Uma produção espanhola falada em inglês (e com actores de língua inglesa): eis um sintoma da consolidação de elaboradas estratégias de expansão da indústria espanhola. Infelizmente, tal não basta para gerar filmes consistentes. E O Impossível, sobre a agonia de uma família no tsunami asiátido de 2004, fica-se pelas convenções de telefilme — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Janeiro), com o título 'Um filme em alerta amarelo'.
Para além da curiosidade (?) de vermos um filme espanhol falado em inglês, protagonizado por Naomi Watts e Ewan McGregor, não há muito a dizer sobre O Impossível. A história da família que sobrevive ao tsunami asiático é contada com a preguiçosa placidez de um telefilme de rotina, alimentando sucessivas e monótonas redundâncias narrativas. Em boa verdade, o mais interessante decorre do gigantesco impacto comercial do filme, nomeadamente no seu país de origem (onde superou os números do próprio Titanic).
Entendamo-nos: o filme não é melhor nem pior pelo sucesso que está a ter. Que é como quem diz: podíamos estar a falar de um aparatoso desastre de bilheteira que isso não alterava em nada o pastoso convencionalismo narrativo e dramático de O Impossível. O que é interessante, porque sintomático, é o facto de este “naturalismo” vulgarmente televisivo ter adquirido um pouco por todo o lado o estatuto de coisa intensamente verdadeira...
Não creio que a sofisticação técnica dos efeitos visuais explique tudo. Nem mesmo a circunstância de O Impossível se basear na história verídica de uma família (espanhola). O que aqui se exprime é essa ideologia muito televisiva segundo a qual a catástrofe possui um automático coeficiente de verdade. Aliás, mais do que isso, no espaço televisivo passou a imperar uma festiva semiologia catastrofista. Exemplo benigno da meteorologia: já não há muito frio, chuva intensa ou vento forte mas... alertas de todas as cores! Dir-se-ia que a própria televisão alimenta a ilusão de ser mais verdadeira quando “legitimada” pelos estragos materiais que noticia. O Impossível é apenas um objecto enraizado nessa ideologia da fotogenia do desastre. A tal ponto que ignora coisas básicas como a arte de construir uma personagem.