura edição em Blu-ray 3D de Top Gun! Ou como o marketing banaliza a própria imagem de marca de Hollywood.
Poderemos lembrar: na história grandiosa de Hollywood, Top Gun não será um dos exemplos mais requintados... Claro que não. Mas não são as qualidades específicas do filme A ou B que estão em causa. É, isso sim, o esvaziamento do facto-cinema, a ponto de o clássico circuito de exibição ser gerido, em casos como este, como apenas mais um ecrã de promoções do admirável mundo digital.

segunda-feira, janeiro 28, 2013

Ascensão e queda de Sarah Palin

Julianne Moore + Sarah Palin
Recentemente distinguido pelos Globos de Ouro, Mudança de Jogo constitui mais um caso exemplar da exigência criativa da televisão com a chancela da HBO: um retrato interior, perturbante e anti-maniqueísta da ascensão e queda de Sarah Palin — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Janeiro), com o título 'Um notável telefilme'.

É bem verdade que há todo um entendimento plural e inventivo da televisão que vive muito para além das rotinas do populismo e das misérias da reality-TV. Um dos exemplos mais recentes dessa capacidade, e também dessa vontade, de fazer uma televisão realmente envolvida com as grandes questões do seu presente está numa notável produção americana, com chancela da HBO: chama-se Mudança de Jogo (título original: Game Change) e tem estado a passar nos canais TVCine.
Jay Roach, o realizador, revela especial apetência pelos temas eleitorais americanos. É dele outro magnífico telefilme da HBO, Recount (2008), sobre o processo de recontagem dos votos, no estado da Florida, nas presidenciais do ano 2000. Desta vez, trata-se de recordar as eleições de 2008, quando Barack Obama venceu John McCain, fazendo a história da candidatura de Sarah Palin, pelos republicanos, ao cargo de vice-presidente.
Curiosamente, a colaboração política McCain/Palin está longe de ser o fulcro do filme. Ou melhor, o seu relativo distanciamento acaba por ser o primeiro sintoma insólito de um “ticket” político que nasceu menos de um discurso articulado e mais da tentativa de criar um efeito de surpresa, antes do mais visando o eleitorado feminino.


O filme consegue a proeza de colocar em cena uma personagem hiper-caricaturada (é citada a célebre imitação de Palin por Tina Fey, no programa Saturday Night Live), sem a reduzir a um mero instrumento narrativo. Mérito da direcção de Roach, claro, mas mérito também da assombrosa composição de Julianne Moore que, muito para além da perturbante semelhança física, consegue pôr em cena uma Sara Palin de muitos contrastes, desarmante pelas suas muito humanas contradições.
Recentemente, Mudança de Jogo arrebatou três Globos de Ouro: melhor mini-série ou telefilme, melhor actriz (Moore) e melhor actor secundário (Ed Harris, no papel de McCain). É um caso exemplar de uma televisão cuja excelência não pode ser separada de um trabalho de reavaliação das próprias imagens que, de uma maneira ou de outra, pertencem aos seus espaços informativos.

O regresso dos The Knife

A dupla sueca The Knife regressa aos discos este ano com aquele que será, finalmente, o sucessor do muito aclamado Silent Shout. Para já, como cartão de visita para um triplo-álbum com perto de 100 minutos de música, apresentam este Full of Fire, acompanhado por um teledisco criado por Marit Ostberg.

Novas edições:
Mark Eitzel, Don't Be A Stranger


Mark Eitzel 
“Don’t Be A Stranger” 
Decor 
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Há um (novo) sentido de fragilidade na voz de Mark Eitzel que afinal torna ainda mais sólidas as canções de melancolia, perda e dúvida que habitam o alinhamento de Don’t Be A Stranger, talvez o seu melhor disco desde a etapa maior na história dos American Music Club quando, em inícios dos noventas, nos deram álbuns inesquecíveis como Mercury (1993) ou San Francisco (1994). A obra em disco de Eitzel em nome próprio é, na verdade, anterior ao seu relacionamento com a banda de São Francisco que dele fez uma das vozes de referencia do panorama indie norte-americano dos anos 90. Contudo, e apesar de uma certa continuidade, a sua obra a solo só ganhou fôlego em tempos de pausa na vida dos American Music Club. Seja quando saíram de cena por dez anos após San Franscisco, seja desde que, na sequência do lançamento de The Golden Age (2008) o grupo voltou a ligar o botão da “pausa” (restando saber se, afinal, foi antes um “stop”, como alguns rumores sugerem). Sem impacte maior Mark Eitzel apresentou depois Klamath (um álbum de originais, em 2009) e Brannan Street (juntando novos arranjos e também canções que acabaram fora dos seus discos a solo e de álbuns dos AMC, em 2010). E o silêncio que se seguiu só foi interrompido pela notícia de um ataque cardíaco que Eitzel sofreu em 2011, cabendo a Don’t Be A Stranger o papel de calar o silêncio com um novo (e magnífico) conjunto de canções. Sem a noção de abismo do álbum que Jason Pierce gravou via Spiritualized em 2008 (após ter corrido perigo de vida) nem o sentido de triunfo sobre a doença que exalava de Home Again, que Edwyn Collins apresentou em 2007 (depois da recuperação de duas hemorragias cerebrais), Don’t Be A Stranger é antes um disco que prefere traduzir as fragilidades (mais antigas, renovadas e reencontradas) de um ser assombrado pela dúvida e a perda, não necessariamente com agenda clínica por perto. A mais evidente marca física do mau bocado que passou revela-se – um pouco como no recente single de Bowie – na evidência de uma voz menos pungente, fragilidade que acaba defendida pela mestria da escrita de canções que, apesar do predomínio de uma instrumentação convencional (o que não menoriza a excelência do trabalho das guitarras), abrem ocasionalmente espaço a um mais elaborado trabalho de arranjos, sobretudo para o piano, coros e, pontualmente, cordas. A sugestão de ausência que a imagem da capa propõe mora na alma das canções que fazer desde um dos primeiros grandes discos do ano.

