sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Revendo Leni Riefenstahl (3/3)


No Centro Cultural de Belém, incluído no ciclo 'O Nazismo e a Cultura: Con-frontações' (a decorrer até 1 de Março), foram apresentados alguns filmes que, directa ou indirectamente, remetem para o contexto histórico em análise. Enquanto responsável pela selecção desses filmes, apresentei a sessão de O Triunfo da Vontade (1935), de Leni Riefenstahl (14 de Fevereiro, 19h00) — este é o texto lido nessa apresentação.

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Voltando a citar o espírito da biografia escrita por Jürgen Trimborn, diria que essa reflexão sobre as relações “arte”/”política” é tão essencial quanto insuficiente. Isto porque, inevitavelmente, é impossível apagar uma verdade que Riefenstahl sempre quis disfarçar ou adocicar: de facto, ela foi objectivamente parte de uma máquina gigantesca, máquina política e máquina cultural, que consumou alguns dos mais horrendos crimes do século XX.
Mas ao mesmo tempo — e reconheço que es-te “mas” é terrível e terrivelmente perturbante — mas ao mesmo tempo não a podemos com-preender como mero exemplo dessa outra dicotomia que se estabelece entre o “individual” e o “colectivo”. E isto por uma razão muito básica: a de que não é possível pensar e repensar o nazismo sem o situar muito para além da expressão que ele adquiriu no discurso de artistas como Leni Riefenstahl. É preciso pensá-lo e repensá-lo como qualquer coisa de eminentemente interior à sociedade alemã dos tempos da Segunda Guerra Mundial e, em particular, dos tempos anteriores que conduziram a essa guerra.
Esta atitude parece-me tanto mais actual e pertinente quanto creio que se pode dizer que estamos a assistir a uma nova vaga de interrogações e reflexões sobre essa Alemanha que viveu sob o nazismo. Como é óbvio, trata-se de um processo que se liga com a evolução da sociedade, dos estudos históricos, das ideias políticas e dos confrontos entre gerações. Para nos ficarmos por um exemplo muito próximo, e interior ao cinema, lembrarei o filme de Stephen Daldry, O Leitor, baseado no romance de Bernhard Schlink.
Trata-se, afinal, de não recusar lidar com a complexidade das memórias, mesmo as mais cruéis, incómodas ou perturbantes. Nessa medida, creio que voltar a ver um filme como O Triunfo da Vontade é também refazermos e relançarmos a relação com essas memórias – na certeza de que negar a existência do Mal é sempre uma má política.
Dito de outro modo: a mera demonização de Leni Riefenstahl passará sempre ao lado da complexidade da sua herança – precisamos de a ver e sempre, intransigentemente, podemos e devemos questioná-la.