Sundance 2013: os prémios

Cenas da vida real dominam a premiação principal da edição 2013 de Sundance com Fruitvale, primeira obra de Ryan Coogler, sagrando com o grande vencedor. Com argumento aprovado há um ano no Sundance Screenwriters Lab, o filme evoca a figura (real) de Oscar Grant, um jovem de 22 anos que foi morto pela polícia da Bay Area num incidente numa estação de comboios na manhã de ano novo de 2009. O prémio maior para documentários de produção norte-americana destacou, por sua vez, Blood Brother, filme de Steve Hoover que nos conta a história de vida de um americano desencantado e desmotivado que encontrou novo rumo ao trabalhar num orfanato da Índia para crianças infectadas com o vírus VIH. Os dois grandes prémios do júri para cinema internacional foram para produções asiáticas. Da Coreia do Sul, Jiseul (de Muel O) recorda os factos em torno de um massacre em 1948. Do Camboja chegou o documentário destacado pelo grande júri, que assim escolheu A River Changes Course, de Kalyanee Mam.

Podem consultar aqui a premiação completa de Sundance.

Pelas ruas de Berna (2)

São várias as figuras escultóricas que podemos ver nas ruas da zona mais antiga da cidade de Berna. Algumas delas estão associadas a pequenas fontes, outras fazendo parte da estrutura de edifícios. Aqui ficam imagens de três exemplos.

A viagem interior de Émilie

Foto: FCG/Márcia Lessa

Foi certamente um dos momentos altos da temporada 2012/13 da Gulbenkian, a estreia nacional de Émilie, a mais recente ópera de Kaija Saariaho, contando inclusivamente com a presença da compositora na sala (afinal a obra é co-encomenda da Gulbenkian com a Ópera de Lyon, onde teve estreia mundial e o Barbican Centre). A ideia de um monodrama para soprano solo foi o ponto de partida, a leitura recente de um livro de Elisabeth Badinter sobre Émilie de Châtelet (Gabrielle Émilie Le Tonnelier de Breteuil, marquesa de Châtelet-Laumont, 1706-1749) focando depois primeiros sinais de um caminho, que a compositora foi trabalhando ao longo de meses, em conversas com Amin Maalouf (que assinou o libreto), em 2008 começando a composição da partitura naquilo que a própria Kaija Saariaho descreve como “um longo inverno passado com Émilie”.

Uma das maiores entre as figuras pioneiras da ciência no feminino, Émilie de Châtelet permite-nos revisitar os ideais do iluminismo (com os quais o seu pensamento emergiu e ajudou a fixar as marcas de um tempo). Porém, mais que apenas fazer de Émilie uma ópera-retrato das ideias de uma mulher que foi física, matemática, escritora, Saariaho promove um quadro reflexivo que encerra numa sucessão de nove momentos dentro de um instante narrativo: a espera de um veredicto clínico. Espera que desencadeia memórias e reflexões.

A música serve assim de plano discreto sobre o qual a voz enceta uma viagem interior. Contudo, e apesar da excelência vocal e dramática da soprano Barbara Hannigan, o que mais impressiona na nova ópera de Saariaho é mesmo o trabalho delicado, mas feito de subtilezas que não se diluem no fundo orquestral, que a música revela quadro após quadro.

Numa produção que – um pouco como a que em tempo ali vimos de A Flowering Tree, de John Adams – soube conciliar uma ideia de encenação com a necessidade de colocar músicos em cena (num palco mais “habituado” a versões de concerto), Émilie foi também aí uma experiência feliz, a convincente visão de Vasco Araújo e André Teodósio (que contou com bailarinos da Companhia Nacional de Bailado e da Escola Superior de Dança) criando uma possível materialização física dos estados de alma, ideias e memórias pelas quais passam os nove momentos que a protagonista vive em palco, as breves “aparições” de T-shirts dos Justice ou Sepultura sendo, juntamente com a presença instrumental de um cravo, marcas possíveis de pontes que se sugerem entre o tempo da figura que se evoca e o do presente em que a obra nasce e ali se mostra, agora, corpo vivo.

The Strokes: uma canção para guardar

The Strokes oferecem uma canção para download. Chega-se lá através do ficheiro audio que aqui se disponibiliza ou visitando o site da banda. Chama-se One Way Trigger e poderá ser (ou não...) o primeiro sinal de um novo álbum para 2013. Incertezas à parte, os rapazes soam muitíssimo bem, fiéis ao seu lirismo de muitos paradoxos, não sem que Julian Casablancas arrisque um delicioso falsetto